Couto de Magalhães de Minas é um município do estado de Minas Gerais, da nossa região do VALE do Jequitinhonha, onde aconteceu o 39o FESTIVALE - Festival de Arte e Cultura do Vale do Jequitinhonha, no período de 21 a 27 de julho 2024.
Conhecida, antes de sua emancipação, pelo nome de Rio Manso; surgiu entre os pioneiros núcleos de povoamentos ligados às lavras diamantíferas, nos primeiros anos do século XVIII.
José Vieira Couto de Magalhães (1837-1898), nasceu em Diamantina. Foi um político, militar, etnólogo, escritor e folclorista brasileiro. Deu o nome à cidade.
No entanto, faz parte das nossas conversas, das pessoas que amam o vale, nos nossos encontros nos Festivales e em outros, a manifestação do desejo de várias cidade do nosso vale retomarem seus nomes originais, os mesmos fazem, muito mais, parte das nossas histórias e da nossa identidade. Por exemplo, Itaobim, pedra verde, terra do nosso querido Tadeu, não mudou de nome.
E, com tristeza, já tínhamos desistido de ir ao Festivale nesse ano. Quando acontece o convite do nosso amigo, grande poeta Aníbal, classificado para a Noite Literária que acontece na quarta feira, o que nos trouxe grande alegria.
Não sem antes passarmos por sua casa, adoro as janelas dessa casa... chegamos a Couto de Magalhães na quarta. Foi somente um dia, mas um dia esplêndido... de aprendizagens, de reflexões, de bons encontros, de arte e poesia, enfim... Um dia pleno... Uma sorte na vida...
À tarde, Aníbal envolvido com a apresentação do seu poema, combinamos nos encontrar as 16h... e pude participar da Roda de conversa, IV ENCONTRO DE MULHERES NO FESTIVALE. Surpreendente, potente...
Começa com o poema da Dea Trancoso:
"Não.
Eu não sou a princesa de cândido olhar. Adama que cruza as pernas em longa elegância. A sinhazinha que concorda sem urgências. Sou uma velha mulher selvagem capaz de ver e de suportar o que vê. Quanto mais vejo minhas trevas e minhas horrendas carnificinas, mais a luz se aglutina em torno de mim me dizendo que o trabalho profundo é, com certeza, o mais sombrio.
Não.
Eu não sou a que bate cílios nos salões pomposos e sensuais. Sou a que enxerga no escuro. Não tenho medo de sangue. Não tenho medo de vísceras. Não tenho medo de podridão, fedor, dejetos. Não tenho meda da vida. Não tenho medo da morte. A verdade é um corte. A verdade é um corte na artéria. A recordação do que se viu e se sabe é dolorosa. Saber é uma dor porque a dor é uma porta de acesso ao mistério.
Sim.
Eu sou uma velha mulher selvagem... Venho de linhagens antigas que caminham sobre a planeta lembrando; procurando as chaves escondidas debaixo da língua, assim como Elêusis: fazendo as perguntas, buscando a pista, o indício; as palavras capazes de abrir a porta.
Sim.
De vez em quando, meus mestres, os corvos marinhos, almas devoradas de pecados, vêm comer os meus, me preparando para ser redimida e purificada, como rezam os livros sagrados. E, com a imensa compaixão desses pássaros do mar, eu incubo e libero os lados mais abjetos do meu ser para que a luz da face da terra, um dia, me faça desaparecer como fumaça. E, de mim, só restem memórias da mulher selvagem que fui.
Sim.
A que amou, intuiu, resistiu, criou e cuidou. A que cantou sobre os vivos. A que cantou sobre os mortos, O núcleo do átomo de clara luz.
Sim.
Eu sou uma velha mulher selvagem que se tornou."
Monja Lib, a mulher que vomitava desertos...
Dea Trancoso
Depois, alguns poemas falados por mulheres que se inscreveram para a noite literária e não ficaram entre @s dez colocad@s... lindos poemas...
Fala potente de autoridade local, mulher, sobre as estatísticas de 2023 que constam da 18a edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os mesmos dados que publicamos no nosso post de 22 de julho, vejam o mesmo...
E um depoimento muito forte da poeta Deyse Magalhães, de Minas Novas, sobre microviolências do Festivale, aquelas "quase imperceptíveis" que podem passar como brincadeira, preocupação ou até mesmo "cuidado" conosco... porém, quando a gente percebe, toma consciência, é que a gente vê que a "micro violência naturalizada" é do tamanho da patada de um elefante ou, segundo amiga SBCense, do tamanho de uma manada de elefante.
O relato é mais ou menos o seguinte: ... pois os homens que participam do Festivale desde o começo - este é o 39o... e o IV encontro de mulheres do Festivale - quase sempre vão sozinhos, embora a maioria sejam casados. No entanto, quando uma mulher casada aparece no Festivale sozinha, imediatamente sente olhares, ou de "está disponível", ou de pena ("brigou com o marido"); e, além dos olhares, comentários e, muitas vezes, perguntas direto com a mulher, geralmente em tom cínico, "por que você está sozinha, querida?". Alguém pergunta isso para os homens que estão sozinhos no Festivale? Enfim, eles não tem ideia do incômodo, até mesmo da dor, ou revolta, que causam com esse tipo de comportamento?
E por aí foi a conversa... sobre a necessidade de se fazer algo a respeito disso, de articularmos ações coletivas que possam "corrigir" esses eventos tristes...
E foi aí que eu tive que sair, pois tinha horário combinado... e deixei, com muito pesar, de participar do debate sobre ações possíveis...
E lá fomos nós nos preparar para a noite... surpreendente... maravilhosa... eu diria, uma noite literária feminista por excelência.
Começando pela homenagem a essa mulher porreta demais, de Itinga, membra da ALVA - ACADEMIA DE LETRAS DO VALE DO JEQUITINHONHA, uma das poucas mulheres dessa academia... Alegre, descontraída, no seu discurso parece que ela estava conversando com a plateia, uma delícia...e nos abraçamos e lembramos do nosso encontro no ano passado em Itaobim, quando fizemos espontaneamente uma roda de samba e cantorias, antes da sua posse na ALVA...
Em seguida, as apresentações dos poemas selecionados... e os vencedores:
O primeiro lugar, um poeta de Araçuaí, declamado por uma artista com sua filha, comovente:
1o lugar: Luciano Silveira, da cidade de Araçuaí, pseudônimo JARBAS MONTENEGRO
Uma rosa preta foi plantada na rua de baixo
Regada por desejos e orvalhos de orgasmos
Rosa aprendeu a se abrir no largo dos canoeiros
Porto de aventureiros
Prazer pago como se fosse uma dada esmola
Saindo na Rua Salinas e entrando no Beco de Sola.
Vestida de noite e sem rosas
Casa sem eira e nem beira
Rosa dançava no bar Paratodos
Muitos diziam: Esta é uma rosa que não se cheira.
De lasciva e malícia Rosa, se vestia no negrume da própria noite
Seios fartos como montanhas
Embaixo das pernas a mina valiosa
Por ela se desbrava madrugadas
Rosa era cria da dona Maria Cheirosa
Na guerra da cama seu beijo relampeava
Seus gemidos eram trovões.
E como uma chuva que caía
Rosa toda molhada satisfazia multidões.
No final, Rosa pega a bacia
Agacha-se e se lava
Fazendo pouca força
Jogava para fora o leite ruim que nela deixavam.
O caule da rosa era verde
O corpo de Rosa era negro
Preta mulher atravessada da vida
Marginalizada da costela dos homens.
Na rua de baixo Rosa preta foi jardim
Mas também foi muralha
Contra a bíblia e a
Com seus louvores e noitadas
A Rosa do amor barato
Hoje é lembrança
Assim como a história de tantas rosas nos jardins do desencanto
Rosa era puta, prostituta, biscate, piranha e rapariga
Rosa vendia seu corpo
E cobrava juros pelas pedradas que levava da vida.
Numa manhã acharam uma Rosa no Beco do Cochicho
A Rosa Preta estava caída de bruços no chão
Na mão, uma imagem do menino Deus.
E no meio das pernas
Um botão sem vida
Com pouco mais de quatro meses de gestação.
Rosa foi plantada com seu rebento
Na horizontalidade do fim.
E naquele dia brotou uma rosa preta em cada jardim
Na história que é negada na cidade de Araçuaí.
O 2o lugar uma linda interpretação de um rapaz, não guardei o nome...
2o lugar, da cidade de JequitinhonhaEu peço licença, amado e retumbante solo
Para fértil novamente em ti pisar.
Desde que deixei minha casa, na Alvorada anunciada
Pedi a Santa Luzia que me desse proteção. Roguei que desse luz, que trouxesse
paz na guia
Rezei também a Santa Maria, pro caminho iluminar
Da caatinga fui cerrado
E em cerrado foi-se o canto, o colo, o leito e os caminhos
Ensinados pela velha avó
Ao agora neto retirante
Emigrado Vale a fora
Sem certeza, e em qual lugar
As histórias e memória, poderiam repousar
Nas históricas e já tão repetidas linhas
Desse destino colocado
Não há espaço e nem paradas
Para o passo atrás dado
Atrasado é o estigma, que em nome da miséria
Assombram nossa gente, assolam nossas terras
Mas que não tem parado o canto, que ecoa novas eras
Fazemos verde o verso Vale, sem lítio e suas falas promessas
Existindo da esperança
Dá pra enxergar descanso
Nos braços que nos acolhe
E no canto retirante
Sonho meu é ver a Vida, novamente florescer
Pra cantar das suas belezas
E ver aqui permanecer
A cultura rica nossa
De território ancestral
E fazer valer a pena o porquê do "ir embora"
Pra voltar em tempos de cheia
E celebrar cada vitória
Do filho canto que emigrou
|Na companhia da mãe Senhora
Na proteção do Pai Odé
Aparecidas, Marias, Glórias
Tantas Glórias
Longe de minha casa
No aço e na falta de ócio
No passo não retrocedido
No ideal nunca meu
Mas nosso
Quem dera, amado solo
Pisar descalço em seu terreiro
Cantar cantigas de roda
Lembrar seus canoeiros
Rimar com suas mulheres
Tecendo fios de algodão
A saudade que dói o peito
E aperta o coração
Fui menino e agora homem
"Tudo isso já andei"
Mesmo longe, te amando
Nunca me esquecerei
Do lugar, de sua gente
E toda beleza daqui
Se sou é porque te fui
Por que te sou
Vale do Jequi
Poemas lindos.
ResponderExcluirParabéns! Até o próximo.
ResponderExcluirLindos poemas! Amei e me entristeci com o poema da Rosa.
ResponderExcluirParabéns pelo relato do Festivale, perfeito!!!
ResponderExcluirConteúdo diverso e bem relatado. Parabéns!
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