quinta-feira, 6 de abril de 2023

Páscoa SBCense: sobre o desejar

 

Esta é Camila Freitas, muitas mulheres numa só... "Hoje guerreira voraz, amanhã fada acolhedora...", como ela mesma se descreve. 

No facebook a descobri, com um texto inspirador sobre a páscoa e o desejo. Fizemos contato e publico o mesmo. Obrigada Camila... 

Nessa páscoa eu vou realizar um sonho de criança. Vou ganhar um ovo de páscoa Ouro Branco. É pra rir mesmo... Eu trabalho há mais de vinte anos e nunca me passou pela cabeça que poderia comprar pra mim um ovo  de páscoa que eu queria.

Mas em todos esses anos eu sempre esperei ganhar... Primeiro dos meus pais (que com tantos filhos não tinham a menos condição de me realizar esse sonho); depois dos meus namorados, depois dos meus alunos, dos meus clientes... Mas esse sonho nunca se realizou.

Nessa páscoa, pelo sétimo ano consecutivo, estou na loja comprando um ovo para realizar o desejo de páscoa da minha filha. De repente vejo o meu ovo dos sonhos e num rompante me dei conta de que poderia realizar meu próprio sonho.

Ovo comprado, sonho realizado. Mas por que demorei tanto tempo pra fazer por mim aquilo que eu mais desejava? Por que esperamos que alguém venha realizar nossos sonhos? Quando deixamos de perceber que muitos dos nossos desejos podem ser realizados agora, por nós mesmos?

Qual é o sonho que você pode realizar pra você mesmo agora?

Realize!!!

Boa páscoa!!!

Obrigada mais uma vez, querida Camila. A singeleza e a profundidade do seu texto me inspiram. Falar de desejos significa falar de uma força que nos impulsiona nas nossas realizações pessoais, uma força motriz de resgatar sentido, a fim de fortalecer nossa existência e recheá-la de entusiasmo e prazer. 

Na terapia resgatamos na pessoa esse impulso para o desejar e dar sentido à vida. E sempre relato aos meus clientes um caso antigo de uma colega, que tem até um título: A TERAPIA DA BALA: ela conta que na primeira sessão, uma mulher em torno de 40 anos se sentou e não parava de falar. Era uma depressão agitada, já se poderia fazer um pré diagnóstico pela fala, pois ela relatava a sua vida em função do outro, primeiro os pais e irmãos, depois namorado e marido, filhos, e por ai vai. Relatou que se considerava a "geração peito de frango", nunca tinha comido a parte melhor do frango, pois esta era destinada a essas outras pessoas. A terapeuta procurava um momento de lhe falar sobre a terapia, fazer o "contrato terapêutico" comum na primeira sessão, mas a mulher não parava de falar... faltando cerca de cinco minutos para o final do horário, ela deu um suspiro. Nesse suspiro a terapeuta entrou com a pergunta: Você gosta de bala? a mulher toma um susto: Gosto, mas porque essa pergunta? Tem alguma bala especial que você goste? - Sim... Então, disse a terapeuta, faça um exercício durante a semana e marcamos outro encontro na próxima: cada dia você vai chupar uma bala. Essa bala especial que você mais gosta. Mas tem que ser só uma bala, não vale também comprar uma caixa dessa bala. Todo dia você vai comprar só uma bala e saboreá-la... e semana que vem a gente se encontra. 

Segunda sessão: a cliente entra, senta-se e diz: saí daqui pensando em não voltar. Como... eu dizendo de meus problemas pra você e você me manda "chupar bala". Essa terapeuta deve ser doida! No dia seguinte acordei e pensei na bala... ai resolvi experimentar fazer o exercício, mesmo não entendendo o sentido... fiz e continuei não entendendo. Mas no dia seguinte, de novo, a ideia da bala veio à minha cabeça. aí fiz de novo o exercício... No terceiro dia, acordei e, de novo, a bala na cabeça... foi aí que penso que comecei a entender  o que você quis me dizer. E o que você entendeu? perguntou a terapeuta. - Entendi que você quis me dizer para eu fazer o exercício de começar a olhar pra mim mesmo, é isso? 

- Sim! Claro!!! Vamos, então, começar a nossa "Terapia da Bala"!!!

Simples assim... e tão profundo e tão significativo para nossas vidas não é Camila? e todas nós...

Pensando em te contar este caso, me lembrei de um texto: 

QUERER, COMO É DIFÍCIL ! 


Meu computador é um museu! O texto é da  Marina Colasanti, de 1992... ela está agora com 85 anos, linda... e começa assim:

 "Vamos falar claro, homens e mulheres não são iguais. Não estou me referindo à igualdade de direitos, que dessa não há mais o que discutir. Estou falando de comportamento. E também não vou entrar na interminável discussão sobre o que pode ser natural, genético, hormonal, e o que é culturalmente adquirido. Vou falar de desejo. E vou generalizar, para facilitar a conversa, embora sabendo que há homens assim e mulheres assado".

Em seguida ela conta sobre nossa diferenças e diz : ELES PARECEM QUERER MAIS, os homens parecem querer em linha reta, têm um desejo e partem para satisfazê-lo...

Enquanto NOSSO QUERER TEM DUAS VIAS: "De alguma maneira, é como se nós, mulheres, 

tivéssemos sempre dois desejos paralelos: O nosso e o desejo de satisfazer o desejo do outro. 

O trecho do texto da Marina "TAMBÉM TEMOS NOSSAS ARMAS", vale a pena transcrevê-lo:

"Nem por isso deixamos de lutar pelo que queremos, já que o querer tem muita força, Apenas, como 

não querer é impossível e querer é tacitamente proibido, aprendemos a lutar com outras armas. 

Arrodeamos. Damos a entender. Lançamos indiretas, esperando que o outro compreenda. Tentamos 

fazer nosso desejo parecer menor do que á na realidade. Manobramos para que se insinue nas 

frestas do desejo alheio, de modo a acontecer sem atrapalhar.

Uma das nossas armas mais comuns é expressar o querer fazendo voz de criança. Homem nenhum faz 

isso. E não porque se sentiria ridículo, mas simplesmente porque não precisa. Para as mulheres é 

um recurso permitido. Já que como adultas não podem querer e não lhes ficaria bem nem seria 

conveniente fingir-se de homem - quanto mais na hora do desejo ! -, operam a única transformação 

possível : tornam-se meninas e recuperam o direito à própria vontade. Ao contrário do que tão 

injustamente se diz, as mulheres não infantilizam a voz porque seu querer é infantil, mas, sim, 

porque não encontram espaço para externar seu querer adulto".

Em seguida ela "brinca" com as ocasiões em que "podemos desejar", na gravidez é claro o nosso 

"direito de querer". E trata, também, das diferenças do desejar entre mulheres e homens em relação ao 

sexo:

No sexo, diz ela, ... "por razões mais que sabidas de discriminação social, as diferenças entre o desejo 

masculino e o feminino tornam-se gritantes".  A escritora Simone de Beauvoir disse certa vez, em 

entrevista, que não tinha desejo. Ou melhor, não tinha desejo autônomo. Seu desejo só 

despertava quando solicitado pelo desejo do outro. Esse tipo de desejo por reflexo, sistema 

engenhoso com que tantas mulheres se defenderam enquanto lhes foi proibido desejar alguém, 

e quando bem entendessem, transformou-se depois em outro tipo de defesa, que talvez coubesse 

melhor no caso de Simone: conter o desejo, deixando para tê-lo somente quando, desejada, se tem 

a certeza de não ir ao encontro de uma rejeição. 

Felizmente, hoje,  estamos exprimindo um pouco mais e melhor nossos desejos. Mas os 

comportamentos continuam diferentes.    

E a Marina termina seu texto focando as mulheres, nós é que estamos insatisfeitas, nós é que 

estamos sempre sendo confrontadas com as duas possibilidades e sempre incompletas na solução, 

pois ..."optar pelo desejo do outro nos enche de carência e optar pelo nosso nos enche de culpa".          

"Então, mais uma vez, vai caber a nós tomar as providências. Providências complicadas, não há 

dúvida, porque em grande parte ligadas a transformações sociais. Mas também providências internas,

de ordem bem pessoal. Das quais a primeira talvez seja descobrir onde está de fato o nosso querer.

E partir para defendê-lo".


Não há jeito melhor de nos desejar FELIZ PÁSCOA gritando: DESCOBRIR NOSSOS DESEJOS 

E COLOCÁ-LOS NAS NOSSAS MÃOS!!! E CAMINHAR NO SENTIDO DE REALIZÁ-LOS! 

Seja ele um ovo de páscoa, seja ele o desejo de mudar o mundo...


Abraços carinhosos



 


2 comentários: