quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Conversas SBCenses de fim de ano: sobre RESSIGNIFICAÇÕES

                       

Vocês já sabem que o SBC adora ressignificar palavras (ou conceitos), a fim de orientar nossas vidas para o bem viver e bem relacionar.  Então, inúmeros conceitos já aprendemos (e reproduzimos)  de uma forma distorcida, ou seja, de uma forma que a prática daquilo conceituado se desvirtua de qualidade de vida e qualidade de relações. Falamos também que a ressignificação de conceitos orientada pelo sentido estético, do belo, do bom para a vida, transforma nossas vidas para bem melhor.

Então, nossa primeira ressignificação, importantíssima, é da palavra BOBAGEM. Bobagem, para o SBC significa “coisas boas para a vida”, inclusive “bobagem” no sentido “restrito” da palavra (aqui em Minas: bobiça, que pode ser ‘fazer sexo’ ou ‘ficar sem fazer nada’, curioso os dois significados né?)

Outra palavra que já conversamos e já fizemos grandes ressignificações, orientadoras do pensar, sentir e agir: CONFLITOS...

Sim... e foi sobre conflitos que conversamos nesse fim de ano. Pois nossa aprendizagem sobre conflito não nos leva a temê-los, a fugir deles que nem o diabo da cruz? de maneira tal que enxergamos as nossas vidas e as nossas relações de uma maneira linear... Os conflitos estão escondidos, “fagocitados” como disse a SBCense Laura, escondidos em bolsões...Em outras palavras, negados, reprimidos, escondidos, protelados, procrastinados... E não estaríamos conversando sobre isso se essas “fagocitoses” não nos causassem sofrimentos que, muitas vezes, só o corpo sente, ocorre que não temos consciência  mas eles estão aí fazendo os estragos psíquicos.

Pois o que conversamos é que os conflitos abertos geram CRESCIMENTO, enquanto os conflitos “engolidos” geram SOFRIMENTO. E o que seriam os conflitos abertos? Como aprender a abrir conflitos? E antes, quais conflitos, que tipos de conflitos?

O exercício de PERGUNTAR já é ótimo para o objetivo de abrir conflitos, tanto os conflitos internos quanto os conflitos relacionais. Rever a história (nossa história e a história), ressignificá-la para a vida... nos faz apropriar de nós mesmxs, assim como nos transformarmos em sujeitos, construtores da própria história e da história, do nosso pais e do mundo, ou seja, seres políticos.

E assim ia a conversa, quando a Shirlene nos fez a proposta cineclubista: vamos ver (e conversar) sobre o filme super recomendado? ‘A mão de Deus’,  candidato ao Oscar 22. Trata-se de “película” do cineasta italiano Paolo Sorrentino, famoso por outros filmes muito bacanas: Le conseguenze dell’amore (2004), A grande beleza (2013), entre outros.

Sinopse oficial: A Mão de Deus conta a história de um menino, Fabietto  (Filippo Scotti), na tumultuada Nápoles dos anos 1980. O filme é cheio de alegrias inesperadas, como a chegada da lenda do futebol Diego Maradona, e uma tragédia igualmente surpreendente. O destino desempenha seu papel e o futuro de Fabietto é posto em movimento.


Os SBCenses do século passado se lembrarão do Maradona. O título é tirado do gol de “Dios” contra a Inglaterra na Copa 1986. Mas o filme não é sobre o Maradona, e sim sobre as memórias de vida do cineasta. Ao mergulhar nas próprias memórias, Sorrentino repete de maneira maravilhosa outros cineastas famosos, segundo Luiz, SBCense cinéfilo.  Foi assim com Roma, de Fellini, em 1972; com Eraserhead, de David Lynch, em 1977; com Mais um Ano, de Mike Leigh, em 2010; com Roma, de Alfonso Cuarón, em 2014.

E, mais recente, em 2019, com Dor e Glória, de Pedro Almodóvar. Como todos esses, o filme de Sorrentino trata de amadurecimento e de autoanálise.

Para remontar e ressignificar sua história, Sorrentino transforma todos os personagens em peças essenciais para um quebra-cabeça, que revela toda a ambientação para a construção do seu próprio eu.  É um drama gestáltico, de apropriação. E o mais bonito é que ele faz isso valorizando sempre as pessoas. Todas elas são fundamentais para essa apropriação da história e da vida. O Maradona, a tia voluptuosa, o amigo contrabandista, o pai e a mãe, irmão e irmã, a viúva do primeiro sexo... E o cineasta Capuano com quem o jovem Fabietto conversa antes de partir de Nápoles, com seus medos e paixões guardadas na paisagem que agora ele reconstrói com “a mão de Deus” (outro significado possível para o título do filme).

 Aliás, o filme é cheio de simbolismos, que é o que a gente faz, de forma mais (ou menos) consciente, com as nossas memórias. “Reparem que o filme pode nos dizer que nossa memória histórica não é linear, é pontual, lembramos daqueles 'pontos' na história que nos marcaram, bem ou mal. Acho que todos nós deveríamos fazer um ‘filme’ das nossas vidas... Do tipo ‘refazer nossa memória histórica’, ‘pontuando’ aquelas experiências (agradáveis ou tristes) que nos fizeram crescer, responder/construir o ‘quem sou eu’; e mais: o que as pessoas que passaram por nossas vidas nos acrescentaram... Pois assim é a vida, crescemos através do outro e vice versa, esta é, pra mim, a nossa principal característica, que nos humaniza”, Maria fez esta reflexão muito importante para nós.

E foi nessa altura da conversa que “pontuamos” o Capuano, aquele cineasta que conversou com o jovem Fabietto, o protagonista da “película”. E o Capuano disse a ele, em alto e bom tom:

                “SEM CONFLITO NÃO SE PROGRIDE!!!

                     SEM CONFLITO  É SÓ SEXO...

                            E SEXO É INÚTIL!!!”

 E foi nesse ponto que todo mundo “rachou” de rir... pois, a princípio, a frase não combina com o SBC. Sexo inútil? como assim!!!

 Porém, pouco a pouco fomos entendendo mais profundamente o sentido dessa frase... e ressignificando, lógico:

Sim, claro, sexo é inútil... mas é bom, nem tudo útil é bom, bonito, gostoso... Segundo SBCense famosa, sexo “mesmo quando é ruim é bom”.

Mas é inútil!!! Afirmou outra SBCence: “quase sempre esquecemos da expressão “relação sexual” e podemos “cair” na mesmice do sexo enquanto performance alienada, sexo automático, apenas físico. Nesse sentido o orgasmo seria apenas uma coceirinha... gostosa, mas coceirinha”.

Preferimos não entrar em conflito “pela razão” dessa vez. Neste caso seria conflito desnecessário, melhor cada SBCense ficar com sua percepção sobre sexo. O exercício de respeitar o diferente também faz parte do desenvolvimento da competência para lidar com os conflitos.

Então, caminhamos mais no conceito de conflito: só, e somente só, o conflito faz crescer... e crescer é o “destino” humano. Capuano diz que sem conflito não se progride. E ox filósofxs SBCences foram acrescentando, explorando os tipos de conflitos, como lidar com os mesmos, como superá-los e crescer com eles:


O Carlos, que tinha acabado de ver live do Miguel Nicolelis, famoso neurocientista brasileiro (Cérebro: O verdadeiro criador de tudo, live do Instituto Conhecimento Liberta), disse: "O cérebro humano é capaz de, em os fatos não sendo convenientes ou agradarem, brigar com eles ou desacreditá-los ou achar que, assim, eles não vão acontecer. Ou seja, nosso cérebro é capaz de nos enganar, se não fizermos sempre o exercício de juntar cérebro, coração e mãos (pensar, sentir e agir)". Conversamos sobre isso no nosso encontro anterior (veja post de 15.dezembro.21, quando conversamos sobre maniqueísmos).


Já a Nice, psicóloga, buscou Freud: A expressão 'conflito de tendências' é usual em psicologia e em psicanálise, especialmente no que diz respeito aos conflitos entre o consciente e o inconsciente. No vocabulário de psicanálise, o conflito entre as exigências do Ego e do Id ou do Superego pode ser gerador de neurose, se não for deslocado do inconsciente para a consciência. Ou seja, ter coragem de trazer para a consciência todas as nossas emoções e desejos, tanto aqueles aceitos socialmente quanto as emoções 'condenadas' (e reprimidas) ...  E "aprendermos" a lidar com todos eles (emoções e desejos), realizando escolhas... não imaginam o sentimento de "leveza" na vida que esse exercício nos traz. Porém, ao contrário, aprendemos a reprimir, negar, abafar as emoções consideradas "negativas", aquelas que não "devemos" ter... Mas elas, mesmo reprimidas, estão nos movendo, orientando nossas ações, sem que saibamos. Trazer à tona essas emoções nos permite lidar melhor com elas, até mesmo ressignificá-las. Por exemplo, aprendemos que ter inveja é feio... quando, na verdade,  a inveja pode ser altamente mobilizadora,  se soubermos considerá-la positivamente.  Conversamos sobre esse tema no nosso post de 08.dezembro.20: "Quando amo, o que estou amando?", quando falamos sobre relações simbióticas, sobre a inveja e sobre a 'prateleira' que 'aprendemos' a construir, onde as emoções tidas como "nobres' estão no alto e as 'menos nobres' estão escondidas lá embaixo.

Enfim, aprendemos muito com a Nice. E a Clarice lembrou sua xará, a Lispector:

"Que minha solidão de sirva de companhia. 
Que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Que eu saiba ficar com o nada e, mesmo assim,
me sentir como se estivesse plena de tudo." 
LISPECTOR, Clarice. In: Um sopro de vida (pulsações)

E lembramos também (e cantamos...) a música do Caetano, super pertinente a nossa conversa:


E o Santana, que é do século passado, lembrou de um grande papa da segunda metade daquele século, João XXIII:  "eu aprendi com ele uma 'oração da serenidade' que, algumas vezes eu 'rezo', mesmo não sendo religioso":

"VER, VER TUDO, NÃO TER MEDO DE VER,... DEIXAR PASSAR UM TANTO DE COISA... E FAZER UM POUCO A CADA DIA".

Nem sei se a oração é mesmo desse jeito, mas eu aprendi assim, disse Santana. "E tem um significado libertador, pra mim: enfrentar o medo de me ver humano; deixar passar o que não dou conta de resolver, mas deixar à vista, consciente; e, diariamente, agir o tanto que eu der conta, na direção da construção que eu quero construir pra minha vida e minhas relações".

Quando conversamos sobre a categoria de 'conflitos relacionais', a contribuição foi da nossa querida SBCense Juliana: "Por causa do medo que aprendemos a ter de qualquer conflito, buscamos uma espécie de linearidade da vida e das relações... A paz... O 'foram felizes para sempre'. Mas sabemos que isso não existe. Trata-se de uma idealização, de si mesmx, dx outrx, da vida, das relações... enfim, um movimento de nos desumanizarmos".  Uma amiga me disse, outro dia, do término de uma relação afetivo/sexual... muito triste: "eu estava contando pra ele um pouco sobre a minha história de vida e minhas relações afetivo-sexuais, tanto nos pontos bem sucedidos quanto nas frustrações, quando ele me interrompeu dizendo: Nossa, eu achei que você fosse "bem resolvida"! eu respondi: Não! sou humana!... foi daí que comecei a perceber que ele estava me mitificando e fiquei com medo, pois da mitificação para o desprezo é um pulo... perdemos a condição humana de admiração... e não deu outra: em pouco tempo ele arrumou um pretexto pra terminar".  E Juliana continuou avaliando o quanto é difícil caminhar na superação de conflitos relacionais quando não existe mais x outrx. Por exemplo quando a pessoa não está mais disposta a conversar... ou quando não temos mais nossa mãe ou nosso pai ou nosso irmão ou nosso filho, para 'fechar gestalts". Quando queremos "fechar gestalts" (que significa crescer com as experiências, seja quais forem, mesmo as tristes, de perdas),  e não temos x outrx para realizar isso conosco, precisamos ampliar nossa capacidade de sermos honestxs conosco, para lidar com esses conflitos nem com auto condenação nem culpando x outrx, tentar não omitir de nós mesmxs todas as emoções conflitantes... Olhar pra elas... rir, chorar... e seguir em frente.


Lembramos, e cantamos, Chico César:

Temos, também SBCenses da área de Recursos Humanos. E então o Sergio, dessa área, compartilhou conosco o print de texto sobre "Conflito organizacional", que fala sobre tipos de conflitos e sobre a competência do gestor na administração dos mesmos, e considera, como nós, que os conflitos são inerentes ao ser humano e, portanto, sabendo lidar com eles, os mesmos podem se tornar oportunidades em vez de ameaças. O texto se baseia em teoria de Idalberto Chiavenato, estudioso da área de administração de empresas e recursos humanos, conhecido por sua série de livros e artigos sobre os temas, sendo um dos autores brasileiros de maior destaque nesse meio.




E, como temos SBCenses de várias áreas de reflexão e atuação profissional, tivemos também o André, que, abordando a questão de conflito na filosofia, nos trouxe o 'encarte'  abaixo, que aborda o sentido de CONFLITO numa perspectiva mais ampla:
O André leu o encarte e comparou o mesmo com este outro que tinha acabado de receber:



Ao contrário do que estamos propondo, este é o conceito de conflito que recebemos e internalizamos. Ou seja, registramos nas nossas mentes e traduzimos em ações nas nossas relações e na nossa visão de mundo. E, quando começamos a realizar o movimento de ressignificação, vamos caminhando para 'ser' e 'relacionar' melhor. 

E concluímos sobre a necessidade urgente de fazermos esse movimento de ressignificação do conceito de CONFLITO proposto na filosofia (e na filosofia SBCense...), até mesmo para compreendermos o mundo em transformação que se nos apresenta, um mundo saindo da polarização e caminhando para a pluralidade,  em que conflito aberto não é entendimento como guerra, e, sim, como desenvolvimento do respeito a cada nação. 

E, como vimos, o movimento (de compreensão e atuação) é (e será) em todos os níveis de relação.

Por último, voltamos à questão dos CONFLITOS DESNECESSÁRIOS, e a Helena lembrou, com risos de todxs, o saudoso humorista Paulo Gustavo que, no seu último programa de fim de ano, falou dos conflitos em família: quando começa a falar de política formam-se facções, e o ruim é ficar na facção "arroz com farofa"; aí tem que fazer o maior esforço para reconciliar com a tia direitosa do pastelão. Se você conseguir, lá pelas quatro horas da manhã, você vai estar comendo o melhor pastelão do mundo. 

E foi assim que terminou nosso encontro: com risos, abraços, e desejos de 

MUITOS CONFLITOS PARA NÓS EM 2022, DOS BONS!!!

Em TODOS os níveis de relação, desde EU comigx mesmx até EU enquanto ser político. Pois, acreditem, os conflitos  nos produzem grande crescimento humano, são LIBERTADORES...


Então... Até 2022...




 



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