quarta-feira, 29 de abril de 2015

CONVERSAS SBCenses : MACHISTAS DE ESQUERDA

Se a direita luta pela manutenção dos privilégios então a esquerda devia lutar contra todo tipo de privilégio e em favor do máximo de igualdade. Não parece óbvio?  Porém estamos cansadxs de saber que a opressão não é igual para todas as pessoas: não é igual para mulheres em relação a homens, ou gays em relação a heteros, assim como qualquer pessoa que sai dos padrões, negrxs em relação a  brancxs,  e por aí vai.
 
E a conversa andava nesse nível quando uma pessoa comentou, como eu sempre digo: TU (sou eu...), morro de medo de pessoas que se dizem não preconceituosas e\ou não machistas... são pessoas a serem temidas pois querem praticar uma "perfeição desumana". São resistentes a qualquer problema, a qualquer coisa do humano. Não tem consciência e, por consequência, não sabem lidar com seus preconceitos e machismos.
 
E foi por aí que apareceu a ligação da política (num sentido amplo) com o machismo. E um amigo comentou sobre post recente lido num blog : "nada mais parecido com um machista de direita do que um machista de esquerda". Adoramos o comentário, super SBCense. E fomos pela noite conversando... 
 
Se o machista se sente confortável em desfrutar da opressão de mais da metade da população mundial (as mulheres), então ele pode ser chamado de direita, coxinha, etc. Mas se o machista de esquerda faz isso nem de esquerda ele pode ser.  Parece simples, mas não é... O  machista de esquerda é muito diferente do machista de direita. Vejam nosso post sobre lado A e lado B das pessoas... o machista de esquerda é o lado A fake, super fake... sabem porque?
 
 
Ele é um fofo... parece um cara sensível, tolerante, inteligente e bom. Não é difícil se apaixonar pelo machista de esquerda. Ele não coça o saco, não arrota em público, não assedia mulher na rua. Ele gosta que você seja inteligente e não liga para a sua aparência, te chama sempre de Linda, e a todas as mulheres.  O machista de esquerda é "perfeito". No público...
 
Segundo nossa blogueira: ... "Entre quatro paredes, ele deixa a casa imunda e diz que não se incomoda de comer lixo na rua todos os dias pra não ter que cozinhar. Você cozinha porque você se incomoda. Você limpa a casa sozinha porque você é neurótica e burguesa, porque não há problema algum em viver num chiqueiro. Evidentemente, ele sempre come a comida que você cozinha e até chama os amigos para jantar depois que você se matou na faxina o dia todo enquanto ele revisava suas anotações de A origem da família, da propriedade privada e do Estado. E depois do jantar agradável ele toma a iniciativa pública de lavar a louça, afinal ele é fofo e super reconhece o seu trabalho".

 
 
E xs SBcenses vão completando o perfil dessa pessoa:  Como ele é sensível, ele nunca te critica - nem muito menos elogia. Nunca. E com uma certa frequência, deixa escapar comentários elogiosos sobre mulheres muito mais magras/altas/jovens/peitudas/etc. do que você. Sem maldade, olhos de esteta. E você fica grata ao esquerdomacho por ele te amar assim, acima das coisas mundanas. E sua autoestima vai despencando a cada dia. Sutil...
 
Ele admira a sua inteligência. Só fica meio puto quando você se sai melhor que ele em seja lá o que for. Mas a puteza não pode ser revelada, nem prá ele mesmo, afinal ele é o deus. Mas, de uma forma sutil, vão se revelando agressões que você nem consegue acreditar, acha que está ficando doida, super sensível, e tragicamente vai deixando prá lá, relevando... afinal, ele é fofo...
 
Depoimento SBCenses:  Ele não me estupra, mas fica muito bravo se não quero transar. E bate portas e se tranca no quarto e  me deixa ali me sentindo miseravelmente culpada.
 
E aí está o machista de esquerda nas relações pessoais e íntimas. Igual ao machista de direita, mas com muito mais  força de  manipulação. Afinal, todo mundo sabe que ele é fofo.

 
Outro depoimento SBCense: me fez lembrar anos 60\70... assim: o machista de esquerda parece uma repaginada do "bom partido", aquele que nos dizia "a rainha do lar"... trata-se de um elogio que tem como objetivo a "escravização", a "submissão" ao modelo; e nós, mulheres, estávamos fazendo força para superar o modelo, e saímos para o trabalho... aí era a época dos 4 turnos: trabalho, casa, filhos... e o 4o... sexo\estupro (esta era a sensação)... não sem elogios... sutil do tamanho de uma patada de elefante... mas coube(e cabe) a nós descobrirmos essa sutileza e nos livrar dessas amarras...
 
Tarde da noite, tivemos que "suspender" o assunto, cada um continuando com as suas reflexões. E  eu sugeri terminarmos com uma "reza" que aprendi com uma mulher sábia: "Deus nos livre dos meus bem feitores (aqueles que nos feitoram pelo bem...) dos mal feitores é mais fácil se livrar, eles são visíveis"... Amém.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Conversas SBCenses: O AMOR MATA... O PODER TAMBÉM MATA...


 

Ela tinha acabado de se separar e mudou com os dois filhos, um rapaz e uma moça ainda adolescentes, para outro apartamento no mesmo bairro, menor, era o que dava para adquirir com a divisão dos bens. Aliás uma divisão de bens injusta e retaliadora, pois era ela que queria se separar e ele estava fazendo uma espécie de vingança... mas ela estava abrindo mão dessa parte, tudo que queria era se ver livre de uma relação que sentia que tinha acabado... sim, amor acaba... ou é construído por ambos diariamente, ou cai na mediocridade, no conformismo, “família margarina” é ruim demais!!!
  
Ela se lembra do filme As Horas... baseia-se no livro de Michael Cunningham, que, por sua vez, se inspirou no romance “Mrs. Dalloway” de Virginia Woolf. O enredo trata da história de três mulheres que carregam em suas vidas muitos sentimentos em comum, como a insatisfação e o fracasso. A primeira é a própria Virgínia escrevendo o livro. Seus conflitos internos são repassados para a obra, inclusive o suicídio. A segunda mulher é Laura, dona de casa, esposa e mãe. Laura encontra-se desesperada dentro de um casamento onde os sentimentos são artificiais, pois embora viva num ambiente de tranqüilidade e aparente felicidade, se sente vazia e cogita a morte para escapar da realidade da sua vida medíocre. Ela está lendo o livro de Virgínia, o qual reforça sua idéia de evasão e suicídio. A terceira é Clarissa, uma bem sucedida editora, mulher cosmopolita do século XXI, vive um relacionamento lésbico de longa data e se identifica paradoxalmente com Mrs. Dalloway. Tudo o que Clarissa deseja no momento é que sua festa em comemoração a um prêmio à obra poética de Richard, seu melhor amigo e ex-amante dê certo. Mas ela também sente o vazio daquela arrumação fútil e o peso das horas.

 O título vem disso: o desespero das três mulheres vai crescendo com o passar das horas, horas sempre iguais, horas sem nenhuma esperança de mudança, sem nenhuma ansiedade, só a ansiedade provocada pelo nada. Solidão, infelicidade, doença, morte... e identidade (a eterna pergunta: quem sou eu, o que quero construir...  e realização (na cama e no mundo). As lutas e sofrimentos vivenciados pelas três mulheres são universais.
 
E a nossa personagem se identifica com a Laura, a cena é presente em seu espírito até hoje: uma mesa redonda, ela, o filho e o marido ao redor, um bolo de aniversário simplesinho , o segundo que ela faz com o filho, o primeiro ficou horrível pois ela não sabe fazer bolos, estão cantando parabéns... e a câmera foca agora somente ela, seu olhar é vazio, completamente... sem sentido... ou tentando encontrar um sentido... a perplexidade do sem sentido... quem faz este papel é a Julianne Moore, espetacular, passa o sentimento no olhar!

Mas o fim de uma relação é sempre sofrido, são muitas as perdas, a menor delas é a grana, assim ela estava vendo... e, embora tenha tomado essa decisão, ela estava muito triste, conta agora, uns dez anos depois, que ficou mais ou menos um ano em depressão, vivendo uma tristeza que não saia dela, não sabia por onde recomeçar, reapropriar da vida, colocá-la nas suas mãos, afinal até então, embora profissionalmente tenha se afirmado, ainda era impregnado nela seu papel de esposa e mãe, de viver em função do marido e filhos, essa coisa do quem sou eu, o que quero... já estava definido, não precisava pensar sobre isso... e aí é duro a mulher se deparar com essas perguntas. Mas em torno de um ano depois, não sem muito esforço, ela se levantou e começou, aos poucos, a praticar: Porra!!! Ninguém vai tomar conta da minha vida por mim!!! Sou eu mesma que tenho que fazer isso!!!

E a Laura, a personagem, aparece de novo já velhinha, numa conversa com a terceira mulher, a contemporânea, a Clarissa, que quer entender porque ela tinha feito aquilo, abandonar a família... e ela diz: não sei muito bem... só sei que tinha duas escolhas, a vida ou a morte...e escolhi viver... mesmo que soubesse que esta decisão significasse o sofrimento para as pessoas mais próximas, no caso o meu filho.

Voltando à nossa personagem, agora, uma pessoa mais inteira, mais ou menos dez anos depois, ela se lembra também de um “acaso” que a ajudou enormemente a superar essa fase e se reconstruir enquanto pessoa, refletir sobre si mesma, sua visão de mundo, seus desejos, sua identidade: aquele tempo de depressão era também umm tempo de “escutatórias” dos vizinhos!!! Seu novo apartamento era do lado de um hospital psiquiátrico (que não mais existe, ainda bem...) !?!? E ela, nos seus dias mais tristes, ficava a ouvir os “doidos” e pensar sobre os discursos da loucura... e percebeu que havia uma diferença de loucuras: as dos homens e das mulheres. Assim ela coloca: o discurso da loucura feminina é sobre o AMOR; e o discurso da loucura masculina é sobre o PODER.

 E ela percebe como é importante compartilhar essas vivências e reflexões  com outras mulheres e outros homens.  E trocam ideias sobre os discursos e visão de mundo daquelas pessoas, naquilo que têm de semelhantes à visão de mundo de nós, “normais”... e não seria verdade que a “normalidade” é louca e justamente quem tenta sair dela e construir-se a si mesmx e construir um mundo mais bonito e que sai da loucura? E ela conversa... e faz amigxs, e amplia sua compreensão de mundo e pratica o “crescer através dx outrx, pois não é disso que é feito o humano?
 
Pois aí vai: as mulheres confinadas num hospício só falam, choram, se lamentam sobre o amor, a perda, a falta, o não reconhecimento, se doaram, deram a vida e eles a abandonaram... assim elas passam a concepção de amor, essa vigente na nossa cultura “amar é dar a vida” (ao homem, aos filhos, e por aí vai...)... o amor da falta de amor próprio, o amor que cobra a submissão do outro, pois se não deixa o outro livre!!! Pois se ao dar ela não está se dando!!! Aí se reproduz  o amor de dominação... E o discurso masculino é o do poder: a perda do poder, a manutenção do poder, a distorção do poder, o “poder sobre”, jamais o “poder para”, humanamente/relacionalmente construído. E alguém duvida que a loucura é justamente a reprodução do único modelo relacional possível ainda nesse mundo, dominadores e dominados? Por isso o amor mata, e o poder também mata, morte psíquica... 
A Cor Púrpura
E ela pergunta: O que você acrescenta prá gente refletir e compartilhar com mais gente que quer pensar e construir relações mais bonitas, mais livres? E se lembra de outro filme visto naquela época e presente na sua vida desde então, um filme imprescindível para todxs nós que queremos compreender melhor o mundo feminino. A Cor Púrpura (The Color Purple), romance epistolar (é um livro escrito usando-se uma técnica literária que consiste em desenvolver a história principalmente através de cartas) da premiada escritora americana Alice Walker, lançado originalmente em 1982.
 
O romance foi adaptado para o cinema em um filme com o mesmo nome e lançado em 1985, dirigido por Steven Spielberg. O cenário é Georgia, 1906. Em uma pequena cidade, Celie (Whoopi Goldberg), uma jovem com apenas 14 anos que foi violentada pelo pai, se torna mãe de duas crianças. Além de perder a capacidade de procriar, Celie imediatamente é separada dos filhos e da única pessoa no mundo que a ama, sua irmã, e é doada a "Mister", que a trata simultaneamente como escrava e companheira. Grande parte da brutalidade de Mister provém por alimentar uma forte paixão por Shug Avery, uma sensual cantora de Blues. Celie fica muito solitária e compartilha sua tristeza em cartas, a única forma de manter a sanidade em um mundo onde poucos a ouvem, primeiro para Deus e depois para a irmã Nettie, que foi para a África e se tornou missionária. As cartas não eram recebidas por Nettie, pois Mister as escondia. Mas quando Shug, aliada à forte Sofia, esposa de Harpo, filho de Mister, entram na sua vida, Celie revela seu espírito brilhante, ganhando consciência do seu valor e das possibilidades que o mundo lhe oferece.
 
E o que mais toca a nossa personagem são duas cenas da Celie: a primeira, no princípio do filme,  ela diz para a irmã... "a única coisa que consigo agora é me manter viva". E a outra, ao final do filme, Mister gritando... "o que vai fazer sem mim!!! você é negra, pobre, feia!!!" ... e ela responde: ..."posso ser tudo isso, mas uma coisa eu sei: ESTOU VIVA!!! E vou viver a minha vida!"
 
Pois é... e terminamos com a Simone de Beauvoir: ... quem abre mão do trabalho que dá a construção de uma existência autenticamente vivida abandona a própria vida, se submete, vira escravx... dá trabalho viver!!! mas vale a pena...
 
Beijos carinhosos a todxs...
 
TU