terça-feira, 20 de junho de 2023

Reflexões SBCenses: sobre ampliação da consciência

 Octavio Paz foi um poeta, ensaísta, tradutor e diplomata mexicano notabilizado, principalmente, por seu trabalho prático e teórico no campo da poesia moderna ou de vanguarda. Recebeu o Nobel de Literatura de 1990. Escritor prolífico cuja obra abarcou vários gêneros, é considerado um dos maiores escritores do século XX e um dos grandes poetas hispânicos de todos os tempos.

Seu livro O labirinto da Solidão reflete sobre a identidade do México e os valores culturais que movem os fios de sua história. Escrito  em forma de ensaio e publicado pela primeira vez em 1950, a densidade de suas abordagens o tornou um texto de referência para toda a América Latina. 

"O século XX na América Latina se abre com uma questão nascida de uma independência quase incipiente: a identidade hispano-americana existe, ou em que consiste? Essa questão preocupa também Octavio Paz neste grande ensaio denominado O Labirinto da Solidão, onde o autor se questiona sobre a identidade do ser mexicano especificamente. Sua pergunta principal será "o que torna os mexicanos diferentes?"


José Geraldo de Sousa Junior, atualmente com 76 anos de idade, intelectual e jurista,  professor titular da UNB Universidade de Brasília.

É conhecido por ser um grande protagonista da luta contra o autoritarismo, participando ativamente de diversas iniciativas voltadas à promoção e a defesa da cidadania, do ensino com práticas pedagógicas sensíveis voltadas à efetivação dos Direitos Humanos, da justiça e da democracia.
Possui doutorado em Direito pela Faculdade de Direito da UnB (2008), na qual leciona, e é especializado em Direito, Estado e Constituição.   Já foi reitor da universidade do ano de 2008 a 2012.
Em 1973, fez graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal. Ao longo do tempo já realizou diversas publicações de obras autorais como “Da Universidade Necessária à Universidade Emancipatória”, “Para uma Crítica da Eficácia do Direito” e “ O Direito Achado na Rua: Sujeitos Coletivos. Só a Luta Garante os Direitos do Povo!” 
O Direito Achado na Rua (DANR) é uma concepção teórica, desenvolvida a partir das ideias de Roberto Lyra Filho, que tem por objetivo pensar o Direito derivado da ação dos movimentos sociais por meio de uma perspectiva que o entende como uma “legítima organização social da liberdade". Designa também o movimento político-teórico e sociológico-jurídico surgido a partir desta visão, que toma forma na Nova Escola Jurídica Brasileira. E o nosso José Geraldo atua, atualmente, como coordenador desse projeto.

O que  junta o carioca José Geraldo com o mexicano Octávio Paz? e com o SBC?
- O "conceito de vida", a "consciência possível"...  melhor, o movimento constante -  necessário e bonito para a vida - de ampliação da consciência - e a beleza das trocas humanas para o crescimento, tanto do indivíduo quanto da sociedade.

No dia 14 de junho, quarta feira feira passada, José Geraldo, na CPI do MST,  nos presenteou com uma poderosa fala: Em resposta a uma deputada do PL, ele começa citando Octávio Paz, no livro "O Labirinto da Solidão", dizendo que quando Colombo chegou na América nas suas caravelas, os índios olhavam mas não viam as mesmas,"...pois não havia cognição para representar cerebralmente uma imagem que era incompatível com o quadro mental de uma cultura que não tinha elementos para visualizar aquilo"...  Ele acrescenta o conceito grego de TEORIA: teores, que significa "aquele que vê". Isso para dizer da dificuldade de comunicação quando "as visões de mundo são antagônicas"; e, fazendo um exercício de humildade, conclui sobre o esforço necessário para o movimento de compreensão do outro, pois somente com esse esforço ocorrerá a comunicação. 

Essa fala nos provoca reflexões importantes, sobre consciência possível e sobre comunicação e relações humanas:

Em primeiro lugar,  consideramos que "enxergamos o que somos capazes de compreender"...  Usando uma metáfora: "tendemos a enxergar o mundo da janela do nosso quarto". 

Lucien Goldmann (1913-1970), filósofo e sociólogo francês, fala sobre a importância do conceito de “consciência possível”,  fundamental para o estudo da comunicação humana, podendo ser usado na abordagem das possibilidades de transferência da informação em diversos grupos na sociedade.

Em seguida, torna-se necessário conversarmos sobre o exercício da alteridade:

Antes de Goldmann, no século XIX, Arthur Schopenhauer, filósofo alemão,  em sua obra "O mundo como Vontade e Representação" (1819), já nos dizia sobre o esforço necessário para olharmos as coisas de formas diferentes das que estamos acostumados. 

E outro filósofo alemão contemporâneo de Schopenhauer,  Friedrich Wilhelm Nietzsche, no prefácio do seu livro A Genealogia da Moral, nos diz da postura de "paciência diante do que nos é mais antípoda", até mesmo para desenvolvermos a capacidade de argumentação e diálogo com o(s) diferente(s) de nós. 

Estes são alguns autores que nos ensinam o RESPEITO AO DIÁLOGO, como disse nosso grande professor José Geraldo na sua belíssima aula na CPI:  "levar a sério o que o outro diz" cria a possibilidade de algum "furo de bolha"... E a construção da relação dialógica, a construção das "pontes da linguagem" - ou seja, conversar e se entender exige esse movimento - e exige, também, a atitude (ou virtude) da humildade... Sair das nossas certezas. 

José Geraldo cita, também, outro filósofo importante: Roland Barthes  (1915 — 1980), escritor, sociólogo, crítico literário, semiólogo e filósofo francês que fez parte da escola estruturalista. Ele nos diz sobre a importância da "desconstrução das estruturas"... Do nosso jeito de pensar "pronto e acabado", das nossas certezas, para "receber o outro".


E nos reporta à nossa filósofa  Márcia Tiburi, que lançou o livro "Como conversar com um fascista" em 2015... depois foi morar na França pois estava sofrendo ameaças de morte... atualmente está para retornar ao Brasil ... e o seu livro é, ainda, atual e necessário.

"Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro: Com sua rara capacidade de explicar temas filosóficos para o leitor comum, Marcia Tiburi alcançou o sucesso de público e de crítica como uma filósofa pop. E nesses tempos de nervos à flor da pele e agressivos embates políticos, Marcia traz em Como conversar com um fascista um propósito filosófico-político: pensar com os leitores sobre questões da cultura política experimentada diariamente, de um modo aberto, sem cair no jargão acadêmico. O argumento principal é como pensar em um método, ou uma postura, para contrapor o discurso de ódio, seus reflexos na sociedade brasileira e repercussão nas redes sociais. A filósofa propõe o diálogo como forma de resistência e analisa notícias recentes e acontecimentos do mundo político para mostrar mais uma vez que é possível falar sobre temas complexos de maneira que todos compreendam". 

E chegamos à reflexão sobre a necessidade do movimento de ampliação da consciência:  um processo que ajuda a responder perguntas sobre autoconhecimento, abertura para o outro e desenvolvimento de visão de mundo. 

A ampliação de consciência, segundo nosso entendimento, é aberta a todos, mas é sutil ... E é necessária uma certa sensibilidade para alcançá-la, ou melhor, desenvolvê-la. Trata-se de algo que precisa ser feito se pretendemos nos situar no mundo de uma forma mais bonita, construir relações mais simétricas, assim como pensar uma sociedade mais justa e mais humana. Não se trata de algo místico ou que somente desenvolveríamos através de meditação. Embora a meditação possa, também ajudar nesse processo, trata-se de algo maior... de uma "disposição interna" para o movimento constante tanto para dentro de nós - o autoconhecimento, quanto para fora de nós, conhecer o outro, pensar a diferença, conhecer o mundo e nos colocarmos enquanto sujeitos transformadores.

E aprendemos, também, com nosso filósofo José Geraldo, que a aprendizagem de tal movimento passa pela semiótica, que é a ciência que analisa todos os sistemas de comunicação presentes numa sociedade:

Mais uma vez nosso professor José Geraldo nos dá exemplos:
. A palavra é OCUPAÇÃO, não invasão... e essa compreensão muda nossa visão:
"A prática de apropriação do MST foi definida como OCUPAÇÃO. Não foi por mim ou pelos meus escritos, foi pelo STJ. Que em acordão escreveu que não pode ser considerado esbulhador* aquele que ocupa da terra para fazer cumprir a promessa constitucional da reforma agrária."
* fútil, insignificante

. Assim como a palavra é INVASÃO e não "descobrimento" do Brasil... no entanto, " des-aprendemos" que o Brasil foi "descoberto", desmerecendo todo o povo que já estava aqui, nossos ancestrais ... e isso também gera distorções, inclusive na construção da nossa identidade de uma forma autônoma enquanto brasileiros e brasileiras.

. Como, também, des-aprendemos sobre a Lei Aurea, o que contribui para a invisibilização de toda a luta histórica, muito antes da Princesa Isabel, do povo escravizado, pela sua libertação.

. Desaprendemos a lutar pelos nossos direitos quando a "religião" nos diz, de uma forma sutil "como uma patada de elefante" que os direitos são dados por um ser superior, que não precisamos lutar por eles no concreto, diariamente nas nossas vidas, tanto de forma individual quanto coletiva.

. Perdemos de vista a importância do uso da linguagem neutra, o sentimento de pertencimento que podemos causar numa pessoa que não pertença ao binarismo masculino-feminino.

. Mais ainda: no movimento de ampliação da consciência vamos compreendendo como o nosso mundo reproduz o machismo, a misoginia, na linguagem e no comportamento. Vejam que:
Homem honesto é entendido como o que paga as contas: mulher honesta é a fiel, recatada...
Homem público é aquele que defende os interesses de uma classe ou um povo; já mulher pública é entendida como mulher da vida, puta...

Pode parecer desatualizado para pessoas que se dizem não preconceituosas, não machistas... porém estas "sutilezas de elefante" estão presentes no nosso cotidiano, desde as relações íntimas até as relações públicas, o exercício da nossa cidadania. E começar a ver isso exige muito a postura de HUMILDADE que, na nossa cultura, também já assimilamos e internalizamos de maneira distorcida, apendemos a confundir humildade com HUMILHAÇÃO, o que gera grandes desencontros na comunicação, na percepção de si mesmo e nas relações, em todos os níveis de relação. E que, ao fim e a cabo, promove a reprodução de uma sociedade assimétrica, autoritária, fascista enfim...

Descolonizar nossas mentes vem a ser um exercício diário de desconstrução de estruturas fascistas, diz nosso professor José Geraldo. Numa entrevista posterior ao depoimento que citamos aqui, ele mesmo nos revela sua insatisfação com o "recorte" que mesmo a mídia alternativa, de esquerda, fez com toda a sua fala durante o depoimento na CPI. Ele comenta que o recorte foi misógino, é revelador da nossa sociedade machista, pois pareceu que ele estava se dirigindo apenas à mulher, à deputada, quando na verdade ele estava falando para todas as pessoas ali presentes. Inclusive outras falas do nosso professor para demais deputados são tão importantes quanto... Assistam os melhores momentos:


Enfim, são dessas "sutilezas" que falamos, que precisamos estar atentos e atentas, que precisamos, com humildade, perceber nossas "reproduções"... que somente percebendo é que "ampliaremos nossas consciências"... e nos tornaremos pessoas melhores... e nos relacionaremos de formas mais livres, mais simétricas e mais bonitas.


Obrigada grande professor, o SBC tem a convicção de que o movimento para a ampliação da consciência é necessário e bonito para a vida e as relações. É a partir dele que desenvolvemos o conhecimento de nós mesmos, do mundo ao nosso redor... descobrimos o que, realmente, nos causa sofrimentos psíquicos... e o que, realmente, gostamos e queremos para nós e para o mundo.
        

Abraços carinhosos a todas, todos e todes...







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