O que é Depressão? A depressão é uma doença psiquiátrica crônica que causa oscilações de humor caracterizadas por perda de interesse, ausência de ânimo e tristeza profunda. Na perspectiva da Psiquiatria, a depressão é categorizada pela Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association – APA) em seu Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) no item denominado Transtornos do Humor. Por sua vez, esse problema se subdivide em: Transtornos Depressivos, Episódios Depressivos, Transtorno Distímico, Transtorno Ciclotímico e Transtorno Bipolar I e II.
Já sob o ponto de vista da Medicina, a depressão é caracterizada pelo CID-10 como: […] estados de rebaixamento do humor, redução da energia e diminuição da atividade. A perda de interesse, a diminuição da capacidade de concentração, fadiga mesmo após um esforço mínimo, problemas do sono e diminuição do apetite são os sintomas principais dos Episódios Depressivos. (QUINTELLA).
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a doença atinge mais de 300 milhões de pessoas de todas as idades no mundo. No Brasil, a estimativa é que 5,8% da população seja afetada pela doença.
A seguir um resumo da nossa conversa sobre a maneira como a Psicanálise e a Psicologia Humanista (ou fenomenológica) aborda o tema e como a depressão reflete na sociedade dos dias atuais - a depressão nessa era digital, assim como o uso correto e o uso abusivo dos antidepressivos e "saídas" para a depressão:
DEPRESSÃO E PSICANÁLISE
Para Freud, a depressão revela uma condição de desamparo da qual tentamos nos proteger criando uma rede ampla de vínculos sociais e ilusórios que damos o nome de sentido da vida. Porém, raramente sabe-se o que isso quer dizer.
Freud indicou em pacientes diagnosticados com quadros depressivos características típicas da perda de vontade de viver, tais como abatimento, apatia, desânimo, desesperança, desinteresse, indiferença, letargia, prostração e tristeza, entre outras.
De acordo alguns autores, a depressão está relacionada com:
. um desejo de morte, no sentido de ficar invisível ‘à vida’,
. apego a solidão, sem relações externas,
. não ter seu nome lembrado pelos outros,
. ou seja, parece um desejo de ser esquecido e de esquecer a si mesmo.
“Onde há sofrimento psíquico há lugar para a escuta ”
Nesse sentido, a psicanálise e a psicologia clínica possibilitam ao sujeito […] ressignificar o próprio sofrimento através da palavra. É através da escuta de sua história de vida e da construção da sua subjetividade que se possibilita o tratamento da depressão. No entanto, o mundo contemporâneo preza por uma vida regida por segurança e riscos mínimos buscando nos psicotrópicos a cura a depressão
PSICANÁLISE, PSICOLOGIA E PSIQUIATRIA
Infelizmente, a Psiquiatria não considera alguns aspectos importantes da depressão, como o conceito de sujeito e os conceitos de melancolia e luto. A Psicanálise e a psicologia, por outro lado, busca enxergar os sentimentos depressivos enquanto representação de diferentes tipos de perdas.
Embora o mundo contemporâneo seja tomado pela negação do sofrimento e pelo tempo relativamente acelerado, a psicanálise e a psicologia propõem e oferecem um acolhimento à dor do outro e a busca pela dimensão subjetiva do ser humano, busca enxergar os sentimentos depressivos enquanto representações de diferentes tipos de perdas, enquanto que a psiquiatria busca nas drogas psicofarmacêuticas.
Conversamos, também, sobre uma ideia da depressão correlata ao sentimento de perda: a definição de depressão como sendo "qualquer problema em relação aos fins (ou a perda dos fins), quais sejam, os objetivos, ideais, valores, desejos, enfim, a perda do sentido da vida. Na clínica recebemos muitas pessoas com problemas de depressão, problemas com os fins... e, no processo terapêutico, vamos "descobrindo" um outro problema, o problema com os meios, ou seja, a inadequação dos meios aos fins, em outras palavras, "juntar - aproximar na ação - o que eu quero com o que eu faço". Os problemas com os meios são tão intensos que a pessoa vai abandonando os fins. Como, por exemplo, o imediatismo, "quero muito mas quero pra agora, ou quero pra ontem! Então não quero mais".; a falta de noção de esforço de adequação dos meios aos fins... dá trabalho! e as pessoas querem os fins mas não querem os meios. E, com o abandono dos fins, vai chegando o que se chama depressão, a perda dos fins...
Há quem faça uma brincadeira com a palavra depressão, quando se associa ao imediatismo: a pessoa está em DE PRESSÃO... com muita pressa para alcançar os fins... perde a noção de processo, de construção, do prazer também com os meios, ou seja, entra no imediatismo, o que a faz abandonar os fins... e ocorre a DEPRESSÃO.
Ho Chi Ming (1890-1969), revolucionário, político, escritor, poeta e jornalista vietnamita, nos ensina que quanto mais desejo uma coisa, preciso andar devagarzinho... para tudo dar certo...
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Outro aspecto da depressão, a IDEOLOGIA DA FELICIDADE NA NOSSA SOCIEDADE: A sociedade contemporânea exige que seus indivíduos sejam felizes a qualquer preço. É como se o estado natural dos seres humanos fosse ficar eufórico 24 horas por dia. E, como sabemos, isso não é real. Principalmente as redes sociais, a todo o momento, tentam provar o contrário, a felicidade a qualquer custo, ou a custo do consumismo. Nossos “amigos” estão sempre se divertindo, comendo bem, malhando por prazer, amando e sendo amados. Assim, ninguém, além de nós mesmos, tem razões para ser infeliz.
Por esse motivo, nossa
relação com a felicidade tem sido bastante conturbada. A publicidade
promete que nunca foi tão fácil ter alegria, mas, ao mesmo tempo, nunca se
viu tantas pessoas deprimidas. Isso ocorre porque trata-se de um
falso contentamento. A felicidade é vendida em cápsulas e anunciada
incessantemente nos meios de comunicação de massa. Logo, não é uma
realização duradoura nem tampouco verdadeira. É apenas uma ilusão
comercializada como se fosse uma obrigação de todo ser humano ser
feliz.
Então, será mesmo que soluções rápidas, fáceis e imediatas podem realmente fazer desaparecer uma dor da alma? Será que as inúmeras pessoas ditas depressivas têm apenas déficits fisiológicos de determinados neurotransmissores conforme aponta o discurso neurocientífico? Precisamos conversar mais sobre isso! e foi o que fizemos...
Em vez de superestimar a euforia, considerando a tristeza um defeito ou uma falha, deve-se enxergá-la como ‘um mal necessário’. Isso para nosso próprio amadurecimento.
O ser humano de hoje se debate na luta para conseguir sua própria realização, tendo como modelo compartilhado socialmente a fama e o sucesso – estreitamente vinculados à capacidade de consumo. Surge, pois, o conflito pela impotência e a culpa pelo não-sucesso, que desembocam em um processo de auto-recriminações: ponto central de um estado depressivo.
Por outro lado, em vez de forçar a alegria, o luto deve ser vivido: Complementando essa mesma linha de pensamento, outros estudiosos da "alma humana" dizem que “experiências como a tristeza, a ansiedade, o mau-humor, dentre muitas outras, antes consideradas como traços da personalidade ou como parte do cotidiano, hoje são caracterizados como algum tipo de transtorno psiquiátrico”.
Ou seja, quando o sujeito não conseguir manter esse limite inatingível de alegria absoluta, pensamentos equivocados acreditam que a pessoa pode recorrer aos remédios criados para ajustar os “pequenos desajustes”. Assim, um indivíduo faz uso de pílulas milagrosas que auxiliam a fugir do fracasso de não ser um sujeito feliz.
Contardo Calligaris1948-2021, italiano de Milão, Calligaris veio ao Brasil em 1985 para lançar o primeiro livro e por aqui ficou. Doutor em psicologia clínica, ele teve Jacques Lacan como principal mestre. Calligaris costumava refletir sobre a existência humana, a felicidade e as angústias do mundo contemporâneo. Foi colunista do jornal “Folha de S.Paulo”, escritor de sucesso e autor de uma peça de teatro. Contardo Calligaris era crítico do negacionismo e lamentava a ausência de uma consciência coletiva sobre a gravidade da pandemia. Em seu texto "É possível estar mal e pensar direito?", o autor usa o resultado de pesquisas científicas que comprovam o chamado "realismo depressivo" para mostrar que a depressão pode trazer benefícios e qualidades aos sujeitos.
O uso dos antidepressivos: Alguns estudiosos afirmam que “os antidepressivos são apresentados na contemporaneidade como uma solução rápida e eficaz. Esse tipo de tratamento químico tem justamente o efeito demandante do discurso capitalista: curar o sujeito de imediato do desajuste que o impede de produzir, consumir e gozar.”
O problema é que quando o sujeito não é acompanhado por um tratamento psicológico adequado e, por consequência, bane essa infelicidade através da medicalização, a curto prazo, o mesmo sente certo alívio. Porém, a longo prazo esse sentimento vai retornar ainda mais intensificado em forma de angústia e um sentimento de vazio.
A obra ‘O tempo e o cão’ de Maria Rita Kehl baseia-se na teoria de que a depressão além de ser um sintoma de sujeitos em sofrimento se tornou um sintoma social. Ressalta-se à construção da sociedade moderna e tecnológica - ao passo que possui tempo para tudo não possui tempo para nada. Kehl afirma que as pessoas não sofrem apenas pelos motivos que as deixam tristes – perdas, desemprego, problemas familiares – mas sim pelo fato de estarem sofrendo em uma sociedade que visa a felicidade e a totalidade. Na obra em questão a autora deixa visível à necessidade da depressão ser detalhada principalmente no campo psicanalítico. Ao fazer este detalhamento além de lançar mão de seus conhecimentos ela utiliza-se de outros conhecedores como Lacan e Freud.
A medicalização do
sofrimento, crescente nos dias atuais, confirma isso. Ademais, a prática retira
do sujeito sofredor, quando enlutado, por exemplo, o tempo necessário para
superar o conflito, a perda, e reconstruir a vida sobre uma nova perspectiva
compatível com a ausência do amado.
Quem nunca ouviu uma
pessoa ao se deparar com um amigo que perdeu alguém dizer que a vida continua e
que saia, se distraia, ou arranje uma outra pessoa? Pois um amor cura a dor da
perda do outro? Ora, não é bem assim, a superação de uma perda é
demorada e dolorosa e necessita do trabalho de luto. O indivíduo necessita
viver essa perda, não ignorá-la.
"O valor da dor existe e deve ser respeitado"
Kehl concorda com tais afirmações e expõe que, entre os discursos hegemônicos da vida contemporânea, […] não há nenhuma referência valorativa dos estados de tristeza e da dor de viver, assim como do possível saber a que eles podem conduzir. O mundo contemporâneo demonizou a depressão, o que só faz agravar o sofrimento dos depressivos com sentimentos de dívida ou de culpa em relação aos ideais em circulação.
As citações da Kehl nos fizeram lembrar da carta sobre a tristeza, do livro Cartas a um jovem poeta...
René Karl Wilhelm Johann Josef Maria Rilke (1875—1926), mais conhecido como Rainer Maria Rilke, ou por vezes também Rainer Maria von Rilke, foi um poeta e romancista austríaco. Ele é "amplamente reconhecido como um dos poetas de língua alemã mais liricamente intensos", escreveu versos e prosa altamente lírica. Vários críticos descreveram o trabalho de Rilke como "místico". Seus escritos incluem um romance, várias coleções de poesia e vários volumes de correspondência em que invoca imagens que focalizam a dificuldade de comunhão com o inefável em uma época de descrença, solidão e ansiedade. Esses temas o posicionam como uma figura de transição entre escritores tradicionais e modernistas.
Hoje considerado o livro mais conhecido do poeta Rainer Maria Rilke, Cartas a um jovem poeta reúne as respostas do autor a um aspirante a escritor que buscava seus conselhos. Esse “jovem poeta” era Franz Xaver Kappus, e suas cartas a Rilke permaneciam inéditas no Brasil – até agora.
Em 1903, o já famoso escritor Rainer Maria Rilke recebeu uma carta de um jovem aspirante a poeta, Franz Xaver Kappus, que buscava a orientação do “mestre”. Rilke não apenas respondeu aquela carta como seguiu com a troca de correspondências com Kappus por mais cinco anos.
Entre 1903 e 1908, portanto, as cartas trocadas entre Rilke e Kappus levaram a uma conversa franca entre mestre e aprendiz, entre dois homens dedicados à arte, à literatura, à poesia. As experiências compartilhadas entre os dois dialogam também com o leitor, fazendo dessa correspondência pessoal algo extremamente universal, capaz de conectar-se há mais de um século com leitores do mundo todo.
Trata-se da carta de número 8, lemos alguns trechos:
Borgeby Gard, Flàdie, Suécia, 12 de agosto de 1904
Quero conversar de novo com o senhor por um momento, meu caro Kappus, embora não possa dizer quase nada que o ajude, quase nada de útil. O senhor teve muitas e grandes tristezas que passaram. E diz que mesmo esta passagem foi difícil e perturbadora. Mas, por favor, avalie se essas grandes tristezas não atravessaram o seu íntimo, se muita coisa no senhor não se transformou, se algum lugar, algum ponto do seu ser não se modificou enquanto o senhor estava triste.
Se nos fosse possível ver além do alcance do nosso saber, e ainda um pouco além da obra preparatória do nosso pressentimento, talvez suportássemos as nossas tristezas com mais confiança do que nossas alegrias. Pois elas são os instantes em que algo de novo penetrou em nós, algo desconhecido; nossos sentimentos se calam em um acanhamento tímido, tudo em nós recua, surge uma quietude, e o novo, que ninguém conhece, é encontrado bem ali no meio, em silêncio. Acredito que quase todas as nossas tristezas são momentos de tensão, que sentimos como uma paralisia porque não ouvimos ecoar a vida dos nossos sentimentos que se tornaram estranhos para nós. Isso porque estamos sozinhos com o estranho que entrou em nossa casa, porque tudo o que era confiável e habitual nos foi retirado por um instante, porque estamos no meio de uma transição, em um ponto no qual não podemos permanecer.
É por isso que a tristeza também passa: o novo em nós, o acréscimo, entrou em nosso coração, alcançou seu recanto mais íntimo e mesmo ali ele já não está mais - está no sangue. E não percebemos o que houve. Seria fácil nos fazer acreditar que nada aconteceu, no entanto nos transformamos, como uma casa se transforma quando chega um hóspede. Não somos capazes de dizer quem chegou, talvez nunca cheguemos a saber, mas vários sinais indicam que o futuro entra em nós dessa maneira, para se transformar em nós muito antes de acontecer.
Por isso é tão importante estar atento quando se está triste: porque o instante aparentemente parado, sem nenhum acontecimento, no qual o nosso futuro entra em nós, está bem mais próximo da vida do que aquele outro ponto, ruidoso e acidental, em que ele acontece como que vindo de fora. Quanto mais tranquilos, pacientes e receptivos formos quando estamos tristes, tanto mais profundo e mais firme o modo como o novo entra em nós, tanto mais fazemos por merecê-lo, tanto mais ele se torna o nosso destino. No entanto, o senhor sabe que está em meio a transições e não desejaria nada mais do que se transformar. Se algum dos seus procedimentos for doentio, considere que a doença é um meio com o qual o organismo se liberta de corpos estranhos; por isso é apenas preciso ajudá-lo a estar doente, a assumir e ter sua doença por completo, pois é esse o seu curso natural.
Agora acontece tanta coisa em seu íntimo, meu caro Kappus. É preciso ter paciência como um doente e ter confiança como um convalescente, pois talvez o senhor seja ambas as coisas. Mais ainda: o senhor também é o médico que tem de tratar de si mesmo. Mas em toda doença há muitos dias em que o médico não pode fazer nada além de esperar. E é isso, mais do que qualquer outra coisa, que o senhor, por ser seu próprio médico, precisa fazer agora. Não se observe demais. Não tire conclusões demasiado apressadas daquilo que lhe acontece; deixe simplesmente as coisas acontecerem. Senão facilmente chegará a considerar com censuras (morais) o seu passado, que naturalmente tem participação em tudo aquilo com que o senhor se depara agora.
Se ainda posso acrescentar algo, é o seguinte: não acredite que quem procura consolá-lo vive sem esforço, em meio às palavras simples e tranquilas que às vezes lhe fazem bem. A vida dele tem muita labuta e muita tristeza e permanece muito atrás dessas coisas. Se fosse de outra maneira, nunca teria encontrado aquelas palavras.
Seu,
Rainer Maria Rilke
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Voltamos à questão da depressão e a farmacologia:
O círculo vicioso da cura pelo remédio: É preciso nos questionar se não estamos entrando em um círculo vicioso, conforme exposto por críticos da farmacologia banalizada: “a novos males, novos remédios? Ou a novos remédios, novos males?”.
Quanto mais o intuito de acomodar o corpo à felicidade ganha lugar, mais a vida parece potencialmente romper o equilíbrio. Logo, o “stress”, o sofrimento, as inquietações, que, no passado, pareciam engrandecer o sujeito, hoje são vistas como passíveis de quebrar a “adequação”. O passo seguinte é o de ter de sedar o que pode trazer um tipo de pane ou falência do sujeito... enfraquecido, é claro, por aquilo mesmo que quer combater.
A dose maciça de recalque (defesa automática e inconsciente com que são repelidas do consciente as ideias que são penosas ou perigosas), com o intuito de pretensamente fortalecer, ao invés, fragiliza o sujeito a ponto de fazê-lo temer desesperadamente a perda de tal defesa. Assim, o sofrimento hoje não é visto como algo que amadurece o sujeito, ou que lhe é próprio. Ele anuncia uma falência de “tudo” se o tudo for seu afeto de contentamento associado a um corpo mudo.
"A vida apresenta dores que servem de aprendizado". Embora a insatisfação venha sendo condenada há muitos anos, é preciso sanar esse pensamento e compreender que ela é parte da vida. Dessa forma, é algo que todos vivenciaremos, assim como o amor, as surpresas, a dor e os desencontros. A angústia passageira, superada após um determinado período de tempo, também nos serve de aprendizado, porque a dor é capaz de ensinar muitas coisas.
A tolerância social com relação ao deprimido: "A sociedade não tolera o deprimido porque sua experiência rompe essa rede ilusória de sentido e amparo da qual se constitui o laço social, deixando entrever o vazio que seu psiquismo não mais consegue dissimular" . Medicalizar, nesse sentido, significa remediar os sintomas visíveis, ao preço de se desconsiderar a dimensão simbólica e subjetiva desse desconforto psíquico.
Distinção entre o enlutado e o melancólico, voltando ao pai da Psicanálise, grande Freud: Ao contrário do enlutado, diz ele, o melancólico exibe uma extraordinária diminuição da autoestima bem como de seu ego. No luto, o sentimento de vazio é de acordo com o mundo externo e na melancolia, esse sentimento é refletido no próprio ego. O paciente representa seu ego como sendo:
[…] desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível; ele se repreende e se envilece, esperando ser expulso e punido. Degrada-se perante todos, e sente comiseração por seus próprios parentes por estarem ligados a uma pessoa tão desprezível. Não acha que uma mudança se tenha processado nele, mas estende sua autocrítica até o passado, declarando que nunca foi melhor.
Já o luto, Freud considera que seja uma reação à perda, em vários sentidos, como por exemplo:
- um ente querido,
- um objeto muito valioso,
- a liberdade,
- um lugar considerado muito importante,
- e assim por diante.
Nesse sentido, a palavra luto descreve:
[…] o período que se segue depois da perda de alguém que nos é importante, alguém que de alguma forma é ou foi alvo dos nossos investimentos, alvo dos nossos interesses, ou mesmo, que éramos ligados. A palavra luto serve para descrever a perda de uma pessoa amada, uma posição social ou uma ideia que, se constatou, não viável a realidade. “Sentir o luto” descreve de alguma forma o que deve ser desligado de nós e um processo natural da vida.
Como lidamos com as perdas: É certo que toda perda exige do nosso psiquismo um determinado período de tempo para que possa se refazer, preenchendo as lacunas que se formaram, rememorando e/ou renomeando o que se perdeu, através das lembranças. Quando esse tempo é insuficiente, diz-se que houve um luto mal elaborado. Por outro lado, a impossibilidade de elaboração do luto pode, inclusive, levar o indivíduo a desenvolver patologias, dentre elas a melancolia.
Logo, trata-se de um momento de fundamental importância para que a pessoa perceba, reconheça e tome consciência da ausência que deve enfrentar dali por diante. Normalmente, gasta-se muita energia nesse processo. Acontece que ele possui cargas emocionais extremamente intensas –, o que, muitas vezes, leva o enlutado a não ter vontade de fazer mais nada. O luto envolve o afastamento do sujeito daquele comportamento de viver, disse Freud.
Na perspectiva da sociedade em que vivemos, a morte inspira medo e é veementemente negada, o que afeta profundamente os familiares e pessoas próximas a quem ela acomete. Além disso, muitas vezes o luto é visto como uma situação inadequada, que deve ser superada o mais brevemente possível. Com isso, sua elaboração adequada fica comprometida.
Portanto, o tempo do luto, vivência de qualquer perda, deve sempre ser respeitado, em vez da consideração comum entre as pessoas de que o tempo dedicado à elaboração do luto fosse um desperdício. Frases como: ‘Você precisa superar isso’, ‘Chorar não vai resolver nada’, ‘Chorar não vai trazer ninguém de volta’, ‘Você tem é que partir pra outra’, são sempre ouvidas pela pessoa no tempo da elaboração da perda, no tempo do luto, como se ela fosse julgada como incapaz se não conseguir se reerguer emocionalmente o mais rápido possível. Contudo, o início do processo de reerguimento depende da tomada de consciência desse mecanismo. E o tempo de cada indivíduo é único. Sendo assim, se cobrar ou se comparar a outrem configura-se num absurdo.
Para enfrentar melhor o luto, procurar ajuda terapêutica pode ser de grande valia... e depende da atitude de humildade e humanização da pessoa enlutada.
Outro grande autor sobre a depressão: Hugo Bleichmar (1935-2020), psicanalista argentino.
Em 1984, inquieto com os rumos ditatoriais da política sul-americana e com seu impacto sobre o futuro dos filhos, o casal decidiu se mudar para a Europa. Em Madrid eles montaram sua clínica, criaram uma editora e abriram a Escola de Ensino Livre de Psicanálise (conhecida pela sigla ELIPSIS), que mais tarde seria integrada à Universidade Pontifícia Comillas na qualidade de curso de pós-graduação. Na mesma época, Bleichmar liderou a criação do Fórum de Psicoterapia Psicoanalítica, que tem por objetivo ampliar o diálogo da psicanálise com disciplinas como a psicologia e a neurociência.
O livro que definiria a visão própria de Bleichmar sobre o psiquismo foi publicado em 1997. Trata-se de Avances em psicoterapia psicoanalítica. Hacia una técnica de abordajes específicos, ainda sem tradução para o português. Nele toma forma a abordagem modular-transformacional, que, amparada na teoria linguística de Chomsky, tenta explicar a complexidade do psiquismo humano pela interação de diferentes fatores motivacionais. A intenção de Bleichmar, é ir além de um modelo de inconsciente que considera simplista, baseado apenas na repressão pulsional.
Assim, haveria, entre outros, um sistema narcisista, um sistema sexual, um sistema de auto conservação e um grande sistema de apego que, interagindo reciprocamente, determinariam a personalidade inconsciente do sujeito, em estreita conexão com os objetos primários.
Uma tentativa de avanço em relação ao freudismo é a marca de um autor profundamente original, influenciado primordialmente pela observação clínica, que detestava dogmatismos e dizia ser importante estar simultaneamente “dentro e fora” das instituições e escolas psicanalíticas, extraindo de cada uma delas – e mesmo de áreas adjacentes do conhecimento – os elementos necessários para a compreensão e transformação terapêutica do mundo psíquico.
Para Bleichmar a depressão é o estado que se instala quando ocorre a perda de um objeto de desejo ao qual o sujeito se encontra fortemente fixado, levando ele a crer por antecipação que o desejo se tornou agora irrealizável. No entanto, esta fórmula nuclear pode ter infinitos desdobramentos: o objeto pode ser investido tanto libinialmente quanto narcisicamente; O objeto pode se tratar do próprio ego (ou seria o ego-representação?); A fixação ao objeto pode ser maior ou menor; O desejo pode sair mais ou menos inalcançável.Sem esgotar o número de autores importantes sobre a depressão , citamos Pierre Fédida (1934-2002), um dos psicanalistas franceses mais importantes, na continuação de Jacques Lacan.
De formação filosófica, Pierre Fédida formou-se em fenomenologia, a qual influenciou a psicanálise que ele desenvolveu. Trabalhou anos inteiros num diálogo rigoroso com o historiador da arte Georges Didi-Huberman. Foi professor na universidade Paris VII, e formou centenas de psicanalistas.
Já o modo pela qual Fédida pensa a depressão incorpora em si a questão da importância desta para a constituição psíquica do sujeito. Para tanto, ele diferencia o estado deprimido (a depressão como doença) da depressividade inerente à vida psíquica.
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A depressão é um tema relevante e complexo, e muitos outros livros oferecem insights valiosos sobre o assunto. Algumas recomendações de livros sobre depressão que podem ajudar:
"O Demônio do Meio-Dia” uma anatomia da depressão: É um livro de memórias escrito por Andrew Solomon e examina os aspectos pessoais, culturais e científicos da depressão através das entrevistas publicadas de Solomon com pessoas que sofriam de depressão, médicos, pesquisadores, políticos, e farmacêuticos. O livro é um desenvolvimento do artigo de Solomon sobre depressão, de 1998, para a revista New Yorker. Trata-se de uma anatomia profunda da depressão, explorando experiências pessoais, histórias de outras pessoas e abordagens terapêuticas.
“A Redoma de Vidro” por Sylvia Plath: romance semi-autobiográfico foi lançado em 1963 e é o único romance da escritora e poetisa norte-americana Sylvia Plath. O livro conta a história da jovem Esther Greenwood, uma moça de dezoito anos que vai dos subúrbios de Boston para uma prestigiosa universidade para moças quando ganha uma bolsa de estudos e estágio em Nova York. Com essa chance, o mundo parecia estar se abrindo para a garota, enquanto sua rotina se divide entre o trabalho na redação de uma revista feminina e uma intensa vida social. Tudo parece correr bem, mas esse panorama promissor acaba sendo o gatilho de uma crise emocional que levaria Esther do glamour da Madison Avenue para a clinica psiquiátrica.
"Depressão Não é Fraqueza” pelo Dr. Leandro Tales: sofrer com depressão não é motivo de vergonha. Pelo contrário, é uma doença como outra qualquer. Tem tratamento, e até cura, mas a primeira batalha será contra os nossos próprios fantasmas. Neste livro, o neurologista Leandro Teles mostra que o transtorno depressivo não é frescura, não é falha de caráter ou falta de fé. É uma doença orgânica que afeta o cérebro e modifica o nosso modo de ver o mundo. Em uma obra abrangente e acessível, o autor mostra que, com conhecimento e informação, podemos enfrentar o preconceito, pedir ajuda, encontrar tratamento, ser mais fortes. É uma revolução pessoal e a jornada certa rumo à vitória.
Os filmes também ajudam a entender como pessoas agem de forma diferente diante deste transtorno.
Assim, é preciso refletir sobre o que está acontecendo no mundo e entender como o cotidiano e determinados padrões estão relacionados com a depressão. Nesse contexto, o mais importante e fundamental é buscar o tratamento adequado com um profissional que vai auxiliar e dar o suporte necessário. Isso para que o sujeito atravesse esse momento de tristeza e angústia da melhor forma possível.
E terminamos com a música EPITÁFIO, dos Titãs... faz sentido...
Até a próxima... Abraços carinhosos...
Santuza TU
Muito bom....rico....bem escrito....muuuito longo!
ResponderExcluirExcelente conteúdo.
ResponderExcluirObrigada Alice! Grande abraço... Santuza
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