quinta-feira, 17 de março de 2022

Conversas SBCenses: sobre relações mãe-filha|filha-mãe... e todas as outras relações

 



O filme de 2021 é baseado no livro de Elena Ferrante,  pseudônimo de uma escritora italiana, cuja identidade é mantida em segredo. Ela concede poucas entrevistas, todas por escrito e intermediadas pelas suas editoras italianas. Mas a o livro e o filme apresentam algumas diferenças.

"As coisas mais difíceis de falar são as que nós mesmos não conseguimos entender.” Com essa afirmação ao mesmo tempo simples e desconcertante Elena Ferrante logo alerta os leitores: “preparem-se, pois verdades dolorosas estão prestes a ser reveladas”. Lançado originalmente em 2006 e ainda inédito no Brasil, Elena Ferrante parte de elementos simples para construir uma narrativa poderosa sobre a maternidade e as consequências que a família pode ter na vida de diferentes gerações de mulheres. 

 

"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece, como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento" (Clarisse Lispector)





Depois de reportarmos imediatamente à nossa SBCense inspiradora, Clarisse Lispector, começamos nosso trabalho de pesquisa sobre o filme nos sites de cinema. E começamos a conversar e juntar essas críticas com nossas  afetos e reflexões. E já nos surpreendemos com os comentários postados nas críticas, das pessoas, sobre o filme:  Não tem como não observar as diferenças de comentários entre mulheres e homens. A maioria dos comentários das mulheres são empáticos. “Compreensão não é SÓ a intelectual, do pescoço pra cima... e sim a compreensão que reúne coração e razão”. Os comentários dos homens passavam, a maioria deles, pela não compreensão do filme e pela crítica em relação à lentidão do mesmo e sobre o final “vago” (para nós, mulheres, o final e revelador da superação das contradições que guardam o "ser mãe"). Outros, inclusive mulheres, criticam o perfil da protagonista, uma mulher “cruel” e|ou “egoísta”, “A personagem principal já diz como ela mesma é: egoísta e mãe desnaturada”. “Não são essas as falas que nós, mulheres, ouvimos sempre que nos permitimos sair dos padrões ditados pela nossa sociedade?”.

Assim, outras críticas são de que os assuntos que permeiam a história são  “banais”. Aliás, um tema que surge fortemente é a diferença entre o que é esperado dos homens... e das mulheres, quando assumem a criação dos filhos. Do homem não se cobra que esteja sempre presente na formação das crianças, sendo compreensível seu eventual afastamento, seja por motivos profissionais, pessoais, ou emocionais. Já para a mulher, a cobrança e julgamento são implacáveis nesses casos. A possibilidade de uma mãe se sentir muito bem ao deixar a responsabilidade dos filhos com o pai é super mal vista na nossa sociedade.

 

Nos pareceu  que nossa outra grande inspiradora, Martha Medeiros,  também observou comentários desse tipo, pois sua crônica do filme fala sobre o comentário de internauta,  ‘rasteiro’, segundo Martha:  “Não agrega nada à sociedade”. E ela "responde":  “Quem nasceu para pé na areia não alcança. Não é demérito, apenas despreparo. Não recebeu o treinamento da literatura, da filosofia, da psicologia. Ficou sem oxigenação para interpretar subtextos, silêncios, angústias universais. Não chega lá embaixo, onde se enxerga o que não se vê”.


E Martha ainda comenta: “... Muitos se contentam com o superficial e a história mastigada, mesmo que fake – melhor assim, fica mais fácil de ser digerida. Compramos falsos heróis e narrativas toscas, que não exigem muito da sensibilidade e menos ainda de um raciocínio elaborado. Mas a grande ausência é mesmo a da coragem, que tantas vezes nos abandona. Um casamento fracassado que a gente finge que ainda tem valor, um relacionamento fraturado que a gente faz de conta que não dói, um destino desperdiçado que a gente não enfrenta nem muda por preguiça, ou para não contrariar o status quo”. E conclui: NÃO É FÁCIL MERGULHAR. Grande Martha! Obrigada...

Agora, por outro lado, quem consegue se conectar e se identificar com as angústias apresentadas no filme, sobretudo o público feminino, enxerga em Leda uma mulher real, cheia de contradições e dramas genuínos e compreensíveis. Abordando questões delicadas, a história “coloca o dedo na ferida” ao expor uma personagem em conflito com sua relação familiar - com as filhas e com o marido. Isso porque exibe de forma clara como a ideia de “família sempre feliz” (a “família margarina” do comercial) muitas vezes não se aplica na vida prática, sendo uma ‘grande idealização’. No filme, sentimentos como culpa, saudosismo, inveja, ressentimentos e desejo de “consertar” o passado saltam aos olhos. Eles nos fazem mergulhar no interior de Leda, trazendo questões duras de nossa própria vida, tanto como filhas quanto como mães.


O subtítulo da crônica  de Giovanna Bartucci, psicanalista, autora de "Onde Tudo Acontece” sobre o filme,  no caderno Ilustrada Folha de 14.janeiro.22 dá pra gente assustar num primeiro momento. Diz: o filme retrata "a culpa e o desejo de mães não naturais". Assustar e nos  perguntar: O que ela quis dizer com “mães não naturais”? podemos identificar a “natureza” da maternidade? ou trata-se de uma aprendizagem cultural?

Então, ela coloca mais abaixo: “História de uma mulher independente, que abandona as filhas, suscita discussão sobre ambivalências da maternidade”. Sim... acreditamos que todas nós, mulheres, que “aprofundamos” nessa questão, sentimos o peso desse papel materno culturalmente exigido de nós, e sentimos culpa, e sentimos raiva (mas não podemos sentir isso!!!), ou seja, o ‘peso’ da obrigação de sentir somente coisas boas, para reforçar o mito do amor materno.

 

Merece destaque o trabalho espetacular da estreante diretora e roteirista Maggie Gyllenhaal, que também é atriz (indicada ao Oscar de Melhor Atriz pelo filme Coração Louco (2009) e duas vezes ao Globo de Ouro pelos filmes Secretária (2002) e Sherrybaby(2006). Ela, no filme,  consegue revelar ideias e sentimentos ocultos, numa narrativa intimista e cheia de suspense, e lança luz a questionamentos e inquietações inerentes ao universo feminino. E, assim, contribui para uma visão realista e crua da experiência de tornar-se mãe em nossa sociedade. E como é difícil a superação dessa "transformação em objeto de serviço" que o conceito de maternidade, imposto pela sociedade em que vivemos, carrega consigo.

Começamos nossa troca de ideias com a visão mais ampla, política, da condição feminina: "A opressão da mulher surge com a divisão de classes", afirma participante da nossa conversa. ... Porque "a luta emancipacionista das mulheres é, por definição, uma luta anticapitalista, antirracista... o racismo, assim como o machismo, são elementos da dominação de classe. Portanto, raça, classe e gênero estão intimamente interligados e a luta politica feminista é a luta contra toda opressão. E podemos começar pela desnaturalização dos afetos como condição feminina, pois estes são naturalizados a fim de ensejar a sociedade de dominação que vivemos. 

E é essa naturalização dos afetos que vemos questionada no filme. Voltando à crítica da psicanalista Gionanna Bartucci, ela termina dizendo que o filme ... “não obscurece nada” da condição feminina – e nem deveria, diz ela... "Não trata nada como mistério... Está tudo na tela, à plena luz, mais evidente impossível. Basta querer enxergar”... e acrescentamos: ... ou não enxergar, pois “aprendemos” a negar nossa humanidade... e é disso que trata o filme, da construção da nossa subjetividade ... nada mais adequado ao desempenho do papel de mães do que a onipotência, a “perfeição”, ou seja, a desumanização.

Outra mulher que falou sobre o filme de uma maneira muito interessante foi a psicanalista  lacaniana Ana Paula Gomes. Ela começa sua análise lembrando Bergman, famoso cineasta do século passado,  no filme “Sonata de Outono", de 1978 (quem se lembra? Éramos adolescentes - nós, sessentões e sessentonas de agora - ou adultxs jovens... e saiamos dos filmes de Bergman com cara de quem tínhamos entendido TUDO... na verdade entendíamos 'só um pouquinho'):


"Uma mãe e uma filha, que terrível combinação de sentimentos, confusões e destruições. Tudo é possível e é feito em nome do amor e da solicitude. As injúrias da mãe são passadas à filha. As falhas da mãe são pagas pela filha. A infelicidade da mãe é a infelicidade da filha. É como se o cordão umbilical nunca tivesse sido cortado.”


Esta é a fala da personagem Eva, interpretada por Liv Ullmann, filha de Charlotte, protagonizada por Ingrid Bergman em “Sonata de Outono”, um dos clássicos de Bergman. O tema é a devastadora relação mãe-filha, citando Lacan: “a realidade de devastação que constitui, na mulher, em sua maioria, a relação com a mãe, de quem, como mulher, ela realmente parece esperar mais substância que do pai”.

 

O filme de que falamos agora, 'A filha perdida', para Ana Paula Gomes, nos oferece uma bela leitura dessa "visceralidade", que é a constituição do feminino: não há filha sem a mãe, não há mãe sem a mulher, não há mulher sem a filha. Quase uma figura moebiana, bem expressa no filme através da casca da laranja transformada em serpente, figura representativa da mulher que perturba o suposto paraíso da maternidade e da família. Como numa das cenas iniciais em que Leda está sozinha e curtindo sua praia, e a família dona do pedaço a convida para participar da festa, como se só existissem duas opções para uma mulher: ou se integra à família ou é expulsa do Éden.

Muito reveladora a imagem MOEBIANA da laranja, lembrada pela psicanalista. 



A banda de Moebius é também o símbolo do infinito, pois representa um caminho sem começo e sem fim onde se pode percorrer toda a superfície, que aparenta ter dois lados, pelo efeito da torção, mas na verdade tem um só lado. Lacan encontrou na banda de Moebius um importante recurso metafórico para interpretar a estrutura do aparelho psíquico, apresentada em sua obra A interpretação dos sonhos, de 1900. Com essa metáfora, Lacan construiu a possibilidade de entender o psiquismo para além da dicotomia entre corpo e alma, fora e dentro, exterior e interior, esse maniqueísmo da tradição filosófica ocidental desde Platão e Hegel. E, seguindo o filósofo Georges Politzer, que publicou em 1928 a Crítica dos fundamentos da Psicologia: a psicologia e a psicanálise, superou a crença metafísica da “existência de uma vida interior, o mito da interioridade psíquica”, construindo a “psicologia concreta”. As formigas em movimento da imagem moebiana representam apropriadamente a concepção lacaniana do bicho falante como ser do desejo. Desde o século XVIII, John Locke já interpretava o desejo como inquietude. O desejo causa inquietação, no(a) desejante e ao seu redor, não deixa ninguém a vontade. Não é a toa o ditado: “fulano(a) está com formiga no corpo”.

 




Lembramos de novo da nossa inspiradora Clarisse: "O que eu quero ainda não tem nome..."

 






Voltando ao nosso filme, assistimos nele a quebra do mito materno na resposta de Leda a Nina quando esta descobre que ela tinha roubado a boneca da sua filha: “fiz por diversão” porque “sou uma mãe desnaturada”. Isso faz dela uma perversa? Não, apenas uma pessoa dividida entre as dores e as delícias da maternidade que, como querem nos enfiar goela abaixo, não dão conta -  não é tudo - na vida de uma mulher. 

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E, cada trecho do filme, e cada crítica sobre o mesmo, suscitaram nossas reflexões e conversas, como puderam  ver... ler... até aqui... “o enigma como cada mulher, uma a uma, responde à questão: o que é uma mulher? Será, talvez, sustentar como causa de desejo o enigma que se é para si mesma?” pergunta nossa psicanalista lacaniana citada. Obrigada por nos instigar...

Sobre as 'dores e as delícias' da maternidade: todas nós relatamos “impulsos hostis” durante o primeiro ano de maternidade, claro que "completamente inconfessáveis"... uma de nós relatou que no seu quarto tinha um baú, com antiguidades em cima do mesmo, dentre elas um facão antigo herança do seu avô, um fazendeiro do interior ... pois bem, ela teve que tirar o facão do baú e escondê-lo ... pois,  de madrugada, quando estava amamentando, o facão "olhava pra ela" e ela "olhava pro facão"... rimos, todas nós... quem nunca?... humano, demasiado humano...

E as conversas SBCenses suscitadas pelo filme continuaram no campo da reflexão sobre como a maternidade idealizada é uma imposição cultural... e  sobre como isso é imposto ... e as consequência psicológicas e/ou emocionais dessa imposição. 


Uma de nós lembrou do livro que “mudou sua vida”: "O mito do amor materno, um amor conquistado”:

Será o amor materno um instinto, uma tendência feminina inata, ou depende, em grande parte, de um comportamento social, variável de acordo com a época e os costumes? É essa a pergunta que a autora procura responder, desenvolvendo, para isso, uma extensa pesquisa histórica, lúcida e desapaixonada, da qual resulta a convicção de que o instinto materno é um mito, não havendo uma conduta materna universal e necessária. Ao contrário, ela constata a extrema variabilidade desse sentimento, segundo a cultura, as ambições ou as frustrações da mãe. Não pode então fugir à conclusão de que o amor materno é apenas um sentimento humano como outro qualquer e como tal incerto, frágil e imperfeito. Pode existir ou não, pode aparecer e desaparecer, mostrar-se forte ou frágil, preferir um filho ou ser de todos. 
Contrariando a crença generalizada, definitivamente ele não está profundamente inscrito na natureza feminina. O amor materno não constitui um sentimento inerente à condição de mulher, ele não é um determinismo, mas algo que se adquire. Ele é, sim,  produto da evolução social desde princípio do século XIX, já que, como o exame dos dados históricos mostra, nos séculos XVII e XVIII o próprio conceito do amor da mãe aos filhos era outro: as crianças eram normalmente entregues, desde tenra idade, às amas, para que as criassem, e só voltavam ao lar depois dos cinco anos. Dessa maneira, como todos os sentimentos humanos, ele varia de acordo com as flutuações socioeconômicas da história. São essas as conclusões a que chega  Badinter neste seu controvertido estudo.


Outra de nós comentou: as duas filhas da Leda, a protagonista, assim como a filha da jovem do chapéu, a Nina, eram 'insuportáveis'.  E toda criança tem seus momentos insuportáveis! Mas nós, enquanto mães, não podemos sentir isso, temos que engolir essa 'insuportabilidade' e cumprir nosso papel de ‘educar’... a gente engole, reprime, nega...os psicanalistas falam de sublimação... ai, suspiros ... não sabemos o limite entre a sublimação e a negação. Explicando:  a sublimação seria um mecanismo de defesa 'nobre" e a negação e repressão são mecanismos de defesa que geram neuroses. Mas qual o limite entre um e outro?  por exemplo...não admitir 'o humano' em nós ... tão enraizado na nossa cultura ocidental, racional, maniqueísta, platônica... 'aprendizagem' tão enraizada em nós, mulheres, essa de sermos 'mães perfeitas' ...  Lacan, socorro!!!

E, nessa altura da conversa, surgiu um depoimento: "Na verdade eu nunca senti culpa...". Todas nós (ou quase todas) desconfiamos dessa afirmação. "Parece com uma afirmação mais ou menos comum: "Não sou preconceituoso... ou não sou racista... ou não sou machista", de pessoas que usam o mecanismo de negação...  E este mecanismo as impede de "VER" seus preconceitos e machismos e lidar com eles". No caso de uma mulher que diz "nunca senti culpa" será que podemos nos perguntar: como essa culpa "escondida" pode aparecer na forma de "sintomas" outros, como somáticos, por exemplo... obesidade, alcoolismo, "depressão sorridente", entre outros. Pois o que vemos como "patologias femininas"... construídas histórico culturalmente... e tão enraizadas que parecem que fazem parte da nossa natureza" são a ONIPOTÊNCIA (e o outro lado dessa moeda: a CULPA); o PERFECCIONISMO... a OBSSESSÃO... 

E todas nós refletimos sobre essas colocações: ser mãe, conforme os padrões, nos desumaniza! E a obrigatoriedade da incorporação desse padrão idealizado nos é imputada... e as consequências disso são "patológicas", nos geram pesados sofrimentos psíquicos  ... enfim,  precisamos falar muito sobre isso para irmos desconstruindo essa idealização e construindo novos modelos de 'mães possíveis', onde as contradições são consideradas e não omitidas.

Teve, também, um outro depoimento que mereceu atenção de todas nós: "Há pouco tempo eu fiz a proposta a minha filha, já adulta e mãe: vamos construir uma relação para além da relação mãe-filha, uma relação amadurecida, de pessoas adultas?... e percebi|senti que, a partir dessa proposta, ela começa a me criticar de uma maneira cruel, destrutiva... e, segundo ela, em nome da 'simetria' na relação... ainda segundo a mesma, ela conversa "desse jeito" com suas amigas. Acho que "me arrependi" da proposta Pensei que, para mãe e filha serem adultas, estabelecerem uma relação simétrica, passa necessariamente pela verificação constante, por parte das duas, de "onde e como" elas estariam reproduzindo, de alguma forma, o modelo mãe-filha, e não pela negação dessa relação e da profundidade que a mesma tem nas nossas vidas...  

Como é fundamental para a vida a aprendizagem de "viver|permanecer" com as contradições! A vida não é linear... não somos perfeitas... a busca do reconhecimento "como perfeitas" nos gera tantos "sofrimentos desnecessários"! ... comentou outra participante. E ela continua: "Percebo que, quando estamos nessa "armadilha cultural da busca de reconhecimento como perfeitas",  toda e qualquer observação, de mãe para filha (e|ou de filha para mãe) soa como crítica e já nos coloca na defensiva, e, muitas vezes, nos defendemos agredindo...

Em seguida, na nossa conversa, uma de nós fez um relato de ‘descoberta profunda” (ou óbvia, o profundo é o óbvio, segundo ela... mas, para descobrir,  temos que ‘escarafunchar’... porque é difícil de ‘ver’.. ou “não queremos ver”... porque ver nos “obriga” a mudar... porém, essas descobertas nos trazem uma leveza incrível!). E essa SBCense, que estava acompanhando nosso projeto “Semana da Arte Moderna” e tinha lido o post sobre o Oswald de Andrade, teve um insight que chamou de “psicanálise antropofágica brasileira na relação mãe-filha”: pois a ideia da antropofagia é a de que, em vez dos colonizadores europeus nos engolir, nós, brasileiros, é que vamos engoli-los, e depois, vomitar “do nosso jeito”, com a nossa identidade. Pois identidade não vem a ser a construção da resposta “quem sou eu?” e|ou “quem somos nós?” para a vida toda ... e Freud e Lacan, ambos não usaram de metáforas para construir suas teorias? Freud usou o mito de Édipo, que foi um ser que buscou incessantemente resposta à pergunta "quem sou eu"...  E Lacan usou da metáfora  moebiana, como no filme, já comentada. Reparem como a arte anda de mãos dadas com as “teorias psíquicas” mais relevantes que conhecemos. 

Pois bem, elaborei minha própria teoria, uma "metáfora brasileira" sobre a construção da nossa "identidade feminina" nas nossas relações com nossas mães e filhas: “eu quero te matar para ser eu... mas não consigo porque 'eu sou você'!... você está dentro de mim! ... então "eu te engulo" e "te vomito" já sendo eu..."

E todas nós compreendemos profundamente essa metáfora. E falamos sobre ela: descobri que o “é do meu jeito, eu faço do meu jeito, quero as coisas do meu jeito” que a minha mãe sempre diz, e que me irrita profundamente, significa nada mais nada menos do que o movimento de “permitir que ela seja, para eu me permitir, também, ser eu mesma”. E esse movimento é constante, para a vida toda, e ampliando para todas as nossas relações.

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Estávamos vendo o vídeo acima, da Cida Pedrosa no Programa Travessias da  TV Grabois, sobre a Nise da Silveira(1905-1999), psiquiatra brasileira pioneira do tratamento humanizado em saúde mental, quando ela se surpreende com a informação de que a Nise “escolheu” não ter filhos, para se dedicar à medicina, isso na década de 30 do século passado.  Mas por que a surpresa? e ela responde: o sonho de toda mulher é ser mãe! ... não é tão surpreendente que uma mulher de mais de 70 anos pense assim, o que surpreende é que mulheres de 20, 30 anos também (ou ainda...) pensem. Como disse Nietzche, “a cultura é nossa segunda natureza”... mas é cultura, portanto, somos objeto da cultura ... e,  ao mesmo tempo sujeitos, construímos  cultura e história.

E, para sermos sujeitxs da nossa história e da nossa cultura, precisamos “aprofundar”. Precisamos falar dos nossos sentimentos ... de culpa, de onipotência... precisamos “ver” a reprodução das nossas idealizações. Idealizamos nossas mães e exigimos delas a perfeição; idealizamos nossas filhas... e mais: sofremos para corresponder às idealizações colocadas por elas... e, nesse processo, nos desumanizamos... e sofremos mais... a  "necessidade de ser reconhecida" nos escraviza ... e essas reproduções se perpetuam, se não a “encaramos”.

E paramos por aqui, depois de umas três horas de conversas que significaram uma catarse para todas nós, um processo de superação, lembrando que "superação" NÃO significa esquecer, negar as posições anteriores... significa SIM considerá-las sempre... porque elas sempre existem... mas existe, também um "outro jeito" de pensar, sentir e agir, para além daquelas posições, incluindo sempre as mesmas. E assim vamos crescendo umas com as outras...


Terminamos voltando ao nosso filme, quando a protagonista cita esta frase que nos diz muito: "A ATENCÃO É A FORMA MAIS RARA E PURA DE GENEROSIDADE", de Simone Adolphine Weil (1909-1943) escritora e filósofa francesa, que se tornou operária da Renault para escrever sobre o cotidiano dentro das fábricas, além de ter lutado na Guerra Civil Espanhola ao lado dos republicanos, e na Resistência  Francesa, em Londres.

E mais uma vez fizemos o movimento do GERAL para o PARTICULAR para o GERAL, confirmando que nossas lutas contra toda forma de opressão vai desde "enxergarmos" nossos próprios afetos que orientam nossas ações e alimentam o sistema opressor,  até o engajamento na luta no nível público, na luta política ampla por um mundo mais plural e mais BONITO... 

Abraços carinhosos...

Santuza TU






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