Mas podemos publicar aqui, no nosso projeto ARTE ENTRE AMIGXS (antes ARTES NA PANDEMIA), seu primeiro conto! Também em primeira mão! Obrigada, querida, por compartilhar conosco este belo conto, bem ao estilo Nelson Rodrigues... assim como, também, ao estilo Relatos Selvagens... mas curtam o conto e depois comentamos:
A moça do banco A princípio, ela demorou um pouco para entender o que realmente estava acontecendo. Ela estava ali, sentada no banco daquela praça. Era magra; aliás, muito magra. Tinha os cabelos castanhos claros que lhe batiam no ombro. Usava óculos. Um desses óculos modernos de sol, talvez para esconder as lágrimas que teimavam em brotar em seus olhos. Estava vestida de maneira simples: calça jeans, camiseta vermelha e um par de tênis surrado. Parecia cansada. Olhava, distraidamente, as crianças brincando ao seu redor. Em momento algum poderia pensar que passaria por aquilo na sua vida. Sempre pensou ser bem mais forte do que agora sabia, não era. Lembrou-se de que, quando era adolescente, dizia que não morreria, viraria uma estrela. Que bobagem! Os adolescentes são lindos! Porém bobos. E agora estava ali, sozinha, triste e se sentindo terrivelmente culpada. E era uma culpa que doía no seu coração. Como ela não percebeu a tempo o que realmente estava acontecendo bem na frente dos seus olhos? Alguns amigos já haviam comentado: "Solange, você está sendo traída!". Mas ela não acreditava. Achava ser apenas maledicências de pessoas invejosas. Ela não prestava atenção aos detalhes: um olhar, um sorriso no canto da boca ou uma música cantada pelas duas ao mesmo tempo. Tudo lhe passou despercebido. Houve até aquele domingo em que as encontrou saindo do cinema. De mãos dadas? Não! Deve ter imaginado. Mas estavam sim, de mãos dadas. E riam felizes. Como riem felizes, todos os casais apaixonados. O tempo passou. E as coincidências foram só aumentando e ficando cada vez mais evidentes. Naquele momento, com a chave na mão e tremendo, foi como se um véu se descortinasse na sua frente. Chovia forte. Mas ela nem se importava. As lágrimas que escorriam pela sua face a molhavam mais do que a chuva torrencial que caía. "Bruna, meu amor, vem ver o que eu comprei para nossa casa nova." E Bruna veio. Feliz. Linda como sempre. Com aquele vestido azul que eu tanto gostava. "Que lindo Bárbara! Vamos colocá-lo na sala com muitas flores coloridas?" Falou. "Sim, bem no centro da mesa que Solange me deu." Ao ouvir seu nome, parecia que o sangue que corria nas suas veias congelou. Sua cabeça doía, seus braços e pernas parecia que tinham vida própria. De repente, lembrou-se de seu pai. Não! Não era melhor hora dela se lembrar dele. Não era hora de se lembrar de ninguém. Mas, mesmo assim se lembrou nitidamente seu pai dizer: "Solange, nunca tenha na bolsa uma arma de fogo, pois você pode usá-la para matar a pessoa que você mais ama!" Sim, o seu papai tinha razão. Ela não deveria ter aquela arma de fogo na sua bolsa. Mas agora era tarde. Bárbara e Bruna estão mortas aos seus pés. Saiu dali, nem alegre e nem triste. Resolveu então entrar no Circo Moscou que acabara de chegar na cidade. Quem sabe ela não se apaixonaria pela trapezista. Quem sabe não compraria flores coloridas e colocasse naquele vaso que ainda estava vazio? Antonieta Shirlene Fevereiro/22 Arrepiante... Primeiro veio a Marisa Monte, com seu comentário: "Eis o melhor e o pior de mim..." E, logo depois, Friedrich, ele mesmo, o Nietzche: HUMANO, DEMASIADO HUMANO... E todos concordamos com a semelhança com o Nelson Rodrigues (1912-1980), famoso escritor, jornalista, romancista, teatrólogo e dramaturgo brasileiro. Retratava, em suas obras, um mundo obscuro tomado por personagens obsessivos e perturbados, características que o faziam ser à época da ditadura. Ele mesmo se apelidou "Anjo pornográfico", porque quando era chamado de pornográfico e tarado pela elite que ir ver suas peças no Rio, ele respondia sempre com ferocidade: "Eu sou um anjo!!! E Nelson Rodrigues, assim como nossa querida Antonieta, nos faz lembrar, também, de RELATOS SELVAGENS, filme de 2014, direção e roteiro de Damián Szifron, são seis episódios (ou seis 'contos'), todos eles excelentes. Um deles com Ricardo Darín (ai... ) que também está na produção do filme. Darín (ai de novo...) estrela o conto que possui pegada mais social, como é costume em sua filmografia. Interpreta um cara comum que tem o carro rebocado no dia do aniversário da filha. Ele é obrigado a ir no departamento de trânsito para apanhar o veículo e tem que pagar uma taxa. Isso sem falar na multa que chega depois. O episódio lembra bastante outro filme: "Um dia de fúria", com Michael Douglas, com o personagem de Darín se revoltando com a burocracia do sistema e sendo levado a um impulso de violência. Enfim, a gente ri no filme, e o mesmo é considerado uma comédia. Mas rimos de nervoso, pois nos identificamos com os personagens: penso que todxs nós, alguma vez (ou várias) na vida, já nos vimos em situações em que poderíamos perder o controle. Como diz a sinopse: crua e imprevisível, os personagens deste filme caminham sobre a linha tênue que separa a civilização da barbárie. Uma traição amorosa, o retorno do passado, uma tragédia ou mesmo a violência de um pequeno detalhe cotidiano são capazes de empurrar estes personagens para um lugar fora de controle. Concluímos: Bondade e Maldade fazem parte do humano... E escolher também... Obrigada querida Antonieta Shirlene... um doce de pessoa... rsrs |
Ser comparada ao grande Nelson Rodrigues é uma honra. Obrigada. Quando escrevi o conto, ele ficou só na primeira frase por 2 semanas. Até que veio ,de fato, o fio da história. Penso que habita em nós, um doce de pessoa mas também uma fera pronta para o ataque. A literatura nós faz caminhar por estradas nunca dantes conhecidas. E, percebi, ao escrever este primeiro conto, que a gente sabe como começa a história mas não sabe o fim pois muita das vezes os personagens criam vidas próprias. Foi uma ótima experiência. Tenho que aprender muito aínda mas espero que gostem. Obrigada.
ResponderExcluirnós que te agradecemos querida Antonieta. Em nome do SBC
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