Então... Indo pra Ouro Preto me lembrei da última vez que estive lá, mês passado. Tive a sorte de ir no primeiro dia do evento, uma homenagem a Maria Betânia... e o azar de ter que voltar a BH e não ir no segundo dia...
Uma Mostra de Cinema MARIA BETÂNIA! Filmes MA RA VI LHO SOS !!! Seguidos de debates com pessoas MA RA VI LHO SAS, super conhecedoras dos temas.
Mas tudo depende do ponto de vista... olhando para o 'ponto da sorte', no primeiro dia, para nós o filme que se destacou: O vento lá de fora, do diretor Marcio Debellian: por dois dias Maria Bethânia e Cleonice Berardinelli declamaram poetas de Fernando Pessoa e seus heterônimos.
E o filme foi seguido de debate com a Professora Carolina Anglada, da UFOP, que nos brindou com uma aula magnífica, sobre - além de Maria Betânia - Cleonice Berardinelli e Fernando Pessoa:
Cleonice Seroa da Mota Berardinelli 1916-1023) professora universitária brasileira, especialista em literatura portuguesa - Camões e Fernando Pessoa, foi a integrante mais longeva da Academia Brasileira de Letras.
Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa,1888-1935) foi um poeta português, amplamente reconhecido como um dos principais expoentes da língua portuguesa e o maior poeta lusófono do século XX. Atuou também como dramaturgo, ensaísta, tradutor, publicitário, astrólogo, inventor, empresário, correspondente comercial, crítico literário e comentador político.
Modernista, Pessoa destacou-se não só com a sua poesia ortônima, na qual ele assina como Fernando Pessoa, como é muito conhecido pela criação de heterônimos.
Estudos indicam a existência de mais de 100 pseudônimos, heterônimos, semi-heterônimos, personagens fictícias e poetas mediúnicos de Fernando Pessoa.
Os heterônimos de Fernando Pessoa são personalidades criadas pelo próprio Fernando Pessoa e que assinam cada qual as suas obras. Para tanto, esses escritores têm biografia e estilo particular.
Alberto Caeiro da Silva, a primeira "criação" de Fernando Pessoa, sendo considerado o Mestre Ingénuo dos heterónimos Álvaro de Campos e Ricardo Reis e também de seu próprio autor, apesar de apenas ter feito a instrução primária.
Alberto Caeiro (1889-1915) nasceu em Lisboa. Passou a sua vida no campo e ficou órfão de pai e mãe muito cedo, passando a viver com uma tia-avó. Morreu de tuberculose.
Apesar da data indicada para o seu falecimento, há registro de poemas de Alberto Caeiro do ano 1919.
Características do estilo de Alberto Caeiro:
Caeiro valoriza a simplicidade e demonstra o seu gosto pela natureza. Para ele, mais importante do que pensar é sentir, delegando todo o conhecimento à experiência sensorial.
A linguagem da sua poesia é simples, afinal, Caeiro não estudou além da escola primária.
Lembrem-se, trata-se de biografia de personagem de Fernando Pessoa, um heterônimo.
Poemas de Alberto Caeiro
Se, depois de eu morrer...
Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas --- a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso fui o único poeta da Natureza.
Sou um guardador de rebanhos
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar numa flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei da verdade e sou feliz.
💟💟💟💟💟💟💟💟💟💟💟💟
Ricardo Reis, a face clássica de Fernando Pessoa
Ricardo Reis (19 de setembro de 1887) foi 'imaginado' por Fernando Pessoa meio que 'de relance' em 1913, quando lhe veio à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Teria nascido na cidade do Porto. Recebeu uma forte educação clássica num colégio de jesuítas e formou-se em Medicina, profissão que não exercia. Expatriou-se espontaneamente desde 1919, vindo viver no Brasil. Era latinista por formação clássica e semi-helenista por auto didatismo. Na sua biografia não consta a sua morte, no entanto José Saramago faz uma intervenção sobre o assunto em seu livro O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS, situando a morte de Reis em 1936.
Características do estilo de Ricardo Reis:
Tal como Caeiro valoriza a simplicidade, Ricardo Reis gosta do que é simples, mas num sentido de oposição ao que é moderno.
Tradicional, para ele, a modernidade é uma mostra de decadência. Sua linguagem é clássica e seu vocabulário, erudito.
Poemas de Ricardo Reis
Segue o teu destino
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
Para ser grande, sê inteiro
Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive.
💓💓💓💓💓💓💓💓💓💓💓💓
Álvaro de Campos
Álvaro de Camposnasceu em Tavira, Portugal, no ano 1890. A data do seu falecimento não é conhecida. É um dos heterônimos mais conhecidos, um "alter ego" de Fernando Pessoa. Como alter ego, Álvaro de Campos sucedeu a Alexander Search, um heterónimo que surgiu ainda na África do Sul, onde Pessoa passou a infância e adolescência.
Depois de "uma educação vulgar de liceu" Álvaro de Campos foi "estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval" na Escócia, mas não exerceu a profissão. Realizou uma viagem ao Oriente, registada no seu poema "Opiário", e trabalhou em Londres e outras cidades da Inglaterra. Desempregado, teria voltado para Lisboa em 1926, mergulhando então num pessimismo decadentista. O poema "TABACARIA", de 1928, foi uma das criações de Álvaro de Campos.
Características do estilo de Álvaro de Campos:
Álvaro de Campos valoriza a modernidade e é um pessimista, pois apesar do gosto pelo progresso, o tempo presente o angustia.
Seu estilo pode ser definido em três fases: decadentista, progressista e pessimista.
Poemas de Álvaro de Campos
O dia deu em chuvoso
O dia deu em chuvoso.
A manhã, contudo, estava bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.
Antecipação? Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.
Bem sei: a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Dêem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.
Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação. O dia deu em chuvoso.
Carinhos? Afetos? São memórias...
É preciso ser-se criança para os ter...
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.
Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coração por comer...
Quando foi isso? Não sei...
No azul da manhã...
O dia deu em chuvoso.
O que há em mim é sobretudo cansaço
O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...
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Bernardo Soares
Bernardo Soares é considerado um semi-heterônimo de Pessoa, porque essa personalidade apresenta características muito semelhantes às de Fernando Pessoa, sendo muitas vezes confundido com o próprio escritor. É o autor do Livro do Desassossego, escrito em forma de fragmentos. Apesar de fragmentário, o livro é considerado uma das obras fundadoras da ficção portuguesa no século XX, ao encenar na linguagem várias categorias que vão desde o pragmatismo da condição humana até o absurdo da própria literatura.
Bernardo Soares é, dentro da ficção de seu próprio livro, um simples ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. Conheceu Fernando Pessoa numa pequena casa de pasto frequentada por ambos. Foi aí que Bernardo deu a ler a Fernando o seu "Livro do Desassossego". Como seu próprio criador explica "não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade."
Este é um pequeno resumo da magnífica aula da Professora Carolina Anglada que se seguiu ao maravilhoso filme. O mesmo, completo, pode ser encontrado no YOUTUBE.
E, para terminar, nós todas as pessoas da platéia rimos de nós mesmas quando foi 'declamado' o poema a seguir, atribuído a Álvaro de Campos:
Todas as cartas de amor são Ridículas
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas
Também escrevi em meu tempo cartas de amor
Como as outras
Ridículas
As cartas de amor, se há amor
Têm de ser
Ridículas
Mas, afinal
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas
Todas as palavras esdrúxulas
Como os sentimentos esdrúxulos
São naturalmente
Ridículas
👄👄👄👄👄👄👄👄👄👄👄👄👄👄
E voltei pra Belô, depois de conhecer "amiga de infância" Marilene (como falamos no SBC quando nos encontramos com pessoa que parece que conhecemos há séculos, tamanha é a energia trocada), pensando sobre os nossos conceitos de vida e de relações, assim como da necessidade de resignificarmos o amor... e suas contradições...
Talvez, como Fernando (o Pessoa e o Veríssimo), "AMAR, VIVER E SER LIVRE É NÃO TER MEDO DE SER RIDÍCULO(A)... "
VIVA OS FERNANDOS!!! E VIDA O S B C !!!
No nosso SARAU na NIDA teremos oportunidade de falar sobre os dois, entre outras e outros que nos inspiram... Até lá,
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