sexta-feira, 23 de julho de 2021

Discutindo nossa linguagem

Sobre nossa postagem anterior: 

Muitos retornos interessantes, muitos diálogos superadores. Nossa querida SBCense Frida Kahlo esteve presente:  "Não quero que pense igual a mim... Quero que pense!!!". 



Assim, vamos construindo visões de nós mesmxs, das relações entre todos os gêneros, construindo uma visão de mundo menos maniqueísta (certo-errado; homem-mulher; deus-capeta; céu-inferno... e tudo mais)... e mais plural, o que, certamente, nos humaniza, pois vamos desconstruindo o terrível conceito enraizado:  "quem não concorda comigo (leia-se "se submete a mim") é meu inimigo"...  e, ao mesmo tempo, vamos construindo (no afeto e na prática) o conceito de adversário. Outro grande SBCense: Guimarães Rosa: "Eu sou quando divirjo".

               

E um retorno que suscitou novas reflexões e novas conversas: "TU, esse negócio de botar o "X" ou o "e" (por exemplo "todes") para definir uma linguagem neutra é muito chato de ler, desnecessário. Grupos, tribos urbanas, têm sua maneira de vestir, de comportar e de falar. São opções pessoais. Misturar questões pessoais com correção ortográfica não é o melhor caminho para a utilização plena da língua."

Daí, agradecendo as considerações do amigo, começamos nossa pesquisa e conversas sobre o tema:

Seria a língua portuguesa machista? 

. Um estudo de Adriano da Gama Kury: "O Machismo na Linguagem: a Concordância Nominal" diz: "... E lá vem a prepotência do masculino: nas enumerações de substantivos de gêneros diversos, mesmo que haja um só do masculino, é nesse gênero que fica, por norma, o adjetivo: "Havia papéis, gravuras, revistas e canetas espalhados sobre a mesa". A concordância com a palavra "caneta" (a caneta: feminina) seria em caso excepcional, fora da regra.

Portanto, gêneros gramaticais são dois: masculino e feminino. Quando sabemos que não existe somente HOMEM e MULHER, Onde estão os outros gêneros? Não deveriam ser contemplados na linguagem?

Embora estar uma frase no masculino não signifique, necessariamente, machismo, buscarmos o feminino e outros gêneros na linguagem demonstra a luta pelo fim do preconceito, contra os estereótipos e pela igualdade. 

. E uma professora de inglês, Lee Weingast, nos diz: "Não digo que seja preciso abolir o gênero de substantivos e adjetivos em português, alterando os fundamentos da língua. Mas é interessante ter consciência do lugar do gênero nas nossas falas e textos. Palavras têm poder, e podem até limitar os estimular sonhos". E ela cita termos, na língua inglesa, já usados para um plural de gêneros, sem especificar qual deles: um grupo de irmãos e irmãs chama-se "siblings". "Parents" é plural de mães e pais. "Cousins" são primos e|ou primas. Há algum tempo já se vê o esforço para combater o machismo na língua inglesa: "policeman" e "fireman" são, agora "police officer" e "firefighter". Assim, meninas já podem sonhar em ser  A policial e  A bombeira, quando crescerem. Assim como A Presidenta, termo antes bastante criticado, agora a própria Academia já aceita.  Então, podemos ver nas redes sociais o movimento para tornar o português escrito menos machista e mais aberto ao leque de gêneros.

Assim, "O SBC é um grupo de amiges querides, que se reúnem para crescermos todxs uns(umas) com os outrxs" (e, quando você escrever outrxs e o seu corretor sublinhar em vermelho para ser corrigido, você, em vez de corrigir, clica em "adicionar ao dicionário"). Tenho a honra de ser co-fundadora desse coletivo (ou melhor, COLETIVI). Também pertenço à COLETIVA INDÔMITAS, mulheres que não se deixam subjugar, que combatem toda forma de opressão dessa sociedade desigual que nós vivemos. E pertenço, também à PARTIDA MG, uma coletiva, um movimento de mulheres pela democracia feminista e antirracista.

. Há os que criticam, dizendo ser desnecessário tal combate ao sexismo na nossa língua. Um argumento interessante é o da origem do português. No latim havia o masculino, o feminino e o neutro. E, na transposição do latim para o português, o masculino passou a "representar" o neutro. Acredito que essa argumentação já contém o seu contraditório. Perguntas: como se deu essa transposição, eliminando-se o neutro? qual seria o sentido do masculino passar a representar o feminino e outros gêneros? Podemos entender aí uma construção ideológica do sistema que conhecemos hoje? 

E mais: na história podemos observar uma evolução da língua: Vossa mercê... vossemecê... vosmecê... você... e, agora, já na escrita, vc. Porque não evoluir para o pronome neutro, resgatando o latim? O que se defende atualmente, o sistema ILE = ele e ela (e outrxs)

. Ampliar nossa visão de mundo, contribuir para a inclusão do sistema ILE... Porque, às vezes, evoluir é resgatar valores perdidos exatamente com o "progresso", a história não é linear. E sobre o "lugar de fala": há, também, xs que acham que essa defesa, em vez de aproximar, distancia as pessoas, em outras palavras as "lutas identitárias" ou "politicas identitárias" podem aumentar a distancia entre as pessoas e as classes. Talvez sim... Talvez não...Penso que podemos pensar, para além do "lugar de fala", no "lugar de escuta", acredito ser o que mais está faltando no nosso mundo: ouvir o que pessoas "diferentes" de nós estão dizendo... pois acredito que o que essas "minorias" (que são maiorias subalternizadas) estão, APENAS, reivindicando RESPEITO às diferenças, inclusão, e, por fim, não querem mais ser representadas pelo masculino, esse pronome que, se dizendo neutro, cumpre o cruel papel de encobrir as diferenças e subalternizar, muitas vezes, ELIMINAR o diferente.

Então: mais uma vez, repetindo o ÓBVIO (que se tenta esconder na nossa sociedade): GÊNERO, RAÇA e CLASSE  estão intimamente interligados no nosso sistema patriarcal, opressor, imperialista, cruel enfim...  Angela Davis nos mostra a necessidade da não hierarquização das opressões, ou seja, o quanto é preciso considerar a intersecção de raça, classe e gênero para possibilitar um novo modelo de sociedade. E nossa grande  SBCense brasileira, Djamila Ribeiro, diz que a Angela Davis traz um potencial revolucionário, e ler sua obra é tarefa essencial para quem pensa um novo modelo de sociedade. E o SBC diz: leiam mais, reflitam mais, conversem mais, não se fechem em "verdades", façam mais perguntas, o perguntar pode ser o início da revolução no jeito de pensar.



Outro grande SBCense pertinente ao nosso assunto: Milton Almeida dos Santos (1926-2001). Geógrafo, escritor, cientista, jornalista, advogado e professor universitário, brasileiro considerado um dos mais renomados intelectuais do século XX.   

Outras frases desse grande autor, que merecem ser citadas:
. "O Brasil jamais teve cidadãos, nós, a classe média, não queremos direitos, nós queremos privilégios, e os pobres não têm direitos, não há, pois, cidadania neste país, nunca houve!"
. "Ser negro no Brasil é, com frequência, ser objeto de um olhar enviesado. A chamada boa sociedade parece considerar que há um lugar predeterminado, lá em baixo, para os negros."

E, não por acaso, desembocamos na apreciação da nossa linguagem como, também, extremamente racista... e  somos, todxs nós, reprodutores dessa linguagem, no automático e irrefletido, ou seja, na "cultura internalizada". E, sabendo disso, podemos ir modificando nossa linguagem para formas mais inclusivas, mais igualitárias e mais bonitas.











E por aí vão as inúmeras "distorções" do nosso vocabulário colonizado, europeu, que resulta na subalternização, na exclusão e na dominação, na manutenção de privilégios e no uso do poder... enfim... feio e cruel. E, sabendo sobre isso,  podemos, sim, ir alterando nosso vocabulário (e nossa escrita) para que sejamxs mais inclusivxs, justxs e mais esteticamente bonitxs e politicamente corretxs.


Tem uns poucos dias que vi na TV 247 o Florestan Fernandes Jr, grande jornalista, filho do renomado sociólogo brasileiro Florestan Fernandes, pedindo desculpas pois não lhe ocorria outro termo senão "denegrindo", acho que ele estava se referindo ao interesse dos EUA em "denegrir" a imagem de Cuba, para esconder as dificuldades daquele pais, principalmente em função do cruel boicote imposto a ele pelo próprio EUA há mais de 50 anos. E uma pessoa que assistia de maneira participativa mandou a mensagem: só trocar "denegrindo" por "destruindo". 



Me lembrei de Bela Gil, filha do grande Gilberto Gil. Chef de cozinha e apresentadora, procura sempre sugerir trocas de ingredientes para tornar a alimentação mais saudável. Podemos fazer isso também no vocabulário impregnado de sexismos, racismos, preconceitos. 

Então, você pode trocar "clarear" por "elucidar", "criado mudo" por "mesinha de cabeceira"... vai pensando... e substituindo. Tenho a convicção de que nossa visão de mundo pode melhorar muito, se ampliar,  diminuindo nosso etnocentrismo e crescendo mais com a(s)  pessoa(s) que diverge(m) de mim. Nossa relações ficarão mais bonitas, sem dúvida.

Me lembrei, também, de uma interpretação diferente da origem do "pé de moleque": as doceiras costumar colocar os doces quentes nas janelas, para esfriar. Imaginem São Bartolomeu, Lavras Novas, distritos de Ouro Preto, as casas com as janelas baixinhas que dão pra rua e os tabuleiros de doces... huuummm... os moleques passavam, sentiam o cheirinho delicioso, pegavam o docinho e saiam correndo (devia ter, também, molecas fazendo isso, né?)... aí as doceiras gritavam: não pega!!! PEDE MOLEQUE!!!

Para terminar por hoje, quero compartilhar com vocês uma música do Gonzaguinha, gravada por ele lá pelos anos 70, "Pequena memória para um tempo sem memória", regravada mais tarde por Elza Soares. A letra é super atual e pertinente. E tomei a liberdade de repaginá-la, pois ele fala de "obscuros personagens" que são "sementes espalhadas nesse chão" e cita somente homens! As mulheres eram invisibilizadas! Queremos, também, ser protagonistas, falar das lutas que ocorreram naquela época e estávamos presentes e atuantes. E outra coisa super atual: sabe o trecho em que ele diz "... um tempo em que lutar por seu direito, é um defeito que mata"? Então, ele se refere, na música, aos tempos da ditadura militar no Brasil.  Mas podemos pensar, agora, nas inúmeras mulheres, negrxs, LGBTQIA+ que morrem, APENAS por lutar pelo direito de "ser quem queremos ser". 
Ouçam :



E uma última palavra, quase desconhecida: vocês sabem o que é SORORIDADE? a origem da palavra é SOROR, que significa irmã (irmandade entre as mulheres)  ... 
Já a palavra FRATERNIDADE é bastante conhecida não é? pois é: vem de FRATER, que significa irmão (irmandade entre os homens). Pois é: queremos praticar a sororidade (agora adicionada ao dicionário), simples assim...

Abraços soror pra quem é soror e frater pra quem é frater. Carinhosos a todes ... 

Santuza TU


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