domingo, 22 de outubro de 2017

Conversas SBCenses: SOBRE AMOR DE MÃE E PADRÕES CULTURAIS FEMININOS


A mãe, depois de chocar a filha com uma notícia bomba sobre sua vida, conta que está pra morrer, o médico tinha lhe dado uns meses de vida. E nesses poucos meses as duas conseguem resgatar (ou seria superar...) a relação entre as duas. Não “resgatar” nesse sentido piegas propagado na nossa cultura cristã, o do perdão e essas melosidades... mas num sentido autêntico, de abertura dos conflitos e da superação dos mesmos até a HUMANIZAÇÃO... e o RESPEITO... o alicerce do amor.

Acima uma descrição pessoal do filme “Como nossos pais”, de Lais Bodanzky, mesma diretora de “Bicho de 7 cabeças”, lembram? A seguir uma das sinopses:

“Rosa é uma mulher que quer ser perfeita em todas suas obrigações: como profissional, mãe, filha, esposa e amante. Quanto mais tenta acertar, mais tem a sensação de estar errando. Filha de intelectuais dos anos 70 e mãe de duas meninas pré-adolescentes, ela se vê pressionada pelas duas gerações que exigem que ela seja engajada, moderna e onipresente, uma super-mulher sem falhas nem vontades próprias”.

...e a seguir nossas conversas:

- Eu fiquei muito mais afetada com o lance da relação da Rosa com a mãe do que na relação dela com o marido. Me parece até que os conflitos na relação com o marido são, em grande parte, decorrentes dessa matriz feminina construída na relação com a mãe.

- Eu estou no sanduiche... rsrs... conflitos como filha e como mãe... tento fazer tudo para agradar minha mãe, pra ser “quem ela queria que eu fosse”... claro que não tenho êxito nesse projeto... rsrs... pois só o teria se fosse perfeita... e ela aproveita de qualquer virgulazinha, qualquer deslize, para me “arrasar”... sutilmente me diz que não passo perto de nenhuma das sobrinhas, tão dedicadas com suas mães (sou filha única, pra piorar...). E fico oscilando entre a raiva dela e a culpa de não ser a filha que ela queria... e dá-lhe sofrimento.

- E a culpa está pertinho da onipotência não é? são dois lados da mesma moeda... e desemboca na desumanização... pois, enquanto mãe, “digo” pra minha filha, profissional e mãe da melhor qualidade, que ela “falha” como dona de casa... e, mesmo quando não quero dizer, ela “entende” que estou dizendo... e, claro, combate isso agressivamente... e está aberto o conflito... e ficamos, as duas, como na metáfora da pantera presa na rede, se debatendo e cada vez mais se prendendo, sem perceber o movimento certeiro que a levaria à liberdade.

- Pois, a pergunta é (melhor, as perguntas são...): para que serve, no nosso mundo, a onipotência da mulher? o que reproduzimos com essa onipotência tão enraizada? e... como ela nos faz sofrer... e como podemos nos libertar?

- Claro que já tinha pensado muito sobre a questão da onipotência da mulher, como ela se forma e pra que ela se presta no nosso mundo. Já muitas vezes, em conversas de mulheres, falávamos sobre nossa dificuldade de permitir o “caos”: metáfora (mais ou menos, às vezes é real mesmo...)  que usamos para descrever o estado que uma casa precisa ficar para o “marido moderno” (aquele que diz que já superou o “ajudar” e que está “participando” enxergar o que precisa ser feito. Por que essa coisa de dizer que “participa” e esperar que a mulher te “mande” fazer... porra!!! vamos combinar!!! Não é 50-50!!! Você tá cansado de saber que numa empresa tem a pessoa que planeja, administra, executa, neh!!! Então... só executar não é, definitivamente, participar 50-50...

- Agora bora olhar nosso lado... nossa dificuldade de “permitir o caos”... então... a onipotência da mulher... essa característica que tá na nossa alma (metaforicamente falando... pode ser também  no nosso sangue, ou no nosso espírito...) essa coisa de querermos ser as melhores, as perfeitas... em TUDO!!! Que arrasa com a gente... que nos faz sofrer... pois o que mais queremos é aquela participação 50-50... aprendemos com nossas mães!!!!
E ficamos o tempo todo, a vida toda!!! Cobrando e ressentidas com a não participação... mas a gente não permite!!! Por que não tem ninguém que faça nada em casa como nós!!!...

- E como aprendemos e internalizamos essa merda!!!???  Ora... sempre buscamos o reconhecimento, sermos amadas (os), característica humana... e, de alguma forma sutil do tamanho de uma patada de elefante (algumas dizem que do tamanho de uma manada de elefantes... rsrs) as mães “dizem” às filhas, quase que durante toda a vida, que somente seremos amadas se formos “perfeitas”.  Elas nos mostram “sutilmente” que não somos capazes. Ora, se a auto estima vem em decorrência desse reconhecimento, me reconhecer é estar sempre me sentindo incapaz...

- e, em sequência, se constrói a onipotência de estar a vida toda mostrando pra mãe (e pro resto do mundo) que somos capazes DE TUDO!!! Que somos perfeitas... que somos capazes de ser

Ótima esposa
Ótima mãe

Ai ficamos insatisfeitas com isso: “É verdade que nos falaram que seriamos realizadas enquanto esposa e mãe... A sacanagem que nos fizeram é que “disseram” que era Só !!!    aí buscamos mais... e o mercado “precisou de nós”... e fomos... e nos realizamos... mas não conseguimos “abandonar” o “só”... e ficamos na tripla jornada, porque não tem ninguém que faça “cuidar dos filhos e da casa” como nós... sexo? acabou... porque fica da quarta jornada... aí estamos exaustas...

- e a onipotência se espalha... “precisamos” ser perfeitas para ser amadas... essa também é a base para nossa exploração estética: consumo de cosméticos, academias, precisamos ser perfeitas... e MAGRAS!!! e LINDAS!!! Tudo isso para recebermos o amor do outro (primeiro da mãe...) para nos amar!!!

- Olha isso: a necessidade do reconhecimento faz parte do ser humano... mas, para sermos livres, precisamos abrir mão dessa necessidade... é arriscado… mas somente assim podemos construir nossa identidade: quem queremos ser... e mais: construirmos juntas: também não adianta você achar que superou colocando uma outra mulher pra fazer o serviço de casa... você estará reproduzindo uma sociedade de exploração da mulher!!!  O que temos que fazer é a construção social dessa libertação... mas passa pela superação dessa nossa onipotência, que se presta à reprodução de uma sociedade patriarcal, machista ... e, no nível pessoal, à reprodução do sofrimento (“sofrer e fazer sofrer o outro com o seu jeito de ser”).

- Olha... e a primeira virtude, o fundamento das outras todas virtudes, é a HUMILDADE... tão distorcida e confundida com humilhação nessa nossa cultura muito mais de objetos (reprodutores) do que de sujeitos (construtores...). A humildade de se reconhecer num lugar (de alienação e de sofrimento)  e desenvolver estratégias para sair desse lugar... e construir um lugar mais bonito... e, tenho a convicção de que mais bonito será nunca só... sempre juntxs... sempre compartilhando... experiências... possibilidades... alegrias e tristezas... e juntando forças...

Abraços carinhosos...


Santuza TU