quarta-feira, 22 de maio de 2024

Conversas sobre FENOMENOLOGIA

 


Nossa conversa entre pessoas da área de humanas do SBC sobre narcisismo (POST DE 1 DE ABRIL) repercutiu bastante tanto no meio leigo quanto no meio da psicologia, pedagogia e humanas em geral. Recebemos inúmeros feeedbacks no privado,  principalmente no que diz respeito ao movimento de "saída" do jeito de pensar maniqueísta próprio da nossa cultura,  (ou/ou) e à mudança de olhar da patologização para o olhar fenomenológico. Muito interesse pela fenomenologia, que se tornou  o nosso assunto nesta conversa:
 
 

Edmund Gustav Albrecht Husserl (1859-1938) filósofo e matemático alemão, fundador da escola da fenomenologia. O pensamento de Husserl influenciou profundamente todo o cenário intelectual do século XX e XXI. Edmund Husserl foi um dos filósofos contemporâneos mais influentes de toda filosofia ocidental. Seu pensamento impactou praticamente toda a filosofia subsequente, estendendo-se ainda para os campos da psicologia, matemática, lógica, dentre outros. Em 1939, os manuscritos de Husserl, que estavam ameaçados de serem destruídos pelos nazistas, foram, clandestinamente, transportados pelo padre franciscano Herman Van Breda e depositados no Instituto de Filosofia da  Katholieke Universiteit Leuven,  na Bélgica, onde foram criados os Arquivos de Husserl. Muito do material encontrado em suas pesquisas manuscritas foi publicado na série de edições críticas  Husserlianas.

Fenômeno tem origem na palavra grega phainomenon, que significa "aquilo que aparece", "observável". Portanto, fenômeno é tudo aquilo que possui uma aparição, que pode ser observável de algum modo.

A fenomenologia é um estudo que fundamenta o conhecimento nos fenômenos da consciência. Nessa perspectiva, todo conhecimento se dá a partir de como a consciência interpreta os fenômenos.

Para a fenomenologia, o mundo só pode ser compreendido a partir da forma como se manifesta, ou seja, como aparece para a consciência humana. Não há um mundo em si e nem uma consciência em si. A consciência é responsável por dar sentido às coisas. Na filosofia, um fenômeno designa, simplesmente, a forma como uma coisa aparece, ou manifesta-se, para o sujeito. Ou seja, trata-se da aparência das coisas. Sendo assim, todo o conhecimento que tenha como ponto de partida os fenômenos das coisas podem ser compreendidos como fenomenológicos. 

Com isso, Husserl afirma o protagonismo do sujeito perante o objeto, já que cabe à consciência atribuir sentido ao objeto. Uma importante contribuição do autor é a ideia de que a consciência é sempre intencional, é sempre consciência de algo. Esse pensamento contraria a tradição, que entendia a consciência como possuidora de uma existência independente. Na fenomenologia de Husserl, os fenômenos são a manifestação da própria consciência, por isso todo o conhecimento é também conhecimento de si. Sujeito e objeto acabam por se tornar uma e a mesma coisa.
_____________________________________

Martin Heidegger foi o mais conhecido dos alunos de Husserl, aquele que Husserl escolheu como seu sucessor em Freiburg. Sua obra, Ser e Tempo, foi dedicada a Husserl. Eles compartilharam seus pensamentos e trabalharam lado a lado por mais de uma década na Universidade de Freiburg nos anos 20 do século passado. Os primeiros trabalhos de Heidegger seguiram seu professor, mas com o tempo ele começou a desenvolver suas próprias percepções, afastando-se de Husserl. O trabalho de Heidegger desenvolve-se essencialmente para uma fenomenologia ontológica centrada na questão do ser, enquanto o de Husserl expõe uma fenomenologia transcendental organizada em torno dos conceitos metódicos de redução e intencionalidade que não se encontram como tal em Heidegger. De qualquer forma, durante boa parte do convívio entre os filósofos, eles foram tão próximos que, segundo Gadamer, que foi aluno de ambos, Husserl disse a seguinte frase: "Fenomenologia é Heidegger e eu".


Max Scheler conheceu Husserl em Halle em 1901 e encontrou em sua fenomenologia um avanço metodológico para sua própria filosofia. Embora Scheler posteriormente tenha criticado a abordagem lógica idealista de Husserl e proposto uma "fenomenologia do amor", ele afirma que permaneceu "profundamente grato" a Husserl ao longo de sua obra.


Edith Stein foi aluna de Husserl em Göttingen e Freiburg enquanto escrevia sua tese de doutorado. Ela então se tornou sua assistente em Freiburg em 1916-1918. Mais tarde, ela adaptou sua fenomenologia ao tomismo moderno. O mesmo movimento pode-se notar em Karol Józef Wojtyła, que se tornou Papa com o nome de Papa João Paulo II. João Paulo II ensinou seus alunos, como bispo auxiliar, Tomás de Aquino, Heidegger e Husserl. Em seus trabalhos ele tentou conciliar a filosofia de Santo Tomás com a fenomenologia.


Derrida (1930-2004)



Sartre (1905-1980)

Husserl influenciou especialmente autores franceses do século XX, como Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, Gabriel Marcel, Jean-Luc Marion e Jacques Derrida. 

Fenomenologia de Husserl e o Existencialismo

Existencialismo e fenomenologia são duas tendências de filosofia que se fundem e se confundem em diversos aspectos, pois possuem muitos elementos que se aproximam. Ambas vertentes correspondem a filosofias contemporâneas, que se desenvolveram no início do século XX, sendo uma com maior característica de teoria e outra de método. Existencialismo é uma filosofia contemporânea que busca compreender a existência humana partindo da própria existência concreta e singular, refletindo sobre o modo como fazemos escolhas e nos responsabilizamos (ou não) por elas. O existencialismo propõe um olhar para a existência humana em seus aspectos concreto, singular, afetivo, histórico e temporal. Alguns dos principais temas do existencialismo são a liberdade de ser, a responsabilidade, a angústia, o sentido da vida, a finitude, a autenticidade e o tédio.
Os principais filósofos existencialistas: 
  • Sören Kierkegaard (1813-1855), considerado o “Pai do Existencialismo”.
  • Martin Heidegger (1889-1976).
  • Jean-Paul Sartre (1905-1980).
  • Albert Camus (1913-1960).
  • Simone de Beauvoir (1908-1986).
________________________________________________

Fenomenologia e Hermenêutica:

A fenomenologia guarda uma relação intrínseca com a Hermenêutica, filosofia que estuda a teoria da interpretação, que pode referir-se tanto à arte da interpretação quanto à prática e treino de interpretação. 

A hermenêutica tradicional refere-se ao estudo da interpretação de textos escritos, especialmente nas áreas de literatura, religião e direito.

Na filosofia, hermenêutica é a ciência que estuda a arte e a teoria da interpretação, e surgiu na Grécia Antiga. A hermenêutica estuda diversos assuntos em diversas áreas, como literatura, religião e direito.

Hans-Georg Gadamer (1900-2002) filósofo alemão considerado como um dos maiores expoentes da hermenêutica (interpretação de textos escritos, formas verbais e não verbais). Sua obra de maior impacto foi Verdade e Método, de 1960, onde elabora uma filosofia propriamente hermenêutica, que trata da natureza do fenômeno da compreensão. Para Gadamer, a hermenêutica é uma forma de compreender as ciências espirituais e a história, através de uma interpretação da tradição. 

A hermenêutica moderna ou contemporânea engloba não somente textos escritos, mas também tudo que há no processo interpretativo. Isso inclui formas verbais e não verbais de comunicação, assim como aspectos que afetam a comunicação, como proposições, pressupostos, o significado e a filosofia da linguagem e a semiótica.


A fenomenologia nos EUA:

Herbert Spiegelberg (1904 - 1990),filósofo  estadunidense que desempenhou um papel proeminente no avanço da filosofia fenomenológica.




Carl Rogers (1902-1987),  figura do século XX, nos trouxe algo novo e revolucionário para a prática do atendimento psicológico firmada na postura de confiança irrestrita do potencial de cada um para encontrar os melhores caminhos para a superação de suas dificuldades. A contribuição básica do psicólogo, como de qualquer pessoa que esteja conversando para ajudar alguém com relação às suas questões pessoais, é oferecer uma caixa de ressonância onde a própria pessoa possa se ouvir, voltar às suas fontes humanas e, assim, vislumbrar um caminho.
Nenhuma das formas, anteriormente vigentes, de atendimento levou isso tão a sério. O pressuposto das outras formas é de que somente o psicólogo - detentor de um saber capaz de trazer solução - seria capaz de penetrar no misterioso mundo das causas escondidas do comportamento e de lá trazer luz para a pessoa em sofrimento.
O pressuposto de Rogers foi totalmente diferente. Sem negar o valor dos saberes psicológicos, ele deu um outro sentido à relação de ajuda. O que ele fazia, na prática, era facilitar ao outro o acesso às suas próprias fontes interiores. Estava convencido de que apenas isso seria suficiente para desencadear profundas transformações.
No início, pensava em transformações pessoais, mas logo percebeu que isso não ficava no âmbito individual: adotou a mesma postura com grupos e com comunidades e, com isso, inaugurou um novo modo de ser social e cultural.
Rogers foi um tanto radical, a ponto de gerar afirmações paradoxais em alguns seguidores: o saber do psicólogo de nada serve; o psicodiagnóstico é uma forma de dominação e acaba sendo contraproducente na ajuda ao crescimento; na relação de ajuda devemos abandonar todas as técnicas e procedimentos padronizados; todas as estratégias são pré-fabricadas; quem sabe o momento de encerrar o atendimento é o próprio cliente; existe uma sabedoria que emerge quando as pessoas se encontram em uma comunicação aberta e plena etc. Quando ele disse, em uma palestra, que não pretendia ser um revolucionário, o auditório deu sonoras gargalhadas (Rogers, 1978).
________________________________


A fenomenologia no Brasil:


Esse livro apresenta uma leitura da obra de Carl Rogers, resumindo como alguns de seus principais conceitos se aplicam à experiência em psicologia clínica do autor. Liberdade, autonomia, maturidade e desenvolvimento pessoal são alguns desses conceitos explorados no livro, sempre em diálogo com as demandas concretas da vida. Como expresso em seu título, o texto representa um elogio à Abordagem Centrada na Pessoa, e uma tentativa de justificar o que faz de seu autor um psicólogo filiado a essa orientação teórica.




Mauro Martins Amatuzzi, no livro Por uma psicologia Humana, defende que é preciso que a Psicologia busque aprofundar-se naquilo que é caracteristicamente humano. Do contrário, ela não poderá contribuir no diálogo dos que se esforçam por encontrar saídas verdadeiras para os problemas pessoais e sociais que enfrentamos em nosso mundo conturbado. É preciso que ela se debruce sobre os sonhos que alimentamos em nosso íntimo, sobre nosso desejo de uma existência mais digna, sobre o sentido que queremos dar às nossas vidas, sobre as formas pelas quais podemos, de verdade, dar andamento às nossas mais legítimas aspirações. E isso não apenas em termos individuais, mas, também, em termos da comunidade que constituímos, entre nós humanos e com a natureza, mãe que nos rodeia.

Este livro dedica-se ao trabalho de resgatar para a Psicologia – como estudo e prática de desenvolvimento da pessoa humana – aquilo que nos vem da tradição humanista. Procura o sentido que pode ter o humanismo para a Psicologia e os fundamentos desse sentido numa fenomenologia da fala e do silêncio e aplicar, em seguida, o que foi aí levantado ao campo da pesquisa do humano, à psicoterapia, à construção de uma psicologia popular e ao esforço de construir uma comunidade verdadeiramente humana. 

"A fala banal é, portanto, um jogo com produtos culturais, mas que não envolve explicitamente a experiência primordial, não assume o falante (se bem que o defina apesar de tudo...), não engaja como pessoa no esforço de criação cultural, mas, apenas, poderíamos dizer, utiliza- o como individuo a serviço do sistema instituído. A fala banal mantém a instituição da fala, não cria".

Em “Por uma psicologia humana” (2019), continuando o diálogo com Merleau-Ponty, Amatuzzi elucida a fala, suas dimensões e o silêncio. Para os autores a fala original é precedida do silêncio, a fala autêntica é aquela que rompe o silêncio que está além da ausência de sons, o silêncio simbólico que também é carregado de significações. É na ruptura do silêncio que a pessoa se desvela através da fala.

"A plena expressividade ou não da fala, ou seja, sua autenticidade pode ser descrita a partir de sua relação com o pré-verbal que a mobiliza. Este algo que a precede e a mobiliza, posto que não verbal, pode ser denominado, numa aproximação primeira, de silêncio. A fala é ruptura de um determinado silêncio".

A fala autêntica rompe o silêncio, é criativa, é intencional, carregada de significados, sentimentos, é experiência e o lugar que a pessoa se coloca no mundo.

Segundo Amatuzzi, nossa fala não representa o nosso mundo, mas é o que somos face ao mundo, ou é o mundo que construímos. Também aqui há uma sedimentação e uma experiência adquirida. Ainda nos ensina o autor que para a fala autêntica acontecer é necessário a construção de um diálogo genuíno. E para que esse diálogo aconteça são necessárias algumas condições como a autenticidade dos interlocutores numa relação dialógica, empática, autêntica e simétrica.

________________________________

Psicopatologia fenomenológica:

Karl Theodor Jaspers (1883-1960)  filósofo e psiquiatra alemão e suíço.

Estudou medicina e, depois de trabalhar no hospital psiquiátrico da Universidade de Heidelberg, tornou-se professor de psicologia da Faculdade de Letras daquela instituição. Desligado de seu cargo pelo regime nazista em 1937, foi readmitido em 1945 e, três anos depois, passou a lecionar filosofia na Universidade de Basileia.

O pensamento de Jaspers foi influenciado pelo seu conhecimento em psicopatologia e, em parte, pelo pensamento de Kierkegaard, Nietzsche e Max Weber. Sempre teve interesse em integrar a ciência ao pensamento filosófico na medida em que, para Jaspers, as ciências são por si sós insuficientes e necessitam do exame crítico que só pode ser dado pela filosofia. Esta, por sua vez, deve basear-se numa elucidação, a mais completa possível, da existência do homem real, e não da humanidade abstrata. O resultado das reflexões de Jaspers sobre o tema foi a primeira formulação de sua filosofia existencial. 


Autor do livro de dois volumes: "Psicopatologia Geral", grande marco em sua carreira e na evolução da psicopatologia.

Jaspers criticou abordagens anteriores à psicopatologia e propôs uma abordagem compreensiva em vez de causal. Ele argumentou que as conexões entre fenômenos psíquicos são compreendidas e não podem ser reduzidas a leis universais como na física. Sua abordagem antecipou ideias fenomenológicas e da hermenêutica.



E deste apanhado histórico da fenomenologia, suas interconexões com a hermenêutica, com o existencialismo e com a psicologia humanista, partimos para pensar e discutir sobre as psicopatologias, tendo como primeira delas a depressão... até nosso próximo post.

SantuzaTU


Nenhum comentário:

Postar um comentário