terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

E, na sequência, Mário de Andrade

Como dissemos no post anterior sobre o Oswald, eles não tem nenhum parentesco, ficaram até inimigos. Mas provavelmente foram as duas pessoas que mais expressaram o "espírito" do modernismo. E foi depois do post sobre o Oswald que a Rochelle, nossa grande SBCense, animou de pesquisar sobre o Mário! Mas só mandou o texto, disse que não mostra sua imagem...

Como no SBC a regra é não sermos rígidxs com regras  (justamente por isso o SBC se identifica com os modernistas...), claro que aceitamos. E ficou belíssima a pesquisa da Rochelle sobre o Mário! 

 A seguir:

Mineira que somos, primeiro gostaríamos de apresentar um pouco do "Mário Mineiro". E colhemos trechos no Jornal Estado de |Minas, que conta das suas visitas ao nosso Estado e seu poema dedicado à Belo Horizonte recém construída:

Escrevia brasileiro. Diferentemente dos intelectuais dos anos 1920, Paris não o seduzia. Queria rasgar o território continental, afundar-se na cultura popular, nas lendas e no folclore, mitos e deuses do Nordeste e do Norte amazônico. Percorrendo a literatura das tribos taulipang e arejuná, que habitavam a região da fronteira tríplice Brasil, Venezuela e Guiana, arrancou daquelas entranhas inspiração para Macunaíma, o herói sem identidade. Tradições, superstições, falares regionais, nessa miscelânea literária apresentou o Brasil aos brasileiros, unificando pela cultura essa terra de oligarquias, terra que se fizera República, mas ainda vagava sem encontro marcado com o seu espírito.

Em Minas Gerais, quis afundar-se na arte religiosa barroca de Aleijadinho, que, em suas deformações, lembrava-lhe os artistas modernos. Saindo da Central do Brasil num trem-leito até chegar às cidades históricas de São João del-Rei e Tiradentes; e de lá, numa maria-fumaça cuspindo fuligem, sacolejando e cortando serras desembarcou em Belo Horizonte. Naquele então jovem coração de Minas plantou nova semente do Modernismo: conheceu Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Martins de Almeida e Emílio Moura. Numa explosão épica da lírica urbana, compôs o Noturno de Belo Horizonte, um de seus melhores poemas de uma obra oceânica, consagrando uma de suas marcas sustentadas na cultura popular, internacional e no folclórico-nacional.


"Fortuna inviolável
O casco pisara em falso.
Dão noiva e cavalo um salto
Precipitados no abismo.
Nem o baque se escutou.
Faz um silêncio de morte.
Na altura tudo era paz...
Chicoteando o seu cavalo,
No vão do despenhadeiro
O noivo se despenhou.


E a serra do Rola-Moça
Rola-Moça se chamou.
Eu queria contar as histórias de Minas
Pros brasileiros do Brasil..."

Esse é Mário de Andrade ...Mário Raul de Moraes Andrade (São Paulo, 9 de outubro de 1893 — São Paulo, 25 de fevereiro de 1945) poeta, escritor, crítico literário, musicólogo, folclorista, ensaísta brasileiro. Um dos nomes mais importantes do Modernismo Brasileiro. Ao lado de Oswald de Andrade e Manuel Bandeira compôs a célebre tríade modernista, que revolucionou o jeito de fazer poesia no Brasil.

A fase heroica, como também é conhecida a primeira geração modernista, propôs uma renovação das artes, o abandono da tradição clássica e apresentação uma grande preocupação em criar uma literatura identificada com a cultura brasileira.

Filho de família aristocrática paulista, desde cedo Mário estudou piano e, posteriormente estudou no renomado Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde seria, anos depois, professor. Afastou-se da música, sua primeira paixão, por conta de fortes tremores nas mãos. Aproximou-se então da literatura, e publicou seu primeiro livro sob o pseudônimo de Mário Sobral:  Há uma gota de sangue em cada poema, publicado no ano de 1917, com  forte influência do Parnasianismo, escola literária que viria a ser, mais tarde,  alvo de duras críticas do escritor.

Além de músico e escritor, Mário foi também grande pesquisador da cultura popular brasileira, realizando diversas expedições pelo interior do país para observar e documentar os hábitos de seu povo. Dessa pesquisa etnográfica surgiram as diretrizes do movimento modernista, que eclodiu com a realização da emblemática Semana de Arte Moderna no ano de 1922. No mesmo ano publicou um de seus mais importantes livros, Pauliceia Desvairada, livro de poemas considerado a base do modernismo brasileiro.

Em 1927 publicou Amar, verbo intransitivo, obra que causaria espanto entre as tradicionais famílias paulistanas, uma vez que tocava em um assunto controverso: a obra trata da história de uma aristocrática família paulistana que contrata os serviços de uma governanta alemã para iniciar o filho na vida sexual e amorosa, uma prática corriqueira entre as famílias abastadas daquela época.

Em 1928, à convite do amigo Oswald de Andrade, passa a integrar o corpo de escritores da Revista de Antropofagia, e ainda nesse  ano surge sua obra máxima: 

Macunaíma

O que quer dizer Macunaíma? É “o herói sem nenhum caráter”. ... Uma leitura possível é a de que o povo brasileiro não tem um caráter definido e o Brasil é um país grande como o corpo de Macunaíma, mas imaturo, característica que é simbolizada pela cabeça pequena do herói.

Macunaíma nasce à margem do Uraricoera na Floresta Amazônica e já manifesta uma de suas características mais fortes: a preguiça. Escrita em seis dias e publicada em 1928, a obra tem como uma de suas características a renovação da linguagem brasileira, ao tratar tempo e espaço como entidades arbitrárias. Macunaíma é o resultado de uma visão própria do momento que o Brasil vivia: a negação de nossas tradições literárias, a redescoberta da identidade brasileira em um patamar de extrema transparência e sobretudo sem o maniqueísmo romântico. Pense num personagem preguiçoso e sensual, a um só tempo índio, negro e branco. Esse é o nosso herói, Macunaíma, símbolo de um povo.


,Autor não só da obra-prima Macunaíma, mas também de Pauliceia desvairada (1922), de Amar, verbo intransitivo (1927), para citar algumas das inúmeras obras que marcaram inflexão na literatura nacional. Colaborador de publicações como A Gazeta, A Cigarra, O Echo, Papel e Tinta, Klaxon, Diário Nacional, Folha de S.Paulo e Diário de São Paulo, tem o nome carimbado ao movimento modernista brasileiro: foi o seu principal mentor intelectual. Multifacetado, não à toa é definido como um “enigma” para aqueles que o conheceram, e, sobretudo, também para si: “Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,/ mas um dia afinal eu toparei comigo.../Tenhamos paciência,/andorinhas curtas,/Só o esquecimento é que condensa,/E então minha alma servirá de abrigo”

Também exerceu os cargos de diretor do Instituto de Artes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e de professor de História da Música no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Faleceu no dia 25 de fevereiro de 1945, vítima de um ataque cardíaco, aos 51 anos.

Palavras do biógrafo Jason Tércio, ao descrever conferência proferida por Mário de Andrade na Casa do Estudante do Brasil (CEB), em 1942, quando completava 20 anos da Semana da Arte Moderna: “Durante hora e meia, Mário fez reflexão teórica ao apresentar os três princípios básicos do Modernismo (direito à pesquisa estética, atualização da inteligência artística, e estabilização de uma consciência criadora), lançou hipóteses controvertidas (‘O espírito revolucionário modernista, tão necessário como romântico, preparou o estado revolucionário de 30 e diante’), praticou memorialismo afetivo (‘Fomos realmente puros e livres, desinteressados, vivendo numa união iluminada e sentimental das mais sublimes’) e se expôs em confissões sinceras (‘Abandonei, traição consciente, a ficção em favor de um homem de estudo que fundamentalmente não sou’)”.

Para descrever os derradeiros momentos de vida de Mário de Andrade – de todos os tempos, o escritor brasileiro mais retratado, desenhado e caricaturado –, Jason Tércio recorreu, entre um conjunto, a diversas fontes, à poeta Oneyda Alvarenga (1911-1984), amiga próxima que o visitara horas antes. Ali, em seu quarto – em casa que considerava o seu “útero” –, sentindo dores no peito, recusou que lhe chamassem o padre amigo para a extrema-unção. Sentia-se “em paz com Deus”. O gênio de saúde frágil, que pela vida lidou com as consequências do que hoje se acredita ter sido uma pleurodinia, pediu um cigarro ao amigo Luiz Saia, a quem acabara de entregar o prefácio sobre Shostakovich. Com a xícara de chá numa mão, Mário deu algumas tragadas. Sentiu falta de ar, uma fisgada profunda. Estendeu o braço entregando ao amigo a taça. Curvou-se para a frente. Encantou-se. Não foi aos 50, como anunciara aos amigos. Mas aos 51 anos e quatro meses.

A vida passou, a obra fica. E para você conhecer um pouco do universo desse grande escritor, selecionamos quatro poemas para você viajar pela estética modernista. Boa Leitura...

Aceitarás o amor como eu o encaro?…

… Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes móveis de banal presente.

Tudo o que há de melhor e de mais raro
Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.

Não exijas mais nada. Não desejo
Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade é simples, e isto apenas.

Que grandeza… a evasão total do pejo
Que nasce das imperfeições. O encanto
Que nasce das adorações serenas.


Descobrimento

Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.

Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu.


Ode ao Burguês

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangue de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os “Printemps” com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tiburi!
Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!
“— Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
— Um colar… — Conto e quinhentos!!!
Más nós morremos de fome!”

Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! Oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!

Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burguês!…


O Poeta Come Amendoim

Mastigado na gostosura quente de amendoim…
Falado numa língua curumim
De palavras incertas num remeleixo melado melancólico…
Saem lentas frescas trituradas pelos meus dentes bons…
Molham meus beiços que dão beijos alastrados
E depois remurmuram sem malícia as rezas bem nascidas…
Brasil amado não porque seja minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der…
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.

Obrigada SBC pela oportunidade... e termino com um Mário super SBCense:

 

Rochelle Rodrigues


Nós é que agradecemos imensamente, grande Rochelle!

Abraços carinhosos a todxs e até nossa próxima personagem da SEMANA...

SantuzaTU






4 comentários:

  1. Curiosidades sobre o livro Paulicéia desvairada de Mário de Andrade. Conta-se que quando Mário de Andrade escreveu o livro Paulicéia e levou para que Monteiro Lobato o IMPRIMISSE, Monteiro disse: não entendi nada desse seu livro. Você poderia fazer um prefácio explicando sobre o que você escreveu no seu livro. Assim as pessoas vão entender melhor. Mário então acatou a ideia e escreveu uma outra obra prima :O prefácio interessantíssimo. Este prefácio, escrito bem depois da publicação do livro Pauliceia além de não explicar nada sobre o referido livro, ainda fazia ácidas críticas à sociedade paulistana.
    Mais um escândalo envolvendo os artistas da Semana de Arte Moderna de 22.

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