terça-feira, 12 de setembro de 2023

Conversas SBCenses: sobre o CHILE

Praticamente uma continuidade do assunto SBCense da semana passada no nosso Sarau : A DOMINAÇÃO CULTURAL, onde conversamos sobre nossas cabeças (e nossas "almas") dominadas, antes pelo eurocentrismo depois pelo imperialismo estadunidense... o assunto da semana no SBC é o Chile.

Pois no dia 11 de setembro se completou 50 anos do golpe militar no Chile:  

Nesse dia, em 1973, as forças armadas do Chile bombardearam o Palácio de la Moneda, sede do governo, para depor o socialista Salvador Allende da presidência conquistada nas urnas três anos antes, em 1970. O golpe militar se concretizou com o "suicídio" de Allende.

O general Augusto Pinochet tomou o poder e instalou um regime militar que executou 3.200 pessoas em 17 anos. Nessa época, o Brasil já vivia, há nove anos,  a "nossa" ditadura militar. 

Começava naquele país  uma ditadura que perdurou até 1990 e teve Augusto Pinochet como principal carniceiro. Foram anos de perseguições a grupos políticos, desaparecimentos de mulheres, homens e crianças e milhares de assassinatos  promovidos pelo Estado tomado pelos milicos. Sadismo fazia parte do pacote. 


O músico Victor Jara, em setembro de 1973, por exemplo, tornou-se símbolo da barbaridade dos fardados após ter as mãos trucidadas antes de ser assassinado. Era popular pelo talento com o violão, que embalava canções de protesto. Lembramos, na nossa conversa, de documentário na NETFLIX: ReMastered: Massacre no Estádio, dirigida por Bent-Jorgen Perlmutt.

Como em outras ditaduras do continente, nem bebês, meninas ou garotos foram poupados pelos militares. Em "Crianças", livro lindo e emocionante, María José Ferrada e María Elena Valdez criam poemas ilustrados para 34 pequenos desaparecidos ou executados pelos oficiais chilenos. Neste livro se eternizam gente como Luz Marina Paineman Puel, morta com 1 mês de vida, e Lorena del Pilar Escobar Lagos, assassinada aos 3 anos. Saiu pela Pallas Mini com tradução de Carla Branco.

Acima outro livro imperdível citado na nossa conversa, escrito por Francisco Ortega e ilustrado por Félix Vega, com tradução de Delfim Studio DelRey.

Uma sinopse do livro: "A morte de Augusto José Ramón Pinochet Ugarte em 2006 trouxe, tanto para o povo chileno como para personalidades internacionais, um senso de incompletude. O escritor uruguaio Mario Benedetti procurou sintetizar este sentimento, à época: “É a morte de um ditador que foi muito cruel com uma parte de seu povo. Neste caso, a morte venceu a justiça”. Em Os Fantasmas de Pinochet, Félix Vega e Francisco Ortega buscam, na ficção, um modo de redimir esta injustiça histórica, ao criarem, no campo do além, o julgamento definitivo do ditador do Chile nos anos 1970 e 80. Para isso, eles se valeram de uma extensa bibliografia, entrevistaram diversas pessoas, inclusive nomes ligados ao militar, e pesquisaram veículos de imprensa para recriar cenas cruciais na vida de Pinochet, bem como o seu juízo final. São apresentadas evidências, provas e testemunhos que nos guiam, não apenas a um veredito, mas também ao destino de uma nação".

Nossa historiadora  SBCense , além de citar o livro de Frida Modak,  fez um resumo dos fatos:

“Salvador Allende liderou o projeto que buscava estabelecer o socialismo por meios democráticos. Seu programa de governo contemplava a construção de um Estado popular e de uma economia planificada de estilo estatal”, afirma o centro de recursos digitais Memoria Chilena, do Governo do Chile. 

O Governo de Salvador Allende, eleito democraticamente em setembro de 1970, realizou nacionalizações generalizadas e reformas consideradas radicais que não agradaram a elite chilena e observadores internacionais, especialmente às empresas transnacionais. 

Allende era médico pela Universidade do Chile, maçom e político socialista e marxista. Quando, em outubro de 1970, o Congresso ratificou sua vitória democrática um mês antes, ele se tornou o primeiro político com esse perfil a chegar ao poder por meios populares, segundo a Memória Chilena.


"No entanto, a radicalidade do programa governamental despertou oposição frontal, tanto dentro do país como internacionalmente. Em meio a um contexto em que ainda prevalecia a política da Guerra Fria, o governo norte-americano decidiu usar todas as armas necessárias com o objetivo final de derrubar o governo chileno”, explica Memoria Chilena, ao se referir ao apoio oculto que o governo de Richard Nixon deu ao golpe militar.

Em 1972, a instabilidade política era mais notável, com falta de bens de primeira necessidade nas ruas e rumores crescentes de um golpe militar.

Em 29 de junho de 1973, ocorreu uma tentativa de golpe de Estado no Chile, conhecido como “tanquetazo”. Ironicamente, o general Augusto Pinochet ajudou a reprimir essa tentativa de golpe militar, segundo a Memória Chilena.

Na época, Pinochet ocupava o cargo de comandante-chefe interino do Exército. Quase dois meses depois do “tanquetazo”, em 23 de agosto de 1973, ele foi promovido ao cargo de comandante-chefe por recomendação que ele mesmo fez ao presidente Allende. Apenas 19 dias após a sua promoção ao cargo de comandante-chefe, Pinochet liderou o golpe de Estado de 11 de setembro de 1973.

“Por volta das 11h da manhã, o presidente Salvador Allende dirigiu a sua última mensagem ao país, por meio de uma rede de rádios simpáticas ao governo, declarando sua posição de ‘continuar defendendo o Chile'”, detalha a Memória Chilena.

Ao meio-dia, aviões Hawker Hunter da Força Aérea Chilena iniciaram o bombardeio ao Palácio Presidencial, em um ataque aéreo que durou cerca de 15 minutos. Pouco depois, em questão de minutos, o La Moneda foi destruído, e Allende foi encontrado morto em seu interior junto com a arma com a qual se suicidou.

Depois, uma Junta Militar presidida por Pinochet assumiu o controle do Governo. A ditadura duraria até 1990, quando, em 11 de março, Patricio Aylwin recebeu a faixa presidencial de Pinochet, após vencer as primeiras eleições democráticas do país desde a vitória de Allende em 1970.


Voltando às referências artísticas sobre o evento, lembramos de dois filmes sobre Pablo Neruda, poeta Chileno, senador pelo Partido Comunista do Chile. O primeiro filme, NERUDA, está na NETFLIX, o segundo, O CARTEIRO E O POETA, está no youtube. 

Querida SBCense fez um resumo sobre Pablo Neruda: "Quando o Presidente do Chile, em 1948, baniu o comunismo do país, foi emitido um mandado de captura para Neruda. Amigos esconderam-no durante meses no porão de uma casa na cidade portuária de Valparaíso; Neruda escapou por uma passagem de montanha perto do lago Maihue para a  Argentina. Anos mais tarde, Neruda foi um conselheiro próximo do presidente socialista do Chile Salvador Allende. Quando Neruda regressou ao Chile após o seu discurso de aceitação do Prémio Nobel, Allende convidou-o a ler no Estádio Nacional perante 70 000 pessoas. Neruda foi hospitalizado com cancro em setembro de 1973, na altura do golpe de Estado liderado por Pinochet que derrubou o governo de Allende, mas regressou a casa após alguns dias quando suspeitou que um médico o injetara com uma substância desconhecida com o objetivo de o assassinar por ordem de Pinochet. Neruda morreu na sua casa em Isla Negra a 23 de setembro de 1973".

Por razões políticas o poeta Pablo Neruda se exila em uma ilha na Itália. Lá um desempregado, quase analfabeto é contratado como carteiro extra, encarregado de cuidar da correspondência do poeta, e gradativamente entre os dois se forma uma sólida amizade.

O Carteiro e o Poeta é um comovente filme italiano de 1994, ganhador do Oscar de melhor trilha sonora (Luis Bacalov). Inspirado com maestria no romance do chileno Antonio Skarmeta, o filme é uma verdadeira obra-prima. Um simples carteiro Mario (Massimo Trisi) em uma ilha no litoral da Itália (Capri) entrega as correspondências do poeta Pablo Neruda ( Philippe Noiret) onde se exilou. Desse encontro nasce uma grande amizade, aos poucos as barreiras entre esses dois homens aparentemente opostos vão se quebrando. Mário, em sua simplicidade, ganha o carinho de Neruda, que o ajuda a vencer a timidez para se aproximar de sua amada Beatrice (Maria Grazia Cucinotta). A trilha sonora casa perfeitamente com a belíssima fotografia e o roteiro impecável. O grande ator Massimo Troisi faz aqui seu último trabalho, falecendo no último dia da filmagem...
Essas referências históricas e artísticas (filmes, músicas, ...) ativaram nossas memórias, assim como nossa perplexidade sobre o momento atual que estamos vivendo no nosso país.  Semelhanças -  e  perguntas - são inevitáveis:
. primeiro, onde e como você estava em 1973?  algumas e alguns SBCenses nem tinham nascido, outras pessoas que viveram essa época  deram seus depoimentos: 
- "Eu era estudante, fazia curso superior nessa época. No Brasil dos anos 70 vivíamos a época mais repressora do nosso regime militar que ocorreu com o golpe de 64. Tínhamos medo de conversar sobre política, mais de três pessoas juntas já era considerado "complô contra o Estado", em quase toda sala de aula da nossa faculdade, não sei muito bem como isso acontecia, mas o fato é que "elegíamos" um aluno ou aluna, colega nossa,  que seria "informante", e essa pessoa era "isolada" da turma... não sabemos até hoje sobre a veracidade desse dado, parece que era uma paranoia consequência do medo. No entanto, fazíamos politica, num sentido amplo, conversávamos sobre contracultura, sobre feminismos, sobre o mundo..."
. E, nesse contexto, conversávamos sobre a União Soviética, a China, sobre Cuba, países que implantaram o socialismo pela revolução... e a experiência chilena era inédita: o socialismo implantado pela via democrática, como disse nossa historiadora. 
. Conversávamos, também sobre a "democracia" (palavra tão distorcida, mal usada, precisamos resignificar a democracia...) nos EUA, sobre a guerra do Vietnan, sobre o movimento hippie e a contestação ao consumismo, o pacifismo, o respeito à natureza e o "amor livre". Isso tudo com poesia, como a poesia do Ho chi Minh, revolucionário, político, escritor, poeta e jornalista vietnamita.
. Sabemos que a história não é linear. Então, trouxemos essa história para a atualidade. Olha só:  no Chile o Allende não teve o apoio do Congresso que, em sua maioria, era composto, ou melhor, eleito, pelo que podemos chamar de "Direita" e de "Centro". Também temos uma história que conta que, em visita ao Chile, Fidel Castro pergunta a Salvador Allende se ele confiava no seu exército, ao que ele responde que sim! E vejam no que deu... Ai, isso nos traz medo e perplexidade...
. E como estão as coisas aqui no Brasil? Para os que viveram os anos 60 e os que conhecem a história (tão necessário esse conhecimento...), tivemos um golpe militar em 64, que contou com a participação dos EUA, em razão de um governo progressista, que falava (desde então!) sobre reforma agrária! Fora esse curto governo progressista, tivemos dois governos Lula e mais um e meio governo Dilma, ou seja, cerca de 14 anos de um governo que nem fala em socialismo, apenas num Estado que possa acabar com a fome e oferecer educação, saúde e trabalho para o povo. 
. E, agora, estamos de novo com o governo Lula... num mundo que começa a superar a unipolaridade (que, na segunda metade do século passado, pós segunda guerra, foi se transferindo da Europa para os Estados Unidos) ... e construir uma visão multipolar, num mundo em que se pode falar sobre identidade e soberania.  
. Ora, se governar vem a ser "a arte de mediar conflitos", qual seria o limite disso? como saber o ponto certo entre a "submissão" e o momento certo da "ruptura"?  
. Decerto essa sabedoria só vem com o fazer que se combina com o conhecer e refletir ... agora no dia 11 estávamos representados no Chile, por ocasião das cerimônias que lembravam os 50 anos dessa tragédia (lembrar para não esquecer e não repetir...)  por dois ministros (além de embaixadores): 
Silvio Luiz de Almeida, filósofo e professor universitário, atual ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, que disse:
e Flávio Dino de Castro e Costa, advogado, político, professor e ex-magistrado brasileiro, filiado ao Partido Socialista Brasileiro, atual ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil.  Flávio Dino, começando com a lembrança de que a esperança, a justiça e a luta são femininas, fala da memória como algo vivo, em movimento  - olhar para trás e para frente - e homenageia heróis chilenos e brasileiros do tempo da ditadura nos dois países. Homenageou, ainda,  artistas como o cineasta Silvio Tendler, cineasta e historiador brasileiro, conhecido como "o cineasta dos vencidos" ou "o cineasta dos sonhos interrompidos" e o fotógrafo Evandro Teixeira, agora com 87 anos,  que reencontrou, 50 anos depois, com Vladimir Salamanca, agora com  65 anos.  Evandro, em 73, cobrindo as consequências do golpe militar no Chile, deu de cara, por detrás das grades do Estádio Nacional, em Santiago, com Salamanca, então com 15 anos. Eles se reencontraram agora, na capital do Chile na abertura da exposição de Teixeira no Museu da Memória, evento que integra os atos que recordam os 50 anos do golpe militar que levou Augusto Pinochet ao poder. 
Dino lembrou também de Gramsci, filósofo marxista italiano, que usa o termo interregno para se referir a um período de transição histórica em que o "velho não morreu e o novo ainda não nasceu" e em que aparecem as "anomalias"... isso para nos dizer da coragem de "olhar nos olhos do fascismo" e "pegar o fascismo pelas orelhas", esse fascismo violento, que nega as diferenças, mais do que isso, busca eliminá-las. 
Sobre a exposição de Evandro Teixeira Dino comentou:  
“Essa exposição do Evandro é muito importante pelas fotos, pela vida que delas emerge, é importante, sobretudo pela emulação de valores e princípios sem os quais não se constrói a luta coletiva, as imagens de Evandro Teixeira são vivas e são fotos de heróis. Porque a história se constrói pela luta de milhões, mas os heróis são imprescindíveis. Por isso, o exercício da memória é o exercício da democracia, é o exercício da coerência na luta democrática e popular e contra o fascismo”

Ainda no Chile, Flávio Dino afirmou que Brasil terá Museu de Memória e Direitos Humanos: "Devemos ao Brasil e vamos pagar essa dívida com a criação, no Brasil, de um Museu da Memória e dos Direitos Humanos", disse o ministro da Justiça.

E não é mesmo o que nós, brasileiras e brasileiros, mais precisamos!!! 
MEMÓRIA! ... E NOVAS HISTÓRIAS SOBRE O BRASIL VERDADEIRO!!!
Para o movimento de sair da DOMINAÇÃO CULTURAL, e construir nossa IDENTIDADE - Quem somos nós...


Abraços carinhosos a todas as pessoas SBCenses, que gostam e valorizam as boas conversas...






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