quarta-feira, 29 de março de 2023

Sobre filmes para "virar a chave": o "amor movimento"

 


Antes do Amanhecer (Before Sunrise) (1995) Direção Richard Linklater

Jesse (Elthan Hawke), um jovem americano, e Celine (Julie Dalpy), uma estudante francesa, se encontram casualmente no trem para Viena e logo começam a conversar. Ele a convence a desembarcar em Viena e, aos poucos, vão se envolvendo numa paixão crescente. Mas isso acontece somente numa noite. A verdade inevitável: no dia seguinte ela irá para Paris e ele voltará para os EUA.

Antes do Pôr-do-Sol (Before Sunset) (2004) 

A experiência do encontro com Celine foi tão marcante para Jesse que ele escreve um livro sobre este evento. Quando estava fazendo a turnê de divulgação do seu livro em Paris, eis que  surge Celine. Tinham se passado nove anos, Jesse havia se casado e tido um filho. Mas a oportunidade de Jesse e de Celine descobrirem o que tinham perdido (ou não) com o fato de não terem se visto nos últimos anos teria obrigatoriamente que durar 80 minutos. Não por acaso este é o tempo de duração do filme, e o tempo que os dois terão para percorrer as ruas de Paris e, principalmente, verificarem o que havia sido perdido nesse tempo. O interessante no diálogo da dupla é a naturalidade do mesmo. Imagine-se encontrando com alguém que você amou por uma noite e não vê há anos. 

Antes da Meia-Noite (Before Midnight) (2013)

Nove anos após os eventos de Antes do Pôr-do-sol, Jesse e Celine  vivem juntos em Paris, ao lado das filhas gêmeas que tiveram. Ele busca sempre manter contato com Hank, o filho adolescente que teve com a ex-esposa. Quando o casal resolve ir à Grécia com as filhas, Jesse decide também convidar Hank para a viagem. Neste contexto, Jesse segue tentando se tornar um romancista de sucesso, enquanto que Celine considera seriamente a possibilidade de aceitar um emprego junto ao governo francês.


A trilogia  parte de um conceito muito simples: um homem e uma mulher apaixonam-se e passeiam pela cidade, discursando sobre amor, sexo, trabalho. 
Antes do Amanhecer aborda o acaso, e levanta a importante pergunta da idealização do amor (“Devemos nos encontrar novamente, ou guardar essa noite única nas nossas memórias?”, perguntavam os personagens). 

Antes do Pôr-do-Sol troca o romantismo do amor idealizado por uma abordagem psicanalítica: os dois personagens não estavam felizes com suas vidas.. Para trazer a história ao tempo presente, o segundo filme decidiu experimentar a trama em tempo real. Foram 80 deliciosos minutos passeando com os personagens, mas em Paris ao invés de Viena.

Além da evolução no tempo, em Antes da Meia-Noite o trio de roteiristas (Linklater, Ethan Hawke e Julie Delpy), com o mesmo humor às vezes simples e às vezes mordaz,  consegue evoluir também na estrutura. Mantendo o formato clássico que consagrou os dois primeiros filmes (a conversa e os passeios entre o casal central), ele acrescenta elementos novos e bem-vindos: outros casais amigos, outros jovens que encontram o amor pela primeira vez. O novo país visitado é a Grécia, com um horizonte marcado por ruínas – representação da falência do relacionamento entre os protagonistas. De fato, tudo neste roteiro faz lembrar o fim: a arquitetura grega que se desfaz, dois jovens apaixonados que acreditam que não vão permanecer juntos por muito tempo, o homem idoso que perde a esposa. A partir de uma longa cena de almoço, festejando os prazeres sexuais e criticando os relacionamentos tradicionais, o roteiro anuncia que vai tocar em um assunto delicado: a perenidade do amor. Este primeiro encontro entre amigos niilistas pode ser repleto de piadas hilárias e paisagens belíssimas, mas deixa um gosto realmente amargo na boca. 

As pessoas que acreditam no conceito de amor que nos é incutido, o amor romântico, o "foram felizes para sempre", a idealização do amor, tão comum nas comédias românticas tradicionais,  podem acreditar que, depois de provocar o amor, é óbvio que o terceiro filme vai repetir esse padrão, ou seja,  mostrar que a união vence todos os obstáculos. Mas Antes da Meia-Noite é de uma franqueza e coragem ímpares, aprofundando seu tema ao limite do desconforto. As conversas entre Céline e Jesse continuam, associando o amor à morte. Se a avó dela falecia no segundo filme, agora é a vez da avó dele falecer. A morte, lembrada no filme anterior com nostalgia e ternura, conduz ao medo desta vez: como os avós dele conseguiram ficar mais de 70 anos juntos? Isso é mesmo possível?

Então, podemos dizer que o terceiro filme é "mais sombrio". Neste sentido, a meia-noite do título é um marco temporal perfeito. Mesmo a tradicional cena dos amantes admirando o pôr-do-sol – referência ao filme anterior – ganha um novo significado. Ao invés de apreciarem o espetáculo natural, Céline e Jesse permanecem estoicos, contando os segundos até a luz desaparecer. É magnífico o momento em que ela anuncia que o sol se foi, e olha desiludida para o marido, como se atribuísse a ele a culpa da passagem do tempo. O pôr-do-sol perde seu romantismo, e se transforma em uma prova irrefutável da impermanência das coisas. 

O discurso nada esperançoso do casal evolui, e transforma-se em uma briga. Como um momento realmente íntimo não poderia acontecer nas paisagens abertas da Grécia, os dois aparecem num quarto de hotel. Lá dentro, o prelúdio de um ato sexual é interrompido por uma discussão longa, violenta, brutal. 

As palavras são duras. Torcemos para o "final feliz", o amor romântico impregnado nos nossos espíritos: "Eles vão fazer as pazes, eles se amam..." Nada é menos certo. O que poderia ser um baile de dramaticidade e nostalgia (do tipo “Como éramos felizes antes”) não acontece.   Cruel, franco e sem concessões, como a vida, esse último filme ousa levantar a bandeira de um amor realista, possível, do tipo que se transforma ao longo dos anos, e que também pode – como um organismo vivo qualquer – definhar e morrer.

Segue a vida... segue o amor... que não está em mim, nem em você, mas na energia que existe no espaço entre nós... como diz o primeiro filme. Enfim, como tudo no humano, o amor pode nascer, se transformar, ser construído, morrer, renascer...  e, definitivamente, não se trata de uma "emoção pura"... esta sempre acompanhado de muitas outras emoções... e o bonito é que "cuidamos do amor" quando levamos em conta todas as emoções, e não quando as excluímos.

Vale a pena assistir a essa sequência, talvez um filme a cada semana - ou a cada mês - para novas ideias sobre o amor irem "assentando" nos nossos "globos pensantes e sentintes", como diz um amigo SBCense - além disso, irmos conversando, trocando ideias sobre o tema, e amadurecendo um "novo" conceito de amor, mais humano, mais realista, construído a cada dia, como tudo no humano: o "amor movimento".






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