sexta-feira, 8 de julho de 2022

Conversas SBCenses: o que é velhice e o que é história?

De como conversas leves e despretensiosas se tornam conversas sábias e engrandecedoras: a propósito do Festival Varillux de cinema francês - recomendamos, "filme francês mesmo quando é ruim é bom", como diz amigo SBCense (já acabou o desse ano, mas procurem ver os filmes, quase todos estão nas plataformas... e todo ano tem novos filmes) -  de repente estávamos conversando sobre adolescência de algumas de nós, anos 50 e 60, quando usávamos nossas primeiras maquiagens. Então, uma de nós lembrou que, naquele tempo todas as palavras nessa área eram em francês, a começar pela própria palavra maquiagem (agora MAKE UP), em francês com dois Ls:  LE MAQUILLAGE. Passávamos  ROUGE nas bochechas, tradução ao pé da letra do francês: vermelho...  hoje deve ser BLUSH. E usávamos LE BÂTON nos lábios. Muitas vezes não, pois íamos beijar na boca. Então, fazíamos como ensinava a musa Brigitte Bardot: mordíamos os lábios e mantínhamos o mesmo sempre molhados... e a boca entreaberta.  


Anos 60 foi uma década de grande revolução nos costumes... enquanto a ditadura se consolidava no Brasil. Década em que começamos a tomar a pílula e libertamos nossos corpos do "destino" de toda mulher... podíamos escolher... mais ou menos, pois o processo de libertação de mentes  e  espíritos demora mais. Conversávamos muito sobre sexo livre, e as putas (ou mulheres da vida) tinham nossa admiração.  "Casa de folga" era a casa das putas; elas ouviam música no LP, long play... era uma bolacha preta que rodava na radiola e tocava com uma agulha. Dolores Duran, Dalva de Oliveira...

E a conversa caminhou para as lembranças de palavras antigas, que já não usamos: CHAUFFEUR, palavra também francesa, era muito usada. É motorista! Tem um filme do Mazzaropi de 1958, "Chofer de praça", chauffeur já foi "aportuguesado", e "... de praça" era porque os carros ficavam na praça, esperando os clientes para fazer as corridas... 

Lembramos também as palavras usadas regionalmente: "Na Bahia se usava muito a palavra MALINO... menino malino... era o menino sapeca, aprontava todas: Nossa, Lourdes, como nossos meninos estão ficando malinos, né? E Lourdes fingiu que entendeu mas não sabia o significado de malino. Só muito tempo depois foi que perguntou pra amiga o que era, e ai entendeu tudo... " ; "também na Bahia a gente sai pra SARACOTEAR... que é somente "passear", "bater as pernas"!"

DESMAZELO é só um alfinete. RAMONA é grampo de cabelo no Rio Grande do Sul. Já no Nordeste a mesma coisa é CRUZETA.

E com esse papo chegamos ao tema VELHICE e HISTÓRIA: "Fico triste quando percebo que, de certa forma, aprendemos a desvalorizar as pessoas velhas. A juventude é vista, esteticamente, como "bonita", e "inteligente"; e a velhice é "desprezada", tida como "inútil".  

Sim, o ETARISMO pode ser definido como a discriminação, o preconceito e a aversão contra pessoas por conta da idade. Nesse sentido, o etarismo colabora para a segregação da população idosa e está ligado aos padrões sociais construídos na nossa sociedade. E olha que, nessa conversa, estávamos em torno de oitenta por cento das pessoas pra mais de sessenta anos. E a maioria de nós, guardados os limites e considerando as possibilidades, como acontece desde que nascemos,  se sentindo em pleno vigor , tanto físico como intelectual...

"Por favor, não nos deixemos "morrer" antes do tempo! Na verdade não sou "velho", e sim, tenho HISTÓRIA!

Mas qual história? De que história podemos falar de uma forma bonita e útil para a vida?

mória a lembrar e esquecer, na exata medida, sem sobrecarregar-
se de lembranças.

Publicada em 1874, a segunda das quatro considerações extemporâneas (ou intempestivas...).  Sobre a utilidade e a desvantagem (ou inutilidade) da história para a vida (e para a ação), foi definida pelo autor em sua autobiografia, Ecce homo, como sendo o tratado que, através de nossa capacidade de perceber e dar significado ao passado, «traz à luz o que há de perigoso, corrosivo e envenenador da vida». No último século e neste, essa segunda (de três) consideração extemporânea tem se configurado representante fundamental da investigação sobre o valor da história e da cultura histórica ocidental. As noções de a-histórico e supra-histórico, apresentadas em Sobre a utilidade e a desvantagem da história, podem ainda nos dizer muito acerca de nosso olhar sobre o passado e como nos aproveitamos dele para bem vivermos o presente e gestarmos o futuro.

Entendemos que a pessoa a-histórica não considera a história... e se perde.  Pois o que interessa é "o que vou fazer (e o que vamos fazer) com o que fizeram comigo (e conosco)", a liberdade é prospectiva. No entanto, é necessária uma potência a-histórica para a construção prospectiva. Guimarães Rosa dialoga com Nietzsche: "Viver é perigoso, a mesma coisa que me salva pode me matar".

Aprendemos com a história. Porém, ela não nos diz tudo. Se "atolamos" na "sabedoria" da história monumental teremos dificuldade de construir o novo, o que está por vir. "Deixemos o homem supra-histórico com seu nojo e sua sabedoria", é o que Nietzsche nos diz. 

A nossa memória deveria, então, funcionar como nosso intestino: jogue fora o que não serve e aproveite tudo que sirva para a vida e para a ação transformadora. A força plástica permite à memória LEMBRAR e ESQUECER, na medida certa, sem a sobrecarga de lembranças...

Então, nossa SBCense super "nietzscheana",  foi na sua estante, pegou o livro do Nietzsche,  e leu pra nós o trecho:

... vamos denominá-los homens históricos... o olhar ao passado os impele ao futuro, inflama seu ânimo e ainda por mais tempo concorrer com a vida, acende a esperança de que a justiça ainda vem, de que a felicidade está atrás da montanha em cuja direção eles caminham. Esses homens históricos acreditam que o sentido da existência, no decorrer de seu processo, virá cada vez mais à luz; eles olham para trás para, na consideração do processo até agora, entenderem o presente e aprenderem a desejar com mais veemência o futuro. Não sabem quão a-historicamente, a despeito de toda a sua história, eles pensam e agem, e como até mesmo sua ocupação com a história não está a serviço do conhecimento puro, mas da vida". 




E da necessidade da história para a vida e para a ação, lembramos do excelente documentário de Marcelo Masagão, sua estreia como diretor, em 1999: Nós que aqui estamos por vós esperamos

Documentário lançado com apenas três cópias, mas foi visto por mais de 50 mil espectadores, rendeu ao cineasta um prêmio especial de distribuição no I Grande Prêmio Brasil de Cinema. Foi premiado também no Festival de Recife e no Tudo é Verdade. Está no You Tube, trata-se de filme imperdível para quem deseja compreender o século em que a maioria de nós nasceu... e para os que nasceram já neste século. De uma riqueza documental e, ao mesmo tempo, uma linguagem poética envolvente, enfim, uma aula maravilhosa sobre o século XX, um século de extremos, um século que gestou horrores e, ao mesmo tempo, esperanças, ou, como diria Paulo Freire, ESPERANÇAR, ou seja, agir na construção de um mundo mais justo.                                                                                                                                      



Voltando a Nietzsche, ele diz em outro livro, "A Genealogia da Moral", que falta às pessoas de "fim de século" uma capacidade "bovina", a capacidade de ruminar...  O convite é para nós, de princípio de século, vermos o filme e "ruminarmos" juntxs, trocando ideias sobre quem somos e o que queremos para nosso mundo, agora e pra frente...






6 comentários:

  1. Eu achei ótimo a parte do preconceito à idade. O chamado etarismo. Sabemos o quanto a juventude é plena e cheia de possibilidades. Entretanto a terceira idade é cheia de certezas e escolhas repletas de reflexões. Por isso mesmo, nós, os 60+, erramos menos e nós divertimos mais. Nós divertimos até com os passarinhos que cantam na árvore do parque. Com os poemas lidos por amigos e amigas no fim de tarde. Com nossos 'esquecimentos' momentâneos.
    Ah! Os jovens não sabem do que somos capazes. Que bobagem este preconceito: etarismo. Na verdade, nós, os idosos e idosas, somos a prova da vitória. Estamos vivos e ainda procurando a felicidade. Com 60,70,80 ou 90 anos. Se a encontraremos, não sabemos, mas o divertido não é o achar e sim o procurar. É aquele ditado: melhor namorar do que casar.

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    1. oba... faça seu comentário anônimo, jeito mais simples de fazer... e coloque seu nome no comentário tá? obrigada querida... SantuzaTU

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  3. Tenho desde a infância uma alegria pelo meu próprio envelhecimento. A data do meu aniversário sempre foi o melhor dia para mim e comemorá-lo se tornou ao longo do tempo uma dádiva. Deixo visível a todos minha felicidade por envelhecer, mas infelizmente a fobia por idosos é ensurdecedora. Tenho me deparado com tantos descasos e preconceitos. Ao mesmo tempo é gratificante o reconhecimento de algumas pessoas pela experiência adquirida, pela busca de conselhos. Eu optei por ser feliz e guardar o carinho e respeito de quem tem empatia e compreende o envelhecer como um processo necessário ao ciclo da vida. UP - Altas Aventuras, é um filme que nos leva a refletir que devemos aproveitar cada momento da nossa vida "agora", não podemos deixar para depois, pois a vida passa como um sopro. Quanto ao francês, me lembro dos bons tempos de escola, quando tínhamos francês e inglês na carga horária. Fazíamos biquinho com a boca para falar francês e parecer chique.

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    1. Obrigada pelo seu depoimento Neide! muito bom... e também pela indicação do filme... grande abraço... SantuzaTU

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