sábado, 8 de janeiro de 2022

Conversas SBCenses: Não olhem para cima, olhem para todos os lados!!!

Começamos o ano de 2022 vendo o filme "Não olhe para cima", super "badalado" como se dizia no século passado.



Sinopse: Não olhe para cima conta a história de Randall Mindy (Leonardo di Caprio) e Kate Dibiaswky (Jennifer Lawrence), dois astrônomos que fazem uma descoberta surpreendente de um cometa orbitando dentro do sistema soar que está em rota de colisão direta com a terra. Com a ajuda do Dr. Oglethorpe (Rob Morgan), Kate e Randall embarcam em um tour pela mídia, que os leva ao escritório da Presidente Orlean (Meryl Streep) e de seu filho Jason (Jonah Hill). Com apenas seis meses até o cometa fazer o impacto, gerenciar o ciclo de notícias de 24 horas e ganhar a atenção do público obcecado pelas mídias sociais, antes que seja tarde demais, se mostra chocantemente cômico.







Inúmeros comentários,  desde as comparações   'mais ou menos óbvias'  de 'lá de cima', do capitalismo imperialista estadunidense, para o 'quintal' (que somos nós aqui nesse Brasil)... 





...até comentários bonitos (e utópicos, no sentido de "tratar o impossível como se fosse possível") sobre o final do filme, onde, com a chegada inevitável do cometa à terra, não restava outra alternativa àquele grupo que teria feito tudo para que isso não tivesse acontecido, do que se juntarem numa 'comemoração', não celebração ou festejo, mas a comemoração da vida quando ela está prestes a terminar ou, quem sabe, uma outra vida prestes a começar...

                                  
... passando pelos comentários interrogativos: "não sei ainda porque a presidência está representada por uma mulher!!!???" ; e de perplexidade: "impressinadx com o termo 'treinamento midiático' que foi usado se referindo à cientista, quando ela 'surtou' na frente das câmeras. A justificativa foi: ela não recebeu 'treinamento midiático'! ou seja, ela não está preparada para "tudo de 'fabricado' que vem a ser a 'mídia capitalista'!!!"

 ... e recebendo artigo da querida SBCense  Edna Aparecida Lisboa Soares: Doutora em Língua Portuguesa e Lingüística;  Professora em cursos de graduação e pós-graduação. Consultora educacional e empresarial, publicado no site "sala de Cultura".

"... Não só temas como o negacionismo, a crise climática e a pandemia de covid-19 subiram ao palco das discussões, como também o bullying sofrido por mulheres, o jornalismo leve e espirituoso, o oportunismo, as fake News, a pseudociência, a espetacularização e a distorção do real, a falência da escuta e do diálogo, a inversão de prioridades, a ignorância e a imbecilidade humanas, dentre muitos outros...
Toda essa abundância de temáticas inevitavelmente me fez reiterar a óbvia, mas comumente renegada crença de que qualquer situação, fato ou questão precisam ser observados a partir de vários ângulos e perspectivas...
Tal obra cinematográfica parece nos convidar a olhar em todas as direções, exceto para o próprio umbigo ou para baixo, em atitude de subserviência. Considero, portanto, que o filme conseguiu, de forma eficaz, tecer críticas a várias situações e questões essenciais da atualidade, embora, paradoxalmente, para tal, tenha lançado mão do humor e da leveza, algo bastante ironizado, ao longo de 2 horas e 22 minutos, a partir da construção caricatural de cada personagem. Mas talvez tenha sido esse o melhor recurso encontrado pelo diretor e roteirista Adam McKay, como estratégia certeira de captação da atenção do público, na esperança de sensibilizá-lo para a urgência de certas reflexões, tomadas de consciência e mudanças de postura. Afinal de contas, como o próprio filme denuncia, parece que hoje não se consegue conversar com o público se o entretenimento e a leveza forem desbancados pelo incômodo, mesmo em se tratando de questões que não comportam leveza nem tão pouco diversão".
                        
Fazendo o exercício sugerido de olhar em todas as direções, nos deparamos com texto no facebook, da querida amiga Dirlene Marques, economista, professora na UFMG, grande feminista e política. Seu texto, realmente, nos traz uma perspectiva mais ampla e pertinente de pensar o filme:

  "Olho para fora e vejo muita chuva. Fico feliz pois ajuda a recuperação da natureza. Mas, acompanho o que a população pobre (fundamentalmente) está passando: inundações, pessoas morrendo, moradias construídas com grande esforço sendo destruídas. Populações inteiras sendo desalojadas. E, autoridades e imprensa sempre sugerindo que a responsabilidade é a quantidade de chuva. De forma sutil, levanta a responsabilidade de governantes, algumas vezes das empresas, algumas vezes da natureza, algumas vezes das pessoas que são irresponsáveis e moram em locais inadequados. Continuam desvinculando a forma predatória do desenvolvimento do capitalismo com as tragédias que ocorrem: rompimento de barragens, secas, incêndios, mortes.
   Esta é a mesma lógica de como tratam o desemprego, o subemprego, a precarização. E responsabilidade das pessoas que não tem qualificação. A famosa “empregabilidade”. Vários economistas já falaram e agora o pesquisador Piketty mostrou, com os dados mundiais disponíveis, que no mundo desenvolvido em torno de 30% da população é desnecessária. No Brasil, fica em torno de 40%. Portanto, para continuar o processo de acumulação de exploração, o capital não precisa de 40% de nosso povo. Podem morrer (619 mil pessoas mortas pela covid, não é problema. E solução para o capitalismo pois a maioria são velhos, negras e negros e pobres), são descartáveis.
   Toda esta percepção do mundo vi refletido no filme Não Olhe para Cima... um filme hollywoodiano. Sutilmente, mostra que os monstros são a presidenta, a imprensa, a tecnologia, controladas por um capitalista. Onde todos ganham pessoalmente. A imprensa mais audiência. A presidenta apoio para a reeleição. O capitalista, mais lucro. E ainda colocam uma mulher na presidência, um negro como locutor (distorção? Claro que não. Mostra que todas as pessoas são iguais). Mostrando que as pessoas é que são ruins, independentemente de serem mulheres ou negras. E precisam é de um grande líder para salvar o mundo. Mantem assim intocado o sistema capitalista. Só trocar um líder mau por um líder bom. Projeto? Para que?
   A forma cada vez mais predatória do capitalismo não é sequer tocado em nenhuma situação. Vai criando uma situação em que mesmo as pessoas que tem alguma humanidade, que tem alguma sensibilidade com o que está ocorrendo ao seu redor com os seres animais humanos e não humanos, com a natureza prefere não ver a essência do problema. É melhor ficar na superficialidade e não questionar o sistema. Razoes? São várias. Desde o não entendimento da dinâmica do capitalismo e acreditar em sua reforma, na construção de um capitalismo humanizado até as pessoas que não querem ver pois teriam de repensar seu modo de vida, de repensar suas opções políticas".

Dirlene se diz pessimista na análise e otimista na ação. E conta do seu investimento na organização social, nas lutas das opressões, nas lutas ambientais, mas sempre ... sempre mostrando que nada disto resolve se não substituirmos o sistema capitalista, cujo objetivo é o lucro... a qualquer custo. E continua dizendo:   "Acredito nas lutas. Acredito no povo trabalhador. E tenho um norte: a sociedade socialista".


E finaliza seu texto citando Rosa de Luxemburgo.

Obrigada querida Dirlene!

Também acreditamos e lutamos. "Nosso rumo é o socialismo", como disse nossa  SBCense Antonieta Shirlene.

Nos vemos na luta...




Mas não paramos por ai... continuamos a olhar para todos os lados... e vimos mais uma publicação que merece nossa atenção: artigo de Mariana Bastos, diretora e roteirista brasileira, publicado pela Revista Jacobin e no Portal Vermelho (link abaixo pra quem quiser ler o artigo todo)
Ela faz a seguinte pergunta: "Seria Hollywood capaz de empregar uma montanha de dinheiro similar em uma narrativa em que o poder popular se insurgisse coletivamente contra essa minoria que nos leva ao colapso, e instituísse uma nova ordem política, social, ambiental e econômica mais justa, que nos salvasse do cometa no filme e da crise climática na vida real? Provavelmente muitos dirão que não usando uma pretensa verossimilhança como argumento, justamente porque, com a nossa imaginação amputada pela mentalidade neoliberal, "é muito mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo"...  citando Mark Fisher (1968-2017)

É sobre isso que Mark Fisher fala em seu livro REALISMO CAPITALISTA, escrito em 2009. O filósofo britânico usa esse termo para descrever um tipo de ideologia que propaga a sensação generalizada de que não apenas o capitalismo é o único sistema político-econômico viável, como também é impossível imaginar uma alternativa coerente a ele. Neste livro, o autor cunhou o termo “impotência reflexiva”, que serve bem para descrever a sensação de apatia coletiva retratada no filme diante de um apocalipse iminente. Trata-se de um fenômeno no qual as pessoas até reconhecem a incapacidade do capitalismo de lidar com os graves problemas sistêmicos que enfrentamos, mesmo assim são incapazes de imaginar mudanças drásticas, apostando apenas em reformar o sistema. Segundo Fisher, essa inação leva a uma profecia autorrealizável, assim como a uma deterioração da saúde mental.

Mariana Bastos
O realismo capitalista brasileiro consegue ser tão aterrorizante  quanto o filme da Netflix, diz Mariana. No Brasil, ela analisa,  este "realismo" tem sido especialmente eficiente em criar um espantalho comunista que é evocado sempre que a direita e a extrema direita querem abocanhar o poder. A autora cita recente pesquisa doo Datafolha, que  perguntou sobre o medo da população em relação a uma fantasiosa ameaça comunista após a próxima eleição. 44% dos entrevistados disseram que temem que isso aconteça, mas eu duvido muito que, antes de serem questionados sobre isso, uma parcela grande tenha tido alguma reflexão mais profunda a esse respeito. "Curiosamente, o mesmo instituto não se deu ao trabalho de perguntar se a população brasileira teme que o Estado seja amplamente dominado pela milícia, uma realidade bem mais palpável".
Muitas pessoas acham que o filme serve para uma "tomada de consciência coletiva". Também consideramos essa hipótese, mas somente se o filme servir de pretexto para muuuita conversa, muuuuita reflexão e muuuita elaboração. De outra forma pode apenas servir para reforçar a alienação e manter intacto o sistema. 
E Mariana nos propõe olharmos para outros lados, contra o fim do mundo. E ela (e nós também), olhando para outros lados, vemos gente como Ailton Krenak, que "ao longo dos últimos anos tem feito um esforço imenso para nos ajudar a imaginar novos mundos possíveis". 

“Nós não podemos nos render a essa narrativa de fim de mundo. Essa narrativa é para nos fazer desistir de nossos sonhos", diz Krenak no vídeo "Cartografias para adiar o fim do mundo". 

E Mariana termina: "Existem muitas formas de olhar para o lado, seja doando dinheiro para os atingidos pelas chuvas... seja para alguma iniciativa que ajude a alimentar a metade da população brasileira atingida pela insegurança alimentar. Mas uma forma mais contundente de enfrentar o colapso é doar tempo para se organizar de forma coletiva".

"Todo tempo doado para a organização coletiva é um tempo roubado do capitalismo".

E nos lembramos do grande brasileiro, jurista filósofo do direito marxista, ALYSSON LEANDRO BARBATE MASCARO, 



... que nos fala de uma maneira explêndida do grande filósofo do marxismo estrutural LOUIS ALTHUSSER (1918-1990), principalmente no seu livro em parceria com Vitttorio Morfino "Althusser e o materialismo aleatório", da Editora Contracorrente.
   Althusser critica o capitalismo pós segunda guerra que, segundo ele, 'sofistica os mecanismos de dominação' e 'permite a exploração'... através da IDEOLOGIA.
   Para Althusser,  qual o sentido da palavra IDEOLOGIA?
ideologia se traduz na imposição da hegemonia de uma classe sobre as demais, ou seja, na capacidade que a classe dominante tem de tornar predominantes seus interesses e necessidades, por meio do Estado ou da mídia, na medida em que os aparelhos ideológicos difundem os ideais e os pensamentos dominantes.
   E o que são 'aparelhos ideológicos'? 
Althusser afirma que a ideologia compreende uma existência material pois “uma ideologia sempre existe em um aparelho, em sua prática ou de práticas.” Ela sempre se manifesta através de ações, que estão inseridas em práticas, por exemplo, rituais, comportamentos convencionais etc Todos os aparatos ideológicos do Estado, sejam eles quais forem (família, educação, religião,...), contribuem para o mesmo resultado: a reprodução de relações de produção, isto é, relações de exploração capitalistas.

E o Alysson Mascaro completa dizendo do 'diálogo' entre Althusser e a psicanálise, que a IDEOLOGIA, constitui a nossa subjetividade, o nosso inconsciente, nossos desejos, domina toda a nossa compreensão de mundo... o que permite a exploração.

E, portanto, será preciso superar a constituição ideológica do capitalismo e criar a possibilidade da construção de outros aparelhos ideológicos, outra ideologia que criaria o desejo "do povo se levantar para mudar o mundo".  E ele nos dá a dica: a construção de CENTROS SOCIALISTAS, a partir de encontros para conversar sobre VIDA E POLÍTICA, em espaços que podem ser a calçada, a rua, a garagem, em torno do fogão a lenha... como são alguns encontros do SBC já relatados aqui no nosso blog (vejam, por exemplo, post de 15 de dezembro de 2021: Na calçada: conversando sobre maniqueísmo (e mais um pouco sobre democracia...s).
Enfim, precisamos nos organizar, olhar para todos os lados, enfrentar e construir a transformação social necessária a um mundo melhor, mais justo, mais bonito... como ensinam Mark Fisher, Ailton Krenak, Mariana,  Dirlene, Mascaro, Edna, Althusser... e muitxs outrxs...

Gratidão a todas e todos... 










2 comentários:

  1. Pelo que podemos ver ao longo dos anos,mudar a mentalidade humana e muito difícil,mas continuar é preciso.

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