sábado, 27 de julho de 2024

Sobre Histeria... o primeiro texto

 


HISTÓRIA: histeria (do francês hystérie e este, do grego ὑστέρα, "útero") faz referência a uma hipotética condição neurótica e psicopatológica, predominante essencialmente nas mulheres. A palavra tem origem no termo médico grego hysterikos, que se referia a uma suposta condição médica peculiar a mulheres, causada por perturbações no útero

A palavra histeria foi utilizada por Hipócrates, "pai da medicina ocidental", que viveu mais ou menos entre  300...  400 anos  antes de Cristo. Ele pensava que a causa da histeria fosse um movimento irregular de sangue do útero para o cérebro.

Nas palavras de Freud: "O nome “histeria” tem origem nos primórdios da medicina e resulta do preconceito, superado somente nos dias atuais (sic),  que vincula as neuroses às doenças do aparelho sexual feminino. Na Idade Média, as neuroses desempenharam um papel significativo na história da civilização; surgiam sob a forma de epidemias, em consequência de contágio psíquico, e estavam na origem do que era factual na história da possessão e da feitiçaria. Alguns documentos daquela época provam que sua sintomatologia não sofreu modificação até os dias atuais.  Uma abordagem adequada e uma melhor compreensão da doença tiveram início apenas com os trabalhos de Charcot e da escola do Salpêtrière, inspirada por ele. Até essa época, a histeria tinha sido a bête noire  - "pessoa ou coisa considerada com aversão especial", 1844, do francês bête noire, literalmente "a besta negra" - da medicina. 

As pobres histéricas, que em séculos anteriores tinham sido lançadas à fogueira ou exorcizadas, em épocas recentes, estavam sujeitas à maldição do ridículo; seu estado era tido como indigno de observação clínica, como se fosse simulação e exagero.

No final do século XIX, Jean-Martin Charcot (1825-1893), neurologista francês que empregava a hipnose para estudar a histeria, demonstrou que ideias mórbidas podiam produzir manifestações físicas. 




Posteriormente, Sigmund Freud (1856-1939), em colaboração com Josef Breuer, começou a pesquisar os mecanismos psíquicos da histeria e postulou, em sua teoria, que essa neurose era causada por lembranças reprimidas, de grande intensidade emocional.

A sintomatologia, que ao mesmo tempo frustrou e estimulou os médicos do século XIX, foi o grande desafio para Freud, que, a partir desse quadro ainda misterioso, desenvolveu técnicas específicas para conduzir o tratamento de suas pacientes: nascia a Psicanálise, como resposta a esse desafio.

Aos poucos foi-se observando que a histeria não era um distúrbio que acometia exclusivamente as mulheres. Teorizou-se, então, outra segmentação da estrutura neurótica: estava-se diante dos obsessivos que, com sintomas diferentes, também apresentavam grande sofrimento psíquico. Esta sintomatologia, embora predominantemente masculina, também não pode ser tratada como exclusiva dos homens.

Segundo a Psicanálise, a histeria é uma neurose complexa caracterizada pela instabilidade emocional. Os conflitos interiores manifestam-se em sintomas físicos, como por exemplo, paralisia, cegueira, surdez, comportamentos disfuncionais, desordens convulsivas "funcionais", doenças psicossomáticas ou transtornos de personalidade. Pessoas histéricas frequentemente perdem o autocontrole devido a um pânico extremo. 


Há evidências que a primeira paciente estudada por Freud, tratada e relatada por Breuer, e que supostamente sofria de histeria, Bertha Pappenheim, mais conhecida como Anna O., não foi completamente curada. Além disso, revisando-se cuidadosamente seu diagnóstico chega-se à conclusão que Anna O. provavelmente sofria de epilepsia do lobo temporal e não de histeria.

A HISTERIA NA PSIQUIATRIA:

Os sintomas de histeria costumam surgir mais facilmente durante períodos de estresse e ansiedade, sendo os principais: Irritação fácil; Insônia; Dependência emocional; Câimbras e sensação de peso nos braços e pernas; Paralisias e dificuldade para movimentar os membros; Aumento dos batimentos cardíacos; Inchaço do pescoço; Sensação de falta de ar; Dor de cabeça frequente; Desmaio; Amnésia; Tremores; Tiques nervosos; Sensação de bola na garganta; Movimentos musculares violentos; Ansiedade; Alucinação; Depressão.

Normalmente, os sintomas surgem em crises, que podem durar entre algumas horas, dias ou semanas. Outras características comuns da personalidade da pessoa que sofre com histeria são a falta de vontade própria, necessidade excessiva de sentir amor e simpatia extrema, que pode variar com instabilidade emocional.

A histeria é um termo que se refere a um conjunto de transtornos psiquiátricos. Esses transtornos podem ser chamados de transtorno de somatização, desordem de conversão, transtorno dissociativo e personalidade múltipla. Os sintomas normalmente se manifestam em casos de extrema ansiedade, e a pessoa tem dificuldade para controlar suas emoções e reações. Os sintomas incluem irritação fácil, insônia, câimbras, paralisias, aumento dos batimentos cardíacos e sensação de falta de ar.  Além disso, segundo a definição de Freud, a histeria é uma variante anormal do comportamento, com origem totalmente psíquica. Ela se manifesta por meio de atitudes exageradas e escandalosas, convertendo conflitos psíquicos em problemas físicos.

A psiquiatria, em sua mais recente classificação das doenças mentais (CID - 10), dividiu a histeria em vários diagnósticos, utilizando termos específicos para descrever sintomas que anteriormente poderiam ser associados àquele transtorno. As divisões principais são:

  • Transtorno de personalidade histriônica: definido pela Associação Americana de Psiquiatria como um transtorno de personalidade caracterizado por um padrão de emocionalidade excessiva e necessidade de chamar atenção para si mesmo, incluindo a procura de aprovação e comportamento inapropriadamente sedutor, normalmente a partir do início da idade adulta. Tais indivíduos são vívidos, dramáticos, animados, flertadores e alternam seus estados entre entusiásticos e pessimistas. Podem ser também inapropriadamente provocativos sexualmente, expressarem emoções de uma forma impressionável e facilmente influenciados por outros. Entre as principais características relacionadas estão egocentrismo, desorganização egóica, autoindulgência, anseio contínuo por admiração, e comportamento persistente e manipulativo para suprir suas próprias necessidades.
  • Transtorno de conversão (ou dissociativo): . Por muitas vezes manifestarem-se de forma efêmera, são esquecidos ou desconsiderados. O transtorno causa a perda de habilidades táteis, psíquicas e neurais, como a memória, capacidades motoras e até personalidade - fuga psicogênica, amnésia dissociativa, etc. As causas são similares às do transtorno de estresse pós-traumático, como por exemplo, uma vez provado que os transtornos não são causados por traumas físicos, muitas vezes os pacientes recusam em dizer o motivo ou um trauma que levou-os à sua condição, o que dificulta o diagnóstico pelos psiquiatras, que necessitam de ajuda para obtê-lo.
  • Transtorno de Somatização: que é caracterizado pela presença de numerosos sintomas físicos que não podem ser explicados por uma condição médica específica, e, muitas vezes associado ao estresse ou a fatores psicossociais;
  • Transtorno de Sintomas Somáticos: Esse transtorno destaca a importância da dimensão psicológica na manifestação de sintomas somáticos.
Estes termos são preferidos na atualidade devido à sua especificidade e à consideração da interação complexa entre fatores psicológicos e físicos na expressão de sintomas que anteriormente eram vinculados ao conceito de histeria.
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A histeria hoje (valendo para mulheres e homens):

A seguir um resumo de texto do blog "Psicanálise clínica" :

A influência das redes sociais na amplificação de comportamentos considerados histéricos nos dias de hoje é inegável.  O imediatismo da comunicação online e a viralização de informações em tempo real podem intensificar reações coletivas, moldando a percepção pública e influenciando o comportamento individual.

Como as redes sociais se tornaram cada vez mais entrelaçadas com a vida cotidiana, é crucial observar como essas plataformas contribuem para a manifestação contemporânea da histeria.

Exemplos de comportamentos considerados histéricos relacionados ao excesso de utilização das redes sociais:

Cancelamento Online: O fenômeno do cancelamento nas redes sociais, onde indivíduos são alvo de críticas intensas e boicotes devido a opiniões divergentes, muitas vezes resulta em reações histéricas. Essa prática pode levar a julgamentos impulsivos sem considerar o contexto completo, contribuindo para uma cultura de condenação instantânea.

Desinformação Viral e a histeria hoje: São compartilhamentos desenfreados de informações não verificadas ou teorias conspiratórias que podem gerar comportamentos histéricos. A propagação rápida e sem questionamentos, de conteúdos sensacionalistas contribui para a disseminação de medo, ansiedade e reações emocionais exageradas em relação a eventos que nem possuem fundamentos sólidos.

A introdução das redes sociais na vida das pessoas revolucionou a forma como nos conectamos, porém seu uso excessivo não está isento de consequências psicológicas significativas. Alguns dos prejuízos mais comuns associados ao envolvimento desmedido com as redes sociais são:

Ansiedade e Estresse: A constante exposição a conteúdos sociais, comparação com outras pessoas e a pressão por validação online podem contribuir para níveis elevados de ansiedade e estresse.

Isolamento Social: Absurdamente, o uso excessivo das redes sociais pode levar ao isolamento social, já que as interações online podem substituir, em certa medida, as conexões cara a cara, afetando negativamente o bem-estar emocional.

Depressão: A busca incessante por validação, a exposição a padrões de vida aparentemente ideais e o medo de exclusão social podem estar relacionados ao desenvolvimento de sintomas depressivos.

Vício em Tecnologia: O uso descontrolado das redes sociais pode levar ao vício em tecnologia, com impactos negativos na concentração, produtividade e qualidade do sono.

Dissociação da Realidade: A exposição constante a narrativas seletivas e idealizadas nas redes sociais pode distorcer a percepção da realidade, levando a comparações prejudiciais e expectativas irreais.

Compreendendo esses impactos, é possível adotar abordagens mais conscientes e equilibradas no uso dessas ferramentas digitais, promovendo uma relação mais saudável com o mundo online. É necessário que cultivemos a conscientização crítica, promovendo o discernimento e a moderação no uso dessas ferramentas para atenuar os potenciais impactos adversos na saúde mental e na dinâmica social.

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Filmes para aprender um pouco mais sobre uma pessoa histérica:

Talvez não tenhamos muito claro como uma pessoa histérica se parece de verdade. Trouxemos três indicações de bons filmes que tratam do assunto. Em alguns deles, você verá até mesmo Freud e Charcot retratados e teorizando sobre o comportamento histérico. Vale a pena fazer aquele balde de pipoca para assistir e aprender!

Um método perigoso (2011): Filme de gênero drama e suspense dirigido por David Cronenberg e tem Keira Knightley, Michael Fassbender e Viggo Mortensen no elenco. O filme foi exibido em primeira mão no Festival de Veneza de 2011 e conquistou uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante para Mortensen.

Em 1907, Freud e Jung iniciam uma parceria que iria mudar o rumo das ciências da mente assim como o das suas próprias vidas. Seis anos depois, tudo isso se altera e eles tornam-se antagónicos, tanto no que diz respeito às suas considerações científicas como no que se refere às questões de foro íntimo. Entre os dois, para além das divergências de pensamento, surge  Sabina Spielrein, uma jovem russa de 18 anos internada no Hospital Psiquiátrico de Burgholzli. Com diagnóstico de psicose histérica e tratada através dos recentes métodos psicanalíticos, ela torna-se paciente e amante de Jung e, mais tarde, em colega e confidente de Freud. Isto, antes de se tornar numa psicanalista de renome.

Histeria (2011): É uma comédia britânica, direção de Tanya Wexler, o filme, ambientado na era vitoriana - sec. XIX, mostra como o tratamento médico da histeria levou à invenção do vibrador. "Com cada vez mais pacientes, o Dr. Mortimer Granville (Hugh Dancy), desenvolve uma dor crônica nas mãos que começa a prejudicar seu trabalho. Procurando por uma solução, o médico descobre que um amigo inventor criou um aparelho que pode resolver seus problemas e os das mulheres que atende.



Augustine (2012), da roteirista e diretora Alice Winocour. O filme tem boa parte da sua trama acontecendo no Salpêtrière, o conhecido hospital psiquiátrico e asilo feminino na cidade de Paris, onde trabalhava o neurologista Jean-Martin Charcot (1825-1893).

A história da Augustine real revela que ela já havia sofrido diversas agressões, físicas e sexuais, antes de começar a demonstrar conversão histérica e ser levada ao Salpêtrière, em 1875. Não é mostrado no filme, mas, com Charcot, Freud observará a hipnose sendo usada no estudo da histeria. Ele verificará que a histeria não atinge somente mulheres, mas também homens, e é fruto de conflitos inconscientes, reprimidos. O conceito de inconsciente será desenvolvido por Freud no começo do século XX.

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A HISTERIA NA PERSPECTIVA FENOMENOLÓGICA - ANTROPOLÓGICA CULTURAL:

Na perspectiva fenomenológica, a histeria é compreendida como uma manifestação complexa que envolve a experiência subjetiva do indivíduo.  


Algumas abordagens relacionadas à histeria e sua relação com a fenomenologia:


Cuidado ExistencialHeidegger, em sua obra “Ser e Tempo,” introduziu o conceito de “cuidado” (Sorge) como um dos constituintes ontológicos da existência humana. "O ser humano é essencialmente "cuidado" porque se preocupa consigo mesmo e com os outros entes, permitindo que eles se revelem".

Na clínica fenomenológico-existencial, essa reflexão sobre a existência pode ser norteada pelo “cuidado” e pela “liberdade”. 


A compreensão dessa co-pertinência entre o ser humano e o mundo implica uma transformação do olhar, indo além da solução de sintomas para considerar as possibilidades de singularização existencial.


A histeria, historicamente estudada por Freud, apresenta-se de maneira diferente nos dias atuais. Lacan propôs o conceito de "histeria rígida" para compreender os sintomas histéricos contemporâneos, afastando-se das formas clássicas de ordenamento simbólico.


A perspectiva fenomenológico-existencial busca enxergar o ser como um todo, considerando passado, presente e futuro. Amplia a percepção de si e do mundo, explorando sentidos para a vida. 

Em síntese, a histeria, vista sob a lente fenomenológica, envolve a experiência subjetiva, o cuidado existencial e a busca por sentido na existência cotidiana. Essa abordagem oferece uma compreensão mais profunda dos sintomas e das possibilidades de transformação.

Uma outra abordagem bastante proveitosa para nossa reflexão no campo da histeria visto de maneira fenomenológica-antropológica cultural é a perspectiva do "EU FORA". A fenomenologia pode ser vista como o movimento de compreensão da "psicopatologia", como a mesma é "fabricada" numa sociedade que deseja muito mais "objetos", reprodutores, do que sujeitos que se apropriam de si mesm@s e se colocam como transformador@s do mundo na direção de um mundo mais justo, mais bonito, onde as relações podem ser construídas de maneira mais simétricas.   E essa compreensão pode ser libertadora, ou seja, pode promover a "cura". 

 Nesse sentido, o "eu fora" vem a ser um movimento de alienação, de distanciamento de si mesma. E esse movimento de "saída de si mesma", feito de maneira inconsciente,  pode,  muitas vezes, ser realizado com o intuito de "suportar" as violências naturalizadas na nossa cultura (nesse caso estamos falando da histeria feminina) -  desde as violências dos padrões culturalmente estabelecidos,  passando pelas micro violências que sofremos no nosso dia a dia em todos os níveis de relação,  até o feminicídio, sermos mortas pelo simples fato de sermos mulheres.

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E o melhor livro sobre HISTERIA, na nossa opinião... Falamos sobre Emilce Dio Bleichmar no nosso post sobre depressão, publicado em 31 de maio deste ano, ela é a esposa do Hugo Bleichmar.


psicanálise feminista: A autora é uma psicanalista especializada nos temas da mulher neste livro ela revê muitas das incongruênicas no que se refere à mulher na psicanálise, num estudo multidisciplinar, apontando a estruturação de gênero determinante. Sendo a histeria uma estrutura específica da população feminina, a autora analisa as condições determinantes e o que ela nos diz, basicamente de que as mulheres não tem meios e voz que senão seu corpo e o adoecimento para falarem de suas angústias, assim como a amputação de seu desenvolvimento subjetivo, fixando estas em soluções infantis da organização da personalidade.      

"A histeria - diz Emilce - não é senão o sintoma da estrutura conflitual da feminilidade em nossa cultura". 

E a autora nos apresenta três subcategorias dentro do quadro da histeria: a personalidade infantil-dependente, a personalidade histérica e o caráter fálico-narcisista. Segundo ela, essas três subcategorias "... constituem uma série psicopatológica cujo eixo é o grau de aceitação ou rechaço dos estereótipos sobre os papéis de gênero vigentes em nossa cultura".

"Traduzindo" - e compreendendo - e vivenciando -  Emilce - pensamos que todas as mulheres, ao se depararem com a descrição das subcategorias, se veem de alguma forma, em todas elas. 

Vejamos:

  • A personalidade infantil-dependente nos parece "tudo que fomos educadas para...", ou seja, características que aprendemos a fim de cumprirmos nossa missão no mundo: casar, ter filhos, ser mãe e esposa ideal - ou idealizada. Ora, para o desempenho desses papéis somos "infantilizadas". Os conflitos são reprimidos e só aparecem na forma de somatizações.

Um comentário da autora, no livro, sobre essa subcategoria: as queixas geralmente aparecem de forma invertida, por exemplo, o "medo de não dar certo" em algum projeto ou mesmo na caminhada para a autodescoberta. Na verdade o grande medo é de "DAR CERTO", pois dar certo destampa a possibilidade de mudança na própria maneira de se ver e  ver no mundo... numa metáfora, abre uma porta para a caminhada no sentido da construção da sua identidade autônoma, quem sou eu, meus desejos, ideais, valores. E essa possibilidade é sentida como bastante temerosa, uma mudança radical...

  • A segunda subcategoria, a histérica propriamente dita, de alguma forma rompeu (de uma maneira dialética) com a primeira subcategoria, ou seja, abriu o conflito e começa a pensar em "quem sou eu"... porém , se vê "esticada" entre o "abrir a porta" e caminhar na direção da construção da identidade autônoma, com o trabalho que essa construção demanda - e os "ganhos" (ou ilusão de ganhos) que se apresentam a ela na posição anterior, a segurança, "a gaiola" - que pode ser de madeira, prata, ouro - mas sempre uma "gaiola" - uma prisão, como "descobriu" uma cliente.
  • E a terceira subcategoria, a fálico-narcisista que, de uma certa forma, topa os riscos de romper com o modelo feminino imposto e se construir... A autora diz: "Quando acede a qualquer outro terreno, se considera que invade o território masculino, castra o homem, é masculina. Quando deixa de ser feminina em forma convencional - fêmea, mãe, dona-de-casa - não se pensa que busca outras formas de ser no mundo, senão que imita e compete com o homem".

E assim estamos... nos vemos na primeira subcategoria, na segunda, e agora na terceira, nessa luta para SER NO MUNDO e, assim, criarmos a possibilidade de outras formas de relações humanas, homem-mulher, mulher-mulher, homem-homem, relações não binárias... seja o que for que rompa com o modelo patriarcal, misógino, assimétrico, injusto... que vivemos nessa sociedade.

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Considerações finais sobre a histeria:

Você por acaso já se irritou com as atitudes de uma pessoa, já perdeu o controle das suas emoções, por algum motivo - mesmo que justificado, já se manifestou de maneira exagerada diante de alguma situação estressante e, como resposta, ouviu que você é louca ou uma pessoa histérica


"Martelo das Feiticeiras o qual destrói as bruxas e a sua heresia, como uma espada de dois gumes" (do latim Malleus Maleficarum, também conhecido comumente como O Martelo das Bruxas, ou O Martelo das Feiticeiras, é um livro, ou manual inquisitorial, publicado em 1486 ou 1487, em cumprimento à bula papal de Inocêncio VIII e, segundo uma fonte, a pedido deste — sobre um manual de combate aos praticantes de heresias — e que tornou-se o guia dos inquisidores pelo restante do século XV  e seguintes. Embora no período existam outros manuais, este é dos mais "cruéis", ensinando sobre o ódio, tortura e morte. A maior inovação da obra do inquisidor dominicano Henrich Kraemer, um dos autores do livro, também conhecido por Heinrich Institoris  foi justamente atribuir exclusivamente à mulher a condição de "bruxa", a mulher como instrumento do diabo.

No curso da história, desde a Idade Média, quando cristãos queimaram milhares de mulheres, até hoje, com  que sofremos diariamente, a histeria  foi pretexto para violentar as mulheres. Esse é um caso em que a mulher não está doente, mas é convencida a achar que está. Contudo, mulheres doentes de fato tiveram sua integridade física muito comprometida pela ignorância religiosa.

De modo geral, socialmente, as pessoas histéricas são consideradas indivíduos desequilibrados. Assim, quando alguém te fala que você pertence a esse grupo de pessoas, não se trata de uma associação bacana. Trata-se, de uma violência sutil, uma micro violência, como já conversamos no nosso post de 01.março.2016: O machismo nosso de cada dia... Reproduzimos aqui um trecho daquele post:

O termo gaslighting (gaslight: à meia luz) surgiu por causa de um filme com esse nome, de 1944, em que um homem descobre que pode tomar a fortuna de sua mulher se ela for internada como doente mental. Por isso, ele começa a desenvolver uma série de artimanhas – como piscar a luz de casa, por exemplo – para que ela acredite que enlouqueceu.


Uma curiosidade sobre o filme: Para interpretar Paula Alquist, a mulher do filme, Ingrid Bergman, que recebeu o Oscar de melhor atriz, passou algum tempo numa instituição mental estudando uma mulher que tinha sofrido um colapso nervoso.

gaslighting vem a ser uma forma de manipulação que desencadeia um total esvaziamento da autonomia da vítima. Uma ferramenta presente em muitos relacionamentos, que levam as mulheres a abrir mão de suas escolhas, de suas opiniões e até de cuidar da sua própria vida. É desempoderamento, opressão e controle. E isso ainda ocorre muitíssimo... disfarçado de "proteção" que na nossa cultura ainda se chama de AMOR!!!

No entanto, o significado real de histeria é muito mais profundo! Enfim, no texto de hoje você aprendeu um pouco mais sobre o que é histeria. Ao ler nosso conteúdo, você viu que essa doença foi pretexto para cometerem várias violências contra as mulheres com o passar do tempo. Freud, no final de sua obra, reconheceu que a vida sexual da mulher era para a psicanálise um "continente negro", afirmando não ter avançado muito nesta questão. Conclamou seus seguidores a que explorassem o caminho que ele não tinha mais tempo de percorrer. No entanto, seus herdeiros homens, terrivelmente marcados por uma sociedade  regida pelo poder do homem, tem dificuldades nessa tarefa. Assim como, também as mulheres que se dedicaram à psicanálise não conseguiram romper com o padrão estabelecido sobre o feminino e seguir um caminho que nos levasse à nossa identidade autônoma. Infelizmente, a ignorância sobre o assunto faz com que mulheres se julguem doentes quando não estão até o dia de hoje. 

Assim, é necessário espalhar informações como estas para que mais pessoas reconheçam, tanto a "doença histeria" quanto a possibilidade da construção de pessoas mais livres, mais autênticas e mais capazes de trocas simétricas.

Lembrando, ainda, que a "cura" para muitos sofrimentos mentais passa pela CONSCIÊNCIA e AÇÃO NO MUNDO, ou seja, PARTICIPAÇÃO.

Santuza TU




segunda-feira, 22 de julho de 2024

Sobre HISTERIA: do fim para o começo

                                                                          

    Nos nossos escritos mais formais, digamos - o SBC, de vez em quando, se mete a "acadêmico" - já falamos sobre depressão, sobre narcisismo, sobre fenomenologia, sobre o método  TAP (Teoria-Afeto-Prática), assuntos que nos renderam ótimas conversas e debates - nosso objetivo é tornar simples e coloquial (sem perder a profundidade, a consistência) qualquer assunto que diga respeito ao humano e que contribua para melhorar nossa visão de nós mesm@s, do mundo e as nossas relações. 

E já vai pra mais de um mês que estamos escrevendo sobre HISTERIA, seguindo esquema proposto, qual seja, a partir da visão "tradicional" da psicopatologia e psiquiatria, caminharmos para a visão psicanalítica e depois para a visão fenomenológica, oferecendo pretexto, na arte (cinema, música, poesia, etc) para a reflexão, o auto conhecimento e o crescimento no sentido da nossa "humanização".

Pois não é que com o texto "formal" praticamente pronto, no rascunho, a ser publicado, viajamos para Ouro Preto e lá subvertemos nossa ordem, ficamos histéricas, nos despertamos para os inúmeros exemplos, constatações, de "elaboração/percepção" possível da histeria que permeia nosso dia-a-dia, presente constantemente na nossa sociedade patriarcal, machista, racista, misógina.

E foi então que trocamos, invertemos - ou subvertemos - a ordem - começamos do fim:
Ouro Preto respira arte e cultura, ainda mais em julho, no festival de inverno. Começamos pelo samba no domingo... maravilhoso,  no espaço @casadaarvore.ouropreto, debaixo do nosso abacateiro, não sabemos ainda se vai chamar SAMBA DO ABACATEIRO ou SAMBA DE QUINTA (duplo sentido... rsrs), as quintas feiras uma roda de samba... ou os dois sambas, talvez...  com palco aberto pós samba, para nosso sarau... e foi no palco aberto que misturei Caymmi com Adélia Prado, adoro... e, por isso, fui convidada para o sarau da quinta, que aconteceria na Casa dos Contos, organizado pelo mais novo amigo @julliano_mendes, junto com @marcelinoxibil,  vejam o convite no início do post. Bacana demais a ideia do SARAU: conhecermos poetas ouropretanos, pra além dos famosos... foi aí que convidei a querida Júnia Gaião da @casavermelhadabruxa, ela disse um poema meu e eu disse um poema dela... pena não termos vídeo... mas depois eu repeti o poema da Adélia com a música de Caymmi:




Louca e santa, Lilith e Eva, nós mulheres temos no mínimo duas matrizes formadoras das nossas identidades, do nosso "ser no mundo". Quem ainda não conhece a Lilith leia nosso post de 7 de março de 2016. Eu, quanto me contaram a história da Lilith -  que fazia parte dos livros apócrifos, proibidos pela igreja pois já não combinavam com a imagem feminina da ideologia desejada à época - fiquei chocada. Descobrir uma outra matriz feminina para além da mulher feita da costela do homem, portanto "estruturalmente" inferior e submissa, acreditem, é libertador. No entanto, ao longo da história, a mulher insubmissa quase sempre é oprimida, ou ignorada, ou rejeitada, ou louca, ou qualquer adjetivo que a ameace, desde o seu psíquico ou emocional, até a sua própria existência física.


Ir rompendo com esse "destino", ir enfrentando o medo real de "ser", apenas ser, ir se descobrindo muitas... tarefa difícil, necessária... e prazerosa...


Pois no mesmo sarau o Julliano nos surpreende dizendo seu poema, que combinava completamente com nossas reflexões: 



Heliah enfurecida

todo dia

às duas e trinta

Heliah se enfurecia

coitada!

cuspia fogo

por nada

e tal magia

sua tez clara

se enrubescia

leoa em fúria

palavras-pedra

da boca espúria

brotava raiva

tal tinta fresca

que pele laiva

seu marido

ficava completamente

 perdido

todo dia

seu inferno

se repetia

e quando ela

queria atirá-lo

pela janela!

e pela casa

queria queimá-lo

com ferro em brasa!

coitado!

tão paciente...

tão educado...

amor que arde

uma louca

um covarde

coisa infernal

queria voltar

ao normal

tempo louco

pelo menos

durava pouco

e sem demora

em apenas um

quarto de hora

a calmaria

é que restava

em demasia

mas sendo assim

era um tédio

sem fim

que coisa turra!

tristemente

Heliah sussurra:

a vida passa

sem sobressaltos

sem graça

sem alegria

ai! que saudade

da zombaria

então, sofrida

a pobre Heliah

quedou partida

a enlouquecida

contra

a deprimida

escancarada

de um lado

a desvairada

e recolhida

de outro

a reprimida

até que um dia

enquanto Heliah

dormia

em noite quente

ocorreu um fato

surpreendente

talvez o mormaço

tivesse provocado

tal embaraço

alvissareira

surgiu

uma terceira

a nova Heliah

não era boa

nem má

não era brava

nem tímida

e se esforçava!

fazia comida

lavava roupa

agradecida

tão prendada!

mas porque vir

na madrugada?

porque não vinha

tão disposta

à tardinha?

em agonia

Heliah

já não dormia

estava farta

até que veio

a quarta

religiosa:

católica

fervorosa

às seis da tarde

pr’ave maria

fazia alarde

e se maculava

quando outra Heliah

pecava

depois, a quinta

quanta pose

quanta pinta

e veio a sexta

de todas

a mais besta

tal fosse rica

espalhava

sua rubrica

rococó!

porque a sétima

cheirava pó

como gastava!

vestidos

para a oitava

presentes

pra vigésima e

pras subsequentes

endividada

carente

contaminada

numa briga

a mais calada

(e mais antiga)

apelou

e seu marido

matou

pobre marido!

um tiro

no ouvido...

sem malícia

a candinha

chamou a polícia

sem defesa

Heliah

foi presa

para ela

foi necessário

única cela

mesmo assim

era um caos

sem fim

gritaria!

falta de espaço!

mais dia

menos dia

outra tragédia

ocorreria

lá dentro

uma Heliah

tomou o centro

contida

disse:

sou suicida

meio sem jeito

espetou-se

o peito

com a unha postiça

da Heliah

roliça

soluçante

estrebuchava

agonizante

pr’aquela choça

fizeram

vista grossa

já que a cadeia

há muito

está cheia

morreu sozinha

o rosto ausente

continha

um sorriso

(fatal,

conciso)

como se na morte

restasse

forte

 

a derradeira.

apenas a Heliah

verdadeira



Me emocionei profundamente com a Heliah, nos representa, a todas nós... quantas mulheres "morrem" - emocionalmente e/ou concretamente - apenas por serem mulheres. Obrigada Julliano, gratidão...


Na sexta, outra grande emoção.  Vi o cartaz na quarta, me identifiquei:

VELHAS SAFADAS, na @casapitangaop, uma peça de teatro interativa... 

Sinopse: "Em cena, as mulheres festejam a liberdade de seus corpos e convidam todos a imaginar um mundo mais horizontal e justo. Com paródias, humor e uma pitada de deboche, a performance celebra uma existência plena de liberdade e prazer, ressaltando que a liberdade é uma prática social e que sem tesão não há solução"... 

Lá estava eu na sexta:


Já na entrada várias bandeirolas penduradas sugeriam o assunto:



A gente ri, conversa e reflete... Na nossa sociedade, patriarcal, machista, misógina, qualquer mulher, de qualquer idade, que arrisque sair dos padrões : bela, recatada e do lar - submissa, alienada, infantilizada -  será chamada de puta, bruxa ou histérica - ou de todas três... ou seja, se você estiver sendo chamada de uma dessas três - ou das três - você está desejando, APENAS, ser livre, ser quem você quer ser.


E toda a peça é permeada por músicas excelentes, super pertinentes ao tema, conduzidas pela grande DJ, nossa querida @ninacaetanoperformer (ou @shaitemi_dj). Destacando "Ela não é puta, ela é solteira", ou "Ela não é sua, ela é solteira":


Terminando, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública acaba de publicar a 18a edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, que traz as estatísticas de 2023, entre elas:



Um estupro a cada 6 minutos... em 2021 era um estupro a cada 8 minutos. Os feminicídios acontecem, na maioria, dentro de casa, ou seja, a rua parece ser um lugar mais seguro para a mulher, diferente do que se imagina, ou do que aprendemos. Mais de 70% dos estupros ocorrem com mulheres vulneráveis, meninas até 13 anos.
Surpresa? não... indignada, revoltada, puta... 
Voltei às bandeirolas: "chamaram de bruxas as mulheres que sabiam curar a si mesmas".

Convido todas as pessoas a lerem o "começo", o próximo post, o "formal", sobre histeria: vejam quando a histeria é uma "doença" e deve ser tratada... leiam sobre a histeria na história e na atualidade... vejam que a histeria não é uma "doença" só de mulheres... vejam filmes sobre a histeria... e vejam o melhor livro sobre a histeria, da Emilce Bleichmar, que faz uma crítica contundente sobre se colocar no mesmo "saco" e tratar do mesmo jeito "tipos" (ou estágios...) diferentes de mulheres... bastante elucidativo para tod@s nós... 

Se reconheçam... nos reconheçam!!!