quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Conversas SBCenses: sobre ressignificações


Na semana que passou e nessa semana participamos de rodas de conversa sobre violências... Curioso ter sido logo depois de uma semana em que conversamos sobre o amor. Curioso e instigante, claro:  o que se faz - e o que se sofre - de violências, na cama e no mundo, talvez seja na mesma medida que se faz e se sofre também em todos os níveis de relação "em nome do amor". 

Ou seja, o conceito de amor que recebemos e internalizamos e reproduzimos na nossa sociedade nos parece tão distorcido! Parece que já vem carregado da naturalização da violência ... Desde as mais sutis, imperceptíveis, costumamos dizer "sutis do tamanho de uma patada de elefante", até "o direito a matar pelo simples fato dela ser mulher... E aqui já canalizamos para a violência contra a mulher... E fomos conversando nesse movimento do particular para o geral e para o particular... e assim por diante.

Pois percebemos que nossa sociedade é extremamente violenta, alimenta nas pessoas as "piores" emoções possíveis, a pior delas o desejo de exterminar o diferente... o que significa que queremos o outro(a) como NÓS queremos que ele (ela) seja... e só amamos nossos semelhantes, qualquer diferença deve ser exterminada. 

Mas voltando à reprodução desse "conceito" (de amor e de violência) nos níveis de relação pessoal e íntimo, começamos a fazer exercícios de ressignificação de algumas palavras que vem junto com o "amor":

- Você está sendo EGOISTA! ... AI... Quantas vezes ouvimos isso, principalmente pelas pessoas mais próximas, as que mais nos amam. E aprendemos o conceito de egoísmo de uma maneira super ruim, quem gosta de ser chamada de egoísta? Claro, ninguém... Dá vergonha... imediatamente a nossa autoestima vai lá embaixo, nos sentimos a pior pessoa do mundo e, ato contínuo, procuramos saber o que o outro quer de nós para sairmos do egoísmo... processo de "sairmos" de nós mesmas e nos tornar escravas, nos submeter ao que o "outro quer que eu seja"... e, enfim, reproduzir o modelo de relação aprendido, conhecido, o "dominador-dominado(a)". 

Pois bem, aprendemos a ressignificar esse conceito: olha só, quando alguém te chamar de egoísta, veja se você está no seu rumo, está "sendo quem quer ser" e o outro, não satisfeito com isso, acha a palavra certa pra te "puxar o tapete", te tirar do seu rumo. Que beleza é descobrir essa possibilidade de ressignificação. Com isso  abre-se caminho para a difícil construção de relações simétricas - sujeito-sujeito, que são as prazerosas, as que ensejam o crescimento mútuo, as boas trocas. Uma vez uma pessoa muito querida me ensinou uma "oração": "Todos aqueles que dizem me amar querem me prender... Só tu, ó Pai, que verdadeiramente me ama, me deixa livre". Me parece que esse Pai da oração não seria o Pai que aprendemos e internalizamos na religião católica, pois este é visto como um Pai punitivo, poderoso, autoritário. Porém, a oração de ajudou a "rezar" procurando um Pai - ou um Deus - dentro de mim... que me dá força para ser o que quero ser.


- Outro conceito a ser ressignificado: Você é LOUCA! (violência psicológica); ou Aquela mulher está LOUCA! (violência moral - querer te destruir para as outras pessoas, no público). Pois não seria bastante interessante ressignificarmos este conceito de LOUCA? Primeiro, do ponto de vista da pessoa que diz isso da outra, me parece que quando falta qualquer argumento pra "falar mal", destruir a outra pessoa, essa primeira pessoa inventa a fala "ela está louca"... claro, com a intenção de arrasar com a outra. Agora, do ponto de vista do recebedor - geralmente recebedora, né? - devemos criar um antídoto: o riso... e a arte: MAIS LOUCO É QUEM ME DIZ, QUE NÃO É FELIZ, EU SOU FELIZ! Vamos combinar: o mundo é louco, a normalidade dos padrões desejados nos provoca loucura e infelicidade... Então, sejamos loucas, loucos e loucas, bora sair dos padrões e construir um jeito mais bonito de ser e estar no mundo! Lembrando postagem de 1 de março de 2016: "Conversas SBCenses: o machismo nosso de cada dia", quando o SBC já conversava sobre as micro violências, alguns termos em inglês "derivados" da palavra GASLIGHT (à meia luz), título de filme de 1944 em que o marido consegue "enlouquecer" a mulher, para pegar sua grana.  Leiam o post, vale a pena...



- terceira palavra, por hoje: VACA... sim, vaca. Claro que se trata de uma violência! No entanto, fiquei sabendo de uma história sobre a vaca: trata-se de único animal que "não sabe a força que tem"; calma, pachorrenta, submissa, se essa mesma vaca se encontrar numa situação de stress como defender seu bezerro ou ser ameaçada, não tem cerca que a prenda, ela derruba qualquer cerca para se libertar ou libertar sua cria. Foi um fazendeiro que me contou. Gostei muito da metáfora MULHER-VACA. E me lembrei de musica do século passado, um grupo de humoristas Casseta e Planeta, cantava, se não me engano regravando uma música do Roger, da banda Ultraje a Rigor, ele tinha umas músicas tão interessantes - Vou invadir sua praia, A gente somos inútil - depois debandou pro machismo, entre outras atitudes "direitosas":

Mãe é mãe, paca é paca! Mãe é mãe, paca é paca! Mãe é mãe, paca é paca! Mãe é mãe, paca é paca!

Mas mulher, mulher, não!
Mulher é tudo vaca!
Mas mulher, mulher, não!
Mulher é tudo vaca!

E a letra continua falando da mulher que não se apresenta "do jeito que eu quero que ela seja", e isso me dá o direito à violência - na forma de humor:

Se você quer namorar
Ela quer ser sua amiga
Se você telefona aí é que ela nem te liga
Mas se você joga duro
Quando cruza por ela
Finge que não vê
Aí ela fica de quatro
Te beija o sapato
Quer casar com você

E tem uma mais recente, de uma cantora, que parece uma resposta a esta anterior. Mas nos dá a triste impressão de uma "cobra que morde o rabo", ou seja, uma repetição do modelo. Trata-se de JonJon O BAILE feat. A letra reforça o estereótipo das mulheres competindo entre si e "a serviço" do macho.


Por último, temos VACA PROFANA, música que Caetano fez pra Gal, primeira faixa do álbum Profana, lançado em 1984.

Respeito muito minhas lágrimas
Mas ainda mais minha risada
Inscrevo assim minhas palavras
Na voz de uma mulher sagrada
Vaca profana, põe teus cornos
Pra fora e acima da manada
Vaca profana, põe teus cornos
Pra fora e acima da man...
Ê!
Dona das divinas tetas
Derrama o leite bom na minha cara
E o leite mau na cara dos caretas
Na continuação Caetano presta uma homenagem à Espanha. Mas esses primeiros versos dizem da Gal Costa, uma mulher da segunda metade do século passado que ressignificou sua vida, que ressignificou o amor... Vejam o filme, é maravilhoso, principalmente para as mulheres dessa época, mas também podem - e devem - servir de inspiração para as mais novas. 

E a cena mais forte do filme é ela interpretando DIVINO MARAVLHOSO, em 1968, terceiro lugar no 4o Festival de MPB da TV Record. Uma força, uma potência... de VACA !
Enfim, refletimos que a violência permeia todos os níveis de relação, do íntimo ao público... o amor também... e pode ser outra "qualidade" de amor, o amor bonito, das boas trocas, difícil de construir, mas que vale a pena.
E terminamos com a produção artística da semana: uma foto, um poema:

Mais uma vez, obrigada pela inspiração querido Junior...

Abraços carinhosos a todas as pessoas que nos leem...
SantuzaTU



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