terça-feira, 9 de maio de 2023

O método TAP Teoria Afeto Prática

 












Novamente, a Rochelle escrevendo: terminamos nosso post anterior falando da necessidade do desenvolvimento da INTELIGÊNCIA EMOCIONAL... para aprendermos - e exercitarmos - o movimento de "virar a chave"... o que vem a ser uma mudança de paradigma, uma mudança de conceito, da maneira como vemos a nós mesmxs, vemos o mundo, vemos nossas relações. E quando falo 'vemos' considerem o 'ver' como pensar, sentir, perceber... e agir no mundo - interno e externo... e uma mudança de paradigma implica em construirmos novos valores, novos princípios, novos modelos orientadores para nossas vidas, ou seja, implica num movimento de mudança profunda - e constante. 

Pois bem... nossa querida terapeuta nos ensina uma técnica para fazer este movimento. Ela já falou algumas vezes sobre isso, mas agora ela topou fazer uma entrevista comigo para explicar melhor o que seria a técnica TAP - Teoria - Afeto - Prática. E é esta nossa pauta de hoje:

Rochelle: querida TU, minha primeira pergunta é: como percebemos que estamos fazendo o movimento de mudança de "cobra que morde o rabo" para "virar a chave"? Existe uma aprendizagem possível para  isso? Você pode nos ensinar?

TU: Querida Rochelle, como já sabemos, a vida é um movimento constante... e sabemos, também, que o "modelo" aprendido (sobre a vida, sobre mim mesmx, sobre o mundo) vem praticamente negar este movimento, fabricando ideias de "busca da verdade", de "felicidade"... e por ai vai...

Você fez um bom resumo, no post que escreveu semana passada, sobre os pré-socráticos, a fluidez e tudo mais ... e os pós socráticos, o Platão, que fez o movimento para a busca da razão pura, como se diz.

Você sabe, minha "formação" filosófica não é nada acadêmica, costumo buscar conhecimentos filosóficos e históricos a partir de assuntos que me afetam, me provocam reflexão. Um desses assuntos é exatamente este: AFETOS, EMOÇÕES.


Um dos meus primeiros contatos com este tema foi um livro de 1987, "Os sentidos da paixão", da Companhia das Letras. Em 1985, o Núcleo de Estudos e Pesquisas da Fundação Nacional de Arte - FUNARTE começou a promover cursos livres sobre cultura e arte no Brasil. Em 86, a FUNARTE preparou "Os Sentidos da Paixão", com a participação de nomes importantes da inteligência brasileira. Promovido no Rio, São Paulo, Brasília e Curitiba, o curso, em 87, toma a forma de livro. 

Com grandes nomes brasileiros da filosofia, da psicologia, da arte, como Sérgio Paulo Rouanet, Marilena Chauí, Renato Janine Ribeiro, Hélio Pelegrino, entre outros,   aprendi sobre Platão e Aristóteles e sobre Razão Louca e Razão Sábia. Aprendi que enquanto Platão elaborava uma teoria rígida - e quando mais rígida a teoria, mais lacunas ela comporta - esta teoria da busca da razão...  Aristóteles, na sua filosofia,  buscava conciliar a razão com os afetos (ou paixões) com a ideia de que quanto mais apaixonado estou mais "responsável" me torno, ou seja, eu "respondo" pelos meus afetos. No conflito - ou diálogo - entre razão e paixão, aprendemos - de forma distorcida - que a loucura é das paixões. Pois não é. A Razão é, sim, louca - ou é sábia. Explicando: a razão se define por sua forma de relacionar-se com as paixões, sejam elas agressivas ou amorosas. Quando a razão, influenciada pelos afetos, distorce ou bloqueia o conhecimento, e reprime ou liberta a vida passional de um modo destrutivo, estamos diante da RAZÃO LOUCA. Por outro lado, quando a razão está a serviço do conhecimento objetivo e de uma vida passional tão livre quando possível, estamos diante da RAZÃO SÁBIA. 

Rochelle: então seria isso o que chamamos de Inteligência Emocional? e como aprender a desenvolvê-la?

TU: sim querida... embora esse conceito de Inteligência Emocional tenha se 'banalizado', para o 'consumo imediato', como quase tudo na nossa cultura do consumo, do imediatismo, do 'milagre'. A vida toda estaremos "aprendendo" o movimento de "juntar" razão e emoção... pois essa fragmentação "cabeça-corpo" está fabricada em nós há séculos. Porém, tudo que é historicamente "fabricado" pode ser mudado não é mesmo? Aliás, temos mais um componente a ser "juntado" para caminharmos no sentido de uma vida mais plena, de uma visão de mundo mais ampla e de relações de trocas mútuas e de crescimento. A dimensão do fazer, da ação. Chegamos ao que podemos nomear como uma "técnica" para a prática do movimento de "ir virando a chave". o TAP - Teoria, Afeto, Prática ...

Rochelle: explica pra nós, por favor, essa técnica, TU. É fácil de ser aplicada. Podemos tentar?

TU: sim querida. Primeiro, perceba que é um movimento constante, para a vida toda: Teoria -  Afeto - Prática -  Afeto -  Teoria - Afeto - Prática - ... e sempre no meio de tudo está o AFETO. 

Bem... a TEORIA é tudo que já existe pronto - um livro, um poema, uma música, um filme, tudo que pode servir de pré-texto... pois o texto quem faz somos nós, nós somos SUJEITOS do conhecimento, nós produzimos conhecimento, cultura, arte. A teoria foi, provavelmente, um TAP da pessoa que a fez. Por exemplo, um livro é o resultado de uma pergunta, uma perplexidade, uma interrogação daquela pessoa.  E toda teoria já pronta só vai  servir para me "transformar" se eu for afetadx por ela.

O AFETO: trata-se da teoria "passar por dentro de mim, me provocar reflexão, me abrir perguntas, questionamentos, "como é isso na minha vida", ou seja, eu "me vejo" na teoria. 

Mas AFETO é, também, relacionalmente, sentimentos e emoções, pois a TEORIA, também, pode ser x outrx, uma provocação, qualquer coisa que uma outra pessoa me coloque, me diga... eu sinto... e tomo contato com as minhas emoções... e "aprendo" a colocá-las ... e "construir" relações... seja em que nível relacional for, do íntimo (relações afetivo-sexuais) passando por família, relações de trabalho, até o nível de relações mais amplo, eu no mundo enquanto cidadão|cidadã. 

Bom... e quando qualquer assunto, tema, relação, passa por dentro de mim, me provoca afetos e reflexões, acontece a  terceira etapa do movimento... a ação, a PRÁTICA, algo já muda na minha vida, uma maneira de ver, uma emoção expressada, um jeito novo de ver x outrx... 

E quando algo de novo acontece, a PRÁTICA... e eu vejo... de novo eu sou afetadx... passa por dentro de mim e eu ELABORO... eu já não digo do mesmo jeito aquela teoria, ou aquilo que ouvi... já sou eu, apropriando da teoria, e elaborando... sendo SUJEITO DO CONHECIMENTO. 

E assim vai... TAP AT AP AT AP................  e vou "virando a chave"... estabelecendo outras visões, outras práticas... e compartilhando com pessoas ao meu redor... e trocando com as mesmas ... e construindo juntxs novas formas de estar no mundo, de relacionar...

Repare que posso, também, estar afetadx com um tema... e buscar o que já pensaram a respeito... esse conhecimento já me provoca reflexões... eu mudo algo, minha maneira de pensar, minha ação... sei falar do tema, já acrescido das minhas reflexões|ações...  troco assunto com outras pessoas... e exerço o que considero de mais humano: nossa capacidade de crescer com x outrx e oferecer ax outrx minhas experiências|reflexões para ele|ela crescer comigo... e isso não acaba nunca... e a vida fica mais profícua ... mais bonita...

Rochelle: vou ouvir atentamente a gravação dessa entrevista e vou tentar escrever sobre isso. Pois me parece que precisamos PRATICAR, exercitar o TAP para entendermos. 

TU: Verdade querida. Difícil de explicar teoricamente... Quando você "praticar" é que vai começar a entender... e não vai mais parar.  A explicação teórica dá a impressão de ideias fragmentadas,  faz a gente perder de vista o movimento, esse da ligação da cabeça (teoria) com o coração, o pescoço; e do coração com os membros (mãos e pernas - o fazer, a ação, a prática), que poderia ser, numa metáfora, as artérias e veias.

Rochelle: Mas me fale um pouco mais sobre esse ponto do meio do TAP, os AFETOS. Você disse que parece o mais difícil?

TU: sim... em função da nossa cultura, que nos fragmentou, separou cabeça e corpo -  e separou, também, membros - a ação...  o contato com nossas emoções, e aprender a expressá-las é muito difícil. Tem a questão da linguagem... vou tentar explicar: nós já nascemos "sentindo" inúmeras emoções, não é? E só sabemos nos expressar chorando... batendo as perninhas e os bracinhos... aí, com pouco tempo de vida, começamos a nos expressar de outras formas... e aprendemos a falar... e quando aprendemos a falar, as palavras vêm sempre com um significado, certo? Este significado já é dado cultural e historicamente. Então "aprendemos" as emoções: isso é raiva, isso é amor... e assim por diante. Portanto, as emoções são, também, "fabricadas" culturalmente... e mais: aprendemos a categorizar as emoções, a colocá-las numa prateleira, acima as "emoções" nobres... que temos que ter (ou fingir que temos)... e vamos descendo a prateleira para as emoções menos nobres... as que temos que negar, fingir que não temos... 

E essa aprendizagem vem nos causar muitos danos, querida! Desenvolvemos a terrível habilidade de negar emoções, e elas estão agindo sobre nós (a razão louca), e nem sabemos disso... e "internalizamos" alguns sentimentos "puros", como se pudéssemos sentir dessa maneira ... e não podemos, pois somos humanos. O amor é um desses sentimentos... ai... quanta negação, quanta "fagocitação" de emoções, em nome do amor.

Nós simplesmente não sabemos vivenciar o amor de uma maneira humana, junto com todas as "outras emoções" que o acompanham... expressar essas emoções de uma maneira  saudável, construir com todas elas. Nós não aprendemos a vivenciar os conflitos de emoções, por exemplo medo e coragem, amor e raiva... E nós vivenciamos esses conflitos o tempo todo! Ora, o amor, a solidariedade, a consideração das diferenças,  só é possível quando há espaço para a expressão das emoções e sentimentos. Somente a partir daí é que caminhamos para a busca da delicadeza nas relações.

Rochelle: Estou começando a entender... rsrs. E temos alguma literatura sobre isso?

TU: ótima pergunta querida!. a resposta é não... rsrs. Aprendemos a fazer o movimento TAP "FAZENDO".  Eu aprendi nos anos 80 com uma pessoa que foi importantíssima na minha vida. Fui cliente e aluna dessa pessoa, trabalhei com ela e com sua equipe. Foi um "virar a chave" na minha vida, pessoal e profissionalmente. Ela coordenava uma "Formação do ser crítico". Estudávamos, além de psicologia, antropologia, história, filosofia... sempre seguindo esse método. Aprendíamos uma metodologia de leitura e apreensão de um autor, ou de um texto (uma unidade de leitura), para depois fazermos o A, sermos afetadxs, sermos provocadxs a refletir e elaborar textos a partir das leituras de grandes autores. E foi assim que eu aprendi a "pensar", inclusive incorporando à minha pratica terapêutica tudo que já tinha estudado antes (e esse conhecimento estava, para mim, todo fragmentado); assim como ampliei minha atuação, comecei a fazer palestras e cursos de Relações Humanas aplicados às diversas instituições publicas e privadas. E aprendi, também, a escrever... como eu queria, da forma mais coloquial, mais simples possível, sem perder a profundidade, pois meu desejo era "afetar" muitas pessoas...

E o SBC, nosso coletivo, que aconteceu na minha vida também nessa época, me trouxe a ARTE como ferramenta que facilita muito o contato com os afetos. Particularmente a literatura, a música, a poesia... veja que uma leitura recente me afetou profundamente nessa questão: o livro TORTO ARADO,  um romance brasileiro de 2019 escrito pelo autor baiano Itamar Vieira Junior.


Torto arado narra a vida dos trabalhadores rurais de Água Negra, uma fazenda na região da Chapada Diamantina, interior da Bahia. Os trabalhadores de Água Negra não recebiam salário para arar a terra, apenas morada, ou melhor, o direito de construir casebres de paredes de barro e telhado de junco (construções de alvenaria eram proibidas) e cultivar roças no quintal quando não estivessem plantando e colhendo cana-de-açúcar e arroz nas terras do patrão. Só ganhavam algum dinheiro quando vendiam na feira a abóbora, o feijão e a batata que cultivavam no quintal ou quando conseguiam a aposentadoria rural. Eram quase todos negros, descendentes dos escravizados libertos havia poucas décadas.

A primeira parte de Torto arado é narrada por Bibiana; a segunda, por sua irmã, Belonísia. As duas são filhas de Zeca Chapéu Grande, um dos trabalhadores de Água Negra e líder do jarê, religião afro-brasileira praticada na região da Chapada Diamantina, influenciada pela umbanda, pelo espiritismo e pelo catolicismo.  Além de comandar as “brincadeiras de jarê” e curar corpos doentes e espíritos perturbados, Zeca Chapéu Grande fazia as vezes de líder político, de pelego, a apaziguar os conflitos entre trabalhadores que achavam que a terra era de quem nela trabalhava. A terceira e última parte do romance é narrada por uma entidade do jarê.


Vieira Junior conta que começou a esboçar este livro há mais de duas décadas, quando tinha 16 anos, inspirado pela leitura dos romances regionalistas dos anos 30 e 40, nos quais autores como Rachel de Queiroz e José Lins do Rêgo retrataram a pobreza sertaneja. “Essa história das duas irmãs que têm uma relação conflituosa uma com a outra, com o pai e com a terra me veio naturalmente. Mas as personagens tinham outros nomes e não tinha essa história da língua”, recordou. Ele datilografou o romance numa Olivetti Lettera 82 que ganhara de presente do pai, mas perdeu o manuscrito, umas 80 páginas, numa mudança. Deixou a literatura um pouco de lado — os pais o alertaram de que era difícil se sustentar da escrita — e se formou em geografia na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Deu aulas e, há 13 anos, ingressou no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), onde é analista agrário e se divide entre a rotina burocrática da repartição pública e trabalhos de campo no interior do Nordeste. “Quando cheguei ao campo, encontrei a realidade que conheci em romances como O quinze e Menino de engenho”, disse. “Conheci famílias inteiras de trabalhadores que vivem em um sistema semelhante à escravidão, que não recebem dinheiro pelo dia de trabalho e só têm direito à morada. É um Brasil anacrônico, que parou no tempo. Eu quis dividir esse meu espanto, esse choque.”

A vivência de Vieira Junior no campo rendeu uma tese de doutorado em estudos étnicos e africanos defendida na UFBA em 2017. Mas ele logo percebeu que a vida daqueles trabalhadores rurais merecia a literatura. Resolveu escrever sobre essa população, os pobres, quase sempre negros, que pouco aparecem na literatura brasileira recente, principalmente naquela produzida entre Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. “Venho de uma família simples. Meu pai era descendente de indígenas do Recôncavo Baiano. Minha mãe, de camponeses pobres e migrantes. Boa parte de minha família tem ascendência negra. Toda essa história é muito cara para mim, e eu sentia falta dela na literatura”, disse. Num trecho de Torto arado, Belonísia justifica sua falta de interesse pela escola porque a professora, Dona Lourdes, “não sabia por que estávamos ali, nem de onde vieram nossos pais, nem o que fazíamos”, “em suas frases e textos só havia histórias de soldado, professor, médico e juiz”. Para Vieira Junior, a recente literatura brasileira às vezes se parece com as lições de Dona Lourdes. “Há coisas incríveis na literatura brasileira contemporânea, mas, em minha opinião, também há um excesso de autoficção, de romances girando em torno do umbigo e dos problemas do escritor branco de classe média. Isso cansa. Mas também há autores, menos divulgados, contando histórias que contemplam toda a nossa diversidade, os muitos 'Brasis', afirmou.

Torto Arado é uma história sobre o desejo de liberdade, o desejo de autonomia, o desejo de ter a própria história. E ser dono da própria história. Esses sentimentos passam por uma questão particular para as personagens, mas que dizem respeito a todos nós. Para uma das irmãs, liberdade era sair daquele lugar, para outra era ficar. E podemos acompanhar  'sentindo junto' a forte ligação entre essas duas irmãs, onde todas, absolutamente todas as emoções, sem nenhum juízo de valor a respeito das mesmas, são expressadas. E aprendemos a "humanizar as emoções", perdendo um pouco essa idealização da própria emoção, assim como o "medo" que temos de expressar o que aprendemos como emoções negativas e "matar o amor"... e, tragicamente, algumas vezes acabamos por matá-lo, a "cobra que morde o rabo". 

Rochelle: TU, com o exemplo da arte você conseguiu  nos mostrar um pouco mais todo isso que você diz de MOVIMENTO PARA UMA VIDA BONITA. Fiquei emocionada. Parece mesmo um fácil...difícil... e necessário... você nos seduz para isso... obrigada TU!  Você poderia, ainda, nos dizer como é essa metodologia de "apreensão do autor" para depois fazermos o TAP?

TU: Prometo fazer isso no próximo post, pode ser?

Rochelle: Claro TU! senão ninguém vai ler até aqui, né? já está muito grande esta conversa né? Vamos terminar por aqui, agradecendo, mais uma vez, nossa querida terapeuta. E aguardando próxima semana, próximo post... Até lá...

Lembrando, TU me pediu pra fazer isso: pessoal!!! comentem no blog sobre o post, adoramos os comentários... e o melhor jeito é publicar o comentário como anônimo (se você não tiver uma conta do google)... mas coloque seu nome no comentário e depois publique, por favor!!! pra gente saber... e interagir... obrigada


                                                                        ROCHELLE





                                                                                                                                 

Um comentário: