sábado, 20 de março de 2021

Sobre árvores, troncos e outras "bobagens"

 

Não fazes favor nenhum
Em gostar de alguém
Nem eu, nem eu, nem eu
Quem inventou o amor
Não fui eu
Não fui eu, não fui eu
Não fui eu nem ninguém
O amor acontece na vida
Estavas desprevenida
E por acaso eu também
E como o acaso é importante querida
De nossas vidas a vida
Fez um brinquedo também.

Contra o caos, cantamos e dançamos, parodiando Adriana Calcanhoto. Esta música linda,  do Caymmi, introduzindo nosso assunto de hoje,  é só para pegar o conceito de ACASO.

Segundo nosso amigo GOOGLE, a palavra ACASO (sem causa) tem três significados: 

. algo que acontece sem finalidade ou sem objetivo, algo sem causa final. Neste sentido, o acaso, filosoficamente entendido, se opõe à teologia;

. algo que acontece sem ser consequência de algo passado, ou seja, efeito que não se explica por uma determinação precedente, Neste sentido, o acaso, filosoficamente entendido, se opõe ao pré-determinismo;

. algo que acontece sem ser explicado por nenhuma relação com outras coisas, isto é, sem qualquer determinação. Neste sentido, o acaso, filosoficamente entendido, se opõe ao determinismo.

Viram que nosso amigo ACASO já tem em si mesmo a alma transgressora né? se opõe a teologia (foi Deus...); se opõe ao pré-determinismo (estava escrito nas estrelas...) e se opõe ao determinismo (eu não disse?).

Nós do SBC, como somos filósofos por “conceito” (amor à sabedoria de bem viver e bem relacionar, neste caso, um conceito próprio do SBC), temos o ACASO como muito bom pra vida... estamos de olhos (mãos e pés... e coração e cabeças) no acaso, isto é, agarramos o acaso e o transformamos numa possibilidade e num projeto. Mas a gente só consegue fazer isso quando sabemos o que queremos (uma vida bonita, relações bonitas), quando não sabemos, o acaso passa a um palmo do nosso nariz e a gente simplesmente não o vê.

Pois não é que essa SBCense que fala pra vocês sempre se encantou com árvores, particularmente troncos. E nas suas caminhadas com amigxs (outra coisa que ela adora) vira e mexe tiramos fotos de árvores. Pensamos em fazer uma exposição, quem sabe mais tarde... Por enquanto, as fotos estão numa “nuvem”, e serão publicadas, ao final desta crônica, para apreciação de vocês.

E onde está, no CASO,  o tal do ACASO?

Pois não é que, por ACASO, a pessoa assiste a uma entrevista com

Peter Wohlleben, autor do livro:



O alemão Peter Wohlleben estudou engenharia florestal e trabalhou na comissão nacional de gestão florestal do seu país. Depois de algum tempo, pediu demissão porque queria pôr em prática suas ideias sobre ecologia. Atualmente, gerencia uma floresta explorada com práticas ecologicamente corretas em Hümmel, dá palestras,  seminários e escreve livros sobre a natureza. "A vida secreta das árvores" é sua estreia no Brasil,  mas nos EUA já está com mais de um milhão de livros vendidos.  

Peter Wohlleben tem encantado leitores e plateias com uma revelação há muito tempo conhecida pelos biólogos: as árvores da floresta são seres sociais. Quando descobrimos a verdadeira natureza das árvores – esses seres enormes que lutam pela sobrevivência ao longo de séculos (as árvores são anteriores aos seres humanos no planeta terra)  e superam todo tipo de dificuldades – podemos  nos perguntar: como elas conseguem?

E se tudo o que você sempre pensou saber a respeito das árvores estiver errado? E se, apesar de tão diferentes de nós, descobrirmos que elas compartilham diversas características dos humanos?

As árvores e o ser humano têm muito mais em comum do que podemos imaginar. Assim como nós, elas se comunicam, mantêm relacionamentos, formam famílias, cuidam dos doentes e dos filhos; têm memória, ou seja, têm um tipo de inteligência. As árvores são sociáveis, cooperam entre si e buscam igualdade. Também defendem-se de agressores e competem ferozmente com outras espécies – às vezes, até com outras árvores da mesma espécie. Algumas são naturalmente solitárias, enquanto outras só conseguem viver plenamente se fizerem parte de uma comunidade. E, assim como nós, cada uma se adapta melhor a determinado ambiente.

Em “A vida secreta das árvores", subtítulo: "O que elas sentem e como se comunicam”,  Peter Wohlleben alia seus 20 anos de experiência às últimas descobertas científicas, para examinar o dia a dia desses seres fantásticos. E num outro subtítulo (e subtema) do livro, que está na capa, “As descobertas de um mundo oculto”, ele nos conta sobre a “internet”, ou seja, uma rede de comunicação subterrânea entre as árvores (wood wide web). Trocam energia e informações, química, física e eletricamente, através de uma rede subterrânea de raízes e fungos.  Sim!!! As árvores se conectam pelas raízes, de maneira que um toco de árvore, por exemplo, há anos ele é toco, e está vivo! Por quê? Porque as outras árvores o alimentam!!!

Com um ponto de vista surpreendente e inovador, essa viagem fascinante pela vida das árvores e florestas, é um convite a repensarmos nossa relação com a natureza. O que podemos (e devemos) aprender com as árvores? Respostas possíveis: que apoiemos uns aos outrxs de forma incondicional; que pagamos a conta pela ganância do ser humano... entre outras coisas.

Essa teoria sobre o mundo das árvores me lembrou muito o filme AVATAR, de 2009. Em Pandora, os colonizadores humanos e os Na'vi, nativos humanoides, entram em guerra pelos recursos do planeta e pela continuação da existência da espécie nativa. Lembram como eles se comunicavam?



E também me lembra o filme 
“Quem somos nós”(2004), que  mostra as questões mais interessantes e intrigantes da ciência moderna: a realidade quântica e a mente humana, ou seja, o mundo invisível e completo que constitui o universo e a máquina mais perfeita nele existente: o cérebro.

E me ocorre, também, que a palavra SINTONIA possa ser ressignificada - e aprendida, e construída, e buscada nas relações humanas, em todos os níveis de relação, na cama e no mundo. 

A palavra sintonia possui duas definições:

. a primeira, refere-se a um estado em que o som musical correto é tocado ou cantado por alguém, a busca da precisão de tom, como um violão que é ajustado até que esteja em sintonia.

. A segunda, refere-se a um estado de espirito, disposição e humor
em que as pessoas concordam ou entendem umas às outras. A
 SINTONIA HUMANA pressupõe o diferente. É na relação dialógica
 que crescemos, como as árvores. Então, se alguém não pensa igual a
 mim e eu o coloco na categoria de “inimigo”, se somente tenho
 como amigxs as pessoas que se submetem ao que penso, quero e|ou
 sinto, isso definitivamente não é sintonia. Pois no humano,a sintonia
 é buscada como a construção de uma música, como um processo,
 como um jogo de frescobol, em que o objetivo é não deixar a “bola
 da vida, dos bons encontros, do crescimento mutuo” cair ao chão.


 Sempre me lembro da frase da Frida:

                         “Não quero que pense igual a mim... quero que pense”

Ótimo até aqui... mas o que tem a ver tudo isso com TRONCO? Não era esse o objetivo do texto? 

Sim: apresentar a exposição: 'TRONCOS'.

Cada parte da árvore desempenha uma função importante: as folhas fazem a respiração e a fotossíntese; as raízes absorvem substâncias do solo, como também (segundo nosso convidado de hoje,  Peter Wohlleben) se comunicam e se ajudam umas as outras através da rede subterrânea; as flores e frutos (copa da árvore) estão relacionadxs com a reprodução.

E o tronco? Para que servem os troncos? Qual é a sua função? 

Tronco, ou caule, parte que interliga a raiz com às folhas. O tronco é responsável por, além de sustentar a planta, levar a água e os sais minerais das raízes até as folhas, por meio de vasos existentes dentro de si. E o tronco também tem a função de transportar os acúcares (produzidos na fotossíntese) das folhas até as raízes.

Então, temos um movimento das raízes para a copa... e da copa para as raízes, realizado pelo tronco. Ou seja, de baixo para cima e de cima para baixo, em mão dupla. Daí que me ocorre a metáfora de PESSOAS TRONCO, que exercem, na vida e nas relações, em todos os níveis de relações - íntimo, família, trabalho e enquanto cidadãos e cidadãs - o papel de tronco, de "extrair" o melhor das pessoas e levar a outras, e trazer dessas outras também o melhor... e assim crescemos, damos frutos, flores, nos comunicamos, nos amamos... 

E me ocorre, também, como tudo no humano, uma virtude é somente uma virtude quando bem praticada; de outro modo,  quando praticada de maneira distorcida, pode ser trágica: quando uma pessoa tronco fica somente no papel de condução, quando ela não internaliza pra si o que transporta na mão dupla, ela pode se perder de si mesma. 

Como numa história que já ouvi, há muito tempo, de um tronco: ele existia fazendo parte de uma árvore frondosa, com frutos deliciosos, num pequeno sítio, à beira de um rio; lá morava uma pessoa solitária, que costumava sentar-se à sua sombra - coisa que ela, a árvore, se sentia muito orgulhosa de oferecer ao sujeito - e saborear seus frutos - outro grande orgulho da árvore. Mas a pessoa comeu tanto dos seus frutos que ela não suportou... e não conseguiu produzir mais. Então, ele pensou: essa árvore não me dá mais frutos, e tem um belo tronco. Eu poderia usá-lo para fazer uma canoa. E foi o que ele fez. Ficou uma bela canoa, onde ele pescava... mas a canoa também se desgastou. Então, num dia de solidão e desespero, o homem reclamou da árvore: você me dava sombra, me dava frutos, me deu a madeira para a canoa... agora você não me dá mais nada!!! e, triste, a arvore respondeu: vem cá, senta aqui no meu toco... 

Claro, a história não acaba aí... metáforas se prestam a isto: cada um(a) que faça o seu final, que se identifique com troncos, ou com a copa, ou com as raízes... e que façam as suas reflexões... o fundamental é que sirva para a vida, para o crescimento - humano -  de cada um(a); e que, também, compartilhemos essas reflexões, pois disso é feito o humano, de trocas e crescimento mútuo.


E, com essa metáfora, convido vocês a apreciarem nossa exposição, cujas fotos foram, fortuitamente, tiradas nas nossas caminhadas por Belo Horizonte, uma cidade bonita pelas suas árvores. A ideia é uma foto em "close" num "acidente" do tronco (que pode ser interpretado como uma "ferida", a marca de um "sofrimento") e uma segunda foto do tronco como um todo. Mas tem também umas flores lindas, como não fotografá-las! Ficam como um "extra"...

Eu sou Santuza Rodrigues (SantuzaTU), psicóloga, terapeuta, palestrante, feminista, militante social e política, escritora, conversadora e adoro "elaborar teorias sobre nossas humanidades e nossas relações dialógicas"... e autora do "conceito" do projeto;

e comigo, no projeto, o advogado, artesão, ecologista, também militante social e político, e também conversador e escritor... e, nas "horas vagas", fotógrafo: Juraci Bergamini.



Para apreciação de vocês, o projeto: 


                                          T R O N C O S










































































terça-feira, 16 de março de 2021

ARTES NA PANDEMIA: Juraci Bergamini

 

Desde o dia em que eu te vi, Juraci,

Desde então só tive alegria...

Meu coração ficou daquele jeito,

Dando pinote dentro do meu peito

Não poderia perder a oportunidade... de fazer uma "repaginada" na música...

Lembram dessa música? Juraci, de  Roberto Silva, conhecido como "O Príncipe do samba", deve ter sido gravada pelo autor da mesma lá pela década de 50 ou 60, foi regravada bem mais tarde pelo Caetano Veloso... e eu ouvia na casa da minha tia, no LP (bolacha) "As Melhores Mulheres", eu adorava esse disco, ouvia o dia inteiro quando vinha passar as férias em Belo Horizonte, eu ainda era criança e morava em Salinas.

Essa "Introdução" para apresentar nosso mais novo SBCense (de carteirinha, daquelas com carimbo "Gente que não presta..." , Juraci Bergamini, que manda para publicação um "poemeto" (como diz ele...) sobre a queda do viaduto da Avenida Pedro I, lembram? época da Copa do Mundo no Brasil, tudo tinha que ser feito às pressas...

O "poemeto" está em vídeo e em texto. Muito bom... uma importante reflexão sobre o mundo atual...

Obrigada Juraci...




NÃO FOI POR ENGANO, ou Aos Inocentes da Avenida Pedro I

(Escrito três dias depois da queda do viaduto da Avenida Dom Pedro I, em Belo Horizonte)

 

"Acidentes acontecem, diz o prefeito.
Acidentes acontecem, diz o engenheiro.
Acidentes são inevitáveis, diz o mestre de obras.
Acidentes são coisas do dia a dia, diz o motorista.
Mas...ela...ela não pode dizer mais coisa alguma.
Sua voz calou-se para sempre nas profundezas do concreto armado.
Esse não foi por engano.
Enganados somos todos nós.
Enganados são aqueles que acreditam que tudo pode ainda ser diferente; que haverá tempo para recuperar-se das dores sofridas em acidentes fortuitos e inevitáveis (inevitáveis?!).
Acidentes acontecem, dizem os que observam de cima
E podem conduzir os destinos à sua escolha e para sua pessoal satisfação.
Amanhã, ninguém se lembrará dos inocentes que se perderam na busca de um caminho.
Apenas um caminho, num trecho de via pública, de uma res pública que solenemente os ignora, pois é preciso transportar a cidade.
E a cidade se transporta através de suas veias e o sangue derramado em acidentes fortuitos
é o estritamente necessário.
A hemorragia será contida sempre e a cidade, em pouco tempo, passará indiferente pelas marcas indeléveis que restaram escondidas por entre os escombros.
E por suas artérias continuará circulando o mesmo sangue, levando os mesmos materiais indispensáveis à continuidade.
No balanço de perdas e danos, ainda se observará que os lucros são bastante razoáveis.
Apesar de tudo, apesar das lágrimas vertidas, dir-se-á que a vida continua e que tudo, tudo mesmo, ainda vale a pena."

(Juraci Bergamini- 06/07/2014)


ARTES NA PANDEMIA: Antonieta Shirlene

 Pessoas

Tem pessoas que  a gente tem prazer em conhecê-las

Tem outras, que temos muito prazer em conhecê-las.

Ah! Mas tem outras, que são imprescindíveis conhecê-las.

Ela fala muito?

Sim, fala.

Mas fala sempre coisas importantes, alegres, pra cima e sinceras.

Ela bebe muito?

Sim, bebe.

Mas, quase sempre, com responsabilidade de quem tem uma vida pela frente.

Ela ri muito?

Sim, ri.

E o seu riso se espalha por onde ela passa. Deixando um rastro de que valeu a pena ter estado a seu lado pra ouvi-la rir.

Ela sai muito?

Sim, ela sai.

Sai pra visitar amigos que possam precisar dela.

Sai pra lutar por um mundo melhor. Sai pra namorar.

Sai pra vida!

Ah! Tem pessoas que são imprescindíveis conhecê-las.

Pra falar, beber, rir e sair com ela.

Estar bem perto dela.

Quem é ela?

Nossa amiga Santuza.

Santuza Tu.

 

Antonieta Shirlene

27.02.21








Minhas urgências

 

Está aí a explicação para as minhas urgências

De querer amar

Mas sendo amada

De acreditar num futuro em plena pandemia

De querer ver o sol nascer

Mas ter preguiça de acordar cedo

De lutar por uma vida melhor para todos

Em pleno governo fascista

Em acreditar que o homem vai salvar a Amazônia

Mesmo que ela seja devastada dia a dia.

 

Está aí a explicação para as minhas urgências

De querer me banhar no mar

De querer dançar à luz do luar

De querer abraçar e beijar o amigo, a amiga e a amante

De querer cantar Caetano

De ver filme de amor e chorar no final

De saber que nada sei e continuar aprendendo

De beber uma garrafa de vinho e depois abrir outra

De jurar que não vai fazer isto ou aquilo e esquecer que jurou e fazer.

 

Está aí a explicação para as minhas urgências

A vida é bela

Mas é como um sopro

 

Antonieta Shirlene

12.03.21



terça-feira, 9 de março de 2021

Niver 2021 - 27 de fevereiro


 Amigos são amantes... amantes são amigos...

Amantes... por definição: pessoas que se amam;

Pessoas que se respeitam;

Pessoas que desejam o crescimento da outra;

Pessoas que trocam, que crescem com a outra;

Pessoas que permitem que a outra seja...

Pessoas que controlam o desejo de controlar a outra...

Que permitem a divergência, pois “somos quando divergimos”...

Amantes têm relações dialógicas!

Amantes não têm relacionamentos sérios...têm relacionamentos bonitos, alegres, divertidos, comprometidos com o sentido estético na vida e nas relações, comprometidos com o crescimento mútuo...

Tristes, às vezes? sim... porque a tristeza também é bonita, da tristeza também se cresce...

Amantes: Seria uma definição?

Ou uma ressignificação... Para o bem viver...

Amantes serão... na medida certa do coração...



segunda-feira, 1 de março de 2021

Conversas SBCenses: SOBRE FAMÍLIA... E OUTRAS RELAÇÕES...

Conversando com um grande amigo ele me “re-aplica” um grande filósofo e psiquiatra brasileiro dos meus tempos de juventude: Gaiarsa, José Ângelo Gaiarsa. Não tem como conversar sobre Gaiarsa e não recordar|resgatar nossa história dos anos 70|80, transgressora, libertária. Ainda mais com esse amigo, que adora conversar, conversamos até “espumar o canto da boca”, como diz uma outra amiga. Esse estereótipo feminino que diz que as mulheres falam demais é, na minha redefinição, uma ultra qualidade. Homens interessantes conversam até mais que mulheres, falam muuuiiito... sobre o que pensam, sobre suas emoções, elaboram teorias, trazem pra conversa suas leituras, seus autores preferidos ... e isso é lindo! Ao redor de nós, nas nossas conversas, temos, quase sempre, Freud, Nietzche, Hanna Arendt, Marx, Lenin,  Guimarães Rosa, Paulo Freire, Emma Goldman ... e filósofos contemporâneos: Vladimir Safatle, Francisco Bosco, Maria Rita Kehl, Chimamanda Adiche, Marcia Tiburi, Marilena Chauí ... e muitxs outrxs. E também poetas e artistas: Adélia Prado, Drumond, Cora Coralina, Chiquinha Gonzaga, Chico, Daniela, Elza. Ele disse que minhas escritas parecem com o Gaiarsa... preferia que fosse com a Maria Rita Kehl, mas gostei também...



Enfim, meu convite é resgatar esse grande psiquiatra e sorver da sua sabedoria... e conversar com ele, lembrando outros livros, filmes, músicas... que nos servem para aumentar nossa competência para o “bem viver”.



Gaiarsa nasceu em 1920 e faleceu em 2010. Seu último livro foi: 

MEIO SECULO DE PSICOTERAPIA VERBAL E CORPORAL

Até 2008, 2009 estava publicando livros: 

 





Mas sua maior produção acredito que tenha sido nos anos 70 e 80. Coloco alguns desses livros aqui, todos eles libertários, todos eles incrementando a luta contra todo tipo de autoritarismo, todos eles super SBCenses:

 



Gaiarsa foi um dos maiores críticos da família e da hipocrisia social que a cerca. Para ele, o conjunto de regras que obedecemos desde que nascemos - regras essas que transmitimos a nossos filhos mesmo tendo sofrido com elas - só serve a um propósito: o da opressão.


Ele também desmistifica os grandes personagens que compõem a ideologia familiar: a mãe perfeita, a pai abnegado, o filho vítima. 

Gaiarsa mostra que o amor não pode ficar restrito a determinadas amarras. Ele nos ajuda a rever todos os nossos (pré)conceitos sobre fidelidade, família, relacionamentos e felicidade. 

PODER E PRAZER

O livro negro da família, do amor e do sexo

Nesse livro ele  fala sobre as origens pré-históricas da agressão, sua ligação com a sexualidade, sua continuação na forma de organização social (luta de classes) e na família, onde são aprendidos, implicitamente, todos os jogos do poder.



Dois ótimos livros dele, da coleção Primeiros Passos, livrinhos de bolso super fáceis de ler e super instrutivos. E também super SBCenses. Já conversamos e escrevemos sobre esse assunto: uizinho, ui, uizão e chalap-chalap, tema bastante instrutivo para uma "geração SBCense". Veja nosso post de 14 de março de 2012.





E outro livro do Gaiarsa totalmente SBCense: Tratado geral sobre a fofoca: uma análise da desconfiança humana. Lançado originalmente em 1978, este livro permanece tão atual que parece ter sido escrito ontem. Aqui,  Gaiarsa faz uma análise sociológica, filosófica, histórica e psicológica da fofoca. Ele afirma que, quando fazemos fofoca de um indivíduo, colocamos nele todos os preconceitos que estão dentro de nós. E, ao fazermos isso, automaticamente nos livramos de qualquer defeito, tornando-nos modelos de perfeição. As consequências são drásticas: além de fazer mal ao outro, frustramos toda e qualquer possibilidade de mudança interna que pudesse nos levar a um patamar mais elevado de consciência. Ou seja, nosso conhecido mecanismo de projeção, o "mal" está no outro, nós somos a perfeição.

Muito bom, o SBC recomenda... Mas para além dessa análise sobre a fofoca feita por ele, nós do SBC nos permitimos elaborar uma outra análise possível, digamos, um "conceito positivo", uma ressignificação da palavra fofoca: pois, quando falamos de alguém é porque queremos aprender com esse alguém, trata-se da prática da competência essencialmente humana, que vem a ser "aprender com o(a) outro(a) e oferecer também a minha experiência para que x outrx aprenda comigo". A isto o SBC denomina "pesquisa antropológica". Claro que com um pouco do "cinismo" peculiar ao SBC... "tem gente que não presta... são as melhores pessoas".

 

Mas a conversa sobre Gaiarsa suscitou lembranças de outros livros interessantíssimos, como diria, “do baú”...

Como vimos, ele critica essa organização social tão incensada, o casamento e a família. Crítica que também fazemos. Sempre me pergunto: para que serve, na nossa sociedade, essa super valorização deste nível de relação (casal e família) e uma “desvalorização” do nível de relação de amizades? nós nem “aprendemos” a valorizar as amizades, nem faz parte da nossa “educação”. 

Mas a família... Haaa... ai de quem ousa criticar... torna-se o\a herege, a “ovelha negra”... e não é incrível que o maior índice de violência contra mulheres, idosos, crianças, pessoas mais vulneráveis, se encontra no seio dessa “santa instituição”? 

Resgatamos duas falas do Gaiarsa sobre AMOR e FAMILIA:

 

Atenção aos dois últimos parágrafos... sobre eles nos debruçamos, ou melhor, conversamos e elaboramos...



Novamente o último parágrafo, que reforça a ideia da "dificuldade do modelo da juntividade" que conhecemos.



"É preciso amar as pessoas 
Como se não houvesse amanhã
Por que se você parar pra pensar
Na verdade não há...

E esse resgate nos fez lembrar e conversar, além do nosso querido Renato Russo,  sobre dois livros bacanérrimos, muito antigos.

O primeiro deles:

 


De 1980

David Cooper é um psiquiatra existencial de vanguarda que, juntamente com R.D.Laing, tem se dedicado à pesquisa no campo da psicologia e do tratamento de esquizofrênicos. Esse trabalho o convenceu de que a noção de família impregna a vida interior do indivíduo, destruindo-lhe a independência sexual e social. Este livro, fruto dessa convicção, é uma crítica severa dos conceitos da "situação familial". 

O livro é, sem dúvida, revolucionário. O autor não se contenta em criticar, mas vai mais além e discute as alternativas para a família convencional dando exemplos de como os objetivos "familiais", que dominam a vida, podem ser rejeitados. Analisa também, as dificuldades frequentemente encontradas na formação de comunas ou antifamílias.

  

o E um outro livro discutido a partir do Gaiarsa: o Livro de uma Sogra, de1895.


Este é o autor, Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo.  Nasceu  em 1857 e morreu em 1913,  foi o principal autor da vertente naturalista no Brasil e o primeiro escritor a viver de literatura no país. Exímio retratista de tipos sociais, escreveu inúmeras obras, entre romances, contos, crônicas e peças teatrais, além de ter sido  desenhista e caricaturista. Bonitão e super atual no seu bigodon  Handlebar, estilo bastante popular entre os hipsters e também chamado "guidão" porque parece com  guidão de uma bicicleta. Aluísio é mais famoso por seu livro:

Cortiço, romance naturalista  publicado em 1890 que denuncia a exploração e as péssimas condições de vida dos moradores das estalagens ou dos cortiços cariocas do final do século XIX.


Voltando ao Livro de uma Sogra, este foi o último romance de Aluísio Azevedo, onde ele teoriza sobre o casamento.  Foi escrito no século XIX – 1895, no Rio de Janeiro. Esse romance trata da vida de casada de Olímpia, uma mulher oriunda de uma família tradicional, que chegada a hora de casar a única filha, Palmira, começa a busca por um marido ideal para ela.

O amor pode até durar para sempre, mas é possível amar alguém todo dia? Aluísio de Azevedo jura que não. "Não há estômago que resista a faisão dourado todos os dias; o melhor acepipe, se não for discretamente servido, enfastiará no fim de algum tempo", diz ele.
(acepipe = petisco, tira gosto, prato servido para abrir o apetite, tipo "comida de buteco")

Olímpia, a sogra,  ela mesma "vítima" do casamento, filosofa e trama as condições que irão propiciar felicidade à filha vivendo sob a égide do matrimônio.

O primeiro princípio estabelecido pela sogra - e ela é mais irredutível que qualquer outra - é o da separação de corpos. Cada um dos cônjuges deve viver em sua própria casa. O marido segue, então, visitando e sendo visitado pela mulher, como nos tempos de namorados, em dias alternados, e nem sempre pode desfrutar de uma noite inteira a seu lado. É que a sábia sogra acredita que a convivência no dia-a-dia é a pior inimiga do casamento.

Algumas coisas no livro tanto devem ser situadas historicamente, como também podem servir de análise da atualidade, como, por exemplo, o racismo da “alta sociedade”, assim como a “inferioridade” da mulher... Naquele tempo ela defendia a tese de que a mulher, por mais inteligente que seja, precisava se colocar num lugar inferior em todos os aspectos: mais frágil, mais baixa e até mais feia. O homem, por outro lado, é obrigado a aceitar a própria mediocridade para se tornar um "bom marido", porque gênios e artistas dão péssimos cônjuges, dizia Olímpia. 

Será? O SBC acha que sim... talvez ótimos amantes atualmente, numa redefinição SBCense de amantes: pessoas que amam a vida, a liberdade, e que amam bons encontros.

E por aí íamos nossa conversa de “espumar o canto da boca”, quando me lembrei também de um caso pertinente ao assunto: o de uma mãe, digamos, libertária, que educou a filha dentro desses princípios. Pois não é que essa mãe me relata, com perplexidade, que, quando ela já separada, a filha, por volta dos seus 15 anos, termina com seu primeiro namorado. E ocorre o seguinte dialogo, carregado de choro:

. Filha, você já tinha me dito que não estava, digamos, gostando tanto dele, não é? você não estava mais feliz com ele...

. Sim mãe! Mas eu não queria repetir o seu modelo, eu queria que durasse para sempre!!!

. Heim!!! Como assim!!! Você que ser feliz ou quer uma relação duradoura?...

E olha que este diálogo deve ter uns 10 a 15 anos, relativamente recente. Ainda bem que essa filha, agora, evoluiu para a libertação desse modelo.

Mas nenhuma e nenhum de nós estamos livres de repetir modelos, pois estes estão terrivelmente enraizados, cravados a ferro e fogo nos nossos espíritos... além de repetidos diariamente no que ouvimos, nas músicas, na poesia, na arte em geral, que se presta tanto ao trabalho de reproduzir esses modelos como também antecipar, criar novos modelos. A gente canta e canta e repete... e deseja o que, racionalmente, dizemos que não...

Então, outro caso de repetição do modelo: pessoa super amadurecida emocionalmente, alguns “casamentos” na sua história de vida, frustações (claro que também alegrias...)... agora solteiro, feliz sozinho, com amigos e amigas, amantes ... numa conversa despretensiosa sobre fantasias de futuro ele descreve um sitio onde produza, ele mesmo, seus alimentos e viva com a natureza... talvez perto da cidade, pois também gosta dessa movimentação urbana... aí, quando ele continua na sua fantasia, descreve “uma mulher que queira, talvez, a mesma coisa, e que nos juntemos pra sermos felizes”... 

Fiquei pasma... rosa chiclete... me amarrota que eu tô passada...  vejo nessa simples descrição de uma “imagem mental de futuro", a repetição completamente desnecessária de um modelo, tão enraizado que dificilmente saímos dele... dificilmente pensamos uma vida boa com amigos, com amantes, cada um na sua autonomia... não é uma ilusão ele pensar que exista uma mulher com o desejo tanto quanto o dele para ficarem juntos? para um encontro de desejos durante todo o tempo, de manhã, a tarde, a noite? na prática isso se dá, quase sempre, com a submissão da mulher ao desejo do homem... e depois acabam a vida infelizes “para sempre”...

Mas continuamos a conversa: e concluímos (provisoriamente) falando sobre o projeto SBCense BLUE SKY VILLAGE... A VILA DO CÉU AZUL... Trata-se de uma comunidade onde todxs vivem de maneira autônoma, todxs tem as suas casas, e se reúnem para os projetos em comum, para trabalhar na horta, ver filmes, dar caminhadas, cantar, dançar... e, claro, administrar a comunidade... e a cada um de acordo com suas necessidades, e de cada um de acordo com seu trabalho. E, claro, este projeto não está pronto, senão seria um projeto autoritário, imposto. Está para ser construído, juntxs...

Parece um projeto ainda tão distante da nossa fantasia... e tão possível, se arregaçarmos as mangas e trabalharmos por ele...

E essas conversas sobre autores do século passado me lembram sempre como é bom pra vida nos apropriar da nossa história, conversar sobre o passado para, com ele, fazendo nossos joeiramentos, escrever de uma maneira bonita nosso futuro. E aí me vem, de novo, nossa querida Evinha... "Eu vou voltar aos velhos tempos de mim..." significa esse resgate... necessário para a construção prospectiva. Terminamos com ela...

Bora voltar aos "velhos tempos" de nós!!! pra resgatar coisas boas pra vida...

Abraços carinhosos a todas, todos e todes...





https://youtu.be/fKFmrHyuCT0