sábado, 26 de março de 2022

Conversas SBCenses: de "A filha perdida" a "Mães paralelas"

 


". TU!!! Vendo o filme "A filha perdida", e lendo seu post, fiz uma descoberta reveladora: a minha maior fonte de angustia e sofrimento vem do esforço que faço para ser "perfeita", porque aprendi que SOMENTE sendo perfeita obtenho o reconhecimento/amor da minha mãe... e também da minha filha! Sou escrava do reconhecimento! e, na sequência, escrava do reconhecimento em todas as outras minhas relações. E, para que essa escravidão se exerça, tenho que ser 'do jeito que o outro quer que eu seja'... e abro mão de ser 'quem eu quero ser'... e vou me 'conformando' aos padrões. Então, como você disse no post, que caminhemos de 'mães perfeitas' para 'mães possíveis', eu proponho: de 'mães possíveis' para 'mães livres'. E pergunto: quais serão as construções concretas que podemos fazer para esse caminhar? Abraços carinhosos... Anitta".

Não queridas e queridos... não é a Anitta TOP no Spotify com a música ENVOLVER. Mas poderia ser, vendo uma das suas entrevistas durante a pandemia, dizendo que quer "casar e ter filhos", e comparando com a música, onde ela convida o cara a "aproveitar antes de casar"... então o conceito é este: depois que casa e tem filhos  - e este ainda "deve" ser o desejo de toda mulher - "esquece" o sexo gostoso do clip dessa música? ... um tanto quanto conservador, algumas SBCenses presentes à nossa conversas ponderaram... E, na conversa, uma de nós disse que, ao ouvir a música, achou que dembow seria um preservativo, pois ela canta 'vamos colocar um dembow'! "Ai eu achei bacana, gente! boa mensagem para os jovens! Mas o google me disse que demdow é um tipo de música de rua caribenha!". Todxs nós rimos muito...

Mas não foi ela que me mandou essa mensagem, foi outra Anitta, também com dois Ts. E foi daí que voltamos a conversar sobre NÓS, mulheres, nossas "internalizações" e "repetições" de modelos que não 'combinam' com o que queremos para nossas vidas... e a possibilidade de construção de novos modelos, mais 'bonitos', prazerosos, livres...

E daí 'pulamos' imediatamente para Pedro Almodóvar:



Grande cineasta espanhol (1949- ...), inconfundível pelas suas cores fortes, decoração brilhante, ângulos de câmera inusitadas, figurinos autênticos, linguagem melodramática,  além de músicas brasileiras nas suas trilhas sonoras, e pelas  abordagens "humanizadas" das mulheres em seus filmes. 








                                                                                

Seu último filme "Mães paralelas" é sobre o tempo, sobre amor, sobre história... e sobre política, segundo SBCense presente na conversa: "Nosso grande diretor conta, neste filme, a história  de Janis (Penélope Cruz) e Ana (Milena Smit), que se encontram pela primeira vez no hospital, quando seus filhos estão 'quase' nascendo. Ambas são mães solteiras,  e nenhuma das duas planejou a gravidez. Mas Janis conta com uma carreira sólida que lhe dá alguma segurança financeira, enquanto a jovem Ana não tem nem mesmo o apoio dos pais. Paralelamente, Janis luta contra a burocracia governamental para tentar realizar uma escavação em seu povoado de origem, que poderia recuperar os restos mortais de seu bisavô, morto pelo franquismo. Desse enredo é que nascem as 'entrelinhas' mais fascinantes de Madres Paralelas. Almodóvar analisa o passado ditatorial sangrento da Espanha e o conecta diretamente com o drama íntimo que se desenvolve entre Janis e Ana - não é a toa, por exemplo, que um dos momentos mais importantes da relação entre as duas aconteça diante de uma parede decorada com as fotos de todas as descendentes de Janis, mulheres que escolheram ou foram obrigadas a criar outras mulheres sozinhas".

Claro que imediatamente associamos essa sinopse com nosso melhor slogan do SBC: AMOR E POLÍTICA FAZEMOS NA CAMA E NO MUNDO! pois, como disse nossa SBCense famosa: 

"Tanto fazemos revoluções (de conceitos e de ação) na cama, nas relações afetivo-sexuais, passando pelas relações pessoais, família, escola, trabalho, e a mais ampla, enquanto cidadãs e cidadãos... quanto reproduzimos padrões aprendidos (de pensar, sentir e agir) em todos os níveis de relações. Ou seja, na cama e no mundo somos reprodutores e|ou transformadores ... e, enquanto transformadores e transformadoras - para um mundo mais justo e com relações mais bonitas, estamos SEMPRE fazendo AMOR e POLÍTICA".


Voltando ao nosso filme, vale muito a pena relembrar essa guerra: 

A Guerra Civil Espanhola começou em 1936 e logo se tornou um acontecimento mundial. Toda a Europa  parecia um barril de pólvora prestes a explodir. E na Espanha, comunismo e fascismo se enfrentaram. Não é errado dizer que, além de ter sofrido uma sangrenta guerra civil, a Espanha foi palco do último ensaio antes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Contudo, ainda que tenha ganhado o mundo, uma guerra civil é uma batalha entre conterrâneos, entre grupos do mesmo país. E, no caso da Guerra Civil Espanhola, todo tipo de questão veio à tona de modo muito intenso: religião, conflito de classes, interesses corporativos, luta pela reforma agrária, ideias de supremacia cultural e de identidade nacional, utopias. Tudo isso somado às manobras dos interesses individuais mais mesquinhos. 

As duas principais linhas de combate da guerra civil: a Frente Popular, que concentrou as forças da esquerda, e o Movimento Nacional, que concentrou, por sua vez, grande parte das forças da direita, lideradas pelo general Francisco Franco. Os nacionalistas partidários de Franco tiveram apoio dos fascistas e nazistas, enquanto os republicanos da Frente Popular receberam apoio do comunismo internacional.

O período que se seguiu ao fim da guerra civil na Espanha ficou conhecido como FRANQUISMO -polo vencedor –  e Francisco Franco assumiu o comando do país. Daí se seguiu a Segunda Guerra Mundial.




O fornecimento de armas, combatentes treinados e equipamentos sofisticados para o combate e para as estratégias de guerras estava na lista dos apoiadores do conflito. Além disso, vários voluntários de várias regiões do mundo também participaram da Guerra Civil Espanhola, como foi o caso do escritor George Orwell (1903-1950), que lutou com os republicanos, contra Franco,  o fascismo e o nazismo. O conflito resultou em enorme destruição dos principais centros urbanos espanhóis e serviu de “anúncio” da catástrofe que viria com a Segunda Guerra Mundial.




Depois da Guerra Civil Espanhola, as guerras nunca mais foram as mesmas. Foram ainda piores. Como agora...

Almodóvar é precioso, no filme MADRES..., ao nos lembrar dessa história, tão recente e tão atual. Há 100 anos estamos lutando contra o imperialismo que se construiu a partir da Segunda Guerra. Quantas guerras estamos vivendo agora, somente a propósito de 'conquistas' imperialistas 'travestidas' de 'vamos invadir tal país, pela democracia', essa é a narrativa... junto com a óbvia 'distorção' do conceito de democracia. O que estamos assistindo na Ucrânia é a resistência imperialista a um mundo multipolar, como colocou, na conversa, nossa famosa SBCense.

E outro SBCense famoso (todxs nós do SBC somos famosxs uns para xs outrxs, porque nos empoderar faz parte da nossa filosofia de vida e de relações) nos trouxe uma análise do psiquiatra Filipe Batista: 
... "Mães Paralelas é brilhante ao usar a linguagem do melodrama, tão cara a Almodóvar, para comunicar o que as histórias que se desenvolvem todos os dias dentro de nossas casas, de nossas relações, têm em comum com a História (com H maiúsculo) que nos precede, e como elas ajudam a construir a História do que ainda está por vir".

Almodóvar é um cineasta do feminino. Além de tudo, o filme nos faz pensar sobre a ausência paterna, a história é sobre duas "mães solo". Em Almodóvar as mulheres são fortes, elas sobrevivem, amam, sofrem, fazem idiotices, mentem e, sobretudo, seguram todas as barras, "aquelas de que os homens fogem". Em "Mães..." Almodóvar mostra que "as verdadeiras heroínas da guerra são as viúvas". Como ele transita do nível íntimo, subjetivo, até o público, a cidadania, a história, nos incitando a refletir sobre nossos papéis em TODOS OS NÍVEIS DE RELAÇÃO.!!!

"Mas por que esse retorno à guerra? Esse fantasma que assombrou por tantos anos a Espanha não foi sepultado quando o rei Juan Carlos subiu ao trono, após a morte de Franco? Ao menos essa era a intenção", pondera o psiquiatra Filipe Batista. Porém, menos de 100 anos depois, o fantasma do fascismo nos ronda, comentamos... 

E Almodóvar nos incita a pensar sobre isso, a encarar esse fantasma. Por isso este é o seu filme mais político, nos mostra a política tanto no sentido amplo quanto no sentido estrito:  a política por trás da maternidade e, ao mesmo tempo,  o político de viver. "Mostra, também nas entrelinhas, um mundo de homens pusilânimes, bêbados, estupradores, traiçoeiros – homens  que ensejaram o horror franquista/fascista, em suas mentiras e perversões." - e que estão ensejando, agora, essas guerras que vivemos. 



Mas nem todas as mulheres se salvam, apontou nosso SBCense. Tem as que reproduzem o modelo patriarcal, machista, autoritário e, num sentido mais amplo, individualista e imperialista: a mãe de Ana, Tereza, interpretada pela atriz espanhola  Aitana Sánchez-Gijón vem da burguesia, sabe bem dar as costas ao passado (o marido) e ao presente (a filha) em favor de sua realização individual. Contenta-se com a salvação pessoal e se diz apolítica. 



E MADRES... é, também, um filme para refletirmos sobre a ausência paterna.  Aos homens da história sobra pouco ou nenhum vestígio, "...seja porque estão mortos e figuram apenas no imaginário, porque renunciaram a esse papel ou simplesmente encontram-se ausentes na história dessas mulheres, que precisaram tecer uma rede de apoio e afeto entre si". 
"Almodóvar nos diz nas entrelinhas que a guerra ceifou a figura paterna do âmbito doméstico e afetivo, e que a Espanha, também personagem da trama, reergueu-se a partir dessas mulheres. Uma organização social patriarcal – longe de ser uma 'exclusividade' dos espanhóis – nutre o homem de privilégios, garantias e possibilita a ele a ausência de interrogação".
Os pais estão ausentes em MADRES... deixaram seus filhos órfãos, e um país também. No final do filme Janis caminha com sua filha ao colo, junto a Ana e outras mulheres... e alguns homens,  poucos. "Mães Paralelas, além de tudo, é um filme para pensarmos sobre ausência paterna. A última cena tem sabor de continuação. Para onde caminham essas mulheres e homens? Os pais seguirão alheios e|ou mortos na vala?".



Não é a toa que,  ontem, em reunião do SBC com a PASTORAL NACIONAL DO POVO DA RUA sobre nosso projeto CARNAVAL "TÁ CAINDO FLOR", o Felipe, filósofo, que pertence a esta instituição (e nosso mais novo SBCense), elaborou a 'teoria' que explica em parte - ou aponta como um dos motivos - o fato de que 80% das pessoas em situação de rua são do sexo masculino: é que, segundo ele, as mulheres são mais capazes de construir redes de apoio entre elas. Ou seja, o machismo, o individualismo, a falta de solidariedade, são conceitos  'construídos' nesse nosso mundo. E que determinam o nosso pensar, sentir e agir... e reproduzir um mundo triste... 

Mas, outro mundo é possível, e talvez ele começa no "feminino presente em todxs nós".








E, junto com Almodóvar, o SBC cantamos:

AMOR E POLÍTICA FAZEMOS NA CAMA E NO MUNDO!!!

Nosso desafio é redefinir e resignificar esses dois conceitos!

E praticarmos os  novos conceitos, construídos, de AMOR e POLITICA, em TODOS os níveis de relação, na CAMA e no MUNDO...

BORA!!!


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