quarta-feira, 13 de maio de 2015

SBC entrevistado pela revista francesa LE PENDULE

SBC crescendo e se internacionalizando... acho que vai ser publicado na edição de junho ou julho... aqui no nosso blog, em primeira mão e traduzido... e já com as ilustrações recebidas hoje, 14 de maio...

Talvez pela proximidade musical do Brasil com o nosso pais, de repente aqui no Sul da França só se ouve falar de um grupo de amigos que surgiu na cidade de Belo Horizonte (Brasil) e promove festas abertas nas praças, regadas a sambas da melhor qualidade, bobagens (uma redefinição do termo)  e cervejas (ou qualquer outra bebida que se queira num ambiente democrático). Mas o SBC é mais do que isso. Trata-se de um conceito de vida, além de planejar (e já estar realizando) projetos sócio/culturais, como se coloca nesta entrevista com a SantuzaTU,  principal representante do grupo.
 
L P : Afinal, o que vem a ser o SBC, de que tanto se fala aqui no sul da França?
 
SBC: Caríssimos, a sigla SBC significa Samba, Bobagem e Cerveja. Trata-se de um grupo de amigxs que se reúne em torno da música, particularmente o Samba. Nos reunimos mais ou menos uma vez por mês, preferencialmente em praças públicas, com o objetivo de cantar, conversar, fazer novos amigos e realizar bons encontros, falar bobagens, que significa no SBC "coisas boas para a vida", que nos fazem rir e crescer como pessoas.
Nosso símbolo é uma pipa e as pessoas constroem modelos da mesma e bordam nas camisas.
 
 
L P : Conte-nos como surgiu o grupo.
 
SBC : Sim... a ideia não é minha, eu a divulguei e contribui na consolidação do grupo, por puro interesse vital. Preciso incluir nesse relato uma fase da minha vida: há cerca de 15 anos atrás estava vivendo uma etapa muito difícil, de solidão, de reestruturação da vida nos vários níveis de relação, enfim, de busca de sentido na vida. Foi nessa época que uma grande amiga me aplicou no samba, particularmente numa casa de samba em Belo Horizonte, o Cartola Bar. Aí comecei a conhecer novas pessoas, de várias classes sociais, idades, pessoas diversas, a maioria tinha em comum essa busca de sentido. E queria também fazer amizades, encontrar novos amores, e por aí vai. Um amigo SBCense faz uma espécie de definição que se transformou até num slogan do SBC: Minha vida AC/DC (antes do Cartola e depois do Cartola).
Pois bem, num desses encontros no Cartola uma pessoa me sugeriu: TU, vamos criar o SBC? Essa pessoa deu uma sumida, e eu fui divulgando a ideia do SBC entre os amigos e, ao mesmo tempo, "construindo" o que seria esse grupo. O Bar Cartola fechou, algumas pessoas se dispersaram, mas o SBC continuou reunindo pessoas e realizando projetos, e foi se consolidando enquanto grupo e enquanto conceito.
Por exemplo, redefinimos e resignificamos o valor de amizades para a vida. Na nossa cultura aprendemos a super valorizar as relações íntimas e desvalorizar o nível de relações de amizades. No SBC as amizades são vitais, dão sentido e são a base para todos os níveis de relação, ou seja, não há amor sem amizades, não há trabalho sem amizades, e são com os amigos que realizamos projetos para um mundo melhor.

L P : Este "conceito" seria uma filosofia de vida? conte-nos sobre isso.

SBC : Com certeza. O SBC foi se construindo enquanto grupo e enquanto filosofia de vida. Trata-se de um grupo que surgiu, como vocês puderam ver, de uma forma bastante espontânea. E, segundo definição construída, é um grupo Aberto, Inclusivo, Democrático, Anárquico e Ecológico. Explicando: Aberto (não tem um número definido de pessoas, em cada encontro temos pessoa novas, que se identificam e continuam fazendo parte, ou não); Inclusivo (o SBC pratica a inclusão e o combate a qualquer forma de preconceito, partindo do pressuposto de nossa humanidade em reconhecermos os mesmos e combate-los, aprender (e crescer enquanto pessoa) sempre com o diferente e, por fim, aprender sempre a sabedoria de relacionar com o melhor de cada um); Democrático (o SBC procura sempre incluir novas ideias e, principalmente, novas ações); Anárquico (não temos "diretoria", ou melhor, se diz que todo mundo que entra  (ou que contribui espontaneamente) para o SBC já faz parte da  "diretoria", ou seja, todas as pessoas do SBC são igualmente importantes); e Ecológico (sim, se pensamos num mundo melhor, isso inclui a ecologia - externa e interna. Procuramos incentivar/praticar a ecologia nos nossos projetos).

L P : E quais são esses projetos? O que o SBC vem realizando e pretende realizar?

SBC: Então, a "diretoria" do SBC foi idealizando o grupo. Nessa idealização, duas coisas importantes: a primeira é que ninguém faz nada pelo SBC e sim o SBC é que nos proporciona oportunidades de realizar sonhos, como, por exemplo, o sonho de participar da construção de projetos sócio/culturais, o que nos traz sentido à vida, aquele de crescer em todos os níveis de relação, do íntimo ao público, no caso nos desenvolvermos enquanto cidadãos, praticarmos a cidadania. E segundo, a ideia de que o pensar é grande e o fazer é "de formiga", de pouquinho em pouquinho, a cada dia, sem perder a direção que desejamos.
Nosso primeiro projeto realizado foi um blog, onde escrevemos sobre os "casos" SBCences, sobre nossas filosofias, reflexões, conversas... tudo isso. Para mim, particularmente, o blog vem a ser um ganho incomensurável. Eu sempre queria escrever, me sentia "entupida" em algumas ocasiões, de tanto pensar... então, escrever, prá mim, foi vital, é uma forma de elaborar os pensamentos, as emoções, trocar ideias e, enfim, crescer.
O blog sbccoletivo.blogspot.com pretende se tornar um livro, estamos a procura de patrocinadores.
Segundo projeto SBCense: o bloco de Carnaval, desfilando pela terceira vez aqui em Belo Horizonte, em bairros da periferia.

L P : Conte-nos mais sobre esse projeto. Assim como a Bossa Nova, o Carnaval é um "produto" francês do qual vocês no Brasil se apropriaram, e com muita competência. Mas o carnaval, aqui chamado Passeio do Boi Gordo,  é uma grande festa francesa desde o século X. Ficou algum tempo no esquecimento mas foi retomado/fortalecido há cerca de 50 anos. O confete de papel e a serpentina foi lançado mundialmente por nós,  por volta do final do século XIX e início do século passado. Veneza é famosa por suas máscaras de carnaval há muitos séculos e em Nice, aqui no sul, o personagem Triboulet sacode a multidão na nossa festa que foi, neste ano, de 13 de fevereiro a 1 e março.


SBC: Que legal! os SBCenses vão gostar de saber dessas estórias sobre o carnaval da França!
Aqui em Belo Horizonte também o carnaval foi esquecido, mas a cerca de uns cinco anos prá cá foi retomando o que chamamos de "manifestações espontâneas de rua", o pessoal se juntando e formando uma bateria, aí a gente vai cantando e dançando pela rua afora... fevereiro aqui é mês de muito calor, então as pessoas nas casas vão jogando água de mangueira no bloco para nos refrescar (esse costume foi abolido neste ano em função da escassez de água).  
Nesses cinco anos alguns blocos foram se sofisticando, carro de som, multidões. Não é o caso do SBC. Somos um bloco de periferia, pé no chão, no gogó. Vamos animar bairros mais pobres, que até já tiveram tradição de carnaval mas agora não comemoram mais e as pessoas tendiam a sair do bairro ou até mesmo da cidade para brincar no carnaval. Fizemos nossos dois primeiros anos (2013 e 14) no Bairro Padre Eustáquio. Neste ano fomos para o Bairro Aparecida.

L P : E vocês também trabalham temas no carnaval?

SBC: Sim, claro! Nosso primeiro carnaval foi uma homenagem a D. Olímpia, uma figura histórica de Ouro Preto, nossa primeira capital, uma cidade bastante visitada por turistas de todo o mundo, inclusive da França. D. Olímpia, de origem nobre, uma pessoa avançada para seu tempo, revolucionária, ficou meio doida (de amor) e perambulava pelas ruas de Ouro Preto fazendo o papel de guia, apresentando a cidade aos turistas.

 

No segundo, 2014, fizemos o slogan "Preconceito não, Liberdade sim", uma espécie de "grito de guerra" de combate a qualquer forma de discriminação. Nesse ano resgatamos uma tradição do princípio do nosso carnaval, o Entrudo, uma guerra de "água cheirosa", foi muito bacana.



Outra coisa que fazemos é sempre começar nosso desfile com o "começo" do nosso carnaval, uma marcha de nossa grande compositora Chiquinha Gonzaga. Em seguida, e de tempos em tempos durante todo o desfile, cantamos o hino do SBC, composição do nosso diretor musical Carlitos Brasil. Desde o primeiro desfile fizemos uma pesquisa musical: de marchinhas históricas do nosso carnaval; e de marchas-rancho, que é um outro ritmo, mais lentas do que as marchinhas, ambas muito bacanas, um diferencial bem brasileiro.
Ah, outro diferencial do SBC é a distribuição de chocalhos ecológicos, feitos com garrafas pet. Com isso as pessoas se sentem "fazendo parte do bloco" e desenvolvem o ritmo.

L P : E nesse ano, como foi o carnaval do SBC?

SBC: Então, mudamos de bairro, pois nossa tradição é ser itinerante, não queremos a tradição de nos fixar em algum bairro, queremos, sim, conhecer nossa periferia. No bairro Aparecida consolidamos mais ainda nossa característica sócio/cultural. Fizemos, no desfile, um encontro com um bloco de Maracatu que foi muito bonito. O Maracatu é um ritmo musical afro-brasileiro, dança, mais que isto, é um ritual de sincretismo religioso cristão com as crenças africanas.



O nosso tema neste ano foi o Morcego, bem a cara do SBC, símbolo de longevidade, de transgressão, inclusive no nosso estandarte vinha a frase "morceguense" (e SBCense): Vendo a vida de cabeça prá baixo.

L P : Muito interessante! e os projetos para o carnaval 2016, já estão pensando? 

SBC: Sim, com certeza... Estamos pensando (e já recrutando pessoas) num projeto  para o carnaval, no entanto já com ideias de se ampliar e se transformar num outro projeto sócio/cultural do SBC. Trata-se de um grupo de canto (ou um coral). A ideia para o carnaval é:  em alguns pontos definidos do desfile, a bateria (cujo repertório é mais de marchinhas) parar de tocar,  e o Coral entra A Capela com uma música ( uma marcha-rancho, samba, ciranda, uma música de roda de capoeira, e por aí vai, mais ou menos umas cinco "paradas A Capela"), daí o coral recomeça com o hino do SBC e a bateria retoma e continuamos nosso desfile.
Trata-se de uma "inovação" SBCense para o Carnaval, mas (dentro da ideia de "pensar grande e fazer de formiga") já estamos sonhando com a ideia desse coral se transformar num outro projeto sócio/cultural, que seria o Coral SBCense se apresentar em praças públicas e em asilos.

L P : Que projeto interessante! Acho que os velhinhxs vão gostar... Algum outro projeto em vista?

SBC: Vão aparecendo, com certeza. É uma característica do SBC, a construção no caminhar.
Já temos um projeto construído pela metade, mas muito bem guardado a espera de oportunidades. Trata-se do Projeto "Virada Cultural do Samba", do tipo 12 horas seguidas de samba numa cidade do interior (ou num bairro).
Outro projeto sonhado pelo SBC é o Blue Sky Village, este projeto é até anterior ao SBC mas nós incorporamos. Trata-se de uma casa dos SBCenses (a princípio pensamos nos SBCenses "velhinhxs" mas o "sonho" se ampliou e incluímos SBCenses de todas as idades).
O SBC tem também o "projeto saúde total", é o Grupo "Bicho de Pé", que faz trekking mais ou menos uma vez por mês.

L P : Então o SBC "pensa grande". Quem sabe o próximo projeto será vir aqui na nossa região?



SBC: Sim, claro!!! Faremos um carnaval no Sul do França, como não! Temos certeza que vocês vão adorar e nós também... Seremos, então, o SBV (Samba, Bobagem e Vinho)...

L P : Agradecemos a oportunidade de divulgar algo de tão importante, a "filosofia SBCense" da busca da qualidade de vida em todos os níveis de relação e o se pensar (e agir) no mundo para transformá-lo pela arte, num mundo mais "bonito", não é isso?

SBC: Isso!!! Captou completamente a ideia, fico feliz... Continuamos em contato e muitíssimo obrigada pela entrevista.


                                                                            Nimes, 1 de maio de 2015

                                           


                                            (Quel est-il? Je peux bien sûr!!! Il s'agit d'une licence poétique...)