sábado, 23 de julho de 2022

VIRANDO A CHAVE 2

 

No dia seguinte fomos nas Andorinhas... que não é uma cachoeira, apenas. 
Trata-se de um Parque Natural Municipal das Andorinhas, com suas 
piscinas ... e com muita beleza da natureza:

E a pedra do Jacaré, entre outras atrações maravilhosas que a natureza nos oferece...

E sentamos nas pedras e continuamos nossa conversa:

- Percebo, então, que VIRAR A CHAVE é um movimento para a vida toda... 
exige coragem... e humildade... mas tem um começo: quando "viramos a 
chave" não é que deixamos tudo que está para trás da chave, de jeito 
nenhum! Me parece que significa olhar para trás... e para o que pode ser 
visto, construído depois dessa porta que se abre com a VIRADA DE CHAVE.  

Uma 'teorização' sobre esse tema é o que os cientistas chamam de 
'mudança de paradigma":

Thomas S. Kuhn iniciou sua carreira universitária como físico. As circunstâncias 
levaram-no ao estudo da história e a preocupações de natureza filosófica. 
Múltiplas áreas, desde as exatas até as humanas, convergem para as agudas 
análises, que levam o autor, questionando dogmas consagrados, a ver o 
progresso da ciência não tanto como o acúmulo gradativo de novos 
dados, e sim como um processo contraditório, marcado pelas evoluções do 
pensamento científico. Tais revoluções são definidas como o momento de 
desintegração do tradicional numa disciplina, forçando a comunidade de 
profissionais a ela ligados a reformular o conjunto de compromissos em que 
se baseia a prática dessa ciência. 
Um dos aspectos mais interessantes do livro é a análise do papel dos fatores 
exteriores à ciência na erupção desses momentos de crise e transformação 
do pensamento científico e da prática correspondente.
E temos, em 2013, em comemoração aos 50 anos do livro de Thomas Kuhn, 
o novo livro A ESTRUTURA DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS, onde 
vários autores prestam homenagem àquele que influenciou a todos no 
sentido de "virar a chave":
"As múltiplas possibilidades de abordagem e inserção de "A Estrutura das 
Revoluções Científicas presentes neste livro mostram, não apenas a riqueza 
da obra de Kuhn, mas também como esse autor influenciou de modo diverso 
os diferentes pesquisadores que aqui escrevem. Todos nós, filósofos e 
historiadores da ciência, fomos impactados por Kuhn".

Velha roupa colorida, música de Belchior, lançado no álbum 
Alucinação em 1976, é um hino sobre a dialética do tempo e da 
mudança social: reciclar o velho como novo e, ao mesmo tempo, 
descartar o velho como velho. A mudança é sorrateira, gradual 
e discreta: "você não sente nem vê, mas eu não posso deixar de 
dizer. meu amigo; que uma nova mudança em breve vai 
acontecer; e o que há algum tempo era jovem, novo, hoje é 
antigo; e precisamos, todos, rejuvenescer".


- Devo ter lido, ainda na década de 80 do século passado,  um 
outro "livro da minha vida" como falamos no SBC, um 
livro que me marcou muito e 'me produziu reflexões': 


Primeira edição em 1982,  Fritjof Capra nos apresenta um 
paradigma holístico de ciência e de espírito: "A dinâmica 
subjacente aos principais problemas de nosso tempo - o 
câncer, o crime, a poluição, o poder nuclear, a inflação, a
carência de energia - é sempre a mesma. Chegamos a uma 
época de mudança dramática e potencialmente perigosa, 
um ponto de mutação para o planeta como um todo. 
Estamos precisando de uma nova visão da realidade, que 
permita que as forças que estão transformando o nosso 
mundo possam fluir como um movimento positivo de 
mudança social".


- E em 1991, no álbum CIRCULADÔ,  Caetano Veloso canta 
"Alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial"... 

- E caminhamos pelos lugares mais bonitos do Parque 
das Andorinhas... e caminhamos nas nossas reflexões, para um 
sentido mais amplo do "virar a chave": virar a chave no sentido 
histórico, e virar a chave no sentido político... uma relação 
intrínseca entre essas duas dimensões. 


















- SANKOFA: Esta palavra é proveniente da língua twi ou axante, 
sendo composta pelos termos san, que é “retornar; para retornar”,
ko, que significa “ir”, e fa, que quer dizer “buscar; procurar”. 
Pode ser traduzida como “Volte e pegue” .A palavra Sankofa, 
que na verdade tem dois símbolos que a representam, um 
pássaro mítico e um coração estilizado, simboliza a volta para 
adquirir conhecimento do passado, a sabedoria e a busca 
da herança cultural dos antepassados para construir um
 futuro melhor.














- Lembramos, da Roda de Conversa de ontem, de Catarina 
Mendes e da história da Princesa Isabel ...  
e lembramos de 7 de setembro: 
No dia 7 de setembro de 1822, D. Pedro 1º proclamou 
a independência às margens do rio Ipiranga..."e o Brasil 
se consolidou como uma nação independente". 
No entanto, temos também uma outra história:
















"Na madrugada de 2 de Julho de 1823, a cidade de Salvador 
amanheceu quase deserta: o exército Português deixou em 
definitivo a província da Bahia. Dizem que o dia nasceu bonito, 
sem as chuvas de junho. O sol brilhou! Os baianos conhecem 
esta data como sendo a Independência do Brasil na Bahia, 
que celebra a vitória dos brasileiros na guerra travada na então 
província da Bahia, por mais de 17 meses (de fevereiro de 1822 
a julho de 1823) contra as tropas portuguesas. Com a vitória 
do Exército e da Marinha do Brasil na Bahia, consolidou-se a 
separação política do Brasil de Portugal. Sendo assim, com base 
nos estudos de Luís Henrique Dias Tavares, historiador, professor 
emérito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o 07 de 
setembro de 1822 é uma data simbólica, não se tratando da real 
data da independência do Brasil, até porque um pedaço enorme 
do país (região Nordeste) ainda não era independente".

- Entendemos, de uma forma mais profunda, que "olhar pela ótica 
do povo, dos movimentos populares, da nossa força enquanto 
sujeitos, para transformar o mundo para "...mais bonito, mais 
justo e equânime"... significa uma "virada de chave" necessária 
e urgente.


- Aqui, um grande SBCense deu um depoimento importante: 
- eu estava na savassi em Belo Horizonte, caminhando no 
sentido do supermercado. Atravessando a rua, na porta de 
uma padaria estava sentada uma senhora com dois pequenos, 
não tinham mais do que 6 anos, talvez. Ela me pediu um 
biscoito pros meninos... e, antes que eu entrasse na padaria e 
comprasse os biscoitos, um senhorzinho, passeando com dois 
cachorrinhos na coleira, super bem cuidados, passando por ali 
ouviu ouviu a senhora e me disse: Não compre! ela é uma 
pedinte profissional, ora fica aqui na porta da padaria e ora na 
porta do supermercado! E repetiu: é PROFISSIONAL! Vive disso!. 
Acho que estou começando a virar a chave, pois em outra ocasião 
eu ouviria isso  e deixaria passar... mas, nesse momento, 
consegui elaborar uma resposta a este senhor, ou melhor 
uma pergunta - na verdade algumas perguntas: - Certamente ela 
não deve ganhar bem com essa profissão, não é mesmo? E o senhor 
acha que ela tem alguma escolha? Teria uma profissão "melhor"? 
Com quem ela deixaria os filhos? Ela poderia "escolher" uma 
creche? Será com com essa - ou com outra profissão - ela ganharia 
o suficiente para oferecer ao filhos uma vida digna? Talvez até ela 
pudesse ganhar o tanto que o Senhor gasta com os seus cachorros... 
Tive medo de falar... mas saiu... e saiu num tom de voz legal, sabe! 
quase como eu mesmo estivesse refletindo, pensando comigo mesmo... 
e ele me ouviu... 
e respondeu: É... é bom tentar compreender... Dei 'bom dia' a ele 
e entrei na padaria... e me senti bem na "virada a chave" 

- E continuamos "VIRANDO A CHAVE", buscando a perspectiva das 
"pessoas invisibilizadas na história"... fazendo " amor e política" em 
todos os níveis de relação - na cama e no mundo - como é um "exercício 
SBCense". E lembramos, de novo, Ailton Krenak, que nos ensina, muito, 
a "virar a chave". Vejam e ouçam o videoclipe da canção O RELÓGIO DO 
JUÍZO FINAL, de Carlos Rennó, Makely Ka e Rodrigo Quintela, interpretada 
por mais de 20 músicos e com fotos de grandes fotógrafos brasileiros, 
ativistas da causa do meio ambiente. A música é baseada na obra de 
Krenak "Ideias para adiar o fim do mundo, e o videoclipe foi feito pelo 
cineasta Marcos Prado:
                                                    https://youtu.be/LoGVGdR4Uxg

- E, terminando nossa conversa, disse uma SBCense: "Olhando 
para o que está acontecendo no mundo hoje, considero que um movimento 
importantíssimo no sentido da "virada de chave" é o que podemos 
verificar de "declínio do império americano" e do mundo unipolar, construído 
desde meados do século passado... para a emergente construção de um  
mundo multipolar. Um maior equilíbrio de poderes muda o mundo. 
Precisamos buscar muita informação sobre isso... e criticar... 
e construir nossas reflexões...". 



Abraços carinhosos e todas, todos e todes... aguardamos mais depoimentos... 

e até nosso próximo passeio-conversas-reflexões.



quinta-feira, 21 de julho de 2022

Conversas SBCenses: sobre "virar a chave"


"Ouro Preto respira arte, cultura, história!" Mas... de qual história falamos?...

Ainda em Ouro Preto, saímos da Casa da Árvore, no Morro de São Sebastião, para uma caminhada... e boas conversas... 

A alguns passos estávamos em frente a Capela de São Sebastião. Reparem o sincretismo religioso: Oxóssi e suas flechas estão nas torres da capela. Oxóssi é  rei das matas, das caças e da fartura. São Sebastião era um soldado do Império Romano que se converteu ao cristianismo e foi martirizado por conta da sua fé. É venerado como santo padroeiro contra a peste, a fome e a guerra.

E foi ali que tivemos uma bonita aula de história, misturada com geografia:

Daquele local podemos identificar duas bacias importantíssimas para Minas Gerais e para o Brasil: o RIO DAS VELHAS e o RIO DOCE.


As nascentes do Rio das Velhas estão localizadas dentro do Parque Municipal Cachoeira das Andorinhas, em Ouro Preto, perto de onde estávamos conversando. Este rio é o maior afluente, em extensão, do Rio São Francisco. O nome 'Rio das Velhas' tem origem indígena (tupi-guarani). Antes de ser 'Rio das Velhas' era conhecido como rio Uaimíí pelos indígenas. A antiga pronúncia foi traduzida na forma portuguesa Guaxim, da qual nasceu Guaicuy, que significa ''Rio das Velhas'. A história da ocupação da Bacia do Rio das Velhas começou no final do século XVII, quando os bandeirantes aproveitavam a rota do rio para desbravar o interior do estado à procura de ouro e pedras preciosas. Quem orientava os bandeirantes, provavelmente, eram os índios e os africanos escravizados.

A bacia do Rio Doce nasce nas serras da Mantiqueira e do Espinhaço. O Rio Doce propriamente dito é formado a partir do encontro dos Rios Piranga e Do Carmo, em Minas Gerais, e percorre cerca de 850 quilômetros até o mar, no Espírito Santo. Chamado de WATU - mar doce - pelos indígenas, durante o ciclo do ouro o Rio Doce teve sua navegação proibida pela corte portuguesa, para evitar o transporte e a exploração do ouro e pedras preciosas por suas águas, por outras pessoas que não eles mesmos. Em 2015 o Rio Doce foi devastado pelo "mar de lama" em consequência do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana. O médio Rio Doce, atingido pelo "mar de lama",  é habitado por indígenas da etnia KRENAK. Ailton Krenak é um líder indígena nessa região, grande ambientalista, filósofo e escritor brasileiro.

Acima, a Cachoeira Catarina Mendes, também perto dali... perto que eu digo para uma boa caminhada ecológica-histórico-cultural. Catarina Mendes foi uma mulher escravizada,  que conquistou sua alforria (pesquisando no GOOGLE você encontrará: "...  recebeu alforria do seu dono" - e é exatamente sobre isso que conversamos ...) -  e se fixou em um pedaço de terra que tinha essa cachoeira: O povoado de Catarina Mendes, subdistrito de São Bartolomeu, que é distrito de Ouro Preto. Em frente a Capela de São Sebastião, Seu Tatu, um simpático sinhozinho que carrega consigo uma parte da história dessa região, nos conta que Catarina, além de ter montado uma "Casa de folga" naquele povoado, defendia e protegia as mulheres que ali habitavam. Isso lá pelos idos século XVII, XVIII... por aí...

Então... nesse dia não fomos a Catarina Mendes. Fomos caminhando, subindo a serra, onde grande SBCense ouro-pretana nos apresentou as "minas a céu aberto", nos dizendo que toda grande mina começa, na verdade, a céu aberto ... e descemos  até a Mina Du Veloso (o que se chama hoje de mina seria uma das partes do processo de extração do ouro, a "galeria subterrânea") - e isso significa uma ampliação do olhar: a ideia de que a mina não é somente  a galeria subterrânea - MINA era o grande território, onde se utilizavam as várias técnicas de mineração  - e uma delas constituía nos aquedutos que estávamos vendo, que veem a ser grandes canais que conduziam água, e provocaram o desmonte hidráulico... uma ótima caminhada, para o corpo e para o espírito. E, nessa caminhada, nossa 'guia' usou a expressão "virar a chave", se referindo a uma "mudança de olhar" em relação à nossa história, a propósito de olhar para a história de Ouro Preto sob uma perspectiva mais ampla,  a perspectiva das pessoas que construíram a cidade e as que já estavam aqui antes, ou seja, os negros e os indígenas. Significa "contar outra história", não só a história que conhecemos, dos bandeirantes, dos nossos colonizadores.

E ficamos refletindo que podemos compreender - e agir - "virando a chave" num sentido muito maior do que este, ou seja, o processo de "virar a chave" pode, e deve, ocorrer em todos os níveis de relação, desde "eu comigo mesmx" até a "visão (e ação) de/no mundo", passando pelas relações íntimas, pela família, amigos, relações de trabalho, e eu enquanto cidadã e cidadão.

E começamos a pensar a partir da própria experiência de vida... e surgiram exemplos, assim como reflexões, no movimento do Particular para o Geral e para o Particular, e assim por diante, numa construção bonita e proveitosa:

- Começo pensando no que ouvi ontem de uma jovem mulher: "fulano é muito legal! ele me ajuda em casa e com as crianças"... Certamente essa fala NÃO significa "virar a chave", pois quem ajuda não assume nenhuma responsabilidade! Assim como outra de nós disse: "Ele me deixa sair com as amigas"...  Para algumas de nós essas frases não têm o menor sentido. Mas, acreditem, ainda é muito comum entre muitas de nós. 

- Ouvi, também, de uma mulher de mais idade, que ela "aprendeu" a servir... que ela tem prazer em servir... e pensei: entre mulheres que têm o prazer de servir e mulheres que lutam contra a subserviência, estamos, no mínimo há 100 anos, no 'grande esforço de pensar-sentir-agir virando a chave'.

- Continuando com "o que NÃO é virar a chave": penso também em quantas de nós, ainda, têm internalizado o "grande" papel, ou "destino" de toda mulher: ser mãe... atualmente, somente uma pequena parcela de mulheres "viraram a chave" no sentido de ESCOLHER esse destino: casar e ter filhos... e sabem que outros objetivos de vida nos farão, também,  inteiras e felizes. Inclusive "olhar" para o mundo e para si mesma e se ver enquanto construtoras do mesmo, de um  mundo mais bonito, mais justo, mais inclusivo. Imaginem que a música "Triste, louca ou má" foi construída a partir de uma fala comum nos anos 90, que significava a "pecha" que se dava à mulher que "não queria esse destino", e se colocava o direito de escolher. Nos EUA se dizia, em relação a essas mulheres, que seriam "BAD, SAD OR MAD"... ouçam:


- Um "chute no estômago" é o filme francês do Festival Varillux deste ano "O acontecimento", da diretora Audrey Diwa, vencedor do Leão de Ouro de melhor filme no festival de Veneza de 2021, uma adaptação do romance do mesmo nome, de Annie Ernaux: em 1963, na França, Anne é uma aluna jovem e brilhante, com um futuro promissor. Mas, quando engravida, vê desaparecer a oportunidade de terminar os estudos e escapar aos constrangimentos das suas origens sociais. Anne resolve tomar medidas, ainda que tenha de enfrentar a vergonha, o sofrimento, e se arriscar a ir para a prisão. O filme aborda a experiência com o aborto, quando este ainda era ilegal na França nos anos 60. Então... e aqui no Brasil? Ainda estamos nos anos 60, ou antes? a resposta seria: sim... para algumas mulheres, de uma classe social. Para uma classe social favorecida economicamente, essas têm possibilidade de escolher, e isso para além de qualquer credo religioso. O conservadorismo dificulta enormemente a "virada de chave". Um amigo SBCense avaliou que, se gravidez acontecesse com os homens, teríamos possibilidade de aborto em toda farmácia... Enfim, trata-se de um debate profundo, que exige tempo, disposição e abertura. Precisamos conversar mais sobre educação sexual, assim como sobre políticas públicas. Porque não é fácil essa "escolha", mas deveria ser uma "última alternativa possível", como disse nossa SBCense.

- Para nós, mulheres, compreender o feminismo fazendo parte de uma luta maior, a luta de classes, a luta contra o sistema capitalista, significa "virar a chave". Pois, apesar de todo esforço que se faz para nos "invisibilizar" essa realidade, sabemos que a história do capitalismo foi fundida com a lógica do patriarcado, da subserviência da mulher, assim como do racismo, da lógica "naturalizada" de que existem seres humano "inferiores" e, portanto, eles podem ser explorados. Lembram da Catarina Mendes, a que deu o nome ao subdistrito de São Bartolomeu? A "história" do google é a de que ela recebeu a alforria do seu dono. Quando começamos a virar a chave nos damos conta do absurdo que é a negação de toda a luta - da Catarina e de todas as pessoas escravizadas - para conquistar sua liberdade... pois o que a "histórica oficial" nos conta é a da Princesa Isabel, que assinou a "Lei Áurea"... nada nos contam de toda uma história de luta de mulheres e homens escravizadxs... precisamos buscar essa história, todxs nós... 

Abdias do Nascimento (1914-2011),  grande parlamentar brasileiro, fala da Lei Áurea como   "uma mentira cívica da branquitude"...






- Outra virada de chave que vivencio e reflito sempre está na relação pai-mãe/filhx... e filhx/mãe-pai:  um processo difícil, mas necessário, xs filhxs chegarem a reconhecer e amar mães e pais naquilo que eles têm de "amáveis", o processo de "humanização" dos pais, penso, interfere em todas as outras  relações, e até na relação comigo mesmx, na autoestima: significa o processo de sair da idealização e nos humanizarmos e humanizarmos x(s) outrx(s). A mesma reflexão sobre o processo de humanização serve para as mães e pais em relação axs filhxs, importante e necessária a mão dupla de estarmos sempre atentxs em relação às projeções que fazemos em relação a nossxs filhxs, e as "cobranças" decorrentes dessas projeções.


- Mãe suficientemente boa é um conceito do pediatra, psiquiatra e psicanalista inglês Donald Woods Winnicott (1896-1971). Em 1949, numa entrevista de rádio, Winnicott fala de como seu conceito foi, de certa forma, distorcido: para ele, a 'mãe suficientemente boa' não é perfeita, como muitas vezes era - e ainda é cobrado de nós pela sociedade (até mesmo por outras mulheres) -, uma 'mãe suficientemente boa' é aquela que, além de prover as necessidades do indivíduo para se constituir como sujeito, também falha - o tempo todo -, e está continuamente corrigindo essas falhas. Ou seja, nem 'suficientemente boa', nem 'suficientemente má'... humana, demasiado humana, como diria Nietszche.

- Uma querida, da Coletiva Indômitas, grande parceira SBCence, disse de uma "virada de chave": "Apesar de ser difícil, pois não aprendemos isso, vale a pena estarmos sempre construindo "RELAÇÕES HORIZONTALIDADAS".  Sim... não faz parte da nossa cultura, "a ideologia burguesa, capitalista,  permeia todas as nossas relações - e faz parte dessa ideologia a construção de relações assimétricas, pois são essas que se prestam à exploração".  E aprendemos, em todos os níveis de relação, a reproduzir o modelo da subalternização, do poder sobre, enfim, reproduzir a relação senhor-escravo. 'Virar a chave' nas relações significa a construção permanente de simetria e reciprocidade.                                                    

- Pensando no sentido da metáfora:  me parece que virando a chave abrimos uma porta... e podemos ver uma sala grande...uma paisagem, uma estrada... que pode ser bonita e/ou pode dar medo... e, se formos impelidxs a dar um passo sem olhar atrás de nós, podemos cair num abismo. Portanto,     não é o caso de deixar de olhar para trás, nossa história conta muito na construção dessa caminhada pela nova estrada. Sejamos históricxs, nem a-históricos, nem supra históricos, como conversamos no post de 8 de julho, leiam...

E terminamos comentando sobre os homens, sobre cultura masculina:

- Não é que tem homens que se dizem não machistas? Eu tenho medo, pois esses "acham" que estão,  mas NÃO estão,  virando a chave... NEGAM a história, a "cultura internalizada", provavelmente estão na arrogância, como se pudesse existir, na nossa sociedade, o não machismo. 

E é necessário muita humildade, de TODXS NÓS,  para começarmos a VIRAR A CHAVE  do machismo. Pois, como conversamos, VIRAR A CHAVE não é esquecer ou negar a história (e a cultura)... é um movimento contínuo de enxergar/andar pra frente, estando, sempre olhando pra trás, na medida certa, ou seja, olhando pra trás para aprendermos a apropriar e a rejeitar  a história, PARA A VIDA E PARA A AÇÃO. Os homens daquela Roda de Conversa, fazendo um exercício de humildade, concordaram... 


- Recordamos a música do Gil de 1978, SUPER HOMEM. "Mas a conversa não termina nunca!"... declarou outra SBCense... SIM...: quem leu até aqui e se sentiu AFETADX com o "virar a chave" nos mande seu depoimento, seja ele em qualquer nível de relação, de "eu comigo mesmx" até "eu enquanto cidadã e cidadão", reflexões sobre "visão de mundo" que geram o movimento de nos transformarmos em SUJEITXS...

Abraços carinhosos e todas, todos e todes... aguardamos depoimentos... e até nosso próximo passeio-conversas-reflexões-movimentos...


quinta-feira, 14 de julho de 2022

O SBC em Outro Preto: BARREADO

Acima uma vista do nosso Chalé da Lua, em Ouro Preto, no Morro de São Sebastião... reparem que o pé da mesa parece um elefante... coisas do Seu Duca, da João de Barro Construções, grande SBCense. Já dissemos que a pessoa que se identifica com os conceitos SBCenses de BEM VIVER já pode se considerar SBCense.

Aqui uma vista da frente do mesmo chalé... Reparem que estamos em final de construção... e reparem, também que já temos os instrumentos para a nossa inauguração, dos três chalés, da Lua, do Sol, e a Casa da Árvore, a primeira a ser construída e que, embora ainda não inauguramos o espaço - isso deverá ocorrer até setembro - já 'inauguramos' a Casa da Árvore na Semana Santa - veja nosso post de 20 de abril deste ano.


E acima, além de uma visão do sol na sala do chalé,  um detalhe da parede do Chalé do Sol: são máscaras produzidas pelo inspirado Seu Duca ... que, além de fazer as "caras", está ministrando oficinas para as crianças, os moleques, ou "caburés", como diz ele.

As máscaras têm um simbolismo muito interessante:  eram utilizadas no teatro grego,  instrumentos essenciais no figurino dos atores. São símbolos máximos do teatro da Grécia antiga e também do apogeu dessa civilização a partir do século V antes de Cristo. Tiveram origem nas festas dionisíacas e, em seguida, foram incorporadas aos principais gêneros de peças daquela época: a tragédia e a comédia. 


  Na África, as máscaras são elementos culturais de extrema importância. Apesar de serem reconhecidas como objetos artísticos, as máscaras africanas, na realidade, representam muito mais do que meros adereços para as populações que as utilizam. Elas são símbolos ritualísticos que tem o poder de aproximar as pessoas da espiritualidade. São instrumentos essenciais em diversos ritos, como rituais de iniciação, nascimentos, funerais, celebrações, casamentos, curas de doentes e outras ocasiões importantes.

As máscaras indígenas são parte da nossa cultura. Aqui no Brasil, em grupos indígenas, as máscaras são usadas pelos sacerdotes-curandeiros, que evocam o universo dos espíritos, dançando ao ritmo dos tambores e dos cantos, de acordo com o ritual sagrado, como, por exemplo. Diz a lenda que as máscaras indígenas geralmente representam entidades que conflitavam com os índios no passado. Deste modo, as festas e danças são feitas para alegrar e acalmar essas entidades. Há máscaras grande, feitas com palhas compridas, que chegam a cobrir o corpo todo.

Enfim, nossa área no Morro de São Sebastião está super energizada. 
URIRIU!!! (trata-se de uma saudação ... aos ancestrais e à natureza - inclusive nós...)

Fizemos uma "festa do barreado", regada a cerveja e uma maravilhosa feijoada, acima os participantes do "barreado"... do lado esquerdo uma "área gourmet" rústica, com um fogão a lenha, de onde saem deliciosos almoços e jantares.
E, na festa do barreado, nossa fotógrafa deu uma de Sebastião Salgado: vejam o "resultado" do barreado nos nossos pés. O barreado é uma etapa da construção em pau-a-pique. Trata-se de uma técnica que utiliza a terra crua como principal componente, juntamente com madeira, bambu ou cipó, para criar uma trama que sustenta a construção.  A trama feita com sarrafos de madeira tem seus espaços vazios preenchidos com terra umedecida, que é o barreado e que tem a função estrutural e de vedação.

Como disse antes, logo faremos outra grande festa na inauguração do espaço, tod@s estão convidados ...



E, nesse ambiente e ao redor, em caminhadas maravilhosas, temos ótimas conversas sobre a vida, sobre nós e nossas relações... como o tema "virar a chave", que nos envolveu e nos encantou e que conversaremos no nosso próximo post. Até lá. Abraços carinhosos...

Santuza TU








sexta-feira, 8 de julho de 2022

Conversas SBCenses: o que é velhice e o que é história?

De como conversas leves e despretensiosas se tornam conversas sábias e engrandecedoras: a propósito do Festival Varillux de cinema francês - recomendamos, "filme francês mesmo quando é ruim é bom", como diz amigo SBCense (já acabou o desse ano, mas procurem ver os filmes, quase todos estão nas plataformas... e todo ano tem novos filmes) -  de repente estávamos conversando sobre adolescência de algumas de nós, anos 50 e 60, quando usávamos nossas primeiras maquiagens. Então, uma de nós lembrou que, naquele tempo todas as palavras nessa área eram em francês, a começar pela própria palavra maquiagem (agora MAKE UP), em francês com dois Ls:  LE MAQUILLAGE. Passávamos  ROUGE nas bochechas, tradução ao pé da letra do francês: vermelho...  hoje deve ser BLUSH. E usávamos LE BÂTON nos lábios. Muitas vezes não, pois íamos beijar na boca. Então, fazíamos como ensinava a musa Brigitte Bardot: mordíamos os lábios e mantínhamos o mesmo sempre molhados... e a boca entreaberta.  


Anos 60 foi uma década de grande revolução nos costumes... enquanto a ditadura se consolidava no Brasil. Década em que começamos a tomar a pílula e libertamos nossos corpos do "destino" de toda mulher... podíamos escolher... mais ou menos, pois o processo de libertação de mentes  e  espíritos demora mais. Conversávamos muito sobre sexo livre, e as putas (ou mulheres da vida) tinham nossa admiração.  "Casa de folga" era a casa das putas; elas ouviam música no LP, long play... era uma bolacha preta que rodava na radiola e tocava com uma agulha. Dolores Duran, Dalva de Oliveira...

E a conversa caminhou para as lembranças de palavras antigas, que já não usamos: CHAUFFEUR, palavra também francesa, era muito usada. É motorista! Tem um filme do Mazzaropi de 1958, "Chofer de praça", chauffeur já foi "aportuguesado", e "... de praça" era porque os carros ficavam na praça, esperando os clientes para fazer as corridas... 

Lembramos também as palavras usadas regionalmente: "Na Bahia se usava muito a palavra MALINO... menino malino... era o menino sapeca, aprontava todas: Nossa, Lourdes, como nossos meninos estão ficando malinos, né? E Lourdes fingiu que entendeu mas não sabia o significado de malino. Só muito tempo depois foi que perguntou pra amiga o que era, e ai entendeu tudo... " ; "também na Bahia a gente sai pra SARACOTEAR... que é somente "passear", "bater as pernas"!"

DESMAZELO é só um alfinete. RAMONA é grampo de cabelo no Rio Grande do Sul. Já no Nordeste a mesma coisa é CRUZETA.

E com esse papo chegamos ao tema VELHICE e HISTÓRIA: "Fico triste quando percebo que, de certa forma, aprendemos a desvalorizar as pessoas velhas. A juventude é vista, esteticamente, como "bonita", e "inteligente"; e a velhice é "desprezada", tida como "inútil".  

Sim, o ETARISMO pode ser definido como a discriminação, o preconceito e a aversão contra pessoas por conta da idade. Nesse sentido, o etarismo colabora para a segregação da população idosa e está ligado aos padrões sociais construídos na nossa sociedade. E olha que, nessa conversa, estávamos em torno de oitenta por cento das pessoas pra mais de sessenta anos. E a maioria de nós, guardados os limites e considerando as possibilidades, como acontece desde que nascemos,  se sentindo em pleno vigor , tanto físico como intelectual...

"Por favor, não nos deixemos "morrer" antes do tempo! Na verdade não sou "velho", e sim, tenho HISTÓRIA!

Mas qual história? De que história podemos falar de uma forma bonita e útil para a vida?

mória a lembrar e esquecer, na exata medida, sem sobrecarregar-
se de lembranças.

Publicada em 1874, a segunda das quatro considerações extemporâneas (ou intempestivas...).  Sobre a utilidade e a desvantagem (ou inutilidade) da história para a vida (e para a ação), foi definida pelo autor em sua autobiografia, Ecce homo, como sendo o tratado que, através de nossa capacidade de perceber e dar significado ao passado, «traz à luz o que há de perigoso, corrosivo e envenenador da vida». No último século e neste, essa segunda (de três) consideração extemporânea tem se configurado representante fundamental da investigação sobre o valor da história e da cultura histórica ocidental. As noções de a-histórico e supra-histórico, apresentadas em Sobre a utilidade e a desvantagem da história, podem ainda nos dizer muito acerca de nosso olhar sobre o passado e como nos aproveitamos dele para bem vivermos o presente e gestarmos o futuro.

Entendemos que a pessoa a-histórica não considera a história... e se perde.  Pois o que interessa é "o que vou fazer (e o que vamos fazer) com o que fizeram comigo (e conosco)", a liberdade é prospectiva. No entanto, é necessária uma potência a-histórica para a construção prospectiva. Guimarães Rosa dialoga com Nietzsche: "Viver é perigoso, a mesma coisa que me salva pode me matar".

Aprendemos com a história. Porém, ela não nos diz tudo. Se "atolamos" na "sabedoria" da história monumental teremos dificuldade de construir o novo, o que está por vir. "Deixemos o homem supra-histórico com seu nojo e sua sabedoria", é o que Nietzsche nos diz. 

A nossa memória deveria, então, funcionar como nosso intestino: jogue fora o que não serve e aproveite tudo que sirva para a vida e para a ação transformadora. A força plástica permite à memória LEMBRAR e ESQUECER, na medida certa, sem a sobrecarga de lembranças...

Então, nossa SBCense super "nietzscheana",  foi na sua estante, pegou o livro do Nietzsche,  e leu pra nós o trecho:

... vamos denominá-los homens históricos... o olhar ao passado os impele ao futuro, inflama seu ânimo e ainda por mais tempo concorrer com a vida, acende a esperança de que a justiça ainda vem, de que a felicidade está atrás da montanha em cuja direção eles caminham. Esses homens históricos acreditam que o sentido da existência, no decorrer de seu processo, virá cada vez mais à luz; eles olham para trás para, na consideração do processo até agora, entenderem o presente e aprenderem a desejar com mais veemência o futuro. Não sabem quão a-historicamente, a despeito de toda a sua história, eles pensam e agem, e como até mesmo sua ocupação com a história não está a serviço do conhecimento puro, mas da vida". 




E da necessidade da história para a vida e para a ação, lembramos do excelente documentário de Marcelo Masagão, sua estreia como diretor, em 1999: Nós que aqui estamos por vós esperamos

Documentário lançado com apenas três cópias, mas foi visto por mais de 50 mil espectadores, rendeu ao cineasta um prêmio especial de distribuição no I Grande Prêmio Brasil de Cinema. Foi premiado também no Festival de Recife e no Tudo é Verdade. Está no You Tube, trata-se de filme imperdível para quem deseja compreender o século em que a maioria de nós nasceu... e para os que nasceram já neste século. De uma riqueza documental e, ao mesmo tempo, uma linguagem poética envolvente, enfim, uma aula maravilhosa sobre o século XX, um século de extremos, um século que gestou horrores e, ao mesmo tempo, esperanças, ou, como diria Paulo Freire, ESPERANÇAR, ou seja, agir na construção de um mundo mais justo.                                                                                                                                      



Voltando a Nietzsche, ele diz em outro livro, "A Genealogia da Moral", que falta às pessoas de "fim de século" uma capacidade "bovina", a capacidade de ruminar...  O convite é para nós, de princípio de século, vermos o filme e "ruminarmos" juntxs, trocando ideias sobre quem somos e o que queremos para nosso mundo, agora e pra frente...