E vou me transformando naquilo que eu quero ser...
Com (e através ) das minhas amigas e amigos, irmãs e irmãos ;
Com meus filhos e filhas; com netos e netas ;
Com minha mãe , de 90 anos, que também se renova ... a cada dia.
Com amores... que vêem ... e se vão.
Com colegas de trabalho e com meu público e meus clientes.
E , a cada dia, gosto mais da pessoa que me transformo.
Às vezes com dor , às vezes com alegria. Porém, sempre valorizando o crescimento, o renascimento - que a vida me oferece - a transformação nessa pessoa que me orgulho de ser.
Dou graças à vida !"
Ouvi ontem o depoimento acima, de uma mulher em torno dos seus 60 anos. Me emocionei. Considerei um poema. Ou uma oração , um mantra.
Me representa. Rezo isso... melhor: faço "orações" (horas ações )
Que todas todos e todes possamos "rezar" este mantra. Torço para que todxs nós possamos construir este "projeto " de vida, para nós mesmxs e para nosso mundo.
Termino como se termina uma oração : AMÉM , que significa "assim seja".
Com entusiasmo ... que significa "deus dentro de nós".
Ouvindo aqui de novo a musica do Roberto e Erasmo que
conversamos... E você diz que trata-se de uma música libertadora (naquele conceito SBCense de "músicas libertadoras", musicas de lama e músicas de piropa, nosso projeto PROSA E SAMBA, post do dia 12.junho.18) ... E eu não
acho tanto. Verdade que, a primeira vista, parece bastante libertadora, porém, as interpretações das músicas dentro do senso comum correm este grande perigo. No "raso" é que as ideologias vão "entrando" na nossa "alma", no nosso espírito, a gente vai "desejando" esses tipos de amor para as nossas vidas, mesmo se dizendo uma pessoa libertária, quando vemos estamos reproduzindo "amores românticos" e nos distanciando do nosso grande desejo de construir modelos relacionais mais livres, mais humanos, mais simétricos e mais bonitos. Pois, veja meu caro, não basta apenas falar disso, é preciso, diariamente, estar "treinando" nossa humildade de reconhecer onde e como estamos "reproduzindo o modelo aprendido"... e, somente assim, criamos a possibilidade de irmos construindo outros modelos. Pois, já sabe, assim é feita vida, construímos um pouco, retrocedemos, vemos isso e rimos da gente, o que faz desenferrujarmos nossos espíritos para o novo.
Veja querido, como você disse, quando buscamos uma análise de conteúdo de uma música, num primeiro momento procuramos entender o que o autor quis dizer. Sim, imagino que para Roberto e Erasmo (não sei quem fez a letra, a música foi lançada pelo Roberto em 1982) tenha sido libertadora à época. Dizem até que, embora seja mais uma canção de amor da dupla, o verso "Fui o alvo perfeito, muitas vezes no peito atingido" pode ser tomado emprestado para definir a discussão proposta pelo livro "Querem acabar comigo - da Jovem Guarda ao Trono, a trajetória de Roberto Carlos a visão da Crítica musical", de Tito Guedes. "Debilóide", "compositor de música de fotonovela", "acomodado", "repetitivo" e "apelativo" foram alguns adjetivos usados na fase da Jovem Guarda e quando ele e Erasmo se dedicaram à temática erótica|amorosa. "Fera ferida" é dessa época. Pra você ver que a motivação do autor, quando escreve uma letra, pode estar próxima (ou não...) do que a gente interpreta. O autor "escreve e lança seu escrito", não tem noção de como vai ser interpretado, e, mais ainda, escreve dentro do seu campo de referências, da sua visão de mundo e das relações. Imagino que os dois, à época, não tinham ideia das consequências danosas da reprodução da ideologia do "amor romântico" para todxs nós.
Mas agora, nós que nos dizemos libertários, não podemos fugir à nossa responsabilidade de darmos um segundo passo no sentido da interpretação, de procurar entender COMO a cultura, através da arte (e, nesse caso, a música) "entra", por assim dizer, na nossa "alma" e nos coloca como "reprodutores", como também "aprendemos" a dissociar cabeça de corpo, de maneira que falamos de relações livres, simétricas, e, no automático, irrefletido, "cantamos" músicas achando que são libertárias, e vamos nos impregnando das ideologias que combatemos! Perceba nossa responsabilidade, meu amigo: para nos colocar, em todos os níveis de relação, do íntimo ao político no sentido amplo, como transformadores, podemos nos servir da arte e de análises do tipo que faço esforço para realizar, a análise para além do senso comum. Pois essa é a nossa missão, meu amigo, conseguir construir novos modelos, libertários, na própria vida e na vida dos nossos companheiros (filhos, irmãos, amigxs) e, assim, ir mudando o mundo.
Você me diz que ouve uma música libertadora, a duras penas, sofrida... Não é mesmo? E você tem razão, um “animal domesticado”,
que se submeteu à outra pessoa (que ele amava) e, provavelmente, por amor,
buscou o que ela (a outra pessoa) queria que ele fosse... E se esqueceu do
risco que há nisso: se perder de si mesmx, abandonar sua identidade, até o
ponto em que não sabemos mais “quem sou eu”... Mas esse processo (de ir
deixando de existir, por amor) não está completamente no modelo do “amor
romântico”, que já conversamos? aquele de idealização (da pessoa amada e do
próprio amor), da submissão à pessoa amada, entre outras características... Não
é esse modelo o que mais vivemos, e não é ele que causa assimetrias na relação,
e muito sofrimento para ambxs (mulheres, homens e outros gêneros)
Então... A música termina assim:
“Não vou mudar, nosso caso não tem solução, sou fera ferida,
no corpo e na alma, e no coração...”
E foi este término que me revelou nossa diferença de
interpretação da música, que quero compartilhar com você: primeiro, uma pessoa
que diz “não vou mudar”, no meu entendimento está, teimosamente, resistente...
A uma realidade, a um “não” recebido... Eu já ouvi isso: “Como!!! Que idiota eu
fui!!! Fiz tudo que elx queria e elx me deu um chute na bumba!!! Que ódio!!!”
Então, me parece que essa pessoa está no ressentimento, ou
seja: re-sentindo... re-sentindo... na remoeção do “não”, entende? Claro que um
“não” me faz sofrer, ainda mais quando quero um “sim”, mas eu prefiro um “não”
livre, e que também me deixa livre, do que um “sim” escravo, que deseja a minha
escravidão (falo mais sobre a relação senhor-escravo daqui a pouco...).
Segundo, como não existe o “agora eu superei”, acredito que
essa pessoa tanto pode estar num processo de superação, como poderá “atolar” de novo em outra
“relação romântica” (repetindo o modelo). Entendo que ela, com essa música,
apenas tenha superado “esta relação”, mas não o “modelo romântico” de relação,
entende? portanto, ela repetirá “ad nauseum” o mesmo modelo, o mesmo script ou "roteiro relacional" que internalizamos há alguns séculos, construído pela burguesia, lembra? ... que apropriou dessa ideologia do amor romântico e, ajudada pela igreja, incorporou como norma de vida, como a se "desejar" para a vida, aquele script dado, pronto, de crescer, acumular, casar, ter filhos... e a mulher cuida do intimo e o homem cuida do provimento... e isso nos faria "felizes"...
Terceiro, por outro lado, se a música lhe permitir (ou se a própria
pessoa se permitir) a reflexão necessária à transformação... aí ela crescerá no
sentido da construção de outro “modelo” relacional, que permita o “não”, que busque
simetria, que seja construído juntxs... e por aí vai... A arte pode ser
reprodutora ou transformadora... de vidas... A arte salva... ou não
Por isso te digo que no “conceito” SBCense de músicas
libertadoras está incluído um passinho a mais do que “fera ferida”...
Comparando essa música com nossa pesquisa, temos o Lupicínio
(o rei da Lama), que canta “Vingança”... ouça, com Adriana Calcanhoto:
Percebe que quando ainda estamos na vingança, estamos, por assim dizer, na “referencia dx
outrx”? e vamos repetindo o “modelito relacional”? Lembra que o “escravo”,
aquele que se submete, que se transforma no que o outro quer que ele seja, no
fundo (não tão fundo... rsrs, talvez seja melhor "no irrefletido) quer mudar de lugar com o “senhor”, quer, na
verdade, ser o “senhor”, o controlador (por amor, claro!)... e se ressente
quando x outrx se afirma “livre”... Agora, quando a pessoa “descobre” que a
maior “vingança” é ser feliz, ela sairá da referência do outro e poderá dar
continuidade ao processo de “ser sujeito”, se apropriar da própria vida, ser
quem ela quiser ser e, por isso mesmo, também a possibilidade de relações mais simétricas,
mais “bonitas”, enfim...
Essa, a seguir (grande Chico!), está um pouco mais no processo de libertação:
Agora, se você me permite, gostaria de te sugerir algumas reflexões, ou "provocações", com o objetivo de trazer a sua e a minha reflexão para as nossas vidas e criar a possibilidades de mudar conceitos e práticas de vida, lembra do TAP (Teoria, Afeto, Prática: uma mudança do jeito de pensar leva a uma mudança de prática ou ação na vida; o contrário também pode ser, ou seja, uma mudança de ação leva a uma mudança de conceito; mediando esse processo temos a REFLEXÃO, o COMO nos afeta "o que já existe pronto" (uma música, um filme, um livro,...); porque, se toda essa conversa for apenas "teórica", só cabeça, não nos servirá de nada para nossas vidas.
São essas as perguntas que me ocorrem: COMO aquela musica FERA FERIDA me toca, me afeta? que reflexão de vida ela me provoca? em que ponto de "libertação" eu estou, em relação às minhas relações? o que devo fazer para caminhar mais no sentido da "libertação", me desgrudar do ressentimento? São reflexões possíveis, que poderão suscitar amadurecimento...
Pensei, ainda: quando o autor diz "não vou mudar", quem está dizendo a ele para mudar? trata-se de uma exigência externa ou um exigência interna, dele mesmo? Por que, sabe, meu amigo, essa mudança "pelx outrx, por amor", eu te digo, acho que é "fake". Só mudamos por nós mesmxs, só encaramos a árdua tarefa de mudança quando o sentimento de "ganho" torna-se maior do que o "sofrimento" que temos, embora não sentindo muito, por causa do apego aos "ganhos secundários", um deles a comodidade de permanecer reproduzindo o "aprendido".
E assim vamos seguindo... deixo aqui também a minha música (junto com o querido Ronaldo Leon), NA MEDIDA CERTA, cuja letra é uma tentativa (em processo, sempre, como é o humano) de construção de um novo conceito de AMOR, mais livre, mais simétrico, mais humano...
Desafio aceito
Bora pesquisar
O que o amor não é
E o que o amor será?
É nessa roda de samba
Que vamos conversar
O que o amor não é
E o que o amor será :
Amor não é posse
Não é submissão
Mas é dar e receber
Na medida certa do coração.
Amor não é sofrer
Não é bater nem machucar
A violência está noutro lugar.
Amor não rima com dor
E sim com liberdade
Respeito e admiração
Mesmo que não rima na canção.
Antes de tudo o amor próprio
Pra rimar com alegrias
Do encontro com o outro
Pra passar ótimos dias.
E é nessa roda de samba
Que todos vão cantar
O que o amor não é
E o que o amor será...
Desafio cumprido
Vamos crescer e multiplicar
Um novo conceito de amor...
Abraços carinhosos...
Santuza TU
PS1: se você deseja saber mais sobre "amor romântico", te convido a ler nosso post de 8.julho.2014: "Conversas SBCenses: estrutural (e cruel) é o amor romântico";
PS2: se quer saber mais sobre "músicas libertadoras", leia nosso post de 12.junho.2018: "Novo projeto SBCense: PROSA E SAMBA ou De como o 'AMOR ROMÂNTICO' arrasa com nossas vidas"
Começamos nossa conversa ouvindo essas músicas... ouçam com bastante atenção... escutem as letras desses sambas, leiam, cantem juntxs... e depois me digam o que esses sambas dizem para as suas vidas...
Marina, morena Marina, você se pintou Marina, você faça tudo Mas faça um favor Não pinte esse rosto que eu gosto Que eu gosto e que é só meu Marina, você já é bonita Com o que deus lhe deu
Me aborreci, me zanguei Já não posso falar E quando eu me zango, Marina Não sei perdoar Eu já desculpei muita coisa Você não arranjava outra igual Desculpe, Marina, morena Mas eu tô de mal.
Me aborreci, me zanguei Já não posso falar E quando eu me zango, Marina Não sei perdoar Eu já desculpei muita coisa Você não arranjava outra igual Desculpe, Marina, morena Mas eu tô de mal De mal com você De mal com você
(samba-canção do baiano Dorival Caymmi, de 1947. O verso "Tô de mal com você" foi inspirado no filho Dori, então com três anos, que, quando ficava contrariado com alguma coisa, por exemplo a ausência do pai, dizia: tô de mal com você...)
Nunca vi fazer tanta exigência
Nem fazer o que você me faz
Você não sabe o que é consciência
Não vê que eu sou um pobre rapaz
Você só pensa em luxo e riqueza Tudo o que você vê você quer Ai, meu Deus que saudade da Amélia Aquilo sim é que era mulher
Às vezes passava fome ao meu lado E achava bonito não ter o que comer Quando me via contrariado Dizia: Meu filho, o que se há de fazer?
Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia é que era a mulher de verdade
(Ai que saudades da Amélia, canção de Ataulfo Alves e letra de Mário Lago, gravada pela primeira vez em 1941 e lançada em 1942, agradando mulheres e homens, que entenderam o que Ataulfo disse numa entrevista: "Amélia é compreensão, é ternura, é vida. Ela simboliza a companheira ideal, que luta ao lado do marido, vivendo de acordo com suas possibilidades, sem exigir o que ele não pode dar". E Mario Lago acrescentou: "Amélia é símbolo da mulher brasileira")
Eu quero uma mulher, que saiba lavar e cozinhar Que de manhã cedo, me acorde na hora de trabalhar Só existe uma e sem ela eu não vivo em paz Emília, Emília, Emília, eu não posso mais.
Ninguém sabe igual a ela Preparar o meu café Não desfazendo das outras Emília é mulher
Papai do céu é quem sabe A falta que ela me faz Emília, Emília, Emília, eu não posso mais..
(Música de Wilson Batista e Haroldo Lobo, de 1942, gravada por Vassourinha)
Vamos, então, situar historicamente essas músicas, como estava o mundo e o Brasil nessa época, para depois percorrer historicamente a nossa história (das mulheres, especialmente) pela segunda metade do século passado, e trazer essas ideias para a nossa reflexão atual.
As três músicas são da década de 40 do século passado. Estávamos, até 45/46 no Estado Novo ou Terceira República. Época do Rádio, "A Hora do Brasil", que divulgava os projetos e o ideário do governo Vargas, nessa época num modelo fascista, ditatorial, anticomunista e nacionalista; também pós Semana da Arte Moderna, de 1922, muitas mulheres das artes projetadas nessa semana (Pagu, Tarsila, Anita Malfatti, Guiomar Novaes... fazendo 100 anos no próximo ano... vamos comemorar!!!); e pós conquista do voto feminino (1932); e o Brasil exportando artistas (Carmem Miranda), em função da "política de boa vizinhança", especialmente com os EUA; assim como a projeção do samba, até a primeira dama, nessa época, convidou o Mário Lago para cantar "Amélia" no Catete, palácio do governo no Rio de Janeiro.
Enquanto cantávamos “Amélia” nos anos 40, a história da mulher no mundo era marcada por três grandes momentos: Em 1945, por meio da Carta das Nações Unidas, foi estabelecida a igualdade de direitos entre homens e mulheres e em 1949, foram criados os Jogos da Primavera, ou ainda "Olimpíadas Femininas". Neste mesmo ano, Simone Beauvoir publicava o livro O Segundo Sexo, no qual analisava a condição feminina, promovendo reflexões sobre as desigualdades existentes entre o masculino e o feminino. Por meio da obra, Simone Beauvoir questiona as relações de poder que inferiorizavam a mulher.
Nesse cenário, quero relatar, agora, a história de uma criança mais ou menos com seus 8 ou 10 anos, uma mulher que morava no interior de Minas. Essa mulher, agora, tem seus 60 pra 70 anos, uma feminista que luta diariamente pela sua liberdade de pensar, sentir e agir, e, portanto, combate diariamente os estereótipos de gênero que estão enraizados, cravados e ferro e fogo no nosso espírito.
Pois bem, vou narrar na primeira pessoa, pois acredito que trata-se da vida de inúmeras mulheres nessa faixa etária, inclusive eu:
"Eu nasci nos anos 50, filha única mulher de família de classe média do interior de Minas. Desde os 5 anos de idade, que me lembre, vinha a Belo Horizonte, curtir as férias na casa de uma tia, mas me lembro com mais vigor na época dos 8 anos em diante, vinha sozinha, sem meus pais, eles me arrumavam carona com casal de amigos e eu ficava dois meses na casa da tia. Era um apartamento lindo, a mobília era o que existia de mais moderno, um sofá em L(ele) maravilhoso, uma TV em preto e branco (TV era coisa novíssima, não existia ainda no interior), o móvel da TV era de um design fantástico, e tinha portas!... Ou seja, quando se acabava de ver a TV se desligava e se fechavam as portas do móvel em madeira clarinha... maravilhosa. Na mesma linha do móvel da TV, o móvel toca-discos, uma radiola fantástica! e uma coleção de LPs, ou bolachas, aqueles discos de vinil pretos. Aquilo era um encantamento para uma menina de 8 anos vinda do interior... e eu passava o dia inteiro ouvindo discos, em especial um disco de samba: "As melhores mulheres", e dançando samba. Meu gosto musical vem dessa época.
Então, este disco era gravado pelos sambistas mais famosos da época, cada música tinha um nome de mulher, e era em homenagem a essa e a todas as mulheres do Brasil... lindo né? eu adorava todas as músicas, sabia cantar todas... especialmente essas três: Emília, Marina, Amélia. E cantava, e cantava, e internalizava as letras dessas músicas! e DESEJAVA tudo isso pra minha vida! eu queria ser uma mulher de verdade, e pra ser uma "mulher de verdade" eu teria que "preparar o seu café, saber lavar e cozinhar, e acordar meu homem de manhã cedo pra ir trabalhar"... pois, se não fosse dessa maneira, ele "não me perdoaria, ficaria de mal"...
Fui crescendo, me mudei para Belo Horizonte com meus pais e meu irmão, anos 60, golpe militar, grandes festivais de música, adorava! passei a cantar "vem, vamos embora que esperar não é saber... quem sabe faz a hora, não espera acontecer!"
E outras: Chico, Rita Lee, Caetano, Gil... tudo isso na época da ditadura militar.
Nos anos 80, já casada, mãe, "por amor", impregnada daquele ideal feminino, acrescido do "ideal romântico", percebi que tinha abandonado facilmente toda a minha construção no sentido da autonomia (de pensar, sentir, agir... e que passa pelo bolso)... tinha deixado de "ser", abandonado minha identidade e incorporado essa "identidade pronta"... e, então, decidi recuperá-la... lia, e tentava internalizar Simone de Beauvoir: quem abre mão do trabalho que dá a construção de uma "vida autenticamente vivida", se rende aos "ganhos" (ou ilusão de ganhos) que significam estar do lado do "dominador". Ou seja, vira escravx, principalmente escravx de um sistema, reproduzido por nós mesmxs. "Vida autenticamente vivida" era (e é) meu mantra, minha busca.
E assim estou, até hoje... porque este movimento é para a vida toda... e para além de mim mesma. E, por isso, compartilho com mulheres e com homens essa experiência, carregada de perplexidades, interrogações, que suscitam boas conversas e crescimentos mútuos, pois disso é feita a vida, de pessoas que se constroem e constroem o mundo.
Trata-se de um relato maravilhoso, do ponto de vista de rever sua história, se apropriar dela, e construir prospectivamente sua identidade, de forma autônoma. E suscita a nós, SBCenses, ótimas reflexões sobre nosso tema do título desse post: sambas, feminismos e machismos...
Pois o SBC faz isso: reflete, conversa, interpreta músicas para além do senso comum, compartilha reflexões para crescermos uns com os outrxs e construirmos relações mais bonitas... não fazendo isso, caríssimos, vamos, irremediavelmente, repetindo conceitos, ideologias que, muitas vezes, não estão combinando com o que dizemos e queremos para a vida e para as nossas relações mas, de forma alienada, repetimos... e isso nos causa sofrimento, acreditem. Por isso vale o esforço, o trabalho de construir relações mais bonitas, mais simétricas, enfim, construir uma "vida autenticamente vivida".
Começamos por compartilhar a música maravilhosa do Geraldo Vandré, citada pela nossa depoente, que nos suscitou tão conversas tão profícuas:
E nossas conversas SBCenses duraram uns dois ou três encontros riquíssimos. Vamos conversando... por hoje é só...
Em 20 de março deste ano publicamos nossa exposição fotográfica "TRONCOS", veja nosso post dessa data, lindíssima "exposição virtual" que rendeu muitos comentários... obrigada a todas as pessoas que leram, viram a exposição, e comentaram.
Pois continuamos a tirar fotos, que eu queria acrescentar, porém, renderam novas conversas, novas reflexões, que merecem outro post:
A impressão que temos é que, quando estamos atentxs a determinado tema, a gente "presta mais atenção", "foca" o tema e, portanto, começa a "ver" mais... já repararam, por exemplo, um casal, ou uma pessoa (mulher ou homem) , quando estão (ou está) grávida (ou grávidos), o tanto que a gente vê mulheres grávidas? parece que o mundo todo está grávido! depois que passa prestamos menos atenção, e "vemos" menos", não é?
Daí o assunto:
"O OLHAR"
Primeiro, as(os) poetas dizem :
LINDAS E LINDOS!!! OBRIGADA!!!
Já sabemos e praticamos: a arte nos proporciona olhar o mundo e as relações orientadxs pelo sentido estético, o que abre nosso espírito e cria a possibilidade da construção de um mundo melhor, mais bonito...
Mas o nosso foco é a continuidade do olhar para os troncos... e fizemos mais fotos... e descobrimos troncos que se abraçam...
E descobrimos troncos tridimensionais...
E captamos "famílias" felizes passeando entre os troncos...
E captamos o que poderia ser "mensagens" de marcianos em troncos... (estávamos sóbrios... e não fomos abduzidos...)
E descobrimos amigos que, também, "olham, e veem, e enxergam" coisas lindas na natureza... e gostam de registrar.
Este é o Sanoh Fermal, que trabalha lá pros lados de Rio Acima, perto de Belo Horizonte, em Minas gerais, e que se entusiasmou com nossa exposição, e teve a generosidade de nos mandar fotos feitas por ele dessa região, de árvores, flores, cachoeiras, paisagens... lindas. Aí vão algumas:
Por último, as duas a seguir, que ele descreve assim: "Essas são fantásticas! Aproximadamente 80 cm de altura e, sabe-se lá, quantas centenas de anos de idade!!!"
Obrigada por compartilhar, amigo!
E o nosso querido fotógrafo SBCense, Juraci Bergamini, além das fotos anteriores ao Sanoh, termina nossa exposição com uma árvore que nos pareceu bastante "sofrida", reparem no seu tronco...
Árvores crescem, dão frutos, são tristes, alegres... árvores sofrem... árvores cuidam umas das outras, árvores nos ensinam a beleza da vida...
E continuamos as conversas SBCenses sobre "o olhar":
Nós não somos educados para olhar observando, pensando o mundo, a realidade, nos pensando. Somos, sim, educados num modelo autoritário, estereotipado, que produz uma certa cegueira, uma paralisia. E, para romper com essa educação que nos limita tanto, precisamos exercitar, diariamente, o olhar que envolve ATENÇÃO e PRESENÇA. Atenção conosco, com o outro e ao redor de nós ... Olhar para dentro e para fora.
O "olhar de monólogo" é um "olhar parado", quer ver só o que lhe agrada. O exercício do "olhar" (e também do "escutar") para além deste "olhar parado, estereotipado", implica em "sair de si mesmx" e ir ao outrx. Precisa de "entrega". "Só posso olhar o outro e sua história se tenho comigo mesmx uma abertura de aprendiz que se observa, se estuda, em minha (nossa) própria história". O "olhar de aprendiz" é necessário por toda a vida.
Aprendi com uma linda SBCense sobre a REALIDADE: ela é externa e interna a nós. A realidade externa existe, independente de mim... porém, o meu olhar transformador sobre essa realidade (junto com a ação transformadora) pode torná-la mais "bonita", mais "humana", mais "justa"... assim como a nossa realidade interna, o olhar para dentro de nós, de uma maneira responsável e amorosa, nos faz crescer, ser quem queremos ser. Para isso precisamos lidar com nossas culpas, condenações, onipotências... e, assim, caminhamos para nos construir e construir um mundo mais bonito.
O olhar está intimamente relacionado com a aprendizagem, já dizia Rubem Alves. Quanto mais eu sei, mais eu vejo... e quanto mais eu vejo mais eu nomeio... e aprendo. O esquimó, por exemplo, tem dezoito nomes diferentes para o que chamamos de BRANCO, me disse certa vez uma professora, não me lembro com precisão sobre o número dezoito, mas a ideia é essa.
Rubem Alves, grande educador que partiu em 2014, nos deixa lindas reflexões sobre, principalmente, a sensibilidade do educador, que somos todxs nós (nos educamos conversando, olhando para dentro de nós e para fora de nós).
No seu livro "Gaiolas e Asas", no texto "O olhar do professor", ele cita Nietzche (outro grande SBCense): ... "a primeira tarefa da educação é ensinar a ver... porque ..."é através dos olhos que as crianças tomam contato com a beleza e o fascínio do mundo". E "nossos olhos devem ser educados para que nossa alegria aumente".
Sim... rezemos para isso... (h)oras ações... enquanto educadorxs e educandxs, como sempre somos
Obrigada mais uma vez a todxs xs nossxs colaboradorxs, todxs SBCenses maravilhosxs.
Abraços carinhosos...
SantuzaTU
sábado, 15 de maio de 2021
SANTUZA
RODRIGUES, psicóloga, palestrante, escritora e compositora, ativista sócio
cultural, está concorrendo as eleições do Conselho Estadual de Politicas
Culturais – CONSEC
Importante a participação, para fortalecer nossas representações na cultura e arte...
Frase atribuída a Ferreira Gullar, pseudônimo de José de Ribamar Ferreira(1930-2016), poeta, crítico de arte e ensaísta brasileiro. Abriu caminho para a "Poesia Concreta" com o livro "A Luta Corporal". Organizou e liderou o movimento literário "Neoconcreto".
Mas temos, também, outras frases inspiradoras de grandes SBCenses:
A ARTE é transformadora, a ARTE é revolucionária, a ARTE é libertadora!!!
O que seria de nós sem a ARTE, ainda mais em tempos difíceis como este que estamos vivendo...
Coisas que jamais você faria, se não fosse esses tempos, todos me contam que têm... no meu caso, tenho um sobre armário com umas caixas de papelão com textos, livros em xerox, já amarelados pelo tempo, como diz uma amiga, arquivos do tempo do pergaminho (do grego pergaméne e do latim pergamina): é uma pele de animal, geralmente de cabra, carneiro, cordeiro ou ovelha, preparada para nela se escrever.
Pois não é que, vira e mexe, subo e tiro uma dessas caixas? e, com ela, começo a explorar minhas lembranças, me surpreender comigo mesma, com os textos ou trechos de livros que mudaram minha vida... assim como ler com um novo olhar, 30, 40 anos depois de já ter crescido com o texto ou livro, aproveitar para crescer de novo, e de novo, e de novo...
E me reencontrei com Ho chi Minh...
Ho chi Minh (Kiem Lan, 1890 – Hanói, 1969) foi um revolucionário, político, escritor, poeta e jornalista vietnamita. Também conhecido por seu nome de batismo Nguyễn Sinh Cung e pelo pseudônimo Nguyen Ai Quoc, Ho foi um dos principais responsáveis pela libertação do Vietnã do colonialismo francês e imperialismo norte-americano durante o século XX.
Ho chi Minh significa "aquele que ilumina". De uma sensibilidade rara, uma esperança inquebrantável, uma simplicidade absoluta, quase sempre se apresentava vestido com aquelas calças largas amarradas na cintura e sandálias de couro (como as nordestinas). Também de uma ironia e humor finos: Quando saiu da prisão, um jornalista lhe perguntou sobre a passagem do tempo, e ele respondeu que, na prisão, qualquer tempo é enorme! Outro lhe perguntou como conseguia escrever versos tão cheios de ternura numa prisão tão desumana? E ele respondeu: «Eu desvalorizei as paredes».
Já o tinha resgatado em 9 de dezembro de 2016 (veja nosso post desta data), portanto já neste século (rsrs), por ocasião de minha ansiedade com o lançamento do nosso livro "Diário do SBC". Então, a sua lembrança me trouxe serenidade, pois ele dizia que, quando queremos muito alguma coisa, é preciso andar bem devagar... para "dar certo" o que queremos.
Estava mesmo em "pergaminho" o xerox do livro "Diário de Prisão"... e foi nosso assunto no fim de semana, regado a cerveja e feijoada. Na crônica de 2016 eu disse que ele escrevia poemas estilo HAICAI, que são pequenos poemas de origem japonesa. Errei... Os poemas de Ho chi Minh são poemas TANG, também pequenos poemas, porém, a origem do nome TANG é da Dinastia Tang (618-915) considerada o auge da cultura clássica chinesa. Foram aproximadamente 300 anos de uma sociedade caracterizada por uma vida urbana intelectual e esteticamente sofisticada. Então, não são Haicai... são Tang... mas "parece".
Antes de lermos os poemas, lemos a Introdução e o Prefácio do livro, escritos por um americano e um Vietnamita, que nos contam um pouco da história de vida desse grande comunista, um dos mais importantes da história contemporânea. E nossas principais descobertas:
A FUNÇÃO DA ARTE E DA POESIA
A RELAÇÃO DA ARTE COM A POLÍTICA
Função da poesia: conseguir enxergar beleza e vida, mesmo
diante de situações trágicas, de muito sofrimento
Política e poesia: dizer a
verdade, com inteligência e sensibilidade, é tarefa e competência de grandes estadistas... E Ho chi Minh foi, sem dúvida, um grande estadista... e um grande poeta. Para ele, a visão do sofrimento invoca ação e expressão poética.
Em Ho chi Minh inteligência e sensibilidade são uma só coisa. Aprendamos com ele, pois somos, todas, todos e todes, poetas e políticos.
Estes são alguns poemas TANG de Ho chi Minh, com seus ensinamentos singelos (e profundos) sobre si mesmx, sobre emoções, sobre a vida e as relações:
"A rosa se abre à tardinha, e então desaparece.
O seu abrir e o seu fechar continua por todos desapercebidos,
Mas a fragrância da rosa exala até às profundezas da prisão,
Dizendo aos lá encarcerados da injustiça e sofrimento".
INFORMAÇÃO A SI MESMO
Sem o frio e a desolação do inverno,
Não haveria a ternura e o esplendor da primavera.
As calamidades me temperaram e enrijeceram,
Transformando minha mente em aço.
É PROIBIDO FUMAR
Fumar aqui é totalmente proibido!
Seu fumo vai todo ele para o bolso do carcereiro.
Ele, claro, coloca-o no seu cachimbo - e para isso tem toda a noite,
Mas se você tentar fazer o mesmo,
há um par de algemas à sua espera.
VISITA A SEU MARIDO NA PRISÃO
O marido está no outro lado das grades
A mulher está fora, e olha para ele.
Estão próximos um do outro, separados por centímetros,
E, ainda assim, tão distantes, como o céu e o fundo do mar.
O que as palavras não dizem, seus olhos descrevem.
A cada palavra seus olhos marejam de lágrimas.
Quem pode observar impassível e indiferente esse encontro?
PARA SORRIR
O Estado se alimenta com arroz: habito seus palácios;
Seus guardas se revezam para me fazer companhia.
Suas montanhas e seus rios, eu os contemplo a vontade,
Com tais privilégios, um homem se sente realmente um homem!
TRISTEZA
O mundo inteiro queima com as chamas da guerra
E os homens competem para ver quem chegará primeiro na frente de batalha.
Na prisão, a inércia esmaga o preso.
Minhas nobres aspirações valem menos que um vintém!
MEIA NOITE
Todos os rostos parecem honestos durante o sono.
Só quando acordamos parecemos bons ou ruins.
Bem e mal não chegam pelo nascimento:
No mais comum das vezes, vem de nossa educação.
LENDO UMA "ANTOLOGIA DE MIL POETAS"
Os antigos costumavam cantar a beleza natural:
Neve e flores, lua e vento, névoa, montanhas e rios.
Hoje devemos fazer poemas falando também de ferro e aço,
E o poeta também deve saber comandar e atacar.
E, terminando leitura do "pergaminho", feijoada e cerva, antes do cochilo, fiquei "arrogante" : me arroguei, inspirada na singeleza, ao direito de, também, fazer um TANG. Recomendo... é uma delícia!
Verdades provisórias
Vejo da janela do quarto...
A lua está crescente... quase cheia
Dizem que lua cheia é a lua da loba
Eu me vejo loba em todas as luas.
E de todas as luas me vejo Lilith... Libertária.
Lunática. Enluarada.
24/4 18:07 - SantuzaTU
Terminando com o convite: Façam seus TANGs! e nos mandem
Publicaremos aqui no blog, no Projeto ARTES NA PANDEMIA.