sexta-feira, 7 de abril de 2023

Conversas SBCenses: ressignificando CONFLITO

                                         "SOU QUANDO DIVIRJO" Guimarães Rosa


No SBC adoramos conversar, redefinir e/ou resignificar palavras... muitas delas fundamentais no nosso vocabulário, e cujo sentido nos foi "imposto", "enfiado goela abaixo" -  e o "sentido" da palavra determina a maneira de pensarmos sentirmos e agirmos... e, por fim, geram inúmeras distorções, sofrimentos e repetições de um sistema relacional e de uma maneira de ver o mundo distorcidos - e reproduzimos este sentido (ou significado, ou conceito) na nossa visão de mundo, das relações e de nós mesmxs. 
O AMOR é uma dessas palavras - entendido, internalizado e vivido de forma tão distorcida, gerando tanto sofrimento desnecessário - que precisamos urgentemente começar a resignificar nas nossas vidas; outros conceitos distorcidos - de "caso pensado", diga-se - num sistema que nos deseja reprodutores e não sujeitos, pessoas capazes de criticar...  e construir conceitos orientadores para uma vida mais bonita. Muitos já discutidos e conversados aqui: inspirados no grande jurista Allyson  Mascaro, que coloca o projeto "na garagem" dizendo que precisamos conversar, em qualquer lugar, sobre temas que são distorcidos  no sendo comum, socialismo e comunismo por exemplo, em 2021 fizemos algumas reuniões trabalhando esses temas. O conceito de Democracia foi discutido "Na beira do fogão" em 10 de setembro de 21 (leia nosso post...); conversamos na varanda, na calçada, no boteco... sobre ideologia, política, alienação (post de 3 de setembro de 21); e mais recentemente (13 de março deste ano) conversamos sobre Comunismos e Felicidade. 

Pois bem...  nosso maior poeta e escritor João Guimarães Rosa (1908-1967) foi o inspirador para criticarmos a maneira como absorvemos a palavra CONFLITO... e fazermos o esforço necessário à sua ressignificação.


Conseguem perceber a diferença entre esses dois flyers? No primeiro deles está embutido o conceito de conflito que conhecemos, a ideia de que o conflito deve ser evitado a qualquer custo, que a vida é "boa" sem conflito, e  o "erro" terrível: pessoas sábias evitam o conflito e, sim, buscam novas ideias. O segundo flyer é mais humano, eu diria... pensar diferente "já é o conflito"... e, relacionalmente, é verdade que o conflito não nos torna inimigos, porém podem caminhar para um rompimento na relação, e isso pode significar sabedoria (a "nova ideia" pode ser o afastamento, juntando um flyer com outro)
O segundo flyer contém a ideia de movimento (evolução); o primeiro é "fechado na sabedoria", talvez falsa sabedoria. 

Ora, pra nós a sabedoria humana é justamente entender tudo na vida em movimento - o movimento dialético que já foi entendido (por alguns humanos) desde Heráclito (o pai da dialética), filósofo pré socrático; Hegel (sec. XVIII), na Fenomenologia do Espirito, elaborou este movimento: tese - antítese - síntese; e Marx (sec. XIX) "completou" Hegel dizendo que o processo histórico é o eterno conflito entre as classes. Assim, a síntese já é uma nova "tese"... já possui uma antítese... já vai dar numa síntese... e assim por diante... então: o conflito, ideias antagônicas, desejos antagônicos está posto no humano.


Então...  o medo do conflito e o comportamento de evitação do mesmo é consequencia da nossa aprendizagem e internalização do significado da palavra como algo destrutivo, aterrador. E isso interfere nas nossas relações e na nossa visão de mundo... e de nós mesmos.  A própria vida é vista de uma forma linear... os conflitos são fagocitados, termo tirado da biologia.
Assim, com os conflitos "em bolsões" só vemos a linearidade da vida e das relações, os conflitos estão ali: "fagocitados", escondidos... mas eles estão lá, o máximo que conseguimos é nos alienar, nos distanciar deles. De outro modo, abrir conflitos gera movimento, mudanças, enquanto que conflitos engolidos geram sofrimentos, angustias que, às vezes, nem percebemos.

Os efeitos dessa evitação dos conflitos e visão linear da vida são muitos: 
. a somatização, o alcoolismo, dependência química;
. no plano relacional, a "evitação do conflito" pode produzir o medo do diferente, o preconceito, a animosidade, a guerra por "verdades", e, mais amplamente, o maniqueísmo (bom-mau; certo errado, quem não pensa igual a mim é meu inimigo e, pior, a ser exterminado)...   o fascismo.


Nossa grande filósofa Marilena Chauí diz sobre democracia:
"A Democracia não é só um regime político. É uma forma social de convivência. E possui três características:
- É a única baseada na criação e conservação de direitos;
- É a única que considera o CONFLITO legítimo e necessário;
- É a única que afirma que a soberania é popular, ou seja, pertence ao povo.

No plano das relações intimas (afetivo/sexuais) e também das relações de amizades, o comportamento evitativo produz um empobrecimento da vida. Zygmunt Bauman, filósofo e sociólogo polonês, fala sobre os "Amores líquidos" da pós modernidade. 

Se,  por um lado, a variedade de possibilidades que o mundo nos oferece agora contribui para ampliar nossa aprendizagem, um "efeito colateral" da proliferação da experiência vem a ser o "estilo de vida evitativo" que nos traz a superficialidade, o amor de plástico, como diz nosso grande psicanalista Christian Dunker.

Porém, os "coaches da vida" proliferam  nas redes nos enviando mensagens "fluidas" : "a fila anda!"  "parte pra outrx!"; ou seja, estimulando o comportamento evitativo.  Estimulando a "evitação  do luto" quando, na verdade,  é vivenciando o mesmo que a gente cresce, diz nosso psicanalista. Além disso, os coaches modernos estimulam o distanciamento das nossas emoções, dos nossos afetos... e, com isso, ajudam  a perpetuar a superficialidade... enfim, a pobreza relacional e subjetiva.

Outra imagem que temos para a pessoa evitativa é a do patinho, que "não se molha", ele sai da lagoa e se balança, joga a água toda pra fora do seu corpo e já fica sequinho.  Também uma imagem interessante é a da história da raposa e das uvas: "haaa, não quero tanto, estão verdes", ou seja, a inibição do interesse (pelo outro, pela relação), e o afastamento,  sempre quando aparece algum conflito.  E a "síndrome da Deusa (ou Deus), que vem a ser a pessoa sempre sair da relação para não sair do pedestal (nesse caso o conflito subjetivo entre o eu ideal e o real)

Pois, AMAR É UM ATO DE CORAGEM, diz Dunker... e completamos: dá trabalho nos tornar humanos ... e dá trabalho AMAR... amar nossa humanidade... e a do outro. Um "bom amor" dá trabalho"...exige relação dialógica... e não existe sem o movimento dialético que os conflitos (abertos) nos oferecem. 

Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas. Amor-fati [amor ao destino]: seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim!

– Nietzsche, Gaia Ciência, §276


Ficamos com Nietzsche, no desejo de amar a vida como ela é, e amar as pessoas como elas são...

Por outro lado, nos perguntamos se esse ideal romântico que nos faz enxergar a vida de forma linear - e fagocitar os conflitos - não faria parte do nosso sistema capitalista e sua ideologia, para nos manter alienados e não enxergarmos as enormes contradições do mesmo, e, ao fim e ao cabo, nos oprimir e nos submeter, em todos os níveis de relação.

Terminamos com depoimento libertador de pessoa que, passando pelo luto de um não, chegou à conclusão: "Desencontros fazem parte da vida... os nãos que te causam tristeza e dor são os mesmos que te deixam livre e te fazem crescer". 



À VIDA!!!

Abraços carinhosos...



4 comentários:

  1. Importante texto. Muitas pessoas, hoje tem mostrado dificuldade em desenvolver empatia. Essa atitude leva ao conflito. Dúvidas e divergências são coisas normais da vida. Como lidamos com esses aspectos é que nós faz entrar em conflito ou buscar soluções através do diálogo. Mesmo que o sentimento seja particular, individual é preciso expressar ao outro. Muito bom elucidar essas questões Santista. Gostei muito. Cleunice

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  2. Lerei depois com Atenção e comento.

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