quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Conversas SBCenses de fim de ano: sobre RESSIGNIFICAÇÕES

                       

Vocês já sabem que o SBC adora ressignificar palavras (ou conceitos), a fim de orientar nossas vidas para o bem viver e bem relacionar.  Então, inúmeros conceitos já aprendemos (e reproduzimos)  de uma forma distorcida, ou seja, de uma forma que a prática daquilo conceituado se desvirtua de qualidade de vida e qualidade de relações. Falamos também que a ressignificação de conceitos orientada pelo sentido estético, do belo, do bom para a vida, transforma nossas vidas para bem melhor.

Então, nossa primeira ressignificação, importantíssima, é da palavra BOBAGEM. Bobagem, para o SBC significa “coisas boas para a vida”, inclusive “bobagem” no sentido “restrito” da palavra (aqui em Minas: bobiça, que pode ser ‘fazer sexo’ ou ‘ficar sem fazer nada’, curioso os dois significados né?)

Outra palavra que já conversamos e já fizemos grandes ressignificações, orientadoras do pensar, sentir e agir: CONFLITOS...

Sim... e foi sobre conflitos que conversamos nesse fim de ano. Pois nossa aprendizagem sobre conflito não nos leva a temê-los, a fugir deles que nem o diabo da cruz? de maneira tal que enxergamos as nossas vidas e as nossas relações de uma maneira linear... Os conflitos estão escondidos, “fagocitados” como disse a SBCense Laura, escondidos em bolsões...Em outras palavras, negados, reprimidos, escondidos, protelados, procrastinados... E não estaríamos conversando sobre isso se essas “fagocitoses” não nos causassem sofrimentos que, muitas vezes, só o corpo sente, ocorre que não temos consciência  mas eles estão aí fazendo os estragos psíquicos.

Pois o que conversamos é que os conflitos abertos geram CRESCIMENTO, enquanto os conflitos “engolidos” geram SOFRIMENTO. E o que seriam os conflitos abertos? Como aprender a abrir conflitos? E antes, quais conflitos, que tipos de conflitos?

O exercício de PERGUNTAR já é ótimo para o objetivo de abrir conflitos, tanto os conflitos internos quanto os conflitos relacionais. Rever a história (nossa história e a história), ressignificá-la para a vida... nos faz apropriar de nós mesmxs, assim como nos transformarmos em sujeitos, construtores da própria história e da história, do nosso pais e do mundo, ou seja, seres políticos.

E assim ia a conversa, quando a Shirlene nos fez a proposta cineclubista: vamos ver (e conversar) sobre o filme super recomendado? ‘A mão de Deus’,  candidato ao Oscar 22. Trata-se de “película” do cineasta italiano Paolo Sorrentino, famoso por outros filmes muito bacanas: Le conseguenze dell’amore (2004), A grande beleza (2013), entre outros.

Sinopse oficial: A Mão de Deus conta a história de um menino, Fabietto  (Filippo Scotti), na tumultuada Nápoles dos anos 1980. O filme é cheio de alegrias inesperadas, como a chegada da lenda do futebol Diego Maradona, e uma tragédia igualmente surpreendente. O destino desempenha seu papel e o futuro de Fabietto é posto em movimento.


Os SBCenses do século passado se lembrarão do Maradona. O título é tirado do gol de “Dios” contra a Inglaterra na Copa 1986. Mas o filme não é sobre o Maradona, e sim sobre as memórias de vida do cineasta. Ao mergulhar nas próprias memórias, Sorrentino repete de maneira maravilhosa outros cineastas famosos, segundo Luiz, SBCense cinéfilo.  Foi assim com Roma, de Fellini, em 1972; com Eraserhead, de David Lynch, em 1977; com Mais um Ano, de Mike Leigh, em 2010; com Roma, de Alfonso Cuarón, em 2014.

E, mais recente, em 2019, com Dor e Glória, de Pedro Almodóvar. Como todos esses, o filme de Sorrentino trata de amadurecimento e de autoanálise.

Para remontar e ressignificar sua história, Sorrentino transforma todos os personagens em peças essenciais para um quebra-cabeça, que revela toda a ambientação para a construção do seu próprio eu.  É um drama gestáltico, de apropriação. E o mais bonito é que ele faz isso valorizando sempre as pessoas. Todas elas são fundamentais para essa apropriação da história e da vida. O Maradona, a tia voluptuosa, o amigo contrabandista, o pai e a mãe, irmão e irmã, a viúva do primeiro sexo... E o cineasta Capuano com quem o jovem Fabietto conversa antes de partir de Nápoles, com seus medos e paixões guardadas na paisagem que agora ele reconstrói com “a mão de Deus” (outro significado possível para o título do filme).

 Aliás, o filme é cheio de simbolismos, que é o que a gente faz, de forma mais (ou menos) consciente, com as nossas memórias. “Reparem que o filme pode nos dizer que nossa memória histórica não é linear, é pontual, lembramos daqueles 'pontos' na história que nos marcaram, bem ou mal. Acho que todos nós deveríamos fazer um ‘filme’ das nossas vidas... Do tipo ‘refazer nossa memória histórica’, ‘pontuando’ aquelas experiências (agradáveis ou tristes) que nos fizeram crescer, responder/construir o ‘quem sou eu’; e mais: o que as pessoas que passaram por nossas vidas nos acrescentaram... Pois assim é a vida, crescemos através do outro e vice versa, esta é, pra mim, a nossa principal característica, que nos humaniza”, Maria fez esta reflexão muito importante para nós.

E foi nessa altura da conversa que “pontuamos” o Capuano, aquele cineasta que conversou com o jovem Fabietto, o protagonista da “película”. E o Capuano disse a ele, em alto e bom tom:

                “SEM CONFLITO NÃO SE PROGRIDE!!!

                     SEM CONFLITO  É SÓ SEXO...

                            E SEXO É INÚTIL!!!”

 E foi nesse ponto que todo mundo “rachou” de rir... pois, a princípio, a frase não combina com o SBC. Sexo inútil? como assim!!!

 Porém, pouco a pouco fomos entendendo mais profundamente o sentido dessa frase... e ressignificando, lógico:

Sim, claro, sexo é inútil... mas é bom, nem tudo útil é bom, bonito, gostoso... Segundo SBCense famosa, sexo “mesmo quando é ruim é bom”.

Mas é inútil!!! Afirmou outra SBCence: “quase sempre esquecemos da expressão “relação sexual” e podemos “cair” na mesmice do sexo enquanto performance alienada, sexo automático, apenas físico. Nesse sentido o orgasmo seria apenas uma coceirinha... gostosa, mas coceirinha”.

Preferimos não entrar em conflito “pela razão” dessa vez. Neste caso seria conflito desnecessário, melhor cada SBCense ficar com sua percepção sobre sexo. O exercício de respeitar o diferente também faz parte do desenvolvimento da competência para lidar com os conflitos.

Então, caminhamos mais no conceito de conflito: só, e somente só, o conflito faz crescer... e crescer é o “destino” humano. Capuano diz que sem conflito não se progride. E ox filósofxs SBCences foram acrescentando, explorando os tipos de conflitos, como lidar com os mesmos, como superá-los e crescer com eles:


O Carlos, que tinha acabado de ver live do Miguel Nicolelis, famoso neurocientista brasileiro (Cérebro: O verdadeiro criador de tudo, live do Instituto Conhecimento Liberta), disse: "O cérebro humano é capaz de, em os fatos não sendo convenientes ou agradarem, brigar com eles ou desacreditá-los ou achar que, assim, eles não vão acontecer. Ou seja, nosso cérebro é capaz de nos enganar, se não fizermos sempre o exercício de juntar cérebro, coração e mãos (pensar, sentir e agir)". Conversamos sobre isso no nosso encontro anterior (veja post de 15.dezembro.21, quando conversamos sobre maniqueísmos).


Já a Nice, psicóloga, buscou Freud: A expressão 'conflito de tendências' é usual em psicologia e em psicanálise, especialmente no que diz respeito aos conflitos entre o consciente e o inconsciente. No vocabulário de psicanálise, o conflito entre as exigências do Ego e do Id ou do Superego pode ser gerador de neurose, se não for deslocado do inconsciente para a consciência. Ou seja, ter coragem de trazer para a consciência todas as nossas emoções e desejos, tanto aqueles aceitos socialmente quanto as emoções 'condenadas' (e reprimidas) ...  E "aprendermos" a lidar com todos eles (emoções e desejos), realizando escolhas... não imaginam o sentimento de "leveza" na vida que esse exercício nos traz. Porém, ao contrário, aprendemos a reprimir, negar, abafar as emoções consideradas "negativas", aquelas que não "devemos" ter... Mas elas, mesmo reprimidas, estão nos movendo, orientando nossas ações, sem que saibamos. Trazer à tona essas emoções nos permite lidar melhor com elas, até mesmo ressignificá-las. Por exemplo, aprendemos que ter inveja é feio... quando, na verdade,  a inveja pode ser altamente mobilizadora,  se soubermos considerá-la positivamente.  Conversamos sobre esse tema no nosso post de 08.dezembro.20: "Quando amo, o que estou amando?", quando falamos sobre relações simbióticas, sobre a inveja e sobre a 'prateleira' que 'aprendemos' a construir, onde as emoções tidas como "nobres' estão no alto e as 'menos nobres' estão escondidas lá embaixo.

Enfim, aprendemos muito com a Nice. E a Clarice lembrou sua xará, a Lispector:

"Que minha solidão de sirva de companhia. 
Que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Que eu saiba ficar com o nada e, mesmo assim,
me sentir como se estivesse plena de tudo." 
LISPECTOR, Clarice. In: Um sopro de vida (pulsações)

E lembramos também (e cantamos...) a música do Caetano, super pertinente a nossa conversa:


E o Santana, que é do século passado, lembrou de um grande papa da segunda metade daquele século, João XXIII:  "eu aprendi com ele uma 'oração da serenidade' que, algumas vezes eu 'rezo', mesmo não sendo religioso":

"VER, VER TUDO, NÃO TER MEDO DE VER,... DEIXAR PASSAR UM TANTO DE COISA... E FAZER UM POUCO A CADA DIA".

Nem sei se a oração é mesmo desse jeito, mas eu aprendi assim, disse Santana. "E tem um significado libertador, pra mim: enfrentar o medo de me ver humano; deixar passar o que não dou conta de resolver, mas deixar à vista, consciente; e, diariamente, agir o tanto que eu der conta, na direção da construção que eu quero construir pra minha vida e minhas relações".

Quando conversamos sobre a categoria de 'conflitos relacionais', a contribuição foi da nossa querida SBCense Juliana: "Por causa do medo que aprendemos a ter de qualquer conflito, buscamos uma espécie de linearidade da vida e das relações... A paz... O 'foram felizes para sempre'. Mas sabemos que isso não existe. Trata-se de uma idealização, de si mesmx, dx outrx, da vida, das relações... enfim, um movimento de nos desumanizarmos".  Uma amiga me disse, outro dia, do término de uma relação afetivo/sexual... muito triste: "eu estava contando pra ele um pouco sobre a minha história de vida e minhas relações afetivo-sexuais, tanto nos pontos bem sucedidos quanto nas frustrações, quando ele me interrompeu dizendo: Nossa, eu achei que você fosse "bem resolvida"! eu respondi: Não! sou humana!... foi daí que comecei a perceber que ele estava me mitificando e fiquei com medo, pois da mitificação para o desprezo é um pulo... perdemos a condição humana de admiração... e não deu outra: em pouco tempo ele arrumou um pretexto pra terminar".  E Juliana continuou avaliando o quanto é difícil caminhar na superação de conflitos relacionais quando não existe mais x outrx. Por exemplo quando a pessoa não está mais disposta a conversar... ou quando não temos mais nossa mãe ou nosso pai ou nosso irmão ou nosso filho, para 'fechar gestalts". Quando queremos "fechar gestalts" (que significa crescer com as experiências, seja quais forem, mesmo as tristes, de perdas),  e não temos x outrx para realizar isso conosco, precisamos ampliar nossa capacidade de sermos honestxs conosco, para lidar com esses conflitos nem com auto condenação nem culpando x outrx, tentar não omitir de nós mesmxs todas as emoções conflitantes... Olhar pra elas... rir, chorar... e seguir em frente.


Lembramos, e cantamos, Chico César:

Temos, também SBCenses da área de Recursos Humanos. E então o Sergio, dessa área, compartilhou conosco o print de texto sobre "Conflito organizacional", que fala sobre tipos de conflitos e sobre a competência do gestor na administração dos mesmos, e considera, como nós, que os conflitos são inerentes ao ser humano e, portanto, sabendo lidar com eles, os mesmos podem se tornar oportunidades em vez de ameaças. O texto se baseia em teoria de Idalberto Chiavenato, estudioso da área de administração de empresas e recursos humanos, conhecido por sua série de livros e artigos sobre os temas, sendo um dos autores brasileiros de maior destaque nesse meio.




E, como temos SBCenses de várias áreas de reflexão e atuação profissional, tivemos também o André, que, abordando a questão de conflito na filosofia, nos trouxe o 'encarte'  abaixo, que aborda o sentido de CONFLITO numa perspectiva mais ampla:
O André leu o encarte e comparou o mesmo com este outro que tinha acabado de receber:



Ao contrário do que estamos propondo, este é o conceito de conflito que recebemos e internalizamos. Ou seja, registramos nas nossas mentes e traduzimos em ações nas nossas relações e na nossa visão de mundo. E, quando começamos a realizar o movimento de ressignificação, vamos caminhando para 'ser' e 'relacionar' melhor. 

E concluímos sobre a necessidade urgente de fazermos esse movimento de ressignificação do conceito de CONFLITO proposto na filosofia (e na filosofia SBCense...), até mesmo para compreendermos o mundo em transformação que se nos apresenta, um mundo saindo da polarização e caminhando para a pluralidade,  em que conflito aberto não é entendimento como guerra, e, sim, como desenvolvimento do respeito a cada nação. 

E, como vimos, o movimento (de compreensão e atuação) é (e será) em todos os níveis de relação.

Por último, voltamos à questão dos CONFLITOS DESNECESSÁRIOS, e a Helena lembrou, com risos de todxs, o saudoso humorista Paulo Gustavo que, no seu último programa de fim de ano, falou dos conflitos em família: quando começa a falar de política formam-se facções, e o ruim é ficar na facção "arroz com farofa"; aí tem que fazer o maior esforço para reconciliar com a tia direitosa do pastelão. Se você conseguir, lá pelas quatro horas da manhã, você vai estar comendo o melhor pastelão do mundo. 

E foi assim que terminou nosso encontro: com risos, abraços, e desejos de 

MUITOS CONFLITOS PARA NÓS EM 2022, DOS BONS!!!

Em TODOS os níveis de relação, desde EU comigx mesmx até EU enquanto ser político. Pois, acreditem, os conflitos  nos produzem grande crescimento humano, são LIBERTADORES...


Então... Até 2022...




 



quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Reflexões SBCenses: sobre NATAL

 

                                    


Desejamos a todos, todas e todes muitos abraços no Natal...





quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Na calçada: conversando sobre MANIQUEISMO (e mais um pouco sobre DEMOCRACIA...S)

O MALECÓN(oficialmente Avenida de Maceo ) é uma ampla esplanada, estrada e paredão que se estende por 8 km (5 milhas) ao longo da costa em Havana, Cuba, desde a foz do Porto de Havana, na Havana Velha , ao longo do lado norte do bairro Centro Havana  e bairro do Vedado, terminando na foz do rio Almendares.

A construção do Malecón começou em 1901, durante o "regime militar temporário" dos EUA .  O principal objetivo da construção do Malecón era "proteger" Havana do mar.  Para comemorar a construção do primeiro trecho de 500m do Malecón, o governo americano construiu uma rotatória no cruzamento do Paseo del Prado, que, segundo arquitetos da época, foi a primeira construída em Cuba com concreto armado. Em frente à rotunda, onde todos os domingos bandas tocavam melodias cubanas, foi construído o Miramar Hotel, que esteve na moda durante os primeiros 15 anos de independência, e que foi o primeiro onde os garçons vestiram smoking e coletes  com botões dourados. Os governos cubanos seguintes deram continuidade à extensão da primeira seção do Malecón. Em 1923,  chegou à foz do rio Almendares.

O  Malecón é muito popular entre os cubanos, assim como para os turistas. Continua sendo um dos destinos mais espetaculares e populares de Havana, onde nativos e visitantes se encontram  e realizam "conversas SBCenses (rsrs)  sobre amor e política". É também um meio de renda para as famílias mais pobres, pois os pescadores individuais lançam suas iscas ali. Além disso, é um "point" de  prostituição de homens e mulheres em Cuba. 


Querido amigo cubano, Richard, nos descreve o Malecón: 

- El malecon para mi es un lugar para despejar para sentirse bien con una vista asombrosa, iluminante y resplandeciente donde todos los cubanos y visitantes extranjeros les gusta pasar tiempo.

- El malecon de Cuba para los cubanos es una de las principales maravillas de nuestro pais.

    Uma turma nossa esteve em Havana em 2018 e conhecemos o Richard e amigos no Malecón. E foram eles que nos mostraram Havana e arredores, assim como também nos mostraram, em diálogos críticos,  o socialismo e  a democracia em Cuba. Eles estavam "inaugurando" o Projeto HAVANA REAL, e me elegeram "madrinha", o que muito de honra.

Obrigada Richard... abraços saudosos...


                                   Mirante da Sapucaí, em Belo Horizonte

A mureta da Rua Sapucaí desenvolveu-se como ponto turístico de Belo Horizonte devido a uma combinação de fatores: intervenções artísticas e culturais, restaurantes e bares e a redescoberta de um ângulo único para se admirar o centro da cidade. Aqui há menos áreas verdes e a paisagem está mais próxima do observador. . Em dezembro de 2018, a via recebeu duas lunetas, que permitem um “zoom” na arquitetura e no skyline em constante transformação.

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O Circuito Urbano de Arte (CURA) deixa como legado para a capital mineira o primeiro Mirante de Arte Urbana do mundo. Não existe registro de outro festival em que o público possa acompanhar ao vivo, de um só ponto, a feitura das obras. Atualmente são 14 os murais que podem ser vistos da rua Sapucaí, incluindo o mural mais alto pintado por uma mulher na América Latina, com 56 metros de altura.



Pois este é o nosso MALECÓN! E aqui aconteceu nosso encontro do projeto "Conversas SBCenses: na garagem, na beira do fogão, na varanda, na calçada, no buteco...".   Explico:

Este projeto surgiu em Ouro Preto, veja nosso post de 8 de setembro de 2021. Trata-se de lugares onde nos reunimos para conversar de uma forma SBCense (conversas que servem para ampliar nossa visão de mundo, nossa capacidade de criticar e de caminhar no processo de nos transformar em sujeitos, “transformadores” do mundo, em todos nos níveis de relação, do íntimo ao público.

Na beira do fogão (post de 10 de setembro de 21)  conversamos sobre DEMOCRACIA. Depois, na varanda (post de 6.outubro.21) conversamos sobre  Alienação, Ideologia e Política. Deem um pulinho nesses posts, leiam e comentem, para acrescentar às nossas conversas. Pois o SBC é assim: aberto, participativo,  "trocas que nos fazem crescer".

E, no nosso Malecón, naquela tardezinha, começamos comentando sobre o filme ARQUITETURA DA DESTRUIÇÃO, indicado pelo caro amigo Tadeu Martins Soares, grande escritor e produtor cultural do Vale do Jequitinhonha, na nossa querida Minas Gerais.




















documentário, de 1989, que está no youtube, narra os ideais estéticos nazistas que serviram de base para as violentas práticas de homogeneização da nação. A apresentação do Nazismo como uma ideologia estética é, sobretudo, o tema do documentário, que revela um lado pouco discutido do regime totalitário nazista.

O filme também apresenta que os judeus foram escolhidos e indicados pelo movimento nazista como um povo sem higiene e passível de todo o desprezo que pudesse ser dirigido a alguém. Hitler lança, com o nazismo, uma campanha de “limpeza étnica” (eugenia), valorizando a “raça” ariana em detrimento dos judeus.


Algumas correntes filosóficas que se destacaram na primeira metade do século XX foram as correntes de pensamentos românticos e historicistas, presentes principalmente na Alemanha. Tais correntes possuíam um forte cunho nacionalista e popular, principalmente voltadas para o pensamento e identidade coletivas. A identidade do povo era fruto do pertencimento à nação. (Observação de SBCense: Vixi, isso me lembra "Brasil, ame-o ou deixe-o", da época da nossa ditadura militar).



Carl Schmitt foi um jurista, membro do Partido Nazista, filósofo, político e professor universitário alemão. É considerado um dos mais significativos e controversos especialistas em direito constitucional e internacional da Europa do século XX. Um dos grandes expoentes da tese nacionalista,  defendia a teologia política, segundo a qual a Constituição seria a identidade material do poder. Segundo essa teoria, o Estado estava desunido e precisaria de um governante, o qual promoveria tal união. Decorrente dessa necessidade de união, surgiu a expressão fascismo, que significa “feixes que se unem”. Schmitt também sustentava que a verdadeira democracia somente poderia ocorrer numa ditadura, em que o governante terá força suficiente para poder criar uma identidade entre governante e governados. 


Nesse sentido, pode-se relacionar a postura adotada por Hitler e o nazismo com aquela referente aos filósofos nacionalistas, que apresentavam sua doutrina e ideologia como sendo a CORRETA. Mais, indicavam que aquilo que se distanciava do que acreditavam era uma visão ERRADA,  e que deveria ser rechaçada e desprezada.

Pois foi dessa "aula introdutória" de grande SBCense que continuamos nossa conversa, com o tema NANIQUEÍSMO : qualquer visão de mundo que o divide em poderes opostos e incompatíveis: "Admitir que os bons sejam sempre bons e os maus sempre maus é uma demonstração de maniqueísmo"


E a conversa foi por ai: parece que o maniqueísmo pode ser sinônimo de palavra que ouvimos mais atualmente: POLARIZAÇÃO: bem-mal; céu-inferno; certo-errado; feio-bonito... e por aí vão as diversas polarizações que nos enfiam "goela abaixo" e que "determinam" a nossa maneira de pensar, sentir e agir. Observem o último exemplo, feio-bonito: bonito é o que está dentro de padrões definidos "a priori", tudo o mais é feio... criando uma "falsa dicotomia". Outro exemplo: amigo-inimigo: amigo seria (acreditamos...) aquela pessoa que está sempre de acordo comigo, ou seja, que pode estar se submetendo a mim... e inimigo seria a pessoa que diverge de mim, temos uma tendência (aprendida historicamente e internalizada determinando nosso pensar, sentir e agir) a colocar a pessoa que diverge de mim na categoria de inimigo... muitas vezes, a ser eliminado (primeiro eliminado nos nossos afetos, depois pode virar "eliminado" concretamente, como nas guerras)... percebem que tendemos a excluir o conceito de ADVERSÁRIO? e a consequência dessa lógica maniqueísta? - muito dificilmente crescemos só com o igual, crescemos muito mais com o divergente. "Eu sou quando divirjo", do nosso grande escritor e filósofo Guimarães Rosa. Outra grande polarização: direita-esquerda (sem nenhuma crítica, eliminam-se as contradições e internaliza-se uma ideologia "comprada", a mídia conservadora está aí para "vender" estes pacotes). Assim como outro conceito que "aprendemos" a "eliminar" da nossa perspectiva (com a tendência a naturalizar as coisas do mundo) é a importantíssima VISÃO DE PROCESSO: TUDO no humano é PROCESSO, é HISTÓRIA, não existe no humano nada pronto e acabado. E a tendência do maniqueísmo é ver a história como linear, o que alimenta essa visão maniqueísta.

Então, antes de fazermos nosso percurso pela história,  para compreender mais e melhor, lembramos da música de Adriana Calcanhoto, SENHAS:

                                            https://youtu.be/rOfyDf3yo2I

Agora, vamos à história... E, nesse processo (ou caminhada) pela história,  surgiu uma espécie de "teoria SBCense" (o SBC adora elaborar teorias que tentam entender o mundo e nos entender no mundo, em todos os níveis de relação, do intimo até o exercício da cidadania), que tenta entender, na história, a formação tão profunda dessa lógica maniqueísta:
Aristóteles e Platão
 
Começamos pela antiguidade, lá pelos 350 anos antes de Cristo, Platão, discípulo de Sócrates e Aristóteles, por sua vez, discípulo de Platão. Platão (428/348 a.C, Atenas, Grécia), foi o primeiro teórico idealista, escreveu sobre política, amor, amizade, justiça, entre outros temas... grande SBCense. No entanto, ele defendia a RAZÃO como a única forma de conhecimento, pois os nossos sentimentos podem nos enganar, ou seja, a sabedoria está na razão. Aí começa uma fragmentação razão|emoção que repercutiu ao longo dos séculos, até agora... Já Aristóteles (384/322, também grego, formado na Academia de Platão, já discordava do mestre: a ideia defendida por ele era a de que quanto mais "apaixonado", ou seja, tomado por qualquer emoção, mais racional preciso ser... portanto, a ideia de juntar razão e emoção e ser responsável (responder) por elas. 

Já observamos em Platão o maniqueísmo: OU razão OU emoção... de maneira que se abrem lacunas para justificar, por exemplo, o crime passional, a pessoa estava tomada por uma forte emoção, portanto seria menos responsável pelos seus atos. Quanto mais "absoluta" (desumana) é uma teoria, mais lacunas ela permite... e, ao mesmo tempo, mais o diferente deve ser "eliminado" para se confirmar a "teoria". E, podemos ver ao longo dos séculos, qual "teoria", ou seria "ideologia" (quero dizer: forma se pensamento, que orienta a emoção e a ação) "vingou" mais?  E quais as consequências disso para nossa vida, nosso bem estar psíquico, nossa visão (e ação) no mundo e em todas as nossas relações? 







Interessante lembrar, também, o estoicismo, doutrina fundada por Zenão de Cício (335-264 a.C.), e desenvolvida por várias gerações de filósofos, que se caracteriza por uma ética em que a imperturbabilidade, a extirpação das paixões e a aceitação resignada do destino são as marcas fundamentais do homem sábio. Para os estoicos, o universo era governado pela razão, um princípio divino que permeia tudo.



Ai chegamos a Depois de Cristo: a religião (cristã) recuperou bastante as ideias estoicas que, como podemos ver, são maniqueístas. E, de certa forma, apresentam as características "platônicas" de busca do ideal de "pureza" que, a bem da verdade,  nos desumanizam.



Passamos pela Idade Média, chegamos à Idade Moderna, século XV,...  Immanuel 
Kant (1724-1804) filósofo prussiano, "viver segundo a razão", 
... a filosofia de Kant pode ser compreendida enquanto herdeira da sistematicidade estoica... a partir da concepção de que ambas as doutrinas concediam à razão a anuência do pensamento da máxima “viver em conformidade com a razão é viver em conformidade com a natureza". 

Reparem que, nesse breve apanhado da história, podemos constatar a primazia da razão, em detrimento dos afetos (ou das emoções). Estas são esquecidas completamente. Aristóteles meio que "dançou"... infelizmente, para nós, para a humanidade...

Nessa altura da conversa,  fizemos um recorte,  e lembramos de Foucault:

Michel Foucault (1926-1964)Filósofo, professor, psicólogo e escritor francês, tratou de temas como loucura, sexualidade, disciplina, poder e punição, hoje vistos em várias áreas do conhecimento.  Uma de suas ideias fundamentais é que a loucura não é algo da “natureza” ou uma “doença”, como acreditavam os psiquiatras, mas um “fato de cultura”. Foucault defende a ideia de que a loucura seria meramente uma classificação para marginalizar sujeitos. Ou seja, o "diferente" é isolado, "preso" (num manicômio, numa prisão...) a fim que não ameaçar, não causar "incômodo" à sociedade já "pronta e definida". 
 
E também lembramos de texto sobre Razão e Paixão do grande diplomata brasileiro, filósofo, antropólogo, professor universitário, tradutor e ensaísta Sérgio Paulo Rouanet (1934): ao contrario do que pensamos, a loucura é da razão e não dos afetos. Ele diz da RAZAO LOUCA e da RAZÃO SÁBIA. A razão que exclui a paixão é uma razão insensata, louca. Assim como a MORAL ASCÉTICA, que recomenda o "acorrentamento das paixões pela razão". Já para a razão sábia... "a relação com as paixões só pode ser dialógica, e não autoritária, e, se não quer escravizar as paixões, não aceita ser escravizada". Bem, essa razão sábia está por aprendermos, pois que nosso processo histórico, como estamos conversando, se deu de uma maneira oposta a essa relação dialógica entre razão e paixão. E, acreditamos, o esforço nesse processo de aprendizagem valerá a pena...



Depois deste recorte, voltamos à história:  Iluminismo, século XVIII, França, movimento que combatia o Absolutismo (dos reis) e os privilégios da nobreza e do clero. Suas ideias  se difundiram principalmente entre a burguesia, que detinha a maior parte do poder econômico. Entretanto, não possuíam nada equivalente em poder político e ficavam sempre à margem das decisões. As ideias iluministas foram a base filosófica para o desencadeamento da Revolução Francesa e a instauração do Estado Moderno. Ai acontece o fortalecimento do Capitalismo, as revoluções burguesas e, mais tarde, o imperialismo, quando as nações europeias se consideravam as "donas da verdade" e subalternizavam as outras nações. O Brasil e o continente africano estão incluídos nessa fase.


Thomas GAINSBOROUGH (1727-1788)DETALHE: Frances Susanna, Lady de Dunstanville, 1786.  

E a arte no período iluminista? Artistas franceses e ingleses  que conviviam mais intimamente com as novas ideias iluministas caminharam para um estilo diferenciado no período. ... A ideia de que o homem poderia chegar à verdade, dominando a natureza através da razão e da experiência, ganhou força nos séculos XVII e XVIII. 

Vejam que o filme que estávamos conversando, Arquitetura da Destruição, tem a arte clássica e a iluminista como "modelo único" de arte .Portanto, pensamos que essa lógica maniqueísta, a criação de uma falsa dicotomia entre o "bem" e o "mal" , a eliminação das contradições, a idealização, a busca da perfeição, tudo isso cria o espaço do preconceito, do ódio, da segregação do diferente... por consequência, a "eliminação" do diferente... Enfim, o fascismo, o nazismo. E o nazismo de Hitler aconteceu há menos de um século, deu origem à segunda grande guerra... e permanece até hoje, nas nossas mentes, nos nossos corações... e nas nossas relações, desde o nível íntimo até o macro.

Assim como, no nível macro, a lógica maniqueísta fundamenta regimes autoritários, estes mesmos que têm o discurso da democracia. Aliás, tema recorrente nas nossas conversas (leia nosso post de 10.setembro.2021). Gente, tem algumas (várias) palavras que só dizem do genérico (e o genérico é o "padrão" que nos enfiam "goela abaixo"); ou seja, para sermos mais precisos na linguagem é recomendável, sempre, que se explique ou se defina a palavra. Por exemplo, de qual DEMOCRACIA estou falando, pois podemos observar inúmeros "tipos de democracia", daquelas que, aqui, "aprendemos" a definir como "não democracia" (A China, por exemplo, Cuba, por exemplo): Vai pra Cuba, comunista!!! E, ao mesmo tempo, a palavra democracia é usada como um termo genérico, escondendo uma espécie de raciocínio "democracia, só se for a minha..." Por exemplo, a Cúpula da Democracia promovida recentemente por Biden, nos EUA, convocando países submetidos àquele imperialismo. Assim como também convocando Taiwan, parece que com a intenção de intensificar conflito com a China. Outro exemplo: Julian Assange, jornalista australiano fundador do WikiLeaks, preso em 11 de abril de 2019 por vazamento de documentos confidenciais, acusado de espionagem, está no Reino Unido e poderá ser extraditado para os EUA, possivelmente, sendo extraditado, receberá pena perpétua, talvez até será executado. Isso é democracia? Para quem? Isso é liberdade de expressão? para quem?



Enfim, lembramos (e recomendamos) Nietzche. Seu mais importante livro, para nossa SBCence, é  GENEALOGIA DA MORAL, em que ele reflete sobre as origens do que chamamos BEM e do que chamamos MAL, assunto super pertinente ao nosso tema aqui conversado. E ele diz, no prefácio do livro, lembra nossa SBCense: ... da paciência que precisamos desenvolver com aquilo que nos parece mais ANTÍPODA... trata-se de um exercício dialógico, para melhorarmos nossa argumentação e nossa capacidade de compreensão.

E terminamos com a música do grande Caetano Veloso - FORA DA ORDEM, lançada em 1991, décimo sexto  álbum dele: CIRCULADÔ...  não sem antes reproduzir fala de dois grandes estadistas latino americanos sobre democracia, que dizem, como entendemos, dos vários tipos de democracia, num mundo que podemos construir, cada vez mais saindo da bipolaridade para o multilateralismo... onde o respeito às diferenças e aprender a lidar com conflitos se torna fundante desde mundo mais justo, mais fraterno:

- "Por agora, nós, humanos, não podemos inventar um sistema melhor que a democracia, que tem muitos defeitos. Mas não são defeitos da democracia, são defeitos humanos... E tem a vantagem que nunca está terminada e que nunca seja vista como perfeita. É preciso melhorá-la, lutar sempre para melhorá-la. Tenho um velho sonho sem se realizar: o da igualdade. Somos iguais perante os direitos, mas são somos, por enquanto,  iguais nas oportunidades diante da vida. Esta é uma dívida." (Alberto Mujica Cordano) 

- "Certamente, a democracia é a melhor e mais importante forma de governo, porque ela permite a pluralidade - permite a divergência - ela permite a diversidade. Entretanto, no mundo inteiro e na maioria dos países do mundo, a elite econômica e a elite política se apoderaram da democracia. Porque a justiça pende mais para defender os ricos do que os pobres... É sempre a pressão sobre as pessoas mais pobres. Então, eu penso que a democracia é o processo de aperfeiçoamento de um regime de convivência da humanidade. É importante, então, compreendermos que a democracia não é um pacto de silêncio, a democracia é um processo de efervescência da sociedade na busca da construção de um mundo justo, mais solidário, mais fraterno, mais humanista. Isso é a democracia!" (Luiz Inácio Lula da Silva).

                                        https://youtu.be/iQ4IBFC2YWk

"Alguma coisa está fora da ordem... fora da ordem mundial"... Ainda bem!!! Construiremos uma nova ordem, menos maniqueísta, mais humana: entre 8 e 80 existem 72 possibilidades...


Abraços, até nosso próximo encontro.