sábado, 27 de maio de 2023

Reflexões SBCenses: sobre PAZ

 


Este símbolo da paz foi criado no ano de 1958, pelo designer britânico Gerald Holtom (1914-1985), com o objetivo de servir como protesto contra a construção de armas nucleares na Inglaterra. Já que eles estavam num momento de pós-Segunda Guerra Mundial, em que os países estavam planejando dar início a uma corrida armamentista. Assim sendo, para criar o símbolo, o artista decidiu utilizar as letras N e D, que significavam “nuclear disarmament”, ou seja, desarmamento nuclear. Basicamente, era esse o pedido da população, de modo geral. Afinal, a sociedade estava se sentindo desprotegida e ameaçada pela guerra nuclear. 

Além das letras do símbolo da paz, vale destacar também que os traços internos poderiam ser vistos como parte do corpo de um boneco de palito. Ou seja, a intenção era visualizar o boneco com os braços para baixo e as mãos espalmadas, em sinal de agonia e desespero. Além disso, o círculo em volta representaria a terra, nosso planeta.


Para fazer tal símbolo, Holtom se inspirou no quadro “Três de Maio de 1808”, do pintor espanhol Francisco de Goya, que representa o acontecimento que se conhece como o levante de 3 de Maio, ocorrido em 1808, após Napoleão invadir a Espanha e a casa real seguir as suas ordens. A revolta estoura nesse dia, quando uma parte do povo de Madrid tenta evitar a saída, ordenada pelos franceses, do infante D. Francisco de Paula de Bourbon. As tropas francesas atiraram contra os madrilenos revoltosos. Foram ao redor de 400 vítimas. 44 revolucionários foram juntados e fuzilados na noite de 2 a 3 de Maio na colina do Príncipe Pío, em Madrid. Este é o episódio que Goya mostra no seu quadro, de 266 x 345 centímetros,  feito em 1814, atualmente no Museu do Prado, em Madrid.


Ainda na segunda metade do século passado,  o símbolo acabou ganhando outro significado. O que era para representar medo, euforia e desespero, passou a representar uma ideia de paz. Este segundo significado do símbolo da paz foi ganhando repercussão nos anos 60, particularmente na Inglaterra e EUA,  com o movimento de contracultura. Basicamente, esse movimento prezava por um modo de vida mais comunitário. Além de aderir a um estilo de vida mais nômade, com uma forte ligação com a natureza, espírito livre e, acima de tudo, contra todo e qualquer tipo de guerra. Por isso, engajaram tanto no lema “Paz e Amor”. Aliás, “Paz e Amor” é uma das frases idiomáticas associada ao movimento hippie. Eles são os responsáveis por imortalizar esse símbolo.

Assim sendo, esse símbolo representou a postura política dos hippies. Até porque eles eram responsáveis por inúmeros movimentos que buscavam os direitos civis, a igualdade e o anti-militarismo.
Vale destacar também que um dos objetivos desse movimento era promover manifestações a favor da campanha pelo Desarmamento Nuclear, para o qual o símbolo da paz e do amor realmente foi criado.

Voltando um pouco na história, também após a Segunda Guerra foram organizados, na cidade de Paris, Congressos Mundiais pela Paz.  A artista francesa Françoise Gilot, que era companheira de Picasso na época, dera à luz uma menina,  Paloma. Para Picasso, os pombos eram um lembrete de sua infância e de seu pai, que o havia ensinado a desenhar pombosPicasso foi considerado um símbolo pela defesa da paz e da liberdade depois de pintar Guernica em 1937. em resposta aos bombardeios alemães na Guerra Civil Espanhola.


A partir da década de 1960, Picasso passou a estilizar cada vez mais seu desenho para representar a Pomba pela Paz. Também acrescentou um ramo de oliveira no bico, esse é um símbolo que segundo a Bíblia, trouxe a Noé a notícia de que a terra estava próxima.

Vejam que o conceito de PAZ não é absoluto, como todos os conceitos ... AMOR, DEMOCRACIA, LIBERDADE ... e por aí vai... O mais bacana no humano é que podemos - e devemos - sempre, conversar sobre o significado dos conceitos para cada um de nós, aqueles significados "prontos e internalizados" e consequências disso para nossas vidas e nossas relações... e novos significados, que podemos construir, e que podem servir de orientação para uma vida mais bonita, para relações mais prazerosas.


Nosso grande inspirador Rubem Alves, educador, teólogo e escritor brasileiro (1933-2014) faz uma crítica à imagem do pombo como símbolo da paz, numa de suas crônicas sobre relações humanas, muito importante para nós na época em que lemos, "traduzida" agora como se segue:
- Os animais da mesma raça, geralmente entram em briga por território ou pela fêmea. Mas eles não se matam, pois todos possuem uma espécie de "mecanismo de rendição". Por exemplo, os lêmures (primatas de Madagascar - vejam o filme...), parecem uns macaquinhos... quando um bando entra em briga por território com outro bando, e um dos bandos percebe que estão perdendo, eles exalam um cheiro forte, de maneira que o outro bando que está ganhando para a briga, os perdedores vão embora e o bando ganhador se apossa do território. Já os pombos - e os humanos - são os únicos que não possuem esse "mecanismo de rendição", de maneira que quando dois pombos adultos são presos numa gaiola... e, por algum motivo, começam a brigar, eles se matam, ou seja, os dois  morrem ao mesmo tempo, ou quase, pois têm mais ou menos a mesma força. Triste isso não é? Justamente os símbolos da paz, não dispõem de uma "bandeira branca". Nós, humanos, inventamos essa bandeira branca, porém, geralmente não a usamos... e isso percorre todos os níveis de relação, "na cama e no mundo" como nós, SBCenses, costumamos dizer...

Talvez nos falte a aprendizagem necessária ao exercício de alteridade e de empatia, como conversamos há pouco tempo (post de 18.05). Tampouco exercitamos o raciocínio dialético (tese - antítese - síntese, que já é uma nova tese, o início de outro movimento...). E alguns conceitos, tão importantes para a vida e as relações, necessitam tanto desse raciocínio! No entanto, costumamos nos fechar em verdades... o que nos leva a tantos "dramas relacionais" e sofrimentos que poderíamos evitar... 

Nessa toada entabulamos conversa e interpretações diferentes sobre a PAZ, buscando referências poéticas, musicais... que nos provocam o auto conhecimento (para aqueles que conseguem se despir dos mecanismos de defesa aprendidos na sua história de vida ...  negação, projeção, ...), e o desenvolvimento de relações mais bonitas e saudáveis, construindo, assim, uma vida tão livre e prazerosa quanto possível.

Começamos com nosso grande filósofo Gilberto Gil. Ouçam, a letra da sua música A PAZ, composta em 1986 com João Donato.

"QUE CONTRADIÇÃO, SÓ A GUERRA FAZ, NOSSO AMOR EM PAZ..." Segundo Gil: "A imagem dele [João Donato] dormindo sossegado, em plena luz do dia, me chamou a atenção para o sentido da paz."  - a paz de espírito. Essa imagem o fez lembrar da obra de Leon Tolstói, Guerra e Paz,  e a letra foi sendo composta com base nessa contradição. O paradoxo é recorrente na obra de Gil, segundo ele mesmo afirma: "essa é a recorrência básica no meu trabalho: yin e yang, noite e dia, sim e não, permanência e transcendência, realidade e virtualidade: a polaridade criativa (e criadora)"

Ao acompanhar o percurso de cinco famílias aristocráticas russas no período de 1805 a 1820, Tolstói narra a marcha das tropas napoleônicas e seu impacto brutal sobre a vida de centenas de personagens.

"O que é Guerra e paz?”, esta foi a pergunta que Liev Tolstói fez em um texto que detalha o processo de pesquisa e de criação de sua obra-prima. “Não é um romance, muito menos uma epopeia, menos ainda uma crônica histórica"..." Ninguém antes de Tolstói mostrou a guerra com tal realismo e poder artístico, negando qualquer interpretação romântica e vendo a guerra como a maior manifestação do mal, um fenômeno contrário à própria natureza do homem." O que e é ruim? O que é bom? O que se deve amar, e o que se deve odiar? Para que se deve viver e o que eu sou? O que é a vida, o que é a morte? Que força governa tudo?', ele se perguntava. [...] Você vai morrer e tudo vai terminar. Você vai morrer e vai ficar sabendo de tudo… ou vai parar de perguntar." Por fim, a obra-prima de Tolstói é uma leitura obrigatória para qualquer pessoa que queira ter uma experiência literária única. "Guerra e Paz é uma obra-prima que todos devem ler para se conectar com a profundidade e a complexidade da vida humana. É uma leitura que deixará o leitor profundamente tocado e com uma nova perspectiva sobre a vida".

O provérbio acima, em latim, pode ser traduzido como "se quer paz, prepare-se para a guerra". A frase é atribuída ao autor romano do quarto ou quinto século Flávio Vegécio. 

Qualquer que seja a fonte, o provérbio se tornou um item de vocabulário que vive por si mesmo, utilizado na produção de ideias diferentes em vários idiomas. As palavras do próprio Vegécio nem sequer são reconhecidas por um grande número de escritores, que atribuem o ditado diretamente a ele.

Esta frase também foi usada como mote pelo fabricante alemão de armas Deutsche Waffen und Munitionsfabriken (DWM) para designar a sua pistola, Parabellum.

A frase também é referenciada em vários filmes como, por exemplo, na trilogia John Wick.

E, nessa toada, vamos lembrando, na história, em quantas guerras, quantos massacres, quantas tragédias humanas se fizeram "em nome da paz"... particularmente no século passado, tão próximo historicamente... Na primeira metade daquele século duas guerras mundiais... na segunda metade, período dito da "guerra fria", quantas "invasões" em nome da paz o imperialismo estadunidence fez - e ainda faz - a países em todo o mundo? Sem falar da bomba atômica sobre Hiroshima, no Japão, lançada pelos EUA em agosto de 1945, depois que já tinha acabado a segunda guerra mundial.  

Guerra das coreias, Vietnan, conflitos árabes-israelenses, guerra irã-iraque, golpes de estado na América Latina ... e, com isso, o desenvolvimento da indústria de armamentos. Imaginem o lucro com a dita economia de guerra. Agora, pensem na mais conhecida guerra atual, Rússia-Ucrânia. Para qual (ou quais) países é interessante a manutenção dessa guerra? Para a Rússia? Para a Ucrânia? pensamos que esses dois países seriam os menos interessados... E outros conflitos sangrentos pelo mundo: Etiópia, Iêmen, Haiti, Mianmar, Síria, Afeganistão... tudo em nome da paz, grande mentira!


Concluímos - provisoriamente - que os conceitos de paz podem variar de cultura para cultura e de pessoa para pessoa, assim como nos vários níveis de relação (de relações intimas até "nós no mundo e o mundo em nós"); e caminhamos para reflexões sobre o desejo de paz nos relacionamentos...


Em 1966 Elza Soares defendeu a música "De amor ou paz" de Adalto Santos e Luiz Carlos Paraná, no Festival da Record, classificando-se em segundo lugar.


Quem anda atrás de amor e paz não anda bem
Porque na vida o que tem paz, amor não tem
Seja o que for, sou mais do amor, com paz ou sem
Sei que é demais querer-se paz e amor também

Já que se tem que sofrer, seja a dor só de amor
Já que se tem que morrer, seja mais por amor

Vou sempre amar, não vou levar a vida em vão
Não hei de ver envelhecer meu coração
Vou sempre ter em vez de paz, inquietação
Houvesse paz, não haveria esta canção.

E, nos deliciando com letra e música dessa canção, pensamos nas várias expressões de paz e seus significados:
Paz no mundo... Paz nas relações... Descanse em paz... Me deixa em paz... A paz esteja convosco...

E mais essa que o SBC intitula música de lama, "precisamos" dessas músicas para chorar de amor até rir da gente e do amor idealizado...


A paz no mundo, inegavelmente, precisamos lutar por ela... elegendo governantes estadistas, por exemplo... também, buscando mais conhecimentos que ampliem nossa visão de mundo... capitalismo, imperialismo, socialismo, comunismo...
Porém, a busca de paz nos relacionamentos pode vir a ser um equívoco. Pensamos no equívoco de se buscar relacionamentos perfeitos, idealizados, sem conflitos...  pois sabemos das distorções que aprendemos a internalizar do conceito de CONFLITO...  de maneira tal que, ao buscarmos a paz nos relacionamentos, evitando os conflitos, nós nos desumanizamos... pois o conflito faz parte do humano, é através dele que crescemos. Então só tem um jeito: autoritariamente, impondo ao outro nosso modelo, petrificando as relações... enfim, reproduzindo nas relações o modelo maniqueísta  certo|errado, bem|mal, verdade|erro,  ...  nossa proposta é a de combatermos, sempre, este modelo, "guerreando", às vezes conosco mesmxs, quando procuramos a paz como sossego... tudo isso valendo para as relações afetivas-sexuais, afetivas-parentais, afetivas-amigáveis...
Um grande amigo me diz que está buscando a paz nos relacionamentos... e esta fala me surpreendeu: em vez de buscar a paz não seria saudável buscar alegrias de bons encontros, tesão,  crescimento mútuo, encontro de desejos...  quem está procurando paz nos relacionamentos não estaria se defendendo de frustações em função de idealização das relações... de si mesmx... do outro... grande psicanalista brasileiro, Christian Dunker , fala bastante disso, dos comportamentos de evitação,  desses mecanismos de defesa que, ao fim e ao cabo, tornam nossas vidas menos interessantes, pobres... relações acabam, se transformam, e enriquecem nossas vidas... a capacidade de amar e ser amada está em nós... não "envelheça" seu coração, como nos diz Elza...
Por fim, nos deparamos com uma outra concepção de paz que denuncia, como um soco no estômago, a "mentira" da busca da paz enquanto se matam crianças:

DA PAZ

por Marcelino Freire 

Eu não sou da paz.

Não sou mesmo não. Não sou. Paz é coisa de rico. Não visto camiseta nenhuma, não, senhor. Não solto pomba nenhuma, não, senhor. Não venha me pedir para eu chorar mais. Secou. A paz é uma desgraça.

Uma desgraça.

Carregar essa rosa. Boba na mão. Nada a ver. Vou não. Não vou fazer essa cara. Chapada. Não vou rezar. Eu é que não vou tomar a praça. Nessa multidão. A paz não resolve nada. A paz marcha. Para onde marcha? A paz fica bonita na televisão. Viu aquele ator?

Se quiser, vá você, diacho. Eu é que não vou. Atirar uma lágrima. A paz é muito organizada. Muito certinha, tadinha. A paz tem hora marcada. Vem governador participar. E prefeito. E senador. E até jogador. Vou não.

Não vou.

A paz é perda de tempo. E o tanto que eu tenho para fazer hoje. Arroz e feijão. Arroz e feijão. Sem contar a costura. Meu juízo não está bom. A paz me deixa doente. Sabe como é? Sem disposição. Sinto muito. Sinto. A paz não vai estragar o meu domingo.

A paz nunca vem aqui, no pedaço. Reparou? Fica lá. Está vendo? Um bando de gente. Dentro dessa fila demente. A paz é muito chata. A paz é uma bosta. Não fede nem cheira. A paz parece brincadeira. A paz é coisa de criança. Tá uma coisa que eu não gosto: esperança. A paz é muito falsa. A paz é uma senhora. Que nunca olhou na minha cara. Sabe a madame? A paz não mora no meu tanque. A paz é muito branca. A paz é pálida. A paz precisa de sangue.

Já disse. Não quero. Não vou a nenhum passeio. A nenhuma passeata. Não saio. Não movo uma palha. Nem morta. Nem que a paz venha aqui bater na minha porta. Eu não abro. Eu não deixo entrar. A paz está proibida. A paz só aparece nessas horas. Em que a guerra é transferida. Viu? Agora é que a cidade se organiza. Para salvar a pele de quem? A minha é que não é. Rezar nesse inferno eu já rezo. Amém. Eu é que não vou acompanhar andor de ninguém. Não vou. Não vou.

Sabe de uma coisa: eles que se lasquem. É. Eles que caminhem. A tarde inteira. Porque eu já cansei. Eu não tenho mais paciência. Não tenho. A paz parece que está rindo de mim. Reparou? Com todos os terços. Com todos os nervos. Dentes estridentes. Reparou? Vou fazer mais o quê, hein?

Hein?

Quem vai ressuscitar meu filho, o Joaquim? Eu é que não vou levar a foto do menino para ficar exibindo lá embaixo. Carregando na avenida a minha ferida. Marchar não vou, ao lado de polícia. Toda vez que vejo a foto do Joaquim, dá um nó. Uma saudade. Sabe? Uma dor na vista. Um cisco no peito. Sem fim. Ai que dor! Dor. Dor. Dor.

A minha vontade é sair gritando. Urrando. Soltando tiro. Juro. Meu Jesus! Matando todo mundo. É. Todo mundo. Eu matava, pode ter certeza. A paz é que é culpada. Sabe, não sabe?

A paz é que não deixa.


Enfim... penso que precisamos MUITO de estadistas que lutem pela PAZ... lutemos com eles!!!

e, nos relacionamentos, precisamos MUITO nos livrar de idealizações...  e incluirmos os conflitos nas nossas vidas e nas nossas relações como aprendizagens de crescimento, de humanização e de prazer com a através dx(s) outrx(s). 


Abraços carinhosos...




7 comentários:

  1. Ainda assim, desejo a PAZ! Individual e coletiva. E muito AMOR pra caber no coração do mundo todo mundo!
    Ótima reflexão!

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    1. Esqueci de assinar: Marluce Cerqueira

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    2. Obrigada querida amiga. Abraços carinhosos

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  2. Nem menos ucrania
    Nem mais guerra fria
    Mais ou menos guerra santa

    Paz - questão de ponto de vista
    De longe - a terra é azul
    De perto - você conhece
    De fora - a paz do monge
    Dentro - uma guerra se esconde?
    O cartão-postal do Rio oculta a guerra na favela
    A floresta quieta não mostra o índio nem o garimpeiro
    O lago tranquilo é onde mora o jacaré
    Tele visão da terra
    Diáfana guerra - descanse em paz.

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  3. Obrigada pelo compartilhamento querido amigo! Que delicadeza a sua... Me comove. Abraços carinhosos. Santuza TU

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