sexta-feira, 31 de março de 2023

Sarau feminista... SBC presente


"O amor não está em mim... o amor não está em você ... o amor está no espaço entre nós, na energia que nos rodeia"

Lembrando do filme Antes do Amanhecer do nosso post anterior, usamos a frase para retratar a forte energia que circulava naquele sarau... a energia da sororidade, o amor da amizade, o amor entre mulheres, a troca de experiências, conhecimentos, poesias, que só contribuiram para um conforto dos nossos espíritos e nosso crescimento mútuo, pois este é o valor da arte.


Gratidão às queridas ALADAS Toninha e Haydee, coordenadoras do evento, na foto Haydee apresentando o mesmo.

Nosso roteiro era: cada uma de nós homenagearia uma mulher, falaria sobre ela e citaria uma frase, um trecho da sua obra, um poema...  não publicaremos todas as homenagens, foram em torno de quarenta. Publicaremos, na ordem em que fomos recebendo após o encontro, uma pequena amostra desse evento maravilhoso:

- Nossa querida Marcia Leão, que ..."adorou assistir às singularidades que encantaram o conjunto", homenageou Elza Soares com o belíssimo texto de sua autoria: 

 Quem vai dizer que não 

A carne mais barata é a carne negra
A mesma que constrói casas, pontes...
A mesma que está na mira 
Estirada num asfalto qualquer

A mulher do planeta fome
Com seus alfinetes 
Ditando moda
Que agora é sobreviver

A mulher do fim do mundo
Canta perdas infindas
Calando a todos
Recebendo a tudo como beijos

A rouquidão da voz 
Vinda do âmago, da angústia
Assombrando com a astucia
Da fragilidade franzina 

O furacão amedrontado
Grita pra esconder o medo
Pra estancar o sangue
Que escorre da face marcada

Que quando ela canta
Rasga nossas máscaras 
Escancara as feridas
Escárnio social

E ela cantou até o fim!

- Duas lindas irmãs: KATITA e NETE... 

Primeiro a Kátia homenageou a irmão, com o poema MUSA:

Mulher 
Mãe 
Sorrisos
Escritora
Poeta
Desenhista
Janete para muitos
Janete Ferreira para os outros 
Para mim 
Simplesmente 
Nete
Irmã 
Musa inspiradora
Doutora de si.

- E a Janete, com "amor e leveza",  disse um poema seu: 

ÁGUA 

Nenhuma forma
Me define,
Porque 
Sou água.

As vezes,
Mansa.
Em outras,
Correnteza.
Rio.
De gotas,
Um oceano.

De vez
Em quando
Chuva.
E nem sempre
Límpida 

Sou água
Em meus olhos,
Em meu sangue,
Que escorre.

Raíz quadrada,
Não me explica.
Mundo redondo,
Não me implica.
Linha reta,
Não me cerca.
Estrada curva,
Não me aqueta.

Sou água 
E não me moldo,
Porque 
Antes disso
Me espalho.

E por onde passo
Faço brotar
A vida.

Em Ti.
Em Mim.
Aqui e ali. 

Escrita por Janete Ferreira

- Nossa querida Sonia Sant'Anna, emocionada,  homenageou sua avó, lendo texto publicado no seu facebook:




- Lúcia leu Rupi Kaur, poeta feminista contemporânea:



Emocionante... nos representa...

- Antonieta homenageou a guerreira DANDARA DOS PALMARES com um acróstico:

Diziam que somos o sexo frágil!
Ah! Como estavam enganados!
Nada mais forte
Diariamente, incansavelmente
Assustadoramente do que
Ritas, Luzias, Dandaras e todas mais.
Ah! Como continuam enganados!



- O poema abaixo foi cantado lindamente, e distribuído para que todas nós acompanhássemos: 

- Nossa grande Presidenta, atualmente Presidenta do BRICS, foi homenageada pela Inês:

"Por duas vezes vi de perto a face da morte: quando fui torturada,  por dias seguidos submetida a sevícias que nos fazem duvidar da humanidade e do próprio sentido da vida; e quando uma doença grave e extremamente dolorosa poderia ter abreviado minha existência. Hoje eu só temo a morte da democracia". agosto/2016

- Vanusa, com o texto a seguir,  homenageou nossas mulheres cientistas, com as quais ela se identifica:

"Gostaria de homenagear as cientistas mulheres do Brasil. 
Devemos lembrar que Mulheres e meninas representam metade da população 
do mundo e, portanto, metade de seu potencial, segundo um artigo da ONU
(Organização das Nações Unidas). Apesar disso, o gap de gênero nas áreas de ciência, 
tecnologia, engenharia e matemática(STEM, na sigla em inglês) é o responsável pela
imagem masculina quando se fala em cientistas. Nas universidades, as mulheres
representam 35% dos alunos matriculados nesses campos – e o percentual é
menor nas engenharias e na tecnologia, não chegando a 28% do total, ainda de
acordo com a ONU. 
O Brasil possui grandes cientistas mulheres que enfrentaram
dificuldades da área e fizeram história na ciência. Entre elas,
podemos citar:
Bertha Lutz (1984 - 1976) que foi uma cientista e bióloga
especializada em anfíbios; Elisa Frota Pessoa (1921- 2018), uma das primeiras 
mulheres a se formar em física no Brasil;
Elza Furtado Gomide (1925-2013), a primeira doutora
em matemática pela USP (Universidade de São Paulo). Ela se formou em física,
mas seguiu os passos do pai e se dedicou à matemática; 
Enedina Alves Marques (1913-1981), a primeira engenheira
negra do Brasil; 
Jaqueline Goes e Ester Sabino: a biomédica Jaqueline Goes de Jesus e a 
imunologista Ester Sabino ficaram conhecidas por terem sequenciado o genoma 
do novo coronavírus,  24 horas após a confirmação do primeiro caso de Covid-19 
no Brasil; 
Márcia Barbosa, Diretora da Academia Brasileira de Ciências e integrante da Academia Mundial
de Ciências, Márcia é doutora em física e especialista em estudos relacionados à água; 
Vivian Miranda: A carioca Vivian Miranda foi a única brasileira a trabalhar em um projeto da
Nasa para desenvolver um satélite avaliado em US$ 3,5 bilhões (R$ 16,74
bilhões). 
Muitas outras poderiam ser citadas pelo pioneirismo e dedicação.
As mulheres na ciência ainda são poucas se comparadas ao número de homens que
se dedicam aos estudos e pesquisas científicas. Portanto, é fundamental o papel
de jovens cientistas mulheres que recentemente colaboraram para
notáveis descobertas e desenvolvimento de pesquisas ​​para os
campos da ciência, biologia e saúde, artes e ciências sociais. Afinal,
lugar das mulheres é na educação científica e onde mais elas
quiserem".

- A Lúcia homenageou nossa jovem Ana Martins Marques, com o poema RELÓGIO:

RELÓGIO

De que nos serviria um relógio?

se lavamos as roupas brancas: é dia

as roupas escuras: é noite

se partes com a faca uma laranja em duas: dia

se abres com os dedos um figo maduro: noite

se derramamos água: dia

se entornamos vinho: noite

quando ouvimos o alarme da torradeira
ou a chaleira como um pequeno animal
que tentasse cantar: dia

quando abrimos certos livros lentos
e os mantemos acesos
à custa de álcool, cigarros, silêncio: noite

se adoçamos o chá: dia

se não o adoçamos: noite

se varremos a casa ou a enceramos: dia

se nela passamos panos úmidos: noite

se temos enxaquecas, eczemas, alergias: dia

se temos febre, eólicas, inflamações: noite

aspirinas, raio X, exame de urina: dia

ataduras, compressas, unguentos: noite

se esquento em banho-maria o mel que cristalizou
ou uso limões para limpar os vidros: dia

se depois de comer maçãs
guardo por capricho o papel roxo-escuro: noite

se bato claras em neve: dia

se cozinho beterrabas grandes: noite

se escrevemos a lápis em papel pautado: dia

se dobramos as folhas ou as amassamos: noite

(extensões e cimos: dia

camadas e dobras: noite)

se esqueces no forno um bolo amarelo: dia

se deixas a água fervendo sozinha: noite

se pela janela o mar está quieto
lerdo e engordurado
como uma poça de óleo: dia

se está raivoso
espumando
como um cachorro hidrófobo: noite

se um pinguim chega a Ipanema
e deitando-se na areia quente sente ferver
seu coração gelado: dia

se uma baleia encalha na maré baixa
e morre pesada, escura,
como numa ópera, cantando: noite

se desabotoas lentamente
tua camisa branca: dia

se nos despimos com ânsia
criando em torno de nós um ardente círculo de panos: noite

se um besouro verde brilhante bate repetidamente
contra o vidro: dia

se uma abelha ronda a sala
desorientada pelo sexo: noite

de que nos serviria um relógio?

- Por fim (não nessa ordem no sarau) eu homenageei uma grande professora, lembrando dos tempos atuais e as violências que estamos sofrendo:

Antonieta de Barros, nasceu em 1913 anos depois daquela abolição, filha de CATARINA, ex escrava, lavadeira) e morreu em 1952, com 50 anos, catarinense, primeira negra brasileira a assumir um mandato político! Era jornalista e professora e ativa defensora da emancipação feminina e da educação de qualidade para todas e todos, e pioneira e inspiração do movimento negro no Brasil.

"A grandeza da vida, a magnitude da vida, gira em torno da educação".

“Se educar é aprender a viver, é aprender a pensar. E, nessa vida, não se enganem, só vive plenamente o ser que pensa. Os outros se movem, tão somente”.


Como podemos ver, mulheres maravilhosas, homenageadas... e homenadeadoras... mulheres inspiradoras de todas as idades, cores e sabores... cantoras, poetas, romancistas, professoras, trabalhadoras, mães, avós, irmãs, sobrinhas... filósofas, cientistas, políticas... todas Brasileiras... e/ou  Mineiras. Isso nos  reporta ao "esboço de projeto SBCense MULHERES DO BRASIL, que fala sobre nossos "espíritos colonizados" e a nossa necessidade de resgatar nossas referências, nossas mulheres brasileiras, que são potentes, a fim de nos inspirarmos nas mesmas para construir nossa identidade. 


Lembrando que nossos saraus ocorrem quinzenalmente, as quartas feiras, a partir das 19 horas. Acompanhem pelo Instagram:



Antes mesmo da realização desse encontro, no grupo do Whatsapp de organização do mesmo, foi publicado um vídeo antigo, da saudosa Fernanda Young com Rita Lee, que traduziria nosso sarau. Terminamos com o mesmo:


Não podemos deixar de agradecer a nossa querida Lúcia que, ao final, nos ofereceu docinhos deliciosos. Supimpa, como disse a Sônia. Pedindo desculpas e solicitando: quem não apareceu aqui e quiser nos encaminhar sua homenagem, por favor faça isso. 

E a Francirene completa os agradecimentos por esse encontro fraterno: "Que venham outros momentos de inspiração e fortalecimento da amizade consciente entre as mulheres". Continuamos juntas, de mãos dadas", como diz a Marília Andrés...




 


quarta-feira, 29 de março de 2023

Sobre filmes para "virar a chave": o "amor movimento"

 


Antes do Amanhecer (Before Sunrise) (1995) Direção Richard Linklater

Jesse (Elthan Hawke), um jovem americano, e Celine (Julie Dalpy), uma estudante francesa, se encontram casualmente no trem para Viena e logo começam a conversar. Ele a convence a desembarcar em Viena e, aos poucos, vão se envolvendo numa paixão crescente. Mas isso acontece somente numa noite. A verdade inevitável: no dia seguinte ela irá para Paris e ele voltará para os EUA.

Antes do Pôr-do-Sol (Before Sunset) (2004) 

A experiência do encontro com Celine foi tão marcante para Jesse que ele escreve um livro sobre este evento. Quando estava fazendo a turnê de divulgação do seu livro em Paris, eis que  surge Celine. Tinham se passado nove anos, Jesse havia se casado e tido um filho. Mas a oportunidade de Jesse e de Celine descobrirem o que tinham perdido (ou não) com o fato de não terem se visto nos últimos anos teria obrigatoriamente que durar 80 minutos. Não por acaso este é o tempo de duração do filme, e o tempo que os dois terão para percorrer as ruas de Paris e, principalmente, verificarem o que havia sido perdido nesse tempo. O interessante no diálogo da dupla é a naturalidade do mesmo. Imagine-se encontrando com alguém que você amou por uma noite e não vê há anos. 

Antes da Meia-Noite (Before Midnight) (2013)

Nove anos após os eventos de Antes do Pôr-do-sol, Jesse e Celine  vivem juntos em Paris, ao lado das filhas gêmeas que tiveram. Ele busca sempre manter contato com Hank, o filho adolescente que teve com a ex-esposa. Quando o casal resolve ir à Grécia com as filhas, Jesse decide também convidar Hank para a viagem. Neste contexto, Jesse segue tentando se tornar um romancista de sucesso, enquanto que Celine considera seriamente a possibilidade de aceitar um emprego junto ao governo francês.


A trilogia  parte de um conceito muito simples: um homem e uma mulher apaixonam-se e passeiam pela cidade, discursando sobre amor, sexo, trabalho. 
Antes do Amanhecer aborda o acaso, e levanta a importante pergunta da idealização do amor (“Devemos nos encontrar novamente, ou guardar essa noite única nas nossas memórias?”, perguntavam os personagens). 

Antes do Pôr-do-Sol troca o romantismo do amor idealizado por uma abordagem psicanalítica: os dois personagens não estavam felizes com suas vidas.. Para trazer a história ao tempo presente, o segundo filme decidiu experimentar a trama em tempo real. Foram 80 deliciosos minutos passeando com os personagens, mas em Paris ao invés de Viena.

Além da evolução no tempo, em Antes da Meia-Noite o trio de roteiristas (Linklater, Ethan Hawke e Julie Delpy), com o mesmo humor às vezes simples e às vezes mordaz,  consegue evoluir também na estrutura. Mantendo o formato clássico que consagrou os dois primeiros filmes (a conversa e os passeios entre o casal central), ele acrescenta elementos novos e bem-vindos: outros casais amigos, outros jovens que encontram o amor pela primeira vez. O novo país visitado é a Grécia, com um horizonte marcado por ruínas – representação da falência do relacionamento entre os protagonistas. De fato, tudo neste roteiro faz lembrar o fim: a arquitetura grega que se desfaz, dois jovens apaixonados que acreditam que não vão permanecer juntos por muito tempo, o homem idoso que perde a esposa. A partir de uma longa cena de almoço, festejando os prazeres sexuais e criticando os relacionamentos tradicionais, o roteiro anuncia que vai tocar em um assunto delicado: a perenidade do amor. Este primeiro encontro entre amigos niilistas pode ser repleto de piadas hilárias e paisagens belíssimas, mas deixa um gosto realmente amargo na boca. 

As pessoas que acreditam no conceito de amor que nos é incutido, o amor romântico, o "foram felizes para sempre", a idealização do amor, tão comum nas comédias românticas tradicionais,  podem acreditar que, depois de provocar o amor, é óbvio que o terceiro filme vai repetir esse padrão, ou seja,  mostrar que a união vence todos os obstáculos. Mas Antes da Meia-Noite é de uma franqueza e coragem ímpares, aprofundando seu tema ao limite do desconforto. As conversas entre Céline e Jesse continuam, associando o amor à morte. Se a avó dela falecia no segundo filme, agora é a vez da avó dele falecer. A morte, lembrada no filme anterior com nostalgia e ternura, conduz ao medo desta vez: como os avós dele conseguiram ficar mais de 70 anos juntos? Isso é mesmo possível?

Então, podemos dizer que o terceiro filme é "mais sombrio". Neste sentido, a meia-noite do título é um marco temporal perfeito. Mesmo a tradicional cena dos amantes admirando o pôr-do-sol – referência ao filme anterior – ganha um novo significado. Ao invés de apreciarem o espetáculo natural, Céline e Jesse permanecem estoicos, contando os segundos até a luz desaparecer. É magnífico o momento em que ela anuncia que o sol se foi, e olha desiludida para o marido, como se atribuísse a ele a culpa da passagem do tempo. O pôr-do-sol perde seu romantismo, e se transforma em uma prova irrefutável da impermanência das coisas. 

O discurso nada esperançoso do casal evolui, e transforma-se em uma briga. Como um momento realmente íntimo não poderia acontecer nas paisagens abertas da Grécia, os dois aparecem num quarto de hotel. Lá dentro, o prelúdio de um ato sexual é interrompido por uma discussão longa, violenta, brutal. 

As palavras são duras. Torcemos para o "final feliz", o amor romântico impregnado nos nossos espíritos: "Eles vão fazer as pazes, eles se amam..." Nada é menos certo. O que poderia ser um baile de dramaticidade e nostalgia (do tipo “Como éramos felizes antes”) não acontece.   Cruel, franco e sem concessões, como a vida, esse último filme ousa levantar a bandeira de um amor realista, possível, do tipo que se transforma ao longo dos anos, e que também pode – como um organismo vivo qualquer – definhar e morrer.

Segue a vida... segue o amor... que não está em mim, nem em você, mas na energia que existe no espaço entre nós... como diz o primeiro filme. Enfim, como tudo no humano, o amor pode nascer, se transformar, ser construído, morrer, renascer...  e, definitivamente, não se trata de uma "emoção pura"... esta sempre acompanhado de muitas outras emoções... e o bonito é que "cuidamos do amor" quando levamos em conta todas as emoções, e não quando as excluímos.

Vale a pena assistir a essa sequência, talvez um filme a cada semana - ou a cada mês - para novas ideias sobre o amor irem "assentando" nos nossos "globos pensantes e sentintes", como diz um amigo SBCense - além disso, irmos conversando, trocando ideias sobre o tema, e amadurecendo um "novo" conceito de amor, mais humano, mais realista, construído a cada dia, como tudo no humano: o "amor movimento".






quinta-feira, 23 de março de 2023

Conversas SBCenses: Comunismo e Felicidade

 


No ano de 2012 Assembleia Geral da ONU aprovou por unanimidade uma resolução proclamando a nova data, que se soma ao calendário da ONU de dias internacionais: dia 20 de março, dia da FELICIDADE.

"A busca pela felicidade é um objetivo humano fundamental", diz a resolução, aprovada por consenso pelos 193 membros da assembleia. Ela pede que se observe "o Dia Internacional da Felicidade de forma apropriada, incluindo por meio de atividades educativas e de conscientização pública".

A comemoração teve como inspiração o reino do Butão, onde a felicidade é considerada o sentimento mais importante do PIB (Produto Interno Bruto) que foi substituído pelo o de Índice de FIB (Felicidade Interna Bruta) na década de setenta. 

No nosso post de 6 de março de 22 conversávamos sobre filmes; e um deles era sobre um filme do Butão:


Certamente no Butão o conceito de FELICIDADE não se parece com o nosso. Pois a primeira ideia que nos ocorre é a de que, na nossa sociedade ocidental, o conceito de felicidade tem sido difundido de uma maneira alienante e tóxica. 

Wander Pereira, professor e pesquisador do assunto na Universidade de Brasília,  alerta que a constante busca por "algo que é a felicidade" pode ser ruim e danosa. Para ele a felicidade é um empreendimento coletivo. "É uma experiência coletiva porque ela surge da necessidade de trabalhar e viver juntos, o ser humano desenvolveu essa necessidade na história evolutiva". "Felicidade é encontrar coisas que estejam presentes na sua vida e isso passa muito pelas construções sociais, pelas redes que a gente faz, pelos relacionamento que a gente tem ao longo da vida", diz o professor.

E dessas considerações é que passamos a conversar sobre o conceito de felicidade tóxica,  que nada mais é que a ideia de que pensamentos positivos devem estar acima de quaisquer outras emoções consideradas "negativas"., ou seja, a busca exacerbada pela felicidade e a negação das emoções. 

Essa prática em excesso pode comprometer nossa saúde mental . "O ponto é que quando um sentimento é ignorado, isso não significa que ele deixou de existir ou parou de te afetar. Na verdade, se você não aceitar que suas emoções existem e que vão surgir no dia a dia, nunca vai aprender a lidar com elas".
Daí, pensando sob o ponto de vista cultural,   podemos concluir para a felicidade tóxica é ..."um subproduto da atual cultura, que sobrevaloriza o individualismo, a competição e o sucesso", ou seja, a felicidade tóxica é um subproduto do capitalismo. 
E, na mesma semana em que se comemora o  dia da felicidade, sai pesquisa IPEC:
Quase metade (44%)  dos brasileiros veem ameaça comunista no governo Lula.
(mesmo que, na mesma pesquisa, para 41% dos brasileiros este governo seja bom ou ótimo)
Segundo Leonardo Sakamoto, a palavra "comunismo" retirada de seu sentido original, de propriedade comum dos meios de produção e da ideologia por ela sustentada, se tornou no Brasil um simples comando para o linchamento digital, independentemente de quem esteja do outro lado. O objetivo é tirar a credibilidade e destruir, muitas vezes para servir de exemplo. E, consequentemente, esse processo tornou a palavra depositária do "mal". E um grande mal é sempre temido e vira uma ameaça.
Para muitos de nós que nascemos no século passado, depois da segunda guerra mundial, segunda metade do século, desenvolvendo-se o imperialismo americano, a guerra fria EUA X União Soviética, o que ouvíamos era que "comunista comia criancinhas"... isso nos aterrorizava. 
Já na Ditadura começávamos a desenvolver uma visão crítica do mundo, perceber o que estava acontecendo no Brasil, a censura, o medo, a repressão, a falta de liberdade de conversar, criticar, nossos artistas, poetas - nossas referências -  'fugindo' do Brasil... mas tínhamos Dom Helder:

Enfim, faz sentido para nós entender a FELICIDADE como um EMPREENDIMENTO COLETIVO.

E pensar: para que - e para quem - serve a manutenção da ignorância?
E terminamos nos inspirando na arte, para pensarmos sobre o mundo... e nós no mundo... enquanto sujeitos...
Vendo um filme: Já era hora, comédia dramática italiana sobre um homem que trabalhava demais
Cantando Tom e Vinícius:

E lembrando Drummond - eterno: Uma Hora e mais outra, do livro "A rosa do povo"

“Há uma hora triste
que tu não conheces.
Não é a tua tarde
quando se diria
baixar meio grama
na dura balança;
não é a da noite
em que já sem luz
a cabeça cobres
com frio lençol
antecipando outro
mais gelado pano;
e também não é a
do nascer do sol
enquanto enfastiado
assistes ao dia
perseverar no câncer,
no pó, no costume,
no mal dividido
trabalho de muitos;
não a da comida
hora mais grotesca
em que dente de ouro
mastiga pedaços
de besta caçada;
nem a da conversa
com indiferentes
ou com burros de óculos,
gelatina humana,
vontades corruptas,
palavras sem fogo,
lixo tão burguês,
lesmas de blackout
fugindo à verdade
como de um incêndio;
não a do cinema
hora vagabunda
onde se compensa,
rosa em tecnicolor,
a falta de amor,
a falta de amor,
A FALTA DE AMOR;
nem essa hora flácida
após o desgaste
do corpo entrançado
em outro, tristeza
de ser exaurido
e peito deserto,
nem a pobre hora
da evacuação:
um pouco de ti
desce pelos canos,
oh! adulterado,
assim decomposto,
tanto te repugna,
recusas olhá-lo:
é o pior de ti?
Torna-se a matéria
nobre ou vil conforme
se retém ou passa?
Pois hora mais triste
ainda se afigura;
ei-la, a hora pequena
que desprevenido
te colhe sozinho
na rua ou no catre
em qualquer república;
já não te revoltas
e nem te lamentas,
tampouco procuras
solução benigna
de cristo ou arsênico,
sem nenhum apoio
no chão ou no espaço,
roídos os livros,
cortadas as pontes,
furados os olhos,
a língua enrolada,
os dedos sem tato,
a mente sem ordem,
sem qualquer motivo
de qualquer ação,
tu vives; apenas,
sem saber pra quê,
como para quê,
tu vives: cadáver,
malogro, tu vives,
rotina, tu vives
tu vives, mas triste
duma tal tristeza
tão sem água ou carne,
tão ausente, vago,
que pegar quisera
na mão e dizer-te:
Amigo, não sabes
que existe amanhã?
Então um sorriso
nascera no fundo
de tua miséria
e te destinara
a melhor sentido.
Exato, amanhã
será outro dia.
Para ele viajas.
Vamos para ele.
Venceste o desgosto,
calcaste o indivíduo,
já teu passo avança
em terra diversa.
teu passo: outros passos
ao lado do teu.
O pisar de botas,
outros nem calçados,
mas todos pisando,
pés no barro, pés
n´água, na folhagem,
pés que marcham muitos,
alguns se desviam,
mas tudo é caminho.
Tantos: grossos, brancos,
negros, rubros pés,
tortos ou lanhados,
fracos, retumbantes,
gravam no chão mole
marcas para sempre:
pois a hora mais bela
surge da mais triste.”

Enfim, a arte nos faz refletir... e nos salva ...

Abraços carinhosos...





Uma imagem, uma prosa, um poema

 


O que eu vejo?

O que eu vejo me define? ou me rotula? 

Ou me abre oportunidades de refletir... sobre mim mesma... sobre o outro... sobre a vida...

Vejo possibilidades:

- Teria esse homem encontrado o colo de Drummond, que o acolheu, para chorar um amor perdido?

"Um coração rasgado, uma dor que não tem nome...

Um colo, mesmo que frio...

Vou chorar até morrer, 

Essa emoção que me mata..."

- Vejo, também, um homem cansado, chorando suas dores... e as dores do mundo...

"A vida é um soco no estômago", diria Clarisse...

Carolina de Jesus disse: "Escrevo a miséria e a vida infausta dos favelados. Eu era revoltada, não acreditava em ninguém. Odiava os políticos e os patrões, porque o meu sonho era escrever e o pobre não pode ter ideal nobre. Eu sabia que ia angariar inimigos, porque ninguém está habituado a esse tipo de literatura. Seja o que Deus quiser. Eu escrevi a realidade".

E Drummond? o que ele diria?
Talvez "A noite dissolve os homens"

"A noite anoiteceu tudo… O mundo não tem remédio…Os suicidas tinham razão"


Entretanto ele poderia, também, ter lembrado da AURORA:

"Aurora, entretanto eu te diviso,
ainda tímida, inexperiente das luzes que vais ascender
e dos bens que repartirás com todos os homens.

Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
adivinho-te que sobes,
vapor róseo, expulsando a treva noturna.

O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos,
teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançam
na escuridão
como um sinal verde e peremptório.

Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,
minha carne estremece na certeza de tua vinda.

O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes
se enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdão
simples e macio…

Havemos de amanhecer.
O mundo se tinge com as tintas da antemanhã
e o sangue que escorre é doce, de tão necessário
para colorir tuas pálidas faces, aurora".


- Esses dias a Juíza  Karla Aveline de Oliveira, da 4a Vara do Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre, na sentença 'inocentando' um adolescente por tráfico de drogas, citou o poeta Sérgio Vaz:

“Esses dias tinha um moleque na quebrada com uma arma de quase 400 páginas na mão. Uma minas cheirando prosa, uns acendendo poesia. Um cara sem nike no pé indo para o trampo com o zóio vermelho de tanto ler no ônibus. Uns tiozinho e umas tiazinha no sarau enchendo a cara de poemas. Depois saíram vomitando versos na calçada. O tráfico de informação não para, uns estão saindo algemado aos diplomas depois de experimentarem umas pílulas de sabedoria. As famílias, coniventes, estão em êxtase. Esses vidas mansas estão esvaziando as cadeias e desempregando os Datenas. A Vida não é mesmo loka?”


Obrigada Drummond! Obrigada poetas... que nos mobilizam para a luta por um mundo mais justo e mais bonito...


E você? O que vê? o que sente?       

Todos nós somos poetas... de um mundo caduco... e de um mundo em construção...


Santuza TU