segunda-feira, 21 de julho de 2014

SOBRE AMIGOS... E HISTÓRIA... PARA A VIDA.

Meu querido Rafa... não consegui recortar e colar... tá tão bom!!! fiquei tão feliz!!! aí publiquei na íntegra... estou revendo a História do Feminismo e mando, tá? beijos carinhosos... obrigada pela sua amizade. TU



Minha amada TUTUzinha,

Li mais de cinco vezes seu texto sobre o amor romântico, até os comentários e também o seu, sobre como te impressiona o “eu” fora das pessoas em seus comentários, o se ausentarem como você disse, como se não fizessem parte desse tempo (ainda) em que vivemos impregnados pelo modelo de relação vassalo/senhor (ou senhor/escravo ou autoritário/submisso, como queira... acabo de ouvir uma palestra sobre competências do líder e o palestrante disse de uma que ele considera importantíssima: o temor, o líder impor temor!!!), relações assimétricas, isso não somente na relação intima mas em todos os níveis de relação, como acabo de ouvir! Tutu, você falou da necessidade de humildade, tão confundida na nossa cultura com humilhação, daí nossa dificuldade em desenvolver essa tão imprescindível virtude. Me lembro de conversas nossas: é a humildade que nos traz a noção de tamanho... que não é estática, e sim de onde começamos a construir para chegar onde queremos... é a humildade que nos dá a noção de tamanho e nos ajuda na auto estima (que também é construída) e que gera o amor (próprio e ao outro)... boas conversas...

E não pude também deixar de lembrar outras maravilhosas conversas sobre nosso grande inspirador, entre outros, Friedrich W. Nietzsche. Sim, também reli seu post de 23/abril/2013, quando você o coloca na galeria de SBCences famosos com o belíssimo post: Quem não for louco que atire a primeira pedra. E fui ler de novo a  segunda “Consideração Extemporânea”, escrita em 1874, intitulada “Sobre a utilidade e os inconvenientes da história para a vida”, e tão atual...penso que essa alienação do “eu fora” tem tudo a ver com uma cultura que não deseja o sentido histórico, pois para a reprodução de tal modelo (aquele do senhor/escravo) é necessário a “naturalização” de vários conceitos, idéias... formas de ver (e reproduzir) o mundo. 

Como, por exemplo, o machismo estrutural, não é TU? Sei que você tem pronto uma pesquisa sobre a história do feminismo no mundo e no Brasil, e quero conhecê-la, não sem antes oferecer minha contribuição com alguns comentários e recortes sobre esta obra do nosso ídolo, pois acredito que ajudará todxs a se colocarem nessa história feminina, que é a de todxs nós, tanto no sentido de nos avaliarmos como cúmplices na reprodução de machismos que nos fazem sofrer (assim como fazemos sofrer os outros), como também nos colocarmos como sujeitos ativos na construção de relações mais livres e bonitas. E que aconteça cada vez menos, por exemplo, aquele caso que você me contou que te fez sentir tão mal: o da pessoa dizendo que todas as feministas são chatas, aí você disse que não e que você era feminista... aí a pessoa te coloca como exceção, você está “acima” das feministas... é muito inteligente... aí, parece até um elogio!!! porque machuca tanto? Por que, ao me colocar num lugar de diferente do que ocupo, reforça todo o seu preconceito e fere exatamente a categoria a qual pertenço... isso você me dizendo e eu percebendo o quanto fazemos isso, daquela maneira “sutil do tamanho de uma patada de elefante” como você diz... veja como a ausência de história nos faz repetir pré-conceitos.


Mas este é somente um exemplo ausência de história... para a vida. Vamos a ele: Nietzsche começa citando um seu interlocutor, Goethe: “de resto, abomino tudo aquilo que me instrui sem aumentar e estimular imediatamente a minha atividade”... que serve como inspiração introdutória para a discussão polêmica, porém fecunda, sobre o valor e o não valor da história para a vida. Para Nietzsche, a instrução que não serve à vida não deve ser alimentada porque se trata de um saber infecundo, portanto paralisador da atividade humana. A crítica de Nietzsche é direcionada ao método histórico dos historiadores modernos (da época – Alemanha de mais ou menos cem anos atrás,  e ainda atuais), os quais disseminam na sociedade alemã um saber histórico estritamente supérfluo, que toma como valioso o desnecessário e esquece assim de privilegiar as virtudes necessárias para o desenvolvimento da vida. Ele, então, nos incita a refletir sobre como podemos utilizar do passado sem esquecer-se do presente que nos liga à vida. 

Tu, Nietzsche lembra nosso outro grande inspirador, Guimarães Rosa, quando diz que viver é muito perigoso, pois a mesma coisa que me salva pode me matar. Ele, de outra maneira, diz que, com nossas virtudes também cultivamos, ao mesmo tempo, nossos erros, e se uma virtude hipertrofiada – tal como o sentido histórico de nosso tempo – pode se tornar tão boa para a degradação de um povo quanto um vício hipertrofiado. Assim, o homem que vive a-historicamente, como o animal, vive apenas o presente. Já o homem supra histórico é determinista, atolado na história. Precisamos da história, na justa medida, para a saúde de um indivíduo, de um povo e de uma cultura. Olhar para trás, na consideração do processo, mas tendo como referência balizadora o presente. Isto implica desenvolver uma atitude de lembrança e, ao mesmo tempo, de esquecimento, para que a vida não seja arruinada pelos excessos de memórias.  Para Nietzsche, nossa memória deve funcionar como nosso intestino, ou seja, retendo o que serve para a vida e jogando fora o que não está ligado a ela, sabendo lembrar e esquecer...

Esta capacidade ele chama de “força plástica”, o que permite a cultura desenvolver-se, transformar-se, produzir o novo, o belo, e o que torna possível reverter o estado caótico do indivíduo, do povo, da cultura, contaminados pela “febre historicista” (do homem supra histórico, aquele da história monumental, que desenvolve uma fixação pelo passado, mumifica-o, fazendo-o esquecer-se do presente, um conhecimento histórico nocivo, vicioso, hipertrofiado). Para evitar que o passado se torne o coveiro do presente, segundo Nietzsche, é necessário desenvolver na cultura a força plástica, que é o lembrar e o esquecer necessários para o desenvolvimento da vida. Sem essa força plástica é impossível que o homem não seja soterrado pelo passado.

Pensando nisso, Nietzsche faz uma distinção conceitual, baseada em três formas de se olhar para o passado, a saber: história monumental, história tradicional e história crítica. Esta última é a solução, se aplicada em justa medida, para que a pessoa comprometida com a vida e com o presente, não incorra nos erros das duas primeiras (história monumental e história tradicional), as quais mumificam o homem no passado, ao retirar-lhe o sentido da vida, o qual se encontra no presente.

À história, para Nietzsche, cabe a tarefa de desenvolver o novo, a partir do olhar para o passado. Suas três formas de se olhar o passado vale a pena ser vista:  
a)     História monumental: Para Nietzsche, enquanto a historiografia se basear na história monumental, fechando-se somente na análise dos feitos dos grandes homens, a história será uma deformação do real. Segundo ele, o homem que quer fazer grandes coisas tem sim necessidade do passado, mas não pode deixar que os mortos enterrem os vivos.
b)     História tradicionalista: Segundo ele, os historiadores conservacionistas seriam aqueles que cultivariam, se possível, todos os objetos do passado, como um “ferro-velho ancestral”, onde tudo o que fosse bolorento, velho, seria digno de ser guardado como patrimônio para a sociedade vindoura. Esta forma de avaliar o passado atribui às coisas um valor semelhante, nisto estaria o seu erro. É um problema avaliar tudo a partir da mesma escala de valores porque faz com que as coisas minúsculas tenham a mesma importância dada às coisas mais excelentes. Essa paixão pelo antigo e, conseqüentemente, veneração do pretérito, desencadeia no historiador um espírito colecionador, de forma que o novo, o que estaria em vias de florescer, é rejeitado e esquecido em detrimento do velho, do bolorento. Quando a história deixa de servir ao presente para mumificar-se no passado, esta perde o seu fôlego, o que a degenera e a faz sucumbir. É contra esse tipo de história que Nietzsche insurgir-se-á com mais força.
c)      História crítica: Além da forma monumental e tradicional de olhar para o passado, tem-se um terceiro modo, o crítico. Para Nietzsche, a história crítica tem a função de interrogar o passado, colocando-o frente ao tribunal da história, para julgá-lo de acordo com as inquietações propostas pelo presente. O problema desta forma de se olhar o passado estaria no exacerbado senso de justiça que o historiador desencadearia, o qual o faria condenar todo o passado, porque o sentimento de justiça não pode ser considerado imparcial. Desta forma, o seu veredicto sempre seria a favor de uma determinada época em detrimento de outra. A busca pela justiça levaria o historiador a condenar toda injustiça, isto é, todas as formas de representação do passado.

E aqui, de novo, ele fala sobre a capacidade de lembrar e de esquecer: ... a solução para não condenar todo o passado é exercitar o esquecimento. Desta forma, abrindo mão de um determinado recorte do passado, a vida ganha seu fôlego e se desenvolve. No entanto, assim como a vida exige o esquecimento para poder se desenvolver, ela também exige que se rasgue o véu nebuloso que envolve todos os fatos. Para isto, é necessário o uso da justiça, que é sempre injusta em suas formas de examinar o passado. Na opinião de Nietzsche, este é um processo perigoso para vida, porque um julgamento incoerente com determinada época pode desencadear no presente e no futuro algo perigoso para a saúde de um homem, de um povo, de uma cultura.

Dá trabalho... Viver é perigoso... Por que ainda não se sabe... "Por que aprender a viver é que é o viver mesmo"... E é isso é que é bonito... Vale a pena, “quando a alma não é  pequena”...

Tutu, minha querida, espero ter te ( e/ou nos, a todxs nós...) oferecido uma introdução à História do Feminismo, que estou ansioso por ler. Recorte e cole o que você achar pertinente.

No mais, minha eterna admiração e amor...

Raphael
















terça-feira, 8 de julho de 2014

CONVERSAS SBCENSES: ESTRUTURAL (E CRUEL) É O AMOR ROMÂNTICO!!!




Então, o SBC já conversou sobre o racismo estrutural, sobre o machismo estrutural (vejam post de 19/jan/2014, entre outros...)

Agora vamos conversar sobre o ROMANTISMO ESTRUTURAL, irmão gêmeo do Machismo Estrutural, e que nos faz tanto mal, a todxs nós, homens e mulheres. Por que é nosso dever falar disso, e nosso objetivo criar consciência e combater esse vírus da nossa existência.

O amor romântico nos é imposto, desde muito cedo, como única forma de amor. Contém a ideia de que duas pessoas se transformam numa só, havendo complementação total e nada lhes faltando. Prega que o verdadeiro amor é para sempre, que não é possível amar duas pessoas ao mesmo tempo, que quem ama não sente desejo sexual por mais ninguém, que o amado é a única fonte de interesse do outro, que um terá todas as suas necessidades atendidas pelo outro, e por aí vai...

Um dos conceitos de MITO diz daquelas “verdades” que nos são incutidas desde que nascemos e que jamais devemos questionar sobre as mesmas. E isso determina a nossa maneira de pensar, sentir e agir. O mito do amor romântico nos diz que para cada homem no mundo há uma mulher que “foi feita para ele” e vice-versa. Além disso, o mito implica que há um só homem destinado a uma mulher e uma só mulher para um homem e que isso foi predeterminado “nas estrelas”.

Imaginem a horrível confusão e sofrimento que este mito gera: prá existir um NÓS tem que existir dois EUS. Um EUZÃO, com um zero à esquerda, não forma um NÓS!  Porém, um dos resultados da vivência do Amor Romântico é, sem dúvida, a perda da individualidade, uma “juntividade” que anula, quase sempre, os dois EUS. Outra confusão diz respeito à triste luta das cobranças e insatisfações dos dois, cada um querendo que o outro se molde à sua idealização. “Ele é uma pessoa linda... Ela é uma pessoa linda... Os dois juntos formam um quadro feio e triste...”  

“Desistem de seus prazeres e projetos pessoais, se afastam dos amigos, sempre apostando na satisfação mágica de todas as necessidades. Participam sem cerimônia da vida do outro, mas o controle sufocante que daí decorre não é evitado. É aceito como necessário para garantir a complementação total”... Esta afirmação é de Regina Navarro, psicanalista e escritora, autora de vários livros sobre relacionamento afetivo sexual.

O amor romântico é um desses fenômenos psico­lógicos realmente arrasadores que surgiram na história do Ocidente. Foi algo que alterou permanentemente nossa visão do mundo. Vamos à história, pois ela está inteiramente presente, agora, em nossas vidas...







"Não podendo suportar o amor, a Igreja quis ao menos desinfectá-lo, e então fez o casamento.” Baudelaire







Esse ideal amoroso começou no século XII, mas só passou a ser uma possibilidade no casamento a partir do século XIX. Antes, os casamentos se davam por interesses financeiros. Como fenômeno de massa começou a partir da primeira metade do século passado, segundo alguns autores e autoras, quando todxs passaram a desejar casar por amor.

Antes do Romantismo, o amor era algo representado de maneira ousada, provocante, aventureira ou divina. Quem lê a epopeia de Camões e sua “Ilha dos amores”, ou as farras sexuais nos poemas de Bocage, pode perceber um amor que vai muito além de um par. Mas, com o final das grandes cruzadas e descobrimentos, nações começavam a se estabelecer, e as pessoas começavam a prosperar em sua terra natal. Havia a necessidade de um novo modelo a seguir, um modelo de amor que poderia ser vivido dentro do lar, na vizinhança e entre os familiares. A dama deve desejar o cavaleiro, que lhe corteja gentilmente; os dois se casam e vivem felizes para sempre. Aos poucos, esse amor romântico entrava em nossa história para nunca mais sair, pelo menos até os dias de hoje!


O ideal do amor romântico foi aparecendo na socieda­de ocidental durante a Idade Média, pela pri­meira vez na literatura no mito de Tristão e Isolda, de­pois nos poemas e nas canções de amor dos trovadores. Era conhecido como “Amor Cortês” e tinha por mode­lo o intrépido cavaleiro que honrava uma bela dama e fazia dela a sua inspiração, o símbolo de toda a beleza e perfeição, o ideal que o incentivava a ser nobre, espi­ritualizado, refinado e voltado para assuntos “eleva­dos”.

Li há algum tempo um texto super interessante, minhas primeiras reflexões sobre esse “estado de espírito arrasador”: “O amor cortês”, de C.S. Lewis, onde o autor propõe-se delinear o surgimento do desse novo sentimento. Reconstrói, então, historicamente, o que seria tal “estado de espírito” – suas causas e características – perguntando-se sobre o que teria surgido primeiro: a poesia nova ou a nova emoção – com o intuito de fornecer dados para compreendermos melhor nosso presente e talvez até nosso futuro. O autor se pergunta: o novo sentimento ou a poesia, o que veio primeiro? E afirma: a vida e a literatura estão intrinsecamente ligadas. Sim, a arte em geral, e também a poesia e a literatura, ao mesmo tempo, reproduzem/refletem um momento histórico e criam/constroem/antecipam a  história, produzindo valores, formas de pensar e sentir, “estados de espírito”. Vejam, por exemplo as letras do Djavan: “Só sei viver se for por você”... e vejam, em contraposição, a linda letra do Gilberto Gil “Drão”... onde ele mostra o amor necessariamente construído: “tem que morrer prá germinar...”

Voltando ao texto do Lewis: ele considera uma “revolução” o surgimento em fins do século XI, no sul da França (Languedoc), de uma espécie nova de amor e da poesia de forma lírica que o celebra e lhe dá forma. Trata-se da poesia trovadora, de estilo artificialmente requintado, resplandecente ou enigmático. O sentimento celebrado é o amor com as seguintes características ou forma peculiar de se vivenciar: 

·        humildade e cortesia (a paixão romântica surge do antigo molde da relação vassalo-senhor. A bem amada era o senhor feudal a quem se prestava cortesias e a postura do cavaleiro era de humildade em relação à dama);
·        associação amor-adultério (na sociedade feudal o casamento nada tinha a ver com o amor, a mulher era dama e veneração dos vassalos e, ao mesmo tempo, propriedade do marido. O casamento era o pano de fundo, contrastando com a ternura e delicadeza do novo sentimento. Logo, qualquer idealização do amor sexual nesta sociedade onde o casamento era simplesmente utilitário deveria começar por uma idealização da dama e da relação);
·        e a religião amorosa do deus amor (a atitude do amante com a dama é semelhante à devoção à Virgem ou a adoração a Deus).   

   O amante ou enamorado é um ser abjeto, escravo ou prisioneiro, sempre chorando, ajoelhado aos pés da dama inflexivelmente cruel. Ele aspira às virtudes de obediência à dama, de aquiescência as suas repreensões, as mais injustas. Trata-se de uma servidão de amor associada e modelada na servidão vassalo-senhor feudal, onde o amante é servo da dama e até a trata como “minha senhora” e tem atitudes chamadas de “feudalização do amor”.


O autor situa tal Amor Cortês como uma parte da vida na corte, como a flor e a semente dos costumes aristocráticos onde se distingue os cavalheiros dos plebeus, sendo possível apenas aos “polidos”. Na poesia, o poeta ama a mulher de outro homem e pouco se importa com o marido. Mas não é um leviano galanteador: seu amor é uma emoção trágica e quase desesperada, salva por sua fé no Deus do Amor que não abandona seus crentes adoradores.

Trata-se, pois, de uma revolução, de uma quebra do passado clássico, que vai constituir a base da literatura europeia durante 800 anos, a paixão romântica da literatura inglesa do século XIX e até nossa ficção popular ainda revela o ideal de “felicidade" baseada no amor romântico bem sucedido.

Ovídio, o “mal compreendido”, foi o escritor da Idade Média que mais cantou o Amor Cortês. Não se sabe se ele ironizava ou estava reproduzindo em verso e prosa a nova forma de amar emergente. Nos versos ele trata dos desejos das mulheres (amantes de sua fantasia e árbitros de seu destino, que o castigam com uma disciplina de ferro e impõem-lhe uma vida de escravo).  Recomenda uma conduta vergonhosa e absurda com a mulher amada, fazendo uma confissão cômica dos abismos a que esse ridículo desejo pode levar o homem.

Enfim, O amor romântico é o ideal sonhado por qualquer personagem de filme ou novela, assim como também é o ideal de quase toda a sociedade ocidental moderna, o nosso ideal, de todxs nós (ou quase...). Desde muito cedo somos levados a acreditar numa relação amorosa fixa, estável e duradoura como única forma de realização afetiva. Passamos então a vida esperando o momento de encontrar “a pessoa certa”, para, a partir daí, vivermos felizes para sempre.
 



 Mas, já vimos, o amor romântico é uma mentira. Mente sobre as mulheres, sobre os homens e sobre o próprio amor. É uma mentira contada há tantos séculos que as pessoas querem vivê-la de qualquer jeito. Na realidade, amam o fato de estar amando, se apaixonam pela paixão. Sem perceber, idealizam o outro e projetam nele tudo o que desejam. No fim das contas, a relação não é com a pessoa real, que está do lado, e sim com a que se inventa de acordo com as próprias necessidades.

É claro que é possível viver um tipo de amor bem diferente, sem projeções e idealizações, longe da camuflagem do mito do amor romântico. Para isso precisamos, primeiro, ter coragem de abrir mão das nossas antigas expectativas amorosas e depois então, torcer para que mais pessoas façam o mesmo. Descobrindo outras formas de amar podemos experimentar sensações até agora desconhecidas, mas nem por isso menos excitantes.

Uma mulher me contou que se sentia mal entre suas amigas. Sentia-se julgada como se não fosse capaz de segurar um homem, de sustentar uma relação afetiva, um casamento. Algumas mulheres estão se desenvolvendo na vida profissional mas continuam procurando um homem como se isso lhes fosse trazer o "sentido da vida", nada mais faz sentido. Outras namoram e casam sem amor só por medo de ficarem sozinhas e ter de responder ao mundo – e a elas mesmas – essa pergunta chata: “Nossa, mas vocêêêê, solteira? Porque, se é tão bonita?”. E o tanto que as circunstâncias descritas acima interferem na auto estima!!! É muito cruel!!! 

Também já ouvi a revelação de mulheres, em relação à vida profissional, do medo de não serem bem sucedidas. Sabe-se que esse medo pode aparecer de maneira invertida: na verdade, o medo é de SER BEM SUCEDIDA, pois isso a faria rever de maneira drástica esses padrões tão enraizados. Uma escritora contou o caso de uma grande executiva que era solteira, mas usava uma aliança só para se sentir mais respeitada no seu meio de trabalho. Quer dizer, uma mulher solteira é menos competente do que uma casada? Ou será que ela faz isso para fugir da visão estereotipada “bem sucedida, mas sem vida pessoal”? É de assustar que ainda hoje algumas mulheres sejam julgadas negativamente apenas porque não estão dentro de um casamento! Sim, ainda vivemos esse “bulling social”. 

E o que dizer dos homens que ainda vivem (em sua maioria, talvez...) a cisão puta/pura, as mulheres que servem para ficar e as que servem para casar?

Tudo isso não é muito triste e cruel? Crescemos com essa idealização do casamento e do amor romântico de modo que nos tornamos aprisionadxs psicologicamente e tentamos ajustar o espírito e a mente dentro de um roteiro prescrito há séculos.

O cinema, as propagandas e diversos outros produtos culturais cooperam para manter essa ideologia de que o casamento heterossexual é o máximo de realização que uma pessoa pode esperar. Somos levadxs a transformar em “destino de vida” o que, na verdade, é uma circunstância, um “bom encontro que dura enquanto for bom”. Nada contra o casamento, nem contra a monogamia, mas é de se questionar que esse tipo de relação seja idealizada como a forma mais viável e aceitável de relação. Que seja considerada o “final feliz” do indivíduo, sua realização pessoal, e que quem não segue esse roteiro é consideradx fracassadx e/ou promíscux.

O Amor Romântico se repete também com pessoas que saem do modelo homem/mulher. Quem comenta sobre isso é Gilmaro Nogueira (psicólogo, especialista em Estudos Culturais, História e Linguagens) citando a feminista Adrinne Rocha: “...mas essa não é uma questão apenas de mulheres. Muitos homens que buscam relações afetivas com outros, assim como mulheres que buscam outras mulheres também descrevem o parceiro(a) pretendido (a) como: a pessoa certa; alma-gêmea ou pessoa que traga felicidade".

Ahhh... este modelo de idealização do outro acontece (não sem causar danos...) em todos os níveis de relação. Quem não conhece filhxs se matando emocionalmente, abandonando a construção da própria identidade, em função da realização do ideal da mãe/pai imposto a elxs? E o trabalhador que idealiza a figura do chefe? Não são, tais relações, de certa forma reproduções do modelo vassalo/senhor feudal?

Outro dia ouvi de um terapeuta: "a cliente tinha me idealizado tanto, me colocado num pedestal tão elevado, que um encontro verdadeiro entre nós não era possível" (embora este caminho da idealização seja ainda muito procurado, tanto por alguns psicólogos como por outros profissionais). Um grande perigo dessas relações idealizadas (ou mitificadas) é que perdemos a condição de humanização, muitas vezes pulamos da idealização para o desprezo. Quanto mais alto o coqueiro maior é o tombo, perigo para os dois protagonistas desse tipo de relação, o que mitifica o outro e o que é mitificado.

Então, conhecer os mecanismos do amor romântico nos dá a possibilidade de mudar esse modelo enferrujado. A relação amorosa pode e deve ser livre, sem pressões, questionamentos ou dúvidas. Existem mil e uma maneiras de amar, no lugar dessa maneira "romântica" de limitar o amor!

Não conheço ninguém, nenhum par que, ao se sentirem envolvidxs se perguntem: e agora, o que faremos? que relação queremos construir? Talvez a essa construção poderemos dar o nome de AMOR. Conheço muito mais o que podemos chamar de PETRIFICAÇÃO, o "buraco" do "pronto", como se tudo estivesse dado (namorar, casar, ter filhos...); conheço, por outro lado, pessoas que, ao se sentirem envolvidas e o outrx não quer (ou não pode) corresponder a essa programação determinada, saem da relação (de repente ou de fininho, não sem causar traumas a ambxs). Também vejo tristes desencontros causados por pessoas que, de certa forma, sabem o que não querem (o padrão) mas não sabem o que querem, o que propor. Vejo ainda outras relações tristes porque querem se enquadrar (e/ou enquadrar o outrx) nos padrões.

Enfim, acredi­to que se todxs nós tentarmos compreender os mecanismos psicológicos que atuam por trás do amor romântico e aprender a lidar com eles conscientemente, teremos nas mãos a chave para novas possibilida­des de relacionamento, tanto com os outros como com nós mesmxs. A grande questão levantada não é amar ou não amar... Trata-se de amar não rimando amor com dor, mora na filosofia!?!?

Vamos conversar mais sobre este assunto? Sim! considero a única maneira de crescer e criar novas possibilidades de amar melhor...

Beijos a todxs...

 SantuzaTU

PS.: Por favor! Não confundam a IDEOLOGIA DO AMOR ROMÂNTICO com o ROMANTISMO enquanto postura de vida (otimismo, esperança, alegria, namorar com a vida). Não sejamxs céticxs!!! Amar sempre vale a pena... de todas as maneiras possíveis... quando a alma não é pequena, já dizia o poeta...










        


segunda-feira, 23 de junho de 2014

Homenagem do SBC a Rose Marie Muraro




O SBC presta uma singela homenagem a uma grande mulher brasileira, que sempre fez parte da nossa galeria de SBCenses famosas: acaba de falecer aos 83 anos Rose Marie Muraro, patrona do movimento feminista...por mérito e por lei (Lei 11.261 de 30/12/2005 passada pelo Congresso Nacional foi nomeada Patrona do Feminismo Brasileiro). Suas ideias inspiraram também a "teologia da libertação", junto a Leonardo Boff, o que lhe custou a demissão da Editora Vozes e a censura pública por parte da Igreja Católica. “Rose definia sua luta como uma luta por um mundo solidário a tod@s, o que inspira todas as lutas por direitos humanos. Era clara em afirmar que não se trata de um conflito entre lados opostos, como os falastrões acusam para minimizar a questão”, disse o deputado federal Jean Wyllys, no face.

Rose Marie Muraro (Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1930 - Rio de Janeiro, 21 de junho de 2014) nasceu praticamente cega. Há pouco tempo desafiou os próprios limites quando, aos 66 anos, recuperou a visão com uma cirurgia e viu seu rosto pela primeira vez. "Sei hoje que sou uma mulher muito bonita."

Oriunda de rica família do Brasil nos anos 1930/40, aos 15 anos, com a morte repentina do pai e consequentes lutas pela herança, rejeitou sua origem e dedicou o resto da vida à construção de um novo mundo: mais justo, mais livre. Nesse mesmo ano conheceu Dom Helder Câmara e se tornou membro de sua equipe. Os movimentos sociais criados por ele nos anos 40 tomaram o Brasil inteiro na década seguinte. Nos anos 60, o golpe militar teve como alvo não só os comunistas, mas também os cristãos de esquerda.

A Editora Vozes foi um capítulo à parte na vida de Rose. Lá, trabalhou com Leonardo Boff durante 17 anos e das mãos de ambos nasceram os dois movimentos sociais mais importantes do Brasil, no século XX: o movimento de emancipação das mulheres e a teologia da libertação - até hoje, base da luta dos oprimidos. 

Para Boff, Rose Marie estabeleceu inovações analíticas “sem precedentes” sobre o estudo da mulher. Parte significativa de seus estudos foram reunidos no livro “Sexualidade da mulher brasileira: corpo e classe social no Brasil” (1996), considerado um clássico. — Ela introduziu a questão da classe social no estudo de gênero, foi a primeira mulher a estudar de forma sistemática a sexualidade da mulher brasileira a partir da situação ou classe social. — Ela inaugurou esse discurso, nem Freud ou qualquer analista europeu atingiram esse ponto. Tudo isso foi resultado de uma ampla e minuciosa pesquisa de campo, diz Boff.
 
Juntos, Rose Marie e Boff assinaram, em 2002, o livro “Masculino / Feminino”, onde investigaram juntos a relação entre os gêneros. — A Rose elevou a questão do gênero a um novo patamar, pois não considerava o masculino e o feminino como realidades que se contrapõem, mas como instâncias fundamentais, onde cada um é completo em si mas voltado para o outro, numa relação de reciprocidade e construção conjunta — diz ele ainda.
 
Nos anos 80, Rose e Boff vivenciaram a virada conservadora da Igreja. E em 1986, foram expulsos da Vozes, por ordem do Vaticano.  Motivo: a defesa da teologia da libertação, no caso de Boff e a publicação, por Rose, do livro Por uma erótica cristã.

Foi eleita, por nove vezes, A Mulher do Ano. Em 1990 e 1999, recebeu, da revista Desfile, o título de Mulher do Século. E da União Brasileira de Escritores, o de Intelectual do Ano, em 1994. O trabalho de Rose, como editora, foi um marco na história da resistência ao regime militar. Devido a este trabalho recebeu do Senado Federal o Prêmio Teotônio Vilela, em comemoração aos 20 anos da anistia no Brasil. Foi também palestrante nas universidades de Harvard e Cornell, entre tantas outras instituições de ensino americanas, num total de 40. Editou até o ano 2000 o selo Rosa dos Tempos, da Editora Record. Atualmente vinha dedicando-se ao Instituto Cultural Rose Marie Muraro, fundado em 2009.

Ao longo da vida, escreveu 44 livros — como “Os seis meses em que fui homem” (1993), “Por que nada satisfaz as mulheres e os homens não as entendem” (2003) — que venderam mais de um milhão de exemplares. Em 1999, ela contou sua história na autobiografia “Memórias de uma mulher impossível”, uma das três únicas autobiografias de mulheres da História do Brasil. Em trecho de documentário, lançado em 2009, Rose Marie explica: “O assunto mulher era um assunto sem importância para os militares e para a sociedade como um todo. O pessoal não sabia da existência do feminino. Ah, essa daí lida com mulher, essa daí não é perigosa, tem filhos pequenos, só tá na igreja, então essa daí não vamos perseguir. Já nos anos 60 eu dizia: eu também quero pôr fogo no mundo. Fui pôr fogo no mundo, fui ser editora. E eu vi que eram os livros que punham fogo no mundo”.
 
Então, gente... SBCenses... de todos os gêneros... em qualquer livro que você ler da Rose Marie você terá uma análise aprofundada da história humana, da sexualidade, da mulher. Peguei uma sinopse do “Feminino e masculino – Uma nova consciência para o encontro das diferenças”, publicado em 2002 e escrito por ela junto com  Leonardo Boff, para dar vontade de ler:  “...neste livro, Leonardo Boff e Rose Marie Muraro fazem uma análise profunda da sexualidade e mostram como os conflitos entre os gêneros podem levar à destruição da humanidade. É preciso estabelecer um convívio pessoal mais harmônico entre homens e mulheres, sem competição nem violência, e criar uma nova consciência, mais solidária. 'Feminino e Masculino' é uma obra provocadora, que questiona as grandes teorias patriarcais, a psicanálise freudiana e até a teologia produzida a partir do ponto de vista masculino. 

“O homem vê a mulher como se estivesse num frigorífico: um pedaço de nádegas, olhos grandes, cabelos pretos, seios fartos. Ele enxerga a mulher aos pedaços.”


 E mais um, também para instigar a leitura, acho que o seu último livro, publicado em 2011, trata-se de “Reinventando o Capital/dinheiro”
 Reinventando o...

Em Reinventando o capital/dinheiro Rose Marie oferece aos leitores leigos em economia uma leitura simples e direta sobre a história do capital/dinheiro. Ela mostra como está ocorrendo a transição entre o sistema capitalista e o novo sistema que a era da informação exige, assim como a situação entre economia e ecologia. E, de uma forma positiva e corajosa, aponta como é possível mudar a lógica da economia, do estado, das culturas e, principalmente, a lógica monetária, criando o dinheiro sustentável e solidário.A leitura de Reinventando o capital/dinheiro desmistifica o complicado mundo da economia e nos faz pensar que é possível mudar o panorama de crise atual se investirmos em valores sociais que possibilitem a criação de um novo paradigma, onde o altruísmo, a cooperação, a reciprocidade e a consciência ecológica ganhem lugar de destaque.
The Malleus...
 
Agora, merece atenção especial uma introdução, escrita por ela,  numa das últimas edições do livro “Malleus Maleficarum – O Martelo das Feiticeiras”, conhecem este livro? Não? Toda mulher deveria conhecer e, mais ainda, a “BREVE INTRODUÇãO HISTORICA”  que a nossa homenageada faz nesta última edição publicada do mesmo. Trata-se de uma esplêndida aula de história.


Um pouco sobre o livro: escrito em 1484 pelo inquisidores Heinrich Kramer e James Sprenger, o Martelo das Feiticeiras (Malleus Maleficarum) é um dos livros mais importantes da cultura ocidental, tanto para os leitores que se interessam pela história quanto para aqueles que estudam a história do pensamento e das leis. Documento fundamental do pensamento pré-cartesiano, bem como um dos mais importantes depositórios das leis que vigoravam no Estado teocrático, revela as articulações concretas entre sexualidade e poder, e por isso é uma peça única para todos aqueles que estudam a profundidade da psique humana e o funcionamento das sociedades. Durante quatro séculos este livro foi o manual oficial da Inquisição para caça às bruxas. Levou à tortura e à morte mais de 100 mil mulheres sob o pretexto, entre outros, de "copularem com o demônio". Esse genocídio foi perpetrado na época em que formavam as sociedades modernas europeias. Uma das consequências, apontadas pelos especialistas, foi tornar dóceis e submissos os corpos das mulheres 

Aqui, pequenos trechos da Introdução Histórica, prá acabar com essa péssima tendência que temos de “naturalizar” concepções completamente definidas historicamente, portanto, possíveis de serem mudadas. Vocês acham que o tal Malleus Maleficarum (escrito em 1484), não tem mais a ver com os nossos dias? Ledo engano... leiam ai...

“Era essencial para o sistema capitalista que estava sendo forjado no seio mesmo do feudalismo um controle estrito sobre o corpo e a sexualidade... Começa a se construir ali o corpo dócil do futuro trabalhador que vai ser alienado do seu trabalho e não se rebelará. A partir do século XVII, os controles atingem profundidade e obsessividade tais que os menores, os mínimos detalhes e gestos são normatizados. 

...vemos assim que na mesma época em que o mundo está entrando na Renascença, que virá a dar na Idade das Luzes, processa-se a mais delirante perseguição às mulheres e ao prazer. ...se nas culturas de coleta as mulheres eram quase sagradas por poderem ser férteis e, portanto, eram as grandes estimuladoras da fecundidade da natureza, agora elas são, por sua capacidade orgástica, as causadoras de todos os flagelos a essa mesma natureza. Sim, porque as feiticeiras se encontram apenas entre as mulheres orgásticas e ambiciosas, isto é, aquelas que não tinham a sexualidade ainda normatizada e procuravam impor-se no domínio público, exclusivo dos homens". 

Assim, o Malleus Maleficarum, torna-se a testemunha mais importante da estrutura do patriarcado e de como esta estrutura funciona concretamente sobre a repressão da mulher e do prazer. 

De doadora da vida, símbolo da fertilidade para as colheitas e os animais, agora a situação se inverte: a mulher é a primeira e a maior pecadora, a origem de todas as ações nocivas ao homem, à natureza e aos animais. 

Durante três séculos o Malleus foi a bíblia dos Inquisidores e esteve na banca de todos os julgamentos. Quando cessou a caça às bruxas, no século XVIII, houve grande transformação na condição feminina. A sexualidade se normatiza e as mulheres se tornam frígidas, pois orgasmo era coisa do diabo e, portanto, passível de punição. Reduzem-se exclusivamente ao âmbito doméstico, pois sua ambição também era passível de castigo. O saber feminino popular cai na clandestinidade, quando não é assimilado como próprio pelo poder médico masculino já solidificado. As mulheres não têm mais acesso ao estudo como na Idade Média e passam a transmitir voluntariamente a seus filhos valores patriarcais já então totalmente introjetados por elas.

É com a caça às bruxas que se normatiza o comportamento de homens e mulheres europeus, tanto na área pública como no domínio do privado.
A sociedade de classes que já está construída nos fins do século XVIII é composta de trabalhadores dóceis que não questionam o sistema. 

E a nossa homenageada termina sua Breve História fazendo uma análise das Bruxas atuais: “...agora, mais de dois séculos após o término da caça às bruxas, é que podemos ter uma noção das suas dimensões. Somente nos tempos de hoje é que estão se rompendo dois tabus que causaram a morte das feiticeiras: a inserção no mundo público e a procura do prazer sem repressão. A mulher jovem hoje liberta-se porque o controle da sexualidade e a reclusão ao domínio privado formam também os dois pilares da opressão feminina. 

Assim, hoje as bruxas não podem ser queimadas vivas, pois são elas que estão trazendo pela primeira vez na história do patriarcado, para o mundo masculino, os valores femininos. Esta reinserção do feminino na história, resgatando o prazer, a solidariedade, a não-competição, a união com a natureza, talvez seja a única chance que a nossa espécie tenha de continuar viva. 

Creio que com isso as nossas bruxinhas da Idade Média podem se considerar vingadas! Diz Rose, otimista...

Vá em paz, grande SBCense. Você deixou um tesouro para nós: sua luta e a herança de tudo o que você inspirou.

Beijos às bruxas e bruxos...

SantuzaTU

quarta-feira, 28 de maio de 2014

SBC E O EMPREENDEDORISMO - bicho de pé

Sim, o SBC é versátil e empreendedor (num sentido mais amplo, empreendedorismo na vida)... além de inclusivo, democrático, anárquico, ecológico... Tudo que é VIDA está incluído no SBC.

Então, depois do nosso super carnaval e da ressaca estamos aqui de novo prá contar prá vocês o novo projeto do SBC (ou melhor, o empreendimento em que o SBC está incluído e se inclui completamente): o BICHO DE PÉ, equipe de trekking... sim, o SBC está “trekkando”!!!


É muito bom, gente!!! eu acreditava que trekking era uma simples caminhada... não é!!! quer dizer, pode ser também, mas o trekking que estamos fazendo é competitivo, estamos atualmente participando do Circuito Mineiro de Trekking, promovido pela empresa Minas Trekking. Este Circuito acontece em Belo Horizonte e cidades do interior de Minas, com uma etapa por mês. Você fica conhecendo lindíssimas cidadezinhas a menos de uma hora de Belo Horizonte e que parecem um fim de mundo, tipo celular não pega, não tem internet e estacionamento tem... de cavalos... verdade, os nativos só andam a cavalo... esta é São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto. Existem outros circuitos de trekking, por exemplo o Iron Adventure, que participar já está nos nossos planos.

Nosso último trekking foi em outro distrito também de Ouro Preto, Santo Antônio do Salto. Por que Santo Antônio do Salto? a história contada é que os tropeiros estavam passando por lá e uma imagem do Santo Antônio saltou do embornal (uma espécie de sacola que se usava atravessada no ombro, onde os tropeiros carregavam farofa, rapadura, provavelmente cachaça e alguns outros pertences...). Por isso.... saltou e ficou por lá... esses santos são espertos, porque o lugar é lindíssimo.

Então, a caminhada, geralmente de mais ou menos 4 horas, além de ocorrer por estes lugares maravilhosos, de você estar vendo paisagens nunca vistas, você estará passando pelo meio de rios, trilhas, matos, subindo montanhas, descendo, atravessando cercas, pântanos ainda não fizemos (rsrsrs). Mas é hard o negócio, gente... como estava dizendo, não é uma simples caminhada. Trata-se de “Enduro de Regularidade”, ou seja, temos que percorrer um percurso no tempo exato determinado pela organização do evento. O objetivo da competição é ser a equipe mais regular e não a mais rápida. Ao se inscrever, ou melhor, inscrever a sua equipe, vocês receberão uma planilha com o percurso, cheio de desenhinhos, siglas, que vocês devem decifrar, contagem de tempo, distância, velocidade e outras coisinhas... aí, temos na equipe três funções básicas: contador de passos (ou contadora); navegadxr e cronometrista. No nosso caso temos também uma coordenadora e outras funções (Chipeira, a pessoa que toma conta de um pen drive, temos PCs ao longo do caminho, quando se avista um PC essa pessoa tem que correr lá e botar o pen drive no PC que ele registra o tempo para a Central, quer dizer, a Central está anotando nossos passos e tirando pontos, ou melhor, no trekking a gente não perde pontos, ganha pontos, quanto mais pontos a gente ganha pior a gente fica... por exemplo, perder um PC custa 800 pontos e existe a lenda de que nossa marcadora, da primeira vez que ela viu o PC ficou tão afobada que em vez de apertar o botão do registro de dados apertou o botão de desligar a coisa... aí foi um auê danado, mas no final fica tudo resolvido, pois se não acontece isso não é ainda o final. Ah, tem também o PC virtual, que é quando uma pessoa está segurando o PC, não entendi ainda porque justamente estes se chamam "virtual".

Como todo esporte, o trekking tem também sua linguagem própria (vai ver essa coisa do “virtual” faz parte desta linguagem). Por exemplo umx membrx novx na equipe se chama “carrapato”. A equipe inclui quantos carrapatos queira, nossa coordenadora foi de carrapato numa primeira vez, para aprender as coisas, e então formamos a equipe Bicho de Pé. Os nomes das equipes são também super interessantes: Equipe Phoda-se, Equipe Vai que eu Chego, Equipe Kdê o Neutral (que é o ponto de descanso mais ou menos no meio do percurso, com água e frutas, que a gente fica doido prá chegar...) e por aí vai.

Dizem que participantes de trekking são os mais variados tipos de pessoas, olha se não é o SBC. Idades tem todas... e tem as equipes super competitivas, que vão antes do dia prá ver o percurso, se preparar, essas geralmente perdem menos pontos e ganham os troféus (sim... Tem troféus!!!). São também dessas equipes xs contadorxs de passos que, no dia da competição, ficam lá com as caras seríssimas dando uns passos ao lado de uma trena colocada no chão... até o povo daquelas equipes que vão prá cidade um dia antes e tomam todas e quase não acordam no dia seguinte, o dia da competição... não sei se vomitam pelo percurso... também não vi ainda gente desmaiada. Mas já vi o cara já na quinta cachaça (lá em Santo Antônio do Salto tem uma ótima!!! Um real a dose!!!) dizendo que achava que não tinha álcool na dita cuja, ele não estava sentindo nenhum foguinho... dizem que foi até a nona... imagina o nível alcoólico!!!). Aí vocês vão dizer: no Bicho de Pé deve ter só desse tipo!!! Erraram!!! acredito que uma equipe deve ser diversificada, no Bicho de Pé tem todo tipo de pessoa, mesmo porque se tivesse só de um tipo não sairia, não é? Na nossa equipe tem até uma "águia". É assim: no meio da caminhada, quando as forças estão acabando, um membro da equipe grita: O HOMEM PÁSSARO!!! (lembram disso? a voz é igualzinha!) e aí a pessoa faz o som do canto da águia... é lindo!!! rsrsrs... como ela descobriu esse talento? a pergunta que não quer calar...



E, claro, tem as conversas SBCenses maravilhosas, alegres e profundas... sobre o Amor Livre... livre de padrões, livre de amarras, livre de preconceitos, livre de máscaras e representações... O Amor Livre em todos os níveis de relação significa uma bela mudança de paradigma... sim, porque não somente nos relacionamentos afetivo-sexuais, mas também entre amigxs, na família, no trabalho (...) existe o romantismo, aquele que faz a gente idealizar a relação e cobrar dx outrx a reciprocidade desta idealização, o que acaba sendo bobo, pq não caminha para tentar construir uma relação mais "honesta", onde se expressam desejos, emoções, até mesmo os mais inconfessáveis... e se pratica a escolha... sempre... é desse paradigma que o SBC quer viver, construir, essa é a orientação de vida pelo sentido estético, o resto é padrão... em todos os níveis de relação... e é sobre o Amor Romântico que o SBC quer trocar experiências agora, para combatê-lo e construir o Amor Livre. Vejam nosso próximo post...

Beijos a todxs, e quem quiser entrar pro Bicho de Pé entre em contato, temos um trekking uma vez por mês...