quinta-feira, 6 de junho de 2024

Mulheres maravilhosas



    Valse - Camille Claudel                                           Le matrimoine - Françoise Gilot 

Para um homem, ser auto afirmativo é quase que natural, ou melhor, os homens nem pensam sobre isso, ou melhor,  nem precisam pensar sobre isso numa sociedade feita para eles; para uma mulher, por outro lado, o movimento de auto afirmação é constante na vida... para todas as mulheres e em todos os níveis de relação, das relações intimas até as mais amplas, o exercício de cidadania. E, quase sempre, quando uma mulher se comporta de maneira auto afirmativa, seja em que ambiente for, em qualquer nível de relação, ela é chamada de autoritária, impositiva, dona da verdade, ... ou seja, quase sempre ela é massacrada, diminuída, rejeitada, ... e por aí vai... apenas pela sua atitude auto afirmativa, pois esta atitude "não combina com o feminino", "não é própria da mulher", "não é seu papel"..."

Nossa reunião começou assim... e daí extraímos nossa PAUTA  - como diz aquela SBCense: "não posso deixar de ir nas reuniões, pois, não indo, viro a PAUTA!!!

Começamos por corroborar as ideias da PAUTA, lembrando duas mulheres maravilhosas na história, que sofreram essa tentativa de "arrasamento" (psicológico, moral, econômico, e por aí vai - como na Lei Maria da Penha, os 5 tipos de violência contra a mulher):



Camille Claudel, filme francês de 1988, do gênero drama biográfico, dirigido   por Bruno Nuytten, com roteiro dele e Marilyn Goldin baseado na biografia de Camille, escrita  por sua  sobrinha-neta Reine-Marie Paris. Camille Claudel (Isabelle Adjani) é uma jovem escultora que entra em conflito com sua família ao tornar-se aprendiz, e mais tarde, assistente do famoso Auguste Rodin (Gérard Depardieu). Quando ela e o escultor viram amantes, Camille cai em desgraça perante a sociedade francesa. Após quinze anos de um relacionamento conturbado, ela põe fim na relação, e cai em uma profunda depressão. Diante das circunstâncias, seu irmão mais novo a interna em um hospital psiquiátrico, com o triste diagnóstico de esquizofrenia.




Nossa primeira personagem, Camille Claudelnome artístico de Camille Athanaïse Cécile Cerveaux Prosper (1864-1943) foi uma escultora francesa. Faleceu na obscuridade, mas sua obra ganhou reconhecimento por sua originalidade décadas após a morte.

Camille transcendia os padrões convencionais para esculturas em sua época e até nas décadas seguintes. Alguns classificavam seus trabalhos como sendo ainda mais viris que obras feitas por artistas homens e que sua escultura possuía a assinatura que apenas os gênios em suas áreas possuem. Enquanto Rodin tinha linhas mais suaves e delicadas, Camille sugeria vigorosos contrastes e linhas poderosas em suas obras, razão essa que pode ter levado ao rompimento artístico e a rivalidade que se seguiu.

Shakuntala é descrita como a expressão do desejo de Camille de alcançar o sagrado, fruto de sua longa busca pela identidade artística, livre dos mandos de Rodin. Camille teria percebido após algum tempo de envolvimento com o escultor que ele a explorava e que ela nunca seria obediente como Rodin queria, reconhecendo em seguida como a sociedade explorava as mulheres. A escultura Shakuntala seria uma expressão de sua solitária existência, de uma busca pessoal.


Quando Rodin viu a escultura The Age of Maturity pela primeira vez em 1899, sua reação foi de choque e fúria. Imediatamente ele cessou seu suporte a Camille e pressionou o ministro de belas artes que cancelasse pagamentos para obras em bronze. 

Em função do machismo e preconceito pelo fato de ser mulher, Camille não conseguia financiar muitas de suas ideias e por vezes dependeu de Rodin para realizar algumas delas em colaboração ou deixando-o levar o crédito pela obra. Ela também era dependente financeiramente da família e depois da morte de seu  pai, que tanto a auxiliou, sua mãe e seu irmão tomaram o controle das finanças, deixando-a na miséria, usando roupas esfarrapadas e vivendo de favores.

Camille era odiada pela família. Seu irmão e sua mãe conspiraram para mantê-la sem dinheiro e depois para mantê-la no hospital psiquiátrico, onde viveu por 30 anos até sua morte. Teorias sugerem que seu irmão invejava o sucesso e o talento da irmã, tendo afirmado que ele era o único gênio da famíliaSua irmã mais nova, Louise, desejava o acervo da irmã e comemorou o declínio de Camille. É de concordância entre os críticos de arte que Camille era um gênio incompreendido, com uma arte suprema e infinitamente bela, forte e brilhante, que porém nunca recebeu o devido reconhecimento em vida.

Somente parte do acervo de Camille, cerca de 90 estátuas de sobreviveram. A força e a grandiosidade de seu talento estavam na verdade em um lugar muito incômodo: entre a figura legendária de Rodin e a de seu irmão que se tornou um expoentes da literatura de sua geração. E não é difícil ler que as questões de gênero permeiam esse lugar menor dedicado a Camille.

Seu gênio sufocado por dois homens, sua vida sufocada por um abandono, suas forças e sua lucidez esgotadas por uma relação umbilical com seu mestre e amante, pelo amor romântico, pela idealização do amor e do amado.  Uma relação da qual não conseguiu desvencilhar-se, consumindo sua vitalidade na vã tentativa de desembaraçar-se desse destino perverso. Camille Claudel, sua forte personalidade, seu gênio criativo que ultrapassou a compreensão de sua época.

Talento ofuscado pelo machismo estrutural, Camille Claudel faleceu em 1943, após viver 30 anos no hospício de Montfavet (hoje conhecido como Asilo de Montdevergues, um moderno centro hospitalar e psiquiátrico).

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Nossa segunda personagem, Françoise Gaime Gilot (1921-2023) pintora francesa, artista super talentosa, notadamente em aquarelas e cerâmicas. Porém, quando conheceu Pablo Picasso, sua carreira profissional foi eclipsada por sua celebridade social. 
Depois que  se separou de Picasso, ele desencorajou as galerias de comprar seu trabalho e tentou, sem sucesso, impedir que seu livro de memórias de 1964, Life with Picasso, fosse publicado. 
Morreu em 6 de junho de 2023, aos 101 anos.

Enquanto estudava para ser advogada, Gilot era conhecida por faltar às aulas matinais de direito para seguir sua verdadeira paixão: a arte. Ela se formou em filosofia na Sorbonne em 1938 e bacharela em inglês na Universidade de Cambridge em 1939. Gilot teve sua primeira exposição de pinturas em Paris em 1943.

Aos seis anos, a mãe de Françoise começou a ensinar-lhe arte, com exceção do desenho. Sua mãe acreditava que os artistas se tornavam muito dependentes de borrachas e, em vez disso, ensinou sua filha as técnicas de aquarela e nanquim. Se ela cometesse um erro, teria que torná-lo intencional para seu trabalho. Aos 14 anos conheceu a cerâmica e, um ano depois, estudou com o pintor pós-impressionista Jacques Beurdeley.

Embora Picasso tenha influenciado o trabalho de Gilot como pintora cubista, ela desenvolveu seu próprio estilo. Ela evitou as arestas vivas e as formas angulares que Picasso às vezes usava. Em vez disso, ela usou figuras orgânicas. Durante   2a Guerra Mundial, o pai de Gilot tentou salvar os pertences domésticos mais valiosos movendo-os, mas o caminhão foi bombardeado pelos nazistas, levando à perda dos desenhos e aquarelas de Gilot.

Aos 21 anos Gilot conheceu Picasso, então com 61. Picasso viu Gilot pela primeira vez em um restaurante na primavera de 1943. Dora Maar, fotógrafa que era sua musa e amante na época, ficou arrasada ao saber que Picasso a estava substituindo por uma artista muito mais jovem. Após o encontro de Picasso e Gilot, ela foi morar com ele em 1946. Eles passaram quase 10 anos juntos. 

]Alguns historiadores da arte acreditam que o relacionamento de Gilot com Picasso interrompeu a carreira artística dela. Quando ela deixou Picasso, ele disse a todos os negociantes de arte que conhecia que não comprassem sua arte, enquanto a própria Gilot observou que continuar a identificá-la em relação a Picasso "prestava-lhe um grande desserviço como artista".  

"Eu sabia que se não deixasse Picasso ele me devoraria"

Picasso e Gilot nunca se casaram, mas tiveram dois filhos: Claude e Paloma. Durante seus 10 anos juntos, Gilot foi frequentemente assediada nas ruas de Paris pela esposa legal de Picasso, uma ex-bailarina russa, e Picasso também a abusou fisicamente. O biógrafo de Gilot, Sacha Llewelyn, escreve:

Picasso, enfurecido, destruiu seus pertences, incluindo obras de arte, livros e suas preciosas cartas de Matisse. Dizendo a ela que ela estava "indo direto para o deserto", ele então partiu para destruir sua carreira. Mobilizando todas as suas redes, exigiu que a Galeria Louise Leiris  deixasse de representar Gilot e que ela não fosse mais convidada a expor no Salon de Mai. Explicada como o comportamento infeliz de um gênio mal-humorado, hoje essa intervenção agressiva está finalmente sendo vista pelo que era: as ações devastadoras de um valentão.

Em 1964, 11 anos após a separação, Gilot escreveu Life with Picasso (com o crítico de arte Carlton Lake ), um livro que vendeu mais de um milhão de cópias em dezenas de idiomas, apesar de uma contestação legal malsucedida de Picasso tentando interromper sua publicação. A partir de então, Picasso recusou-se a ver Claude ou Paloma. Todos os lucros do livro foram usados para ajudar Claude e Paloma a montar um caso para se tornarem os herdeiros legais de Picasso.

Gilot dividiu seu tempo entre Nova York e Paris, trabalhando em nome do Instituto Salk. Pintava diariamente até os 90 anos.  Morreu em um hospital da cidade de Nova York em 6 de junho de 2023, aos 101 anos, após sofrer de doenças cardíacas e pulmonares.

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Duas mulheres maravilhosas... que nos fazem pensar em quanto de talento feminino é reprimido, ofuscado, obscurecido, exterminado, em função da manutenção do status quo masculino... 

E que nos encorajam a não nos submetermos, não nos deixar sermos "apagadas"... 

E que nos mobilizam para a sororidade, para o apoio umas às outras, para estarmos sempre nos encontrando, conversando, nos empoderando, compartilhando sempre a dor e o prazer de se ser o que somos... e sermos mais... e mais... e construirmos um mundo mais simétrico... mais justo...  e mais bonito.



Terminamos com arte:


Abraços carinhosos a todas as pessoas maravilhosas... metidas... nem supermetidas (arrogantes), nem submetidas (passivas, subservientes)... metidas é auto-estima na medida certa...



2 comentários:

  1. Excelente explanação sobre como os homens têm medo das mulheres inteligentes!

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