terça-feira, 30 de maio de 2023

Conversas SBCenses: sobre ETARISMO

O etarismo, também conhecido no idioma português como idadismo ou ageísmo, é o nome que se dá para as práticas discriminatórias realizadas contra uma pessoa com base em sua idade. Essa discriminação é fruto de estereótipos que são construídos contra um grupo de pessoas de idades diferentes da nossa. Trata-se de um preconceito que pode atingir pessoas de diferentes idades, mas é muito mais comum em relação a pessoas idosas. Assim, o etarismo é um problema que se intensifica na vida das pessoas à medida que elas envelhecem. O etarismo pode se manifestar por meio de violência psicológica, verbal ou física. No entanto, o etarismo é considerado um preconceito silencioso, porque está difundido em nossa sociedade e se manifesta por meios que podem ser bastante sutis. Pode ser encontrado, por exemplo, nas relações familiares, no mercado de trabalho e em diversos outros locais da sociedade.

"Apesar de o etarismo também ser praticado contra jovens, o grupo que mais sofre com esse preconceito são os idosos. À medida que uma pessoa envelhece, uma forte pressão social se estabelece tentando controlar a forma como essas pessoas se comportam. Existe também um grande descrédito sobre as ações de uma pessoa idosa, como se ela fosse incapaz de tomar suas próprias escolhas. É bastante comum que as vontades de idosos sejam desconsideradas, pois são entendidos como incompetentes para tomar suas escolhas por causa de sua idade. Isso acontece no âmbito familiar, médico e em muitos outros".

"A palavra etarismo se origina de ageism, uma palavra em inglês que descreve o preconceito contra pessoas por conta de sua idade. Inclusive, “ageísmo” é um aportuguesamento da expressão em inglês. Essa palavra do idioma em inglês foi criada, em 1969, por Robert Butler, um médico que estudou o preconceito contra idosos. Existe também a velhofobia, que é uma variação do etarismo. Muitos entendem que a velhofobia pode ser tanto o preconceito contra pessoas por sua idade avançada como também o temor e a rejeição pelo próprio envelhecimento."

O etarismo é um problema no Brasil, mas não somente aqui. A Organização Mundial da Saúde apontou, por meio de uma pesquisa, que um em cada seis idosos no planeta já sofreram algum tipo de violência em algum momento de sua vida.  A pesquisa da OMS também revelou que até 2050, a população de idosos será de cerca de 2 bilhões de pessoas, sendo necessário agir para impedir que o etarismo siga tão difundido assim. No caso do Brasil, estima-se que o país terá uma das populações mais idosas do mundo nas próximas décadas. Lembrando que o etarismo pode se manifestar por meio de violência psicológica, verbal e até mesmo física. Também a pesquisa aponta que cerca de 50% dos casos de etarismo são realizados pelos próprios filhos. Vizinhos e netos são grupos que reproduzem bastante o etarismo, além desse problema ser recorrente nos atendimentos médicos - estima-se que o etarismo tenha aumentado consideravelmente durante a pandemia de covid-19. No entanto, alguns países tendem, culturalmente, a valorizar as pessoas com mais idade, pela sabedoria, entre outras características. 

O etarismo pode ser considerado crime de acordo com a legislação brasileira. No caso dos idosos, o Estatuto da Pessoa Idosa estabelece meios para protegê-los  contra possíveis abusos. O estatuto, também conhecido como Lei nº 10.741, foi uma lei sancionada em 6 de outubro de 2003, durante o ´primeiro  governo de Lula. Essa lei procura estabelecer os direitos das pessoas idosas no Brasil, criando um mecanismo para garantir a dignidade das pessoas idosas e o respeito aos direitos delas. Dentro dessa lei existem alguns importantes artigos que delimitam que o etarismo e a discriminação contra pessoas idosas por conta de sua idade é crime.

O Professor de História Daniel Neves Silva cita alguns exemplos de situações que podem ser enquadradas como etarismo:
  • chamar uma pessoa de “velha” ou “velho” de maneira pejorativa;
  • desconsiderar a opinião de uma pessoa unicamente porque ela é idosa ou muito nova;
  • considerar que uma pessoa é incapaz de fazer algo pela sua idade;
  • afirmar que todo adolescente é irritante apenas por sua idade;
  • demitir uma pessoa por considerá-la “velha demais” para exercer um ofício;
  • considerar que uma pessoa é incapaz de assumir um posto de trabalho por ser muito jovem;
  • não dar oportunidades, propositalmente, para que pessoas mais velhas sejam contratadas em uma empresa;
  • falta de políticas públicas em benefício de pessoas de determinada idade;
  • considerar pessoas idosas incapazes de fazer suas escolhas unicamente por serem idosas;
  • fazer uma análise médica com base unicamente na idade de uma pessoa, ignorando o relato do paciente;
  • julgar uma pessoa idosa por não ter conhecimentos de tecnologia.
Como citado, o etarismo é um preconceito, geralmente, silencioso, que ocorre sem que muitas pessoas percebam, e é manifestado, principalmente, por pessoas próximas. Vimos também que, embora aconteça nos vários ambientes sociais, é no  contexto familiar que esse tipo de violência mais ocorre. De um lado, precisamos desenvolver nossa atenção em relação à prática do etarismo com as pessoas mais próximas a nós... Parece que são com as pessoas que mais amamos que as "violências sutis" ocorrem.  Por outro lado, pensando no conceito de "lugar de fala", cabe também, relacionalmente,  à pessoa que está se sentindo violentada por este preconceito, denunciá-lo sempre, a fim de que nossas relações "se movimentem" para a construção de relações mais bonitas e saudáveis... mais humanas, enfim... com a prática da aceitação do feedback, do exercício da alteridade e da empatia. Além disso, rir da gente mesmx (dos nossos próprios pré-conceitos, "medos de envelhecermos"), como sempre conversamos no SBC, desoxida talentos, inclusive o talento para "bem viver".



Com isso passamos ao depoimento a seguir, um relato do "ponto de vista" (esse termo me parece bastante interessante, ponto(s) de vista existem vários, e é bacana estarmos atentos a pelo menos alguns deles) de uma velhinha, que, de maneira alguma, considera pejorativo o termo "velhinha", pois a idade, para ela, está sendo a aprendizagem da humanidade, da humildade e da sabedoria:

" Quando remexo minhas lembranças, parece que foi ontem que eu era adolescente, nos anos 60... E eu, nessa época, pensava em como seria a virada do século... E pensava em como eu estaria velha! 
Pois a virada do século chegou, depois de dois casamentos, filhos, netos... E eu com quase 50 anos... 
Então, curioso, não senti o que pensava que sentiria... Pelo contrário, me senti talvez com uns 20 anos... Mas como? me perguntei... Bem, no sentido físico estava bem, não sentia, ainda, nenhum PVC (porra da velhice chegando), aqueles pequenos incômodos que sinto agora ao levantar, que passam com o "endireitamento" do corpo... No sentido do "espírito", me sentia com muita vontade de "cair no mundo"... E foi o que fiz (isso significou, pra mim, conhecer pessoas, me envolver, amar, transar) ... No sentido "intelectual" me sentia mais ou menos no princípio de uma jornada que eu vislumbrava pra mim mesma, a de ser uma profissional competente, uma palestrante de peso (com conteúdo suficiente para boas trocas com seu público); queria, também, continuar escrevendo, já gostava muito de escrever nessa época... E eu comemorei a vidada do século pensando em Rosa Luxemburgo, que comemorou a virada de 1999 para 2000, me pensando, também, sob o ângulo político, queria muito mais aprender e desenvolver uma visão de mundo - e participar da construção de um mundo mais justo e bonito.

Pois bem, estamos agora em 2023... E eu estou "velhinha"... meu corpo já sente os incômodos ao levantar, mas nesses vinte e poucos anos tentei me cuidar, fazer exercício físico é imprescindível, construir hábitos saudáveis - alimentação, parar de fumar, dormir bem, essas coisas... Mas no sentido intelectual, percebo que foram os anos mais produtivos da minha vida. Não sem esforço, costumo dizer que é o mesmo esforço que gastamos para a inércia, consigo hoje "ser quem eu queria ser", e este estado não é, de jeito nenhum, estático... Sei que posso caminhar muito mais... E quero isso, o "esforço" se transforma em prazer, acreditem... No plano afetivo-sexual me sinto, agora, com "energia para o amor" talvez maior do que a da virada do século, talvez um pouco mais sábia, ou um pouco mais besta, não sei ainda muito bem... Bem, trabalho muito para me manter atualizada (e sei que perco muitas coisas), o mundo se transforma mais rapidamente do que no século passado, a tecnologia anda "a galope" (nossa, esse termo é muuuiiiito antigo...); mas, talvez, a "sabedoria de quem sabe que nada sabe" seja a que nos faz rir da gente mesma e querer viver cada momento como se fosse o mais importante das nossas vida... E disso é feita a vida! Brindemos à vida!"


Agradeço imensamente a essa querida "velhinha" amiga, super SBCense, pelo seu depoimento, que me identifico plenamente, pois me vejo como essa mulher "do século passado" e que se vê como "em constante aprendizagem" ... Comovente, uma lição de vida.

E, para mim, uma das experiências de vida mais prazerosas, foi, nesse século, a construção desse coletivo SBC (Samba, Bobagem, Cerveja), pois através dele - e da arte - me enriqueço e coloro a minha vida com  as mais alegres e brilhantes cores.  "A arte salva", a arte é vida pulsante, em movimento, as angústias, os amores não correspondidos, os não reconhecimentos, as micro violências,  tudo isso transformado em arte produz "superações"... Assim como os "amores bem vividos", a vida bem vivida, também é uma arte...




Conheci semana passada a querida Marluce Cerqueira, que já é  SBCense "amiga de infância"... e parece que vive, também,  inquietações da nossa idade... inquietações que transforma em arte, em poesia, crônicas... Ela é professora, atriz, e "uma mulher em constante construção". Obrigada querida, por compartilhar conosco suas crônicas: a seguir, uma delas que nos faz "rir - e chorar - da gente" e seguir na vida:


SENILIDADE

Tempos atrás fui ao médico, dermatologista, por causa de umas pequenas manchas nos braços.
Após o exame, veio o diagnóstico: senilidade! Assim, dado à queima-roupa, sem preparo algum –
achei de uma insensibilidade -, olhei para o médico com um misto de incredulidade, surpresa e
indignação. E ele, ironicamente, disse: “a outra opção era pior ...”. Que opção? Câncer de pele ou a
morte? Escolhe-se alguma delas, ou é fatalidade? Levantei-me dignamente no alto de meus 1,61 m
– por que não calcei aquela sandália de salto, pensei. Não adiantaria muito já que o doutor
quarentão era um gigante na altura e ainda tentou me convencer de que eu estava “muito bem
para a minha idade”. Azedou. Nunca mais piso no solo daquele consultório.
Hoje recebi o resultado de meus exames de sangue. Colesterol, o bom, baixo, o mau, alto. Índices
glicêmicos: alterados. Seguro de vida: redução do “prêmio” devido aos resultados e à mudança de
faixa etária! Cadê os benefícios do envelhecimento? A sabedoria, o equilíbrio, o meio termo ...
Nesse momento, tudo isso me parece prêmio de consolação.
Daí, estou ouvindo “Casta Diva”, primeiro ato de “Norma” ópera de Vicenzo Bellini, com Maria
Callas em divina performance (que voz!) e eu abrindo os alçapões da tristeza e do drama. E depois,
lembrei-me da linda e tristíssima cena do filme “Filadélfia” em que Maria Callas canta “La Mamma
Morta” e fui ao YouTube ver, rever e chorar.
Como desgraceira pouca é bobagem, entrei no túnel do tempo (ao som de Norma, ópera
completa) e fui buscar todas as vezes em que entristeci e chorei. Lembrei-me de minha primeira
briga de verdade em que revidei um empurrão e tive o vestido rasgado – e apanhei de minha mãe
pelo vestido descosturado (por causa disso aprendi a bordar, fazer crochet e tricô, mas nada disso
atenua o desalento de agora). E a história do vestido rasgado resgatou outra recente, de uma
eleição passada, em que uma criança ao escapar da mão da mãe, correu em minha direção e
levantou meu vestido, enquanto eu assinava. E eu só conseguia pensar: será se estou usando uma
calcinha bonitinha ou é uma daquelas de Bridget Jones? Deletei o que aconteceu depois, o sorriso
amarelo, a vergonha, a vontade de sair correndo.
E continuo desfiando o rosário das desgraças e os nãos que ouvi na vida (momentaneamente,
esqueci os muitos sins); dos amores que não deram certo (defenestrei as boas lembranças). E
chorei. E até poetizei o choro. Sim! Escrevi um poema (nunca admiti que já escrevi algumas rimas
pobres), uma ode às lágrimas e aos desalentos amorosos: Choro quando me torno invisível aos
seus olhos/Choro quando você me ignora/Choro quando você não me vê/Choro, choro
úmido/Choro, lágrimas não derramadas/Choro por desamor/Choro também por amor /Choro, não
me contenho/Choro por mim/Choro por nós/Choro pelo que podia ser/Choro pelo que não
foi/Choro pela sua falta/Choro pela sua volta/Choro, solitária/Choro, choro, choro. Misericórdia! É
muita emoção pra tão pouca dor.
Velha, eu? Idosa? Caramba! Retorno, lentamente, à sabedoria creditada às anciãs. Apaziguo minha
mente confusa, faço as pazes com meu corpo esguio, afago meu consolável coração. E reconheço
a lindeza de minha história. Vida que pulsa.


Por último, ótimo será quando,  superando o medo do próprio envelhecimento,  exercermos nossa cidadania e realizarmos ações afirmativas, reivindicando nossos  direitos, por exemplo, lutando por uma cidade mais inclusiva para todas as idades... e também para "todos os gêneros", necessidades especiais...  e por aí vai... Junto com os cabelos brancos - ou da cor que vc quiser - "tem muitos anos de experiência e trabalho...", como diz nossa vereadora Cida Falabella.



Gratidão querida Marluce, gratidão aos que nos leem... até a próxima...




5 comentários:

  1. O etarismo vem sendo mais um dos preconceitos avassaladores dirigidos especialmente às mulheres na sociedade.
    É mais uma luta que deve ser travada.
    O mercado de trabalho é cruel então.
    Visão totalmente equivocada e plantada pelo machismo estrutural.
    Tenho 59 anos e hoje me sinto muito mais preparada que aos 30. Hoje tenho muito mais competências, habilidades e atitudes adquiridas com o tempo.
    No amor sou mais compreensível, despojada de mitos e tabus o que me leva a relações mais leves e prazerosas.
    O corpo muda conforme as fases do desenvolvimento humano, mas temos amadurecido com mais beleza, pois graça a ciência temos mais vigor e saúde!
    Enfim, teria aqui muitos mais exemplos, que daria um livro.
    é uma construção dos
    A expressão idade etária é utilizada por pesquisadores do desenvolvimento humano, para explicar as evoluções do corpo e da mente conforme o as etapas da vida.
    Etarismo foi uma construção da sociedade preconceituosa para o depreciar o "velho."
    Palavra essa que também se tornou carregada de preconceito.
    E não costumamos dizer que os produtos antigos eram mais duráveis e que a vira era mais curtida, porque tínhamos tempo de viver?!
    Hoje temos os avanços tecnológicos, avanço da ciência e muitas outras coisas. Mas que beleza!
    As pessoas maduras então tem a experiência de ontem, a modernidade para agregar e um futuro para viver! Fantástico!
    Estamos falando de vida, vigor, energia e amor!
    Para quem não me conhece sou Cleunice, mais conhecida como Cléo, psicóloga integrante do SBC, militante na saúde mental, mulheres,e direitos humanos, integrante do Movimento Popular da Mulher, Central Única dos trabalhadores e como não posso deixar de dizer Comunista sim, de Carteirinha!
    Um grande abraço a todos e uma boa leitura porque esse blog é muito rico de informações. Parabéns as construtoras desta obra de hoje e de sempre!

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  2. Obrigada Cléo! Abraços carinhosos

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    1. Desculpe os errinhos ortográficos😁. Quando vi já tinha ido. Mas o contexto é mais importante!

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  3. Importantíssima matéria, você é TOP Santuza, mulher determinada e lutadora.
    Saudades!

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  4. Muito obrigada pela crônica Santuza Rodrigues. Excelente, sensível, real , atual e bastante necessário . Adorei.
    Antonieta Shirlene

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