quinta-feira, 27 de abril de 2023

Feriadão cheio em Ouro Preto

 

Na nossa querida Casa da Árvore, no Morro de São Sebastião, em Ouro Preto... uma outra Ouro Preto, que nos convida a caminhadas, conversas e reflexões... sobre a cidade, sobre as Minas Gerais, sobre o Brasil, nossa História... e nossas cabeças colonizadas (ainda); e sobre o movimento de "virar a chave", a consciência de classe e a necessidade de transformação dos nossos conceitos... e do Brasil.

Dia 21. abril, sexta feira: acordamos com os helicópteros sobrevoando, trazendo os homenageados... vergonha... fomos para a rodoviária fazer protesto... depois, tentar compreender. A melhor pessoa para nos explicar é o nosso grande jurista e filósofo Alysson Mascaro:


Depois disso acompanhamos equipe de filmagem de Ribeirão Preto, que percorreu, além da cidade de Ouro Preto, alguns Distritos e Sub-Distritos, em busca de depoimentos sobre a situação da privatização da água nessa região, o que vem causando grandes transtornos à população: além de valores absurdos cobrados, a qualidade da água muitíssimo a desejar (a cor, o cheiro de cloro insuportável, entre outros aspectos apontados), até bichos encontrados nas caixas d'água... isso tudo registrado para documentário próximo. 


Preferimos registrar a beleza da vegetação dos lugares que visitamos, as flores, os frutos, a natureza ameaçada... pela usura, pelo lucro a partir da exploração e da destruição...







laranjas...


algodão...

abacaxi

                                            pau doce... uma delícia... não conhecia...


                                                     taioba...


As faixas nos distritos dizem dos sentimentos da população... 
E porque isso? GANÂNCIA!!! Imenso lucro para poucos, em troca da morte, da destruição da natureza e dos seres humanos...





Depois desse passeio, outro vídeo nos chamou atenção, porque nos parece, como a fala do  Mascaro, um movimento importantíssimo para a busca de compreensão e a necessidade de tomarmos consciência - e "espalharmos" essa consciência -  da exploração que vivemos: trata-se do vídeo de Eduardo Moreira, do ICL (Instituto Conhecimento Liberta):


E, por fim, uma síntese do que estamos vivenciando e da compreensão disso através da nossa história, é o discurso do Chico Buarque em Portugal. Ressaltou-se mais desse discurso, nas redes, aquele trecho que ele fala da "rara fineza do ex-presidente" de não sujar seu diploma. Porém, o discurso nos traz, através da história que ele conta do seu pai, uma visão da história do Brasil que precisamos resgatar sempre... para fazer o movimento de transformação que tanto precisamos.
O movimento, nós diríamos, de construção da nossa identidade: quem somos nós, para além da identidade que nos é imposta desde quando portugueses, espanhóis, a Europa, enfim... aportou nas nossas terras. Como diz Ailton Krenak, os portugueses chegaram aqui arrasados, doentes e famintos... e  foram "cuidados" pelos nossos nativos que, depois (e até hoje), foram quase destruídos, explorados, expulsos de suas terras, quase exterminados... depois "importamos e escravizamos"  os africanos... as pessoas importantíssimas, que "construíram" nosso pais, e foram invisibilizadas...  
E, voltando ao Chico, na segunda metade do século passado, "fomos escravizados" pelo imperialismo americano... 
Precisamos conversar muito sobre essa história... para construirmos nossa identidade... e nossa liberdade... nossa autonomia... prospectivamente.

As mudanças "revolucionárias" acontecem no macro e no micro... bora arregaçar as mangas...

E terminamos cantado uma das músicas mais bonitas da nossa MPB.  Escrita e cantada por Geraldo Vandré em 1968, conquistou o segundo lugar no Festival Internacional da Canção desse ano. "A vida não se resume em festivais”, disse Geraldo Vandré no palco do Maracanãzinho, diante de 20 mil pessoas que vaiavam a decisão do júri. A multidão estava inconformada com a derrota de sua canção para a bela Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim, interpretada por Cynara e Cybele, do Quarteto em Cy. Esta música se tornou um dos maiores hinos da resistência ao sistema ditatorial militar que vigorava na época. A composição foi censurada pelo regime e Vandré foi perseguido pela polícia militar, tendo que fugir do país. 
E esta canção se chama PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FLORES (ou CAMINHANDO, mas o primeiro título é mais bonito e apropriado) ... ouçam atentamente a letra...




Abraços carinhosos...








quarta-feira, 19 de abril de 2023

Resposta a CARTOLA



PARTE I: O AUTOR

Angenor de Oliveira nasceu Rio de Janeiro em 1908. Estudou em vários grupos escolares, pois acabava sempre expulso por mau comportamento, só concluindo o curso primário. Quando tinha onze anos, seus pais se mudam para o Morro da Mangueira, onde ele começou a frequentar a vida boêmia e as rodas de samba. Nessa época, tocava violão e cavaquinho. Com quinze anos, quando ficou órfão de mãe, seu pai o mandou  tratar da vida. Sem ter onde dormir ficava pelas madrugadas na boêmia e malandragem. Para se sustentar,  empregou-se em uma tipografia, mas não ficou muito tempo, pois não se adaptou ao serviço onde não podia assobiar nem cantar. Começou o trabalho na construção civil e acabou aprendendo a profissão de pedreiro. Nessa época, usava um chapéu-coco, e assim nasceu o apelido de “Cartola”.

No carnaval dos anos 30, a polícia do Rio prendia por "vadiagem" os crioulos. Para impressionar os policiais e evitar as prisões, Cartola pôs terno e gravata nos primeiros foliões que entravam na avenida. Estava criada a comissão de frente das escolas de samba.

Nos anos seguintes Cartola funda com amigos a Estação Primeira de Mangueira. Depois, Cartola adoeceu, teve uma meningite que o afastou da escola. Sua vizinha de barraco, Deolinda da Conceição, casada, com uma filha e sete anos mais velha cuidava dele, então com 18 anos. Os dois decidiram morar juntos. Pouco depois dele se recuperar, Deolinda, faleceu. 

Em 1944, além de Diretor de Harmonia da Mangueira, escola de samba que criou com Carlos Cachaça, Cartola tornou-se Presidente de Honra da Ala dos Compositores.

Algum tempo depois, Cartola foi viver com Donária e deixou o morro indo morar em Nilópolis e depois no Caju. Passou muito tempo afastado do samba e falava-se que ele tinha morrido. Para se manter trabalhava como vigia de prédios e lavador de carros. 

No fim da década de 50, levado por Dona Zica, Cartola voltou à sua velha Mangueira, onde era amado e respeitado por todos.  Euzébia Silva do Nascimento , Dona Zica, era amiga e vizinha  de Cartola desde a adolescência, na Mangueira. Casou-se muito cedo, teve cinco filhos biológicos e um adotivo, ficou viúva e os dois se reencontraram.

Década de 60 e 70
cartola

Em 1961, todas as sextas-feiras tornara-se programa obrigatório para os sambistas um encontro na casa de Cartola. Lá apareciam Zé Kéti, Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola e muitos outros. Com muita cerveja e acompanhado dos quitutes de Zica, o samba ia até altas horas. A casa ficou famosa e pouco depois surgiu a ideia do restaurante “Zicartola”, que funcionou na Rua da Carioca, no centro da cidade..

Em outubro de 64, Cartola e Zica finalmente oficializaram a união. Nessa época, Cartola descobriu que se chamava Angenor e não Argenor, como pensava, quando precisou da certidão de casamento.

Antes disso, Cartola, que tinha uma doença no nariz chamada rosácea, passou por uma cirurgia. Graças à intervenção dos amigos, não precisou tirar dinheiro do bolso. Por descuido do próprio sambista, a cirurgia deixou uma mancha negra na região, sinal que se tornaria sua marca característica

As composições de Cartola voltam a ser gravadas: Nara Leão gravou “O Sol Nascerá” (1964) e Elizete Cardoso gravou “Sim” (1965).

O tempo foi passando, e o Zicartola não tinha a mesma frequência e fechou as portas. Juntos, Cartola e Zica retomaram sua vida comum.

Em 1970 Cartola foi convidado como anfitrião de um show semanal no prédio da extinta União Nacional dos Estudantes, no Flamengo. O nome do espetáculo, “Cartola Convida” mostrava a importância do sambista.

Finalmente, em 1974, Cartola gravou o seu primeiro disco, com muitas das canções gravadas por outros cantores, entre elas, “O Sol Nascerá”, a mais destaca composição de Cartola:

Em 1976, um novo LP foi lançado e um novo sucesso. A composição “As Rosas Não Falam”, escrita no auge dos seus 67 anos, se tornou uma das mais conhecidas do compositor. Neste LP a sua filha Creuza participou cantando duas músicas. 

No final da década de 70, depois de se submeter a uma cirurgia para tirar um câncer na tiroide, a saúde de Cartola foi aos poucos se fragilizando. Faleceu no Rio de Janeiro em  1980.

PARTE II: A FILHA


Creusa Francisca dos Santos, 
mais conhecida como Creusa Cartola (1927-2002).

Cartola não teve filhos biológicos. A filha – Creusa – a quem se refere na  música O MUNDO É UM MOINHO, uma menina que fora adotada quando tinha cinco anos, era filha biológica de uma amiga que havia falecido. Na época Cartola vivia com a esposa Deolinda que era madrinha da menina. A música foi composta em 1943, gravada só em 1970.

Segundo relato da filha mais velha de Creusa, Irinéa dos Santos, Cartola compôs essa música  quando Creusa era adolescente, e com a curiosidade normal de uma jovem de 16 anos por namoros. Não há qualquer registro de que Creuza se tornara prostituta.  Na época, pode-se imaginar que então fosse normal dizer que alguém caiu na prostituição apenas por interessar-se por homens, e daí certamente deve ter surgido a lenda… Mas isto jamais fora dito por Cartola em lugar algum.

Na verdade, Creusa tornou-se cantora.  Artista precoce, ela começou a cantar aos 14 anos. Em 1937, Angenor já levava a filha adotiva para cantar em rádios como Transmissora e Roquete Pinto. “Ela interpretava suas composições, o que era comum nesta época. Quando Villa Lobos foi à quadra da Mangueira conhecer meu avô, quem cantou as composições de Cartola para ele foi minha mãe”, conta Reizilan.

Reizilan dos Santos, músico de 64 anos, luta na Justiça para que a mãe, Creusa Francisca do Santos, seja reconhecida como filha adotiva do sambista – e ele, como neto. Quando a carreira de Cartola começou a decolar, na década de 1960, Creusa não reparou que estava na hora de seguir seu próprio caminho, depois de anos fazendo shows com Cartola em espaços como a Boate Jogral, em Ribeirão Preto, o Zicartola e o Teatro Opinião, ambos no Rio de Janeiro. “Minha mãe poderia ter gravado seu próprio disco, pois tinha ao seu lado Nelson Cavaquinho, Herivelto Martins e seu próprio pai, mas continuava à sombra dele, não conseguia caminhar com suas próprias pernas. Quando ela acordou, foi tarde demais”, lamenta Reizilan

Creusa gravou as faixas “Ensaboa” e “Sala de Recepção”, do disco “Cartola” (1976), mas seu filho afirma que a sambista Clementina de Jesus cantava no lugar dela ao vivo por “motivos pessoais e comerciais”. Ele observa que ,”em nenhum momento, Cartola exerceu seu poder e seu papel de pai para defendê-la, deixando que a excluíssem do processo sem levantar um dedo sequer para protege-la”.

“Talvez naquele momento ele não precisasse mais dela em shows”, diz o músico, ressaltando que sua mãe não recebeu nada por ter participado do disco. “O lançamento seria a chance de Cartola retribuir tudo pelo que eles haviam passado até aquele momento, pois ele tinha conseguido vencer como compositor e como cantor”.

A relação entre Cartola e o neto  foi desgastada ao longo dos anos, e o lugar de Reizilan foi “ocupado por pessoas que se apoderaram da obra de Cartola”, diz ele sobre Dona Zica e seus familiares. “Hoje só sinto tristeza ao lembrar desses momentos, vendo o distanciamento ao qual eles me impuseram. Nem sei se meu avô em vida soube que eu havia estado em sua casa para vê-lo inúmeras vezes”.

Apesar de não culpar ninguém por sua mãe ter sido “apagada” da história, Reizilan condena o comportamento dos familiares de Dona Zica. “Eles dizem que são verdadeiros netos de Cartola, e que eu estou querendo viver na aba do chapéu do avô deles. É como se eles tivessem nascido em Mangueira e vivido tudo que eu vivi quando criança”.

Reizilan briga para ser reconhecido como neto de Cartola por uma questão de honra, para zelar pela memória da mãe. Mesmo sem ter criado um vínculo com ele e guardando tantas lembranças negativas acerca daqueles que o rodeavam, o músico afirma que seu passado, presente e futuro foram revirados. “Não posso mentir e dizer que isso não aconteceu, que não sou neto dele. Luto para resgatar o nome da minha mãe junto ao nome dele, e resta no futuro apagar essas memórias ruins”.

PARTE III: A MÚSICA


(trechos de comentários sobre "O mundo é um moinho", recolhidos do youtube)

"A letra é realmente bonita, se inicia justamente com a referência a ser cedo… a personagem com quem o eu-lírico dialoga é jovem e inexperiente, não conhece nada da vida e anuncia sua partida, e ela é advertida de que segue um caminho sem rumo…

Na segunda estrofe, o eu-lírico tenta convencê-la (embora tenha consciência e até resignação de que não terá êxito) de que ao sair ela vai se perder, a vida vai se perder, sua própria identidade vai-se embora…

E, nesse momento, na terceira estrofe, vem a parte mais aguda, que compara o mundo a um moinho, que tritura sonhos e pulveriza ilusões… é uma imagem, um vaticínio de desesperança, como que a vida fosse sepultar as ilusões daquela que se despede, e que tem por trás o apelo implícito para que ela volte, ou melhor, para que ela não vá…

Repare-se, porém, que a letra fala em reduzir teus sonho, “tão mesquinho" e não mesquinhos. Isso muda completamente o sentido. O mundo é que é mesquinho, e não os sonhos... 

Por fim, ele alerta para as desilusões amorosas… “preste atenção querida”, a advertência de um pai que ama a filha, é como se a moça fosse cair na vida… e em vez de abrir-se ao amor, abre-se ao cinismo, e a busca, esta descoberta do suposto e dito falso “amor” seria um caminho que a personagem estaria cavando para a própria derrocada…

Mais que uma advertência, é um pedido desesperado para que ela permaneça… e a canção assim entrou para a história". 


PARTE IV: NOSSA RESPOSTA

E cá estou eu, há cerca de três anos, tentando criticar esse mestre, essa pessoa maravilhosa da nossa música, grande Cartola. Nesse tempo, desde que me ocorreram sentimentos profundos sobre essa música, tenho pesquisado sobre o artista, sua vida e sua obra, e a história por traz da canção. Desde o belo filme CARTOLA-MÚSICA PARA OS OLHOS, documentário da Globo Filmes de 2007, de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda, passando por inúmeros vídeos que analisam a música, até as inúmeras biografias do Cartola - todos eles realizados por homens. Também ouvi as várias interpretações, desde a do próprio Cartola, passando por Ney Matogrosso, Beth Carvalho, e chegando à gravação do seu xará, Cazuza, que também se chamava Angenor... 

Sem deixar de considerar a delicadeza de um pai amoroso, tentávamos ouvir essa letra da perspectiva da filha, Creusa, uma adolescente de 16 anos que, na nossa visão,  APENAS queria sair de casa, se construir enquanto pessoa, apropriar dos seus desejos, responder de forma autônoma  à questão tão importante para a vida: quem sou eu, quem eu quero ser para além do que fui "educada para". 

E, no processo de pesquisa, aumentava a perplexidade: COMO nenhuma mulher ainda se indignou com essa letra?

E continuavam as interrogações: como nós, mulheres da segunda metade do século passado, internalizamos essa música? que consequências nas nossas vidas, teve essa internalização?

Conversei com inúmeras mulheres, de 30 a 70 anos, tentando caminhar nesse sentido. O que mudou e o que ainda permanece dessas internalizações? 

Quase todas nós, na faixa dos 40 aos 70, temos lembranças de, ao movimento no sentido de ampliarmos nossa liberdade (de ser, de agir) sermos associadas à possibilidade de nos tornarmos "mulheres da vida", prostitutas... essa era a grande ameaça. Me lembro, também, de depoimentos de mães nessa faixa que se separaram,  com filhas na faixa dos 20, 30, e que toda a responsabilidade por qualquer desvio das filhas dos "padrões desejados", a culpa era atribuída a elas, pois foram elas que "desvirtuaram" as filhas. 

Os exemplos são muitos. Ao conversar com todas essas mulheres criamos a possibilidade de "catarses"... de superações. E,  nessa toada, promovemos uma reunião entre nós, com o propósito de "responder" ao Cartola - e aos homens que toparem de nos escutar - sobre o que significou, para nós, essa música, os sofrimentos que ela nos causou durante tanto tempo - e o movimento de superação que fizemos, construindo a resposta :

Meu pai, quero te dizer que a hora quem decide sou eu, e não o Senhor, pois o que quero é exatamente ser dona da minha vida, tirá-la das suas mãos. Te peço, por favor, me deixe escolher o meu rumo, me deixe errar - acertar - e crescer com erros e acertos, enfim, viver

O que você me ensinou de valores para a vida eu vou levar para sempre, pois já fazem parte de mim. E você me ensinou muito bem... Mas você me ameaça Pai! Me deixa com medo de ser livre, como você!

E essa ameaça vem em nome do amor! Você, que canta o amor de forma tão bonita, o enfeia dessa forma meu pai! Como, em nome do amor, você pode ser tão cruel! 

Agora pouco importa se você disse que o mundo é um moinho, e é o mundo mesquinho que vai triturar meus sonhos... ou se você disse que eram meus sonhos mesquinhos... o mal está feito. Estou destroçada... e voltei... e me submeti a você...

Pois você, meu pai, com sua música linda, me fez desacreditar nos homens... no amor... 

E, por último, pai, você me fez - e a todas as mulheres da minha geração - nos sentir culpadas por qualquer desejo de liberdade que tivéssemos...

Este é o seu legado pai... as feridas que você deixou em nós com essa música "delicada, de um pai amoroso", como todos veem. 

E só enxergando um outro lado possível, que caminhamos na direção do resgate das nossas vidas, das nossas identidades, do perdão e da amorosidade... não sem passar pela raiva, pela indignação ... pois, num momento das nossas vidas, foi a raiva que nos deu coragem para caminhar...

E, construindo nossas humanidades, foi que também te enxergamos humano... e te amamos, na sua humanidade. pai.

Sigamos, mais livres das amarras... mais humanas e humanos.

E nos abraçamos, coletivamente... e entre nós, nessa catarse, tínhamos também meninas/mulheres de 15 a 20 anos, que nos acolheram e que também tinham emoções e percepções a compartilhar, de certa maneira uma "repetição" do modelo, atualmente, e uma forma diferente de enfrentar: 


Que bom que a gente tem a gente...


E que os homens nos ouçam, apenas...  e tentem nos entender... e não queiram falar por nós...






sexta-feira, 14 de abril de 2023

Novas conversas sobre CONFLITO



Um dos livros mais importantes do Freud, no nosso entendimento, é O Mal Estar na civilização:

"Escrito às vésperas do colapso da Bolsa de Valores de Nova York (1929) e publicado em Viena no ano seguinte, O mal-estar na civilização é uma penetrante investigação sobre as origens da infelicidade, sobre o conflito entre indivíduo e sociedade e suas diferentes configurações na vida civilizada. Este clássico da antropologia e da sociologia também constitui, nas palavras do historiador Peter Gay, “uma teoria psicanalítica da política”. Na tradução de Paulo César de Souza, que preserva a exatidão conceitual e toda a dimensão literária da prosa do criador da psicanálise, o livro proporciona um verdadeiro mergulho na teoria freudiana da cultura, segundo a qual civilização e sexualidade coexistem de modo sempre conflituoso. A partir dos fundamentos biológicos da libido e da agressividade, Freud demonstra que a repressão e a sublimação dos instintos sexuais, bem como sua canalização para o mundo do trabalho, constituem as principais causas das doenças psíquicas de nossa época".


Um interpretação livre de um trecho do livro: A maioria de nós aprendemos a evitar o sofrimento, não aprendemos a buscar o prazer. Alguns e algumas de nós consegue reverter essa aprendizagem e focar a vida na busca do prazer. Ocorre que o foco na busca do prazer não significa a negação do sofrimento, pelo contrário, o sofrimento faz parte da vida, porém o foco muda para a busca do prazer. 

Então, é como se prazer e sofrimento entrassem pelos mesmos poros. O sofrimento entra ... eu vivencio o mesmo ... e sai ... e eu reoriento a vida para o meu foco de busca de prazer. 

Enquanto que, do modo aprendido na nossa sociedade, "O que muito se evita se convive": Eu fecho os poros para evitar o sofrimento... e ocorre que, com os poros fechados, o prazer também não entra... é o morno, a 'não vida'. 

Recuperando esse conceito, a propósito do tema CONFLITO, recebo pequeno trecho da nossa Adélia Prado sobre o sofrimento:

https://www.instagram.com/reel/Cq_uO9ftkdf/?igshid=MDJmNzVkMjY=

Recebi muitos retornos sobre o tema CONFLITO... muita gente, além de querendo saber mais sobre o tema, relatando conflitos abertos que geraram mudança,  movimento, vida... algumas vezes não na direção desejada, mas sempre na direção de uma maior liberdade tanto interna quando a liberdade para agir e crescer na vida. Foi muito bom, me trouxe alegria e mais vontade de escrever e contar esses casos e reflexões.

Dois deles, um no nível de relações de trabalho e outro, digamos, de gênero... parece que nós, mulheres, estamos mais dispostas a abrir conflitos e crescer com eles.

Vamos ao primeiro na ordem em que recebi, o "conflito feminino": 

- "TU, lendo seu texto sobre conflito, a primeira coisa que me ocorreu foi mudar meu conceito: falo muito de busca de equilíbrio e percebi que essa expressão, talvez importada  do oriente e erroneamente "adaptada" a nossa sociedade, pode nos levar a grandes distorções. Tendemos a buscar um equilíbrio estático quando, na verdade, equilíbrio é, também, movimento, tudo na vida é movimento. Por isso gostei demais desse "novo conceito" que você coloca: tese, antítese, síntese... que já chega num novo ponto de movimento, ou seja, a síntese, uma conclusão minha a respeito de qualquer assunto, já é uma nova tese, portanto já pode aparecer uma antítese... uma nova síntese... e por aí vai... 

Experimentei fazer isso e "enxerguei"... constatei o valor desse movimento, percebi, no movimento, como me sentia viva... foi sobre uma coisa que já ouvi de você, uma "característica feminina" que internalizamos desde que nascemos...  "aprendemos" a onipotência, junto com o eterno sentimento de culpa, que você diz que é o outro lado da mesma moeda. Pois então, o movimento de superação desse conflito, eu descobri, trata-se da "descoberta" de que essa "estrutura" serve para desempenharmos - e de maneira 'perfeita' -  nossos papéis sociais (grande esposa, mãe perfeita, dona de casa perfeita, grande profissional... e por aí vai... ou seja, nosso papel de 'cuidar do mundo').

Fazendo, na prática, o movimento de superação, percebi que descobri minha HUMANIDADE... abrir mão de ser perfeita, de alguma forma gera perdas, e uma delas é o DIREITO DE RECLAMAR, que foi onde eu vi que, com esse "direito", eu ficava no morno... com meu companheiro e com meus filhos.

Não foi fácil fazer esse movimento na prática... permitir o caos em casa, começar a distribuir tarefas, deixar de fazer em vez de fazer e reclamar... meu filho fez a metáfora de "destampar as panelas"... pois não é que, com esses movimentos, eles começaram a se organizar, conversar mais entre nós, eles mesmos começaram a distribuir tarefas, a aprender coisas e até a gostar de coisas como cozinhar, por exemplo... agora, quando arrumo alguma coisa em casa, eu arrumo pra mim e não pra eles, e encontro prazer em arrumar e não mais o tal do direito de reclamar... nessa categoria as coisas estão se movimentando bem, e quando acontecem conflitos aprendemos a lidar com os mesmos de uma forma mais "amena", como um movimento mesmo... 

E o mais legal é que essa experiência  de conflito como movimento abriu possibilidades de destampar outros conflitos, parece que diminuiu mesmo o medo dessa palavra, só a ideia do conflito-movimento já nos tira, de alguma forma, o outro conceito de conflito-destruição que tínhamos e que gerava o medo e a "fagocitação" que você disse.

Tô me sentindo tão mais leve! Vou prestar atenção e "aplicar" esse conceito (ou metodologia?) em outros assuntos... parece até que é um exercício, não é? A ideia de conflito movimento nos humaniza... torna-se até mesmo confortável, ao contrário do que aprendemos

Haaa... outra coisa: percebi também um conflito de emoções, ou um conflito interno entre o medo e a coragem... e, nesse conflito, ficamos esperando o medo acabar... mas ele não acaba; então, a questão é AGIR, exercer a coragem...

E, ainda: percebi que acontece uma mudança relacional nesse movimento: Quando as emoções, os sentimentos são expressados, o colocar-se no lugar do outro, a empatia e a solidariedade se tornam possíveis, exercitáveis.

Quero te agradecer por isso...

Nós que te agradecemos querida! Obrigada por compartilhar conosco sua reflexão... lindíssima ... esperamos que ela sirva como pretexto para outras reflexões ou, como aprendi, pré-texto de outras pessoas que, recebendo suas reflexões, façam, como você fez,  aquele movimento que já conhecemos, também tão importante para a vida: o movimento TAP, lembra? TEORIA - AFETO - PRÁTICA.

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Vamos ao outro depoimento, agora nas relações de trabalho:

Um querido SBCense nos manda uma reflexão sobre como o conceito que nos leva ao medo e à evitação do conflito é enraizado no ambiente de trabalho.  

Dale Carnegie (1888-1955) foi um formador, escritor e orador norte-americano. Fundou o que é hoje uma rede mundial de mais de 3.000 instrutores e escritórios em aproximadamente 97 países que já formou mais de 9 milhões de pessoas no mundo.

Sobre o livro: "O guia clássico e definitivo para relacionar-se com as pessoas Não é por acaso que, mais de setenta anos depois de sua primeira edição, depois de mais de 50 milhões de exemplares vendidos, Como fazer amigos e influenciar pessoas segue sendo um livro inovador, e uma das principais referências do mundo sobre relacionamentos, seja no âmbito profissional ou pessoal. Os conselhos, métodos e as ideias de Dale Carnegie já beneficiaram milhões de pessoas, e permanecem completamente atuais. Carnegie fornece, nesse livro, técnicas e métodos, de maneira extremamente direta, para que qualquer pessoa alcance seus objetivos pessoais e profissionais".

“A única maneira de ganhar uma discussão é evitando-a.” Essa famosa sentença de Dale Carnegie permanece relevante quando a pauta envolve conflitos. Sim, conflitos fazem parte de qualquer ambiente social, mas é sempre melhor saber como evitá-los, pois essa é a única forma real de se ganhar: desviando dele ao máximo. E ele "ensina"  algumas formas de evitar e sair de conflitos:

1. Desenvolva o controle das emoções: "Controle suas emoções, controle seus impulsos e controle seus pensamentos negativos – evitando conflitos desnecessários – e seja mais realizado na vida pessoal e profissional"

2. Evite fazer críticas desnecessárias: Dale Carnegie é autor de outro grande conselho para quem deseja evitar conflitos: evite criticar as pessoas. “A crítica é fútil, porque coloca um homem na defensiva, e, comumente, faz com que ele se esforce para justificar-se. A crítica é perigosa, porque fere o precioso orgulho do indivíduo, alcança o seu senso de importância e gera o ressentimento.”

3. Preste atenção ao comportamento: Conhecer as características de diferentes estilos de comportamento e entender como modificar sua abordagem reduzirá significativamente o conflito.

4. Substitua a palavra “você” pela palavra “eu”: Isso evitará colocar os outros na defensiva. Pense em como você se sente quando alguém começa com “Você deveria” ou “Você sempre”. Quando alguém começa uma frase com “eu sinto” ou “eu preciso”, você é geralmente mais receptivo.

5. Concentre-se no assunto, não na pessoa: Em vez de dizer: “Você disse que terminaria isso hoje”, tente “O projeto realmente precisa ser concluído hoje. O que precisamos fazer para que isso aconteça?” Se você tornar a discussão pessoal, corre o risco de transformar conflito em combate. Mantendo a conversa sobre o assunto, você reduzirá a defensiva.

6. Use a paráfrase quando necessário: Quando você ouve e parafraseia o que a outra pessoa está lhe dizendo, isso demonstra que você realmente se importa em entendê-la. Dizendo “O que eu ouço você dizendo é ____ Isso é correto? ”É uma das ferramentas de comunicação mais simples e poderosas. Quando as pessoas se sentem ouvidas, elas são menos propensas a serem defensivas.

7. Busque compreensão, não concordância: Faça um esforço para tentar entender o ponto de vista da outra pessoa, em vez de convencê-la da sua.

8. Antes de criticar, faça primeiro uma autocrítica: Não importa qual seja o problema, nunca culpe, critique ou condene seu parceiro, seu colega de trabalho ou qualquer pessoa, antes de se auto avaliar.

9. Comunicação: Falar, isso sim ajuda! Muitos mal-entendidos podem chegar ao fim através de uma discussão adequada e aberta. 

Resolvendo conflitos com eficiência: Mesmo tentando ao máximo, às vezes, é inevitável que os conflitos aconteçam. Nesses casos é necessário resolvê-los da melhor forma. A resolução bem-sucedida ocorre ouvindo e proporcionando oportunidades para atender às necessidades ou expectativas de cada um dos lados e tratando adequadamente de seus interesses para que todos estejam satisfeitos com o resultado.

TU, com essa ressignifição de conflito que você  nos coloca,  e buscando o texto desse autor, percebi como as ideias nos são passadas de uma forma ambígua,  e essa ambiguidade, nos conduz às distorções  necessárias a nossa sociedade que deseja que sejamos  muito mais objetos,  reprodutores, do que sujeitos, construtoras de um mundo mais bonito, de relações mais simétricas, como você diz. Veja que em alguns itens ele sugere boas táticas para construir a partir do conflito - a comunicação,  a atitude empático, o respeito às diferenças.  No entanto, sem deixar de considerar o conflito como uma coisa a ser evitada a qualquer custo. Ou seja, o exercício do poder, a dominação, o autoritarismo... está dado através da internalização do conceito distorcido de conflito que nos leva ao medo, à atitude de evitar e à fagocitose, como você disse.  Não é a toa que esse cara é um americano de pós guerra,  quando os EUA estava, digamos, no processo de hegemonia e consolidação do imperialismo.  Concluo lembrando de um termo que aprendi com você: há que se JOEIRAR, separar o joio do trigo. 
Obrigada minha querida amiga...

Mais uma vez nós é que agradecemos tão rica reflexão e sua generosidade de compartilhar a mesma conosco, querido amigo...

Muito oportuna a sua conclusão,  combina com o que estamos vivendo do atualmente.  Acabo de ouvir fala do nosso presidente na China, dizendo que o mundo não é mais aquele de meio do século passado...  de cerca de 70 anos atrás...

Um novo mundo - multipolar - está se desenvolvendo. E, nesse mundo, precisamos estar atentos, principalmente,  nos dois pontos principais: a defesa da paz e do meio ambiente. Parece que não está cabendo mais nesse mundo as mentiras de "em nome da paz e da democracia" se fabricar mais armas e se invadir e expropriar países, como se fez tanto na segunda metade do século passado... 



TOMARA!!! Que venha o novo tempo... e que nos preparemos para o mesmo... ressignificando ...





Abraços carinhosos a todas as pessoas que se identificam com nossa filosofia SBCcence... continuem nos mandando seus textos!
















sexta-feira, 7 de abril de 2023

Conversas SBCenses: ressignificando CONFLITO

                                         "SOU QUANDO DIVIRJO" Guimarães Rosa


No SBC adoramos conversar, redefinir e/ou resignificar palavras... muitas delas fundamentais no nosso vocabulário, e cujo sentido nos foi "imposto", "enfiado goela abaixo" -  e o "sentido" da palavra determina a maneira de pensarmos sentirmos e agirmos... e, por fim, geram inúmeras distorções, sofrimentos e repetições de um sistema relacional e de uma maneira de ver o mundo distorcidos - e reproduzimos este sentido (ou significado, ou conceito) na nossa visão de mundo, das relações e de nós mesmxs. 
O AMOR é uma dessas palavras - entendido, internalizado e vivido de forma tão distorcida, gerando tanto sofrimento desnecessário - que precisamos urgentemente começar a resignificar nas nossas vidas; outros conceitos distorcidos - de "caso pensado", diga-se - num sistema que nos deseja reprodutores e não sujeitos, pessoas capazes de criticar...  e construir conceitos orientadores para uma vida mais bonita. Muitos já discutidos e conversados aqui: inspirados no grande jurista Allyson  Mascaro, que coloca o projeto "na garagem" dizendo que precisamos conversar, em qualquer lugar, sobre temas que são distorcidos  no sendo comum, socialismo e comunismo por exemplo, em 2021 fizemos algumas reuniões trabalhando esses temas. O conceito de Democracia foi discutido "Na beira do fogão" em 10 de setembro de 21 (leia nosso post...); conversamos na varanda, na calçada, no boteco... sobre ideologia, política, alienação (post de 3 de setembro de 21); e mais recentemente (13 de março deste ano) conversamos sobre Comunismos e Felicidade. 

Pois bem...  nosso maior poeta e escritor João Guimarães Rosa (1908-1967) foi o inspirador para criticarmos a maneira como absorvemos a palavra CONFLITO... e fazermos o esforço necessário à sua ressignificação.


Conseguem perceber a diferença entre esses dois flyers? No primeiro deles está embutido o conceito de conflito que conhecemos, a ideia de que o conflito deve ser evitado a qualquer custo, que a vida é "boa" sem conflito, e  o "erro" terrível: pessoas sábias evitam o conflito e, sim, buscam novas ideias. O segundo flyer é mais humano, eu diria... pensar diferente "já é o conflito"... e, relacionalmente, é verdade que o conflito não nos torna inimigos, porém podem caminhar para um rompimento na relação, e isso pode significar sabedoria (a "nova ideia" pode ser o afastamento, juntando um flyer com outro)
O segundo flyer contém a ideia de movimento (evolução); o primeiro é "fechado na sabedoria", talvez falsa sabedoria. 

Ora, pra nós a sabedoria humana é justamente entender tudo na vida em movimento - o movimento dialético que já foi entendido (por alguns humanos) desde Heráclito (o pai da dialética), filósofo pré socrático; Hegel (sec. XVIII), na Fenomenologia do Espirito, elaborou este movimento: tese - antítese - síntese; e Marx (sec. XIX) "completou" Hegel dizendo que o processo histórico é o eterno conflito entre as classes. Assim, a síntese já é uma nova "tese"... já possui uma antítese... já vai dar numa síntese... e assim por diante... então: o conflito, ideias antagônicas, desejos antagônicos está posto no humano.


Então...  o medo do conflito e o comportamento de evitação do mesmo é consequencia da nossa aprendizagem e internalização do significado da palavra como algo destrutivo, aterrador. E isso interfere nas nossas relações e na nossa visão de mundo... e de nós mesmos.  A própria vida é vista de uma forma linear... os conflitos são fagocitados, termo tirado da biologia.
Assim, com os conflitos "em bolsões" só vemos a linearidade da vida e das relações, os conflitos estão ali: "fagocitados", escondidos... mas eles estão lá, o máximo que conseguimos é nos alienar, nos distanciar deles. De outro modo, abrir conflitos gera movimento, mudanças, enquanto que conflitos engolidos geram sofrimentos, angustias que, às vezes, nem percebemos.

Os efeitos dessa evitação dos conflitos e visão linear da vida são muitos: 
. a somatização, o alcoolismo, dependência química;
. no plano relacional, a "evitação do conflito" pode produzir o medo do diferente, o preconceito, a animosidade, a guerra por "verdades", e, mais amplamente, o maniqueísmo (bom-mau; certo errado, quem não pensa igual a mim é meu inimigo e, pior, a ser exterminado)...   o fascismo.


Nossa grande filósofa Marilena Chauí diz sobre democracia:
"A Democracia não é só um regime político. É uma forma social de convivência. E possui três características:
- É a única baseada na criação e conservação de direitos;
- É a única que considera o CONFLITO legítimo e necessário;
- É a única que afirma que a soberania é popular, ou seja, pertence ao povo.

No plano das relações intimas (afetivo/sexuais) e também das relações de amizades, o comportamento evitativo produz um empobrecimento da vida. Zygmunt Bauman, filósofo e sociólogo polonês, fala sobre os "Amores líquidos" da pós modernidade. 

Se,  por um lado, a variedade de possibilidades que o mundo nos oferece agora contribui para ampliar nossa aprendizagem, um "efeito colateral" da proliferação da experiência vem a ser o "estilo de vida evitativo" que nos traz a superficialidade, o amor de plástico, como diz nosso grande psicanalista Christian Dunker.

Porém, os "coaches da vida" proliferam  nas redes nos enviando mensagens "fluidas" : "a fila anda!"  "parte pra outrx!"; ou seja, estimulando o comportamento evitativo.  Estimulando a "evitação  do luto" quando, na verdade,  é vivenciando o mesmo que a gente cresce, diz nosso psicanalista. Além disso, os coaches modernos estimulam o distanciamento das nossas emoções, dos nossos afetos... e, com isso, ajudam  a perpetuar a superficialidade... enfim, a pobreza relacional e subjetiva.

Outra imagem que temos para a pessoa evitativa é a do patinho, que "não se molha", ele sai da lagoa e se balança, joga a água toda pra fora do seu corpo e já fica sequinho.  Também uma imagem interessante é a da história da raposa e das uvas: "haaa, não quero tanto, estão verdes", ou seja, a inibição do interesse (pelo outro, pela relação), e o afastamento,  sempre quando aparece algum conflito.  E a "síndrome da Deusa (ou Deus), que vem a ser a pessoa sempre sair da relação para não sair do pedestal (nesse caso o conflito subjetivo entre o eu ideal e o real)

Pois, AMAR É UM ATO DE CORAGEM, diz Dunker... e completamos: dá trabalho nos tornar humanos ... e dá trabalho AMAR... amar nossa humanidade... e a do outro. Um "bom amor" dá trabalho"...exige relação dialógica... e não existe sem o movimento dialético que os conflitos (abertos) nos oferecem. 

Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas. Amor-fati [amor ao destino]: seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim!

– Nietzsche, Gaia Ciência, §276


Ficamos com Nietzsche, no desejo de amar a vida como ela é, e amar as pessoas como elas são...

Por outro lado, nos perguntamos se esse ideal romântico que nos faz enxergar a vida de forma linear - e fagocitar os conflitos - não faria parte do nosso sistema capitalista e sua ideologia, para nos manter alienados e não enxergarmos as enormes contradições do mesmo, e, ao fim e ao cabo, nos oprimir e nos submeter, em todos os níveis de relação.

Terminamos com depoimento libertador de pessoa que, passando pelo luto de um não, chegou à conclusão: "Desencontros fazem parte da vida... os nãos que te causam tristeza e dor são os mesmos que te deixam livre e te fazem crescer". 



À VIDA!!!

Abraços carinhosos...