quinta-feira, 2 de maio de 2024

Conversas SBCenses: Sobre liberdade...

 


Cartaz na porta de sala de depilação... 
Foto de mulher negra, cabelo black power - ou sarará... o que nos leva a pensar sobre o público alvo dessa propaganda de depilação. Certamente não é uma elite nem econômica nem culturalmente, pois a realidade do nosso país é de uma maioria de pessoas afro descendentes cujo acesso à educação de qualidade que possa permitir a essa população a ascensão econômico/social/cultural ainda não é satisfatória. 

Me lembro muito bem da lei, ou melhor, das leis, vale a pena recordá-las: Temos, atualmente, duas leis específicas sobre cotas que incluem a temática racial: a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, e a Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014. A primeira refere-se ao acesso às universidades públicas federais, e a outra, aos concursos públicos no âmbito federal". Ano de 2012, quem era presidente? Nossa Presidenta Dilma Rousseff.! "Cotas raciais são reservas de vagas em vestibulares, provas e concursos públicos destinadas a pessoas de origem negra, parda ou indígena. As cotas visam acabar com a desigualdade racial e o racismo estrutural resultantes de anos de escravidão no Brasil, que ainda excluem pessoas negras e indígenas da universidade, do mercado de trabalho e dos espaços públicos." Claro, as leis serviram para um avanço, porém ainda estamos longe da igualdade. E me lembro muito bem dos comentários das "classes médias que se consideram elite": 
"As universidades públicas vão ser sucateadas!", 
"Vai cair o nível!",  
por aí os comentários...

Mas voltando ao cartaz, e pensando para além da mulher que o ilustra,  o "público alvo" do mesmo, me parece,  são mulheres de uma classe social media, talvez mulheres que se esforçam ou esforçariam para corresponder a um padrão estético ditado por uma sociedade que, ao fim a e cabo, AINDA nos deseja e nos "educa" enquanto objetos.

E foi isso que nos indignou profundamente...
 E nos provoca reflexões:
- de que liberdade estão falando? Liberdade para ser você? ou para ser do jeito que o outro quer que você seja? liberdade para ser objeto
Sim! objeto de desejo do outro, como todas nós, mulheres, ainda somos educadas... 

- Como nosso mundo distorce, banaliza, as palavras, os conceitos!!! 
Liberdade... qual liberdade???!!!
Liberdade para consumir? Sim, a liberdade, acredito, vem a ser "de pensar, de sentir, de agir"... porém, "passa pelo bolso", como dizia nossa inspiradora dos anos 80.
 
É certo e justo que uma classe social menos favorecida lute para ser incluída... incluída na sociedade de consumo. 
Essa mesma sociedade onde uma classe média consome coisas ridículas, inúteis, também para parecer pertencerem à classe social "abastecida",  a elite.  
E assim se produz - e reproduz -  um circulo vicioso, isso tudo alimentado pela mídia, a serviço dessa elite, que deseja e alimenta pessoas alienadas, que reproduzem essa sociedade a serviço daquela elite. Essa sociedade que não pensa o que está consumindo, por isso deixa de consumir coisas boas  pra vida, coisas engrandecedoras, arte, por exemplo. 
consomem "merda", coisas inúteis, na esperança de pertencerem a outra classe que não a sua... 

E as palavras, como liberdade por exemplo, palavra tão preciosa para nós, seres humanos,  são distorcidas e usadas para a alienação e o consumismo... Liberdade, para nós, deve ser uma construção constante, diária, na vida.   

Conversávamos sobre este tema e ouvimos relatos - risíveis, se não fossem trágicos: uma de nós já tem uma coleção de pijamas, pois tudo que aparece e a seduz, no instagram, são pijamas... que ela se encanta e vai comprando, vários ainda não usou; outra não pode ver uma calcinha e um sutiã que vai comprando virtualmente, quando recebe verifica que o sutiã "maravilhoso" mostrado na internet abotoa na frente e, a qualquer movimento, ele abre!; a calcinha que promete "subir o bumbum" faz isso criando um pneu na cintura, as banhas (ou pelancas) se soltam depois da calcinha e formam um pneu, enquanto que a renda na perna vai enrolando na medida em que ela vai andando... 

E as soluções mágicas que nos pegam, em função do nosso imediatismo, outra característica construída na nossa cultura capitalista/consumista: as gotinhas milagrosas para emagrecer; as pílulas para acabar com toda flacidez da pele... 

Trocando ideias sobre essas "pegadinhas"  é que vemos o quanto é tudo ridículo. E o quanto precisamos aprender a DIZER NÃO a essa cultura do consumo, realizando o movimento de fissuras nessa nossa "cultura capitalista" - então poderemos ir construindo um mundo que tenha mais sentido, onde se consuma coisas boas pra vida...


Convidamos à leitura do nosso  post no blog de 18 de janeiro de 2014, quando conversamos sobre FISSURAS:
 “Novas lógicas sociais multiplicam-se; desafio é articulá-las”. Romper com o mundo como ele é e criar um diferente. Esse é o objetivo de muitos militantes e ativistas. Mas como fazer para construir uma realidade em que não haja Gaza, ou Ucrânia,  nem poucos bilionários e 1 bilhão de pessoas morrendo de fome?

O cientista político irlandês, radicado no México, John Holloway traz esse desafio em seu novo livro Fissurar o Capitalismo. São 33 teses que explicam como criar rupturas no sistema para não continuar a reproduzi-lo. Do idoso que cultiva hortas verticais em sua sacada como forma de revolta contra o concreto e a poluição que o cerca. Do funcionário público que usa seu tempo livre para ajudar doentes com aids. Da professora que dedica sua vida contra a globalização capitalista. São diversos exemplos trazidos pelo autor, de pessoas comuns que recusam a lógica do dinheiro para dar forma a suas vidas. No entanto, após a rejeição, é preciso tentar fazer algo diferente. É aí que surge o problema. “As fissuras são sempre perguntas, não respostas.”

E reativamos nossa CAMPANHA: 
VAMOS FAZER FISSURAS: vamos aprender a ver aquele tipo de coisa do cartaz - espalhados por toda a cidade, por toda a rede, e NÃO ENGOLIR... pois a ideia é nos enfiar goela abaixo esse tipo de coisa, para o objetivo do consumo, da alienação e da reprodução desse mundo injusto...
E vamos aprender a dizer NÃO, nas pequenas coisas, no dia a dia, isso no sentido individual... e vamos nos encontrar, vamos conversar sobre isso, para construirmos, no coletivo, projetos que digam NÃO  a essa cultura excludente, cruel... e SIM a um mundo mais inclusivo e bonito.


Nosso grande inspirador, Mujica...

Abraços carinhosos a todas as pessoas SBCenses...







6 comentários:

  1. Muito bom o artigo, como sempre, querida Santuza! O capital se manteve, ao longo dos últimos séculos, seduzindo as pessoas que deveriam combatê-lo, especialmente aquelas que têm o poder de promover a sua superação: a classe trabalhadora. As fissuras são, sem dúvida, uma forma de luta nesse caminho, desde que adotadas com a consciência de quem é o inimigo que nos oprime.
    (Juraci Bergamini)

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  2. Sim, Juraci... obrigada pelo comentário... santuza

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  3. Também já senti a mesma indignação, e não só aqui, nos US só colocam negros, não existe mais brancos em anúncios de roupas, casas, barcos. Sinto como uma falsa inclusão.

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  4. Em qual momento da nossa civilização a depilação se tornou uma caminho que leva alguém à liberdade de ser ele ou ela mesma?

    Depilação é atender aos caprichos da opressão estética, ou seja, nós seremos socialmente melhor aceitos se estivermos depillados e com a pele lisinha. Haja cera quente para dar conta do recado!!!!!

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  5. Chega a ser ridículo esse apelo publicitário!

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