terça-feira, 12 de junho de 2018

NOVO PROJETO SBCense: PROSA E SAMBA ou De como o “Amor romântico” arrasa com nossas vidas...


O projeto começa com uma ideia de um grande SBCense:

- TU, já reparou que PRA TUDO TEM UM SAMBA?
- É mesmo minino! ...o samba canta TODAS as emoções: alegria, tristeza, dor, desatino... pra tudo tem um samba...

Então começamos a pesquisar os sambas que cantam as emoções... e surgiu o pout pourri (fiquei sabendo que agora e medley: conjunto de músicas cantadas conjuntamente... aff... vamos atualizar!!!):


Caetano Veloso


Haroldo Lobo




































A tristeza é senhora
Desde que o samba é samba é assim
A lágrima clara sobre a pele escura
A noite, a chuva que cai lá fora
Solidão apavora
Tudo demorando em ser tão ruim
Mas alguma coisa acontece
No quando agora em mim
Cantando
eu mando a tristeza embora...


Tristeza  
Por favor vai embora
minha alma que chora 
Está vendo o meu fim

Fez do meu coração a sua

moradia                             
Já é demais o meu penar                                 
Quero voltar àquela   Vida de alegria
Quero de novo cantar...

Alegria
Pra cantar a batucada
As morenas vão sambar
Quem samba tem alegria!
Minha gente 
Era triste e amargurada
Inventou a batucada   
Pra deixar de padecer
Salve o prazer
Salve o prazer...


Três lindos sambas que falam de emoções básicas: alegria e tristeza. O primeiro do Caetano;  segundo,  bem conhecido, Haroldo Lobo e Niltinho, antigão; e o terceiro samba, também antigo e conhecido, de Assis Valente e Durval Maia.

E continuamos nossa pesquisa sobre samba e emoções... Foi aí que uma super SBCense lembrou:

- Gente! Minhas memórias de infância são de um gênero (ou sub-gênero) de samba chamado samba-canção! Adorava ouvir meu pai cantando “Linda Flor” (Ai ioiô...), imitando Jamelão, que interpretava Lupicínio Rodrigues, também Cartola e Noel Rosa escreveram samba-canção (“As rosas não falam”, do Cartola) ... e “A flor e o espinho” do Nelson Cavaquinho... ai, que saudade!!!
NOEL ROSA
CARTOLA

Ai os SBCenses que tinham essas lembranças também ficaram com saudades. Dos mais novos uns(e umas)  já conheciam alguns sambas-canção, outrxs foram pesquisar:

“Também chamado de "samba de meio de ano" (ou seja, sambas feitos fora da época de carnaval). em linhas gerais, o samba-canção faz uma releitura mais elaborada na melodia - enfatizando-a - e possui um andamento moderado (o mais lento dentro das vertentes do moderno samba urbano), centrado em temáticas de amor, solidão e na chamada "dor-de-cotovelo". ..."Linda Flor (Ai, Ioiô)", do compositor Henrique Vogeler e dos letristas Marques Porto e Luís Peixoto, é considerado o marco inaugural desse estilo de samba....o ambiente da década de 1950 estimulou a expansão desse gênero no mercado nacional. E ainda: “...no que diz respeito às letras, uma interpretação pessimista das propostas ligadas à filosofia existencialista (que traduzem um forte desencanto com o mundo). Esse conteúdo melancólico mais tarde incorporaria a palavra "fossa" para o subgênero.”

E foi com esta pesquisa que lembramos, não a palavra fossa, mas LAMA... e construímos a categoria SAMBAS DE LAMA...        que falam também de emoções, mas um tipo peculiar de emoções: desamor, perda de amor, solidão, falta de amor... e criamos uma “teoria” sobre os sambas de lama: nós precisamos deles... precisamos cantá-los muito... até rir da gente... e superar a dor de cotovelo, a fossa, a lama, enfim... é certo que algumas pessoas não conseguem a superação (que acontece com o riso) e atolam na lama para sempre... ui... que meda!!! Isso é muito perigoso!!!

Segundo nossa pesquisa (agora pesquisa musical) Lupicínio Rodrigues é o maior representante de SambaLama. Mas tem também a super representante feminina, Maysa. E a maravilhosa Dolores Duran, “A noite do meu bem” é um clássico LAMA:


Dolores Duran
Hoje... eu quero a rosa mais linda que houver
E a primeira estrela que vier
Para enfeitar a noite do meu bem...
Hoje... eu quero paz de criança dormindo
E o abandono de flores se abrindo
Para enfeitar a noite do meu bem...
Quero... a alegria de um barco voltando
Quero  ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem...
Ha ... eu quero o amor o amor mais profundo
Eu quero toda beleza do mundo
Para enfeitar a noite do meu bem...
Quero... a alegria de um barco voltando
Quero  ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem...
Ai... como esse bem demorou a chegar
Eu já nem sei se terei no olhar
Toda a ternura que eu quero lhe dar ...

E nossa historiadora SBCense lembra de uma super lama do Lupicínio que ela ouvia seu pai cantando quando criança e ficava admiradíssima, Gente! Essa música é do Ricardão, fala de uma traição!!! E desde essa época ela, transgressora que era, pensava: ainda quero cantar essa música!!! E, mais tarde na vida, quando já cantava, pensou em interpretá-la mas não conseguiu porque era uma música... masculina, digamos... era um homem (na lama) cantando. Porém, um pouco mais tarde, ela teve a ideia de interpretá-la num outro contexto: o de uma mulher, amante de outra mulher, que é casada!!!
Inclusive servindo para ouvi-la e combatermos nossos preconceitos, olha que bacana!!! Ai vai:

Ela disse-me assim
Tenha pena de mim ... vá embora
Vais me prejudicar
Ele pode chegar ... está na hora
E eu não tinha motivos nenhum para lhe recusar
Mas aos beijos carinhos abraços lhe pedi pra ficar
Sabe o que se passou
Ele nos encontrou... e agora
Ela sofre somente porque foi fazer o que eu quis
E o remorso está me torturando
Por ter feito a loucura que fiz
Por um simples prazer
Fui fazer meu amor infeliz



Maysa era uma grande intérprete de sambas de lama. Tem uma música anos 60 que ficou na memória dos lamas, inclusive com um acréscimo interpretativo ao final, bem ao estilo SBC:
MAYSA


Ouça vá viver
A sua vida com outro bem
Hoje eu já cansei
De pra você não ser ninguém...
O passado não foi o bastante pra lhe convencer
Que o futuro seria bem grande só eu e você
Quando a lembrança com você for morar
E bem baixinho de saudades você chorar
Vai lembrar que um dia existiu
Um alguém que só carinho pediu
E você fez questão de não dar
Fez questão de negar...





CANALHA!!! (o Canalha!!! É por conta do SBC...rsrs)


Retomando nosso conceito de SAMBALAMA, eles servem para superação (quando chegamos a rir de nós mesmxs...) ou serve pra “atolarmos” na lama do “amor romântico”, amar significa sofrer, essa ideologia que internalizamos e que nos faz tanto mal. A seguir um samba super representativo do atolamento na lama:

Eu sei que vocês vão dizer
Que é tudo mentira que não pode ser
Que depois de tudo o que ele me fez
Eu jamais deveria aceitá-lo outra vez

Bem sei que assim procedendo
Me exponho ao desprezo de todos vocês
Lamento mas fiquem sabendo

Que ele voltou e comigo ficou...
Ficou pra matar a saudade
A tremenda saudade que não me deixou
Que não me deu sossego um momento sequer
Desde o dia em que ele me abandonou

Ficou pra impedir que a loucura
Fizesse de mim um mulambo qualquer
Ficou ... dessa vez para sempre...
Se Deus quiser...

- Muito triste isso né?


- Continuemos nossa pesquisa musical...

Uma grande do Lupicínio... A Adriana Calcanhoto interpreta Lupicínio majestosamente. Vale a pena ouvir todas... e reparem como é a diferença entre a lama de atolar e a lama que demonstra uma intenção de sair dela, de superar:


ADRIANA CALCANHOTO


Nunca...
Nem que o mundo caia sobre mim
Nem se Deus mandar
Nem mesmo assim..
As pazes contigo eu farei

Sempre...
Quando a gente perde a ilusão
Deve sepultar o coração
Como eu sepultei

Saudade...
Diga a esse moço por favor
Como foi sincero o meu amor
Quanto eu o adorei tempos atrás

Saudade...
Não se esqueça também de dizer.
Que é você quem me faz adormecer
Pra que eu viva em paz


Linda!!! E reparem também que continuamos no mesmo tema, ou seja, o samba fala de todas as emoções. Voltaremos à categoria LAMA, mas antes temos que falar de uma outra categoria super SBCense, aprendida com Chico Buarque. Pois não é que ela disse numa entrevista que não gostava de samba LAMA, que nem tinha nenhum samba LAMA!!! Heinnn!!! Como assim!!! “Retrato em Branco e Preto” é um super LAMA!!!


CHICO BUARQUE



Lá vou eu de novo como um tolo
Procurar o desconsolo que cansei de conhecer...
Novos dias tristes, noites claras, versos, cartas, minha cara,
Ainda volto a lhe escrever...
Pra dizer que isso é pecado,
Eu trago o peito tão guardado, de lembranças do passado
E você sabe a razão!!!
Vou colecionar mais um soneto, outro retrato em branco e preto,
A maltratar meu coração...

Aff... olha como a gente decora... nem precisei copiar e colar, sabia de cor... esse estilo vai impregnando na gente e a gente vai “desejando” isso... se não for assim não é amor...
Mas, voltando ao Chico, ele: não gosto de samba LAMA, nem tenho... gosto de SAMBA DE PIROPA... nosso maior representante é o Vinicius de Moraes...

- Heinn??? Piropa???o que é isso? Lá fomos nós pesquisar... Piropa vem do espanhol PIROPO, trata-se de CANTADA, no caso, cantada musical... E lá vamos nós pesquisar... músicas lindas... de PIROPA:
VINICIUS DE MORAES



Você voltou, meu amor
Alegria que me deu
Quando a porta abriu Você me olhou  Você sorriu
Ai, você se derreteu  e se atirou
Me envolveu 

Me brincou 
Conferiu o que era seu
É verdade eu reconheço eu tantas fiz
Mas agora tanto faz
O perdão pediu seu preço meu amor
Eu te amo e Deus é mais.
..






Clara Nunes cantando essa piropa é maravilhosa...
CLARA NUNES


Pedido de perdão não é LAMA, é PIROPA... e reparem, quando alguém tiver dúvida sobre a categoria, se Lama ou Piropa, uma distinção que fizemos é a “qualidade” do “AI”, reparem no AI do Lama, por exemplo da Dolores Duran em A Noite do Meu Bem: Ai... como este bem  demorou a chegar... trata-se de uma AI sofrido demais... olha a diferença do AI no samba do Vinicius: AI... você se derreteu e se atirou... é um AI de prazer, de gozo... delícia...

A piropa mais famosa é do Tom Jobim e Vinicius, Garota de Ipanema é uma super piropa... Tem SBCense que não conhece Tom e Vinicius... pesquisem!!! História é cultura!!! 

Outro da mesma época é Ataulfo Alves, com piropas pedido de perdão:

ATAULFO ALVES


Covarde sei que me podem chamar
Porque não calo no peito essa dor
Atire a primeira pedra, ai, ai, ai
Aquele que não sofreu por amor                                    

Eu sei que vão censurar o meu proceder
Eu sei mulher (ou “homem de Deus”, pras mulheres cantarem... rsrs) Você mesmo vai dizer
Que eu voltei pra me humilhar
É, mas não faz mal
Você pode até sorrir
Perdão foi feito pra gente pedir...

Ele fazia a canção, Mário Lago fazia as letras... aí vai outra:
Mário Lago
Leva meu samba
Meu mensageiro
Este recado
para meu amor primeiro
Vai dizer que ele é
A razão dos meus "ais"
Não, não posso mais!

Eu que pensava
Que podia lhe esquecer
Mas qual o que
Aumentou meu sofrer
Falou mais alto
No meu peito uma saudade
Mas para o caso não há força de vontade

E este samba é só pra ver se comovia
O seu coraçao                                                                               
Onde dizia:
Vim buscar o meu perdão!

Não pode faltar uma piropa do Chico né? super SBCense (porque no SBC só tem gente que não presta... são as melhores pessoas...) :

Se você crê em Deus Erga as mãos para os céus E agradeça
Quando me cobiçou Sem querer acertou  Na cabeça
Eu sou sua alma gêmea Sou sua fêmea Seu par sua irmã
Eu sou seu incesto Sou igual a você Eu nasci pra você
Eu não presto  Eu não presto

Traiçoeira e vulgar Sou sem nome e sem lar Sou aquela
Eu sou filha da rua Eu sou cria da sua Costela
Sou bandida Sou solta na vida

E sob medida Pros carinhos seus
Meu amigo Se ajeite comigo E dê graças a Deus...


A melhor interpretação é da Fafá de Belém, explêndida...


FAFA DE BELEM

E a pesquisa não acaba... Cada hora aparece um(uma) SBCense cantando um samba, ou LAMA, ou PIROPA, ou EMOÇÕES... criamos essas três categorias.

E não é que nesse percurso tivemos um grande insight que veio a ser a construção de uma quarta categoria de samba!!! Mais, a construção de um conceito “antropológico-cultural-musical”... explicando: construímos uma valiosa reflexão sobre a ARTE e a CULTURA, e como é importante percebermos quando somos “reprodutores” da cultura, e como podemos ser “Sujeitos”, “construtores” de novos valores culturais, que combinam mais com qualidade de vida e relações mais bonitas e prazerosas.

Agora, explicando e formulando a teoria através de exemplos práticos, conto como começou o insight:  como já sabemos, temos como maior representante de SAMBA LAMA o Lupicínio Rodrigues... e nem carioca nem baiano o cara é!  "Lupe, como era chamado desde pequeno, nasceu em Porto Alegre e só saiu de lá uma vez pra ir no Rio de Janeiro conhecer o samba. Compôs marchinhas de carnaval e samba-canção, músicas que expressam muito sentimento, principalmente a melancolia por um amor perdido. Foi o inventor do termo dor-de-cotovelo, que se refere à prática de quem crava os cotovelos em um balcão ou mesa de bar, pede um uísque duplo, e chora pela perda da pessoa amada. Constantemente abandonado pelas mulheres, Lupicínio buscou em sua própria vida a inspiração para suas canções, onde a traição e o amor andavam sempre juntos. Morreu em 1974 aos 59 anos."

Pois não é que “fuçando” o Lupicínio encontramos uma pérola da LAMA, que nos proporcionou continuar (e aprofundar) nossa teoria sobre a LAMA enquanto necessária a uma catarse... o riso e a superação; ou a LAMA enquanto “atolamento” e repetição dos conceitos impregnados do “amor romântico”. A seguir a pérola: VINGANÇA, o título do samba... uma emoção fortíssima... e que pode ser libertadora!!! Pois na vingança podemos ou nos matar pra matar o outro (quando não saímos na referência do outro); ou podemos, por outro lado, perceber que a melhor vingança é ser feliz... e, neste caso, conseguimos sair da referência do outro e nos libertamos... olha só que reveladora essa reflexão!!! Então vamos ao samba, pra explicar|entender melhor:
LUPICINIO RODRIGUES

Eu gostei tanto, tanto, quando me contaram
Que lhe encontraram bebendo e chorando na mesa de um bar
E que quando os amigos do peito por mim perguntaram
Um soluço cortou sua voz,  não lhe deixou falar
Eu gostei tanto tanto quando me contaram
Que tive mesmo de fazer esforço pra ninguém notar...

O remorso talvez seja a causa do seu desespero
Você deve estar bem consciente do que praticou
Me fazer passar tanta vergonha com os companheiros
E a vergonha é a herança maior que meu Pai me deixou...

Mas enquanto houver força em meu peito eu não quero mais nada
Só vingança, vingança, vingança aos Santos clamar
Você há de rolar como as pedras que rolam na estrada
Sem ter nunca um cantinho de seu pra poder descansar...

É muita sabedoria essa música! A sabedoria de não negarmos nossa emoções. Aprendemos, na nossa (má)educação, a negar|reprimir nossa emoções tidas como “negativas”, emoções “ruins”... isso é uma falácia! Não existem emoções “ruins”, tudo depende do que fazemos com nossas emoções, e negá-las é terrível, pois negando elas continuam a nos “comandar” e nem temos consciência disso. Por outro lado, quando temos consciência das nossas emoções, podemos elaborá-las de uma forma produtiva, para a vida.

E foi dessa música, como já falamos,  que aconteceu também o insight sobre a arte e a cultura: Sabemos (com nosso grande SBCense Nietzche), que a cultura é nossa segunda natureza, nossa segunda pele... sabemos também que através da arte em geral (e especialmente a música) os valores de uma sociedade, de uma época histórica, são transmitidos. A arte tem o duplo papel, o de reproduzir os valores de uma época, assim como a arte também constrói valores, antecipa, cria cultura. E nós “consumimos” cultura, reproduzimos valores... ou somos sujeitos, criamos cultura, construímos novos valores, que podem combinar mais com uma vida mais bonita e com mais qualidade.

Pois então... nossa música, nosso samba, é reprodutor dos conceitos aprisionantes do “amor romântico”. O ideal do único, o amor sofrimento, a idealização (do ser amado e também do amor), e por aí vai. Além disso o samba reproduz nossa cultura machista, que aprisiona mulheres e homens num modelo falido de relação.

Então, enquanto sujeitos (e não objetos), enquanto transformadores da cultura, que queremos ser, temos agora, conhecendo essa “teoria”, o dever histórico de reconhecer o que estamos cantando... e, portanto, está penetrando no nosso espírito e determinando o que “queremos” das relações e do “amor”.

Daí surgiu nossa quarta “categoria” de samba: os  SAMBAS LIBERTADORES.


E o primeiro deles nem é recente, olha como já se falava de um conceito diferente de amor já há muito tempo. No carnaval de 1955 um samba interpretado por Marlene, e o autor é Monsueto Menezes, dizem que um injustiçado, pois não fez sucesso na época e sim mais tarde quando foi regravado por Caetano, Roberta Sá e outrxs... Reparem na letra:


Eu vou lhe dar a decisão
Botei na balança e você não pesou
Botei na peneira e você não passou

Mora na filosofia ... pra quê rimar amor e dor
Mora na filosofia ... pra quê rimar amor e dor ...

Se seu corpo ficasse marcado
Por lábios ou mãos carinhosas
Eu saberia... A quantos você pertencia
Não vou me preocupar em ver ...
Seu caso não é de ver pra crer
Tá na cara!


E nessa altura do campeonato os SBCenses começaram a pesquisar no samba (e na MPB em geral) o que seriam músicas libertadoras, músicas que combatem um conceito de amor que aprisiona e criam a possibilidade da construção de um novo conceito, mais bonito, mais prazeroso, de trocas mais autênticas... e por aí vai... foi difícil!!!

Os mais antigos foram lá pros anos 70, 80... e os mais novos ficaram na atualidade... o que rendeu um resultado muito bacana. E rendeu também uma música nova!!! Vamos contando, das músicas e da teoria elaborada...

Vinicius, nosso maior piropeiro, tem algumas músicas terríveis (do ponto de vista de submissão da mulher... nem quero citar essas) e, ao mesmo tempo, tem outras que questionam o amor romântico. Esta a seguir, por exemplo, ela é ambígua, não compreendemos a letra ao final e tivemos que alterá-la (com licença poética):

Vire essa folha do livro e se esqueça de mim...
Finja que o amor acabou e se esqueça de mim...
Você não compreendeu Que o ciúme é um mal de raiz
E que ter medo de amar não faz ninguém feliz
Agora vá  sua vida como você quer...
Porém não se surpreenda se uma outra mulher
Nascer de mim como no deserto uma flor
Não compreender que o ciúme é o perfume do amor

Nossa "licença poética" está em negrito, é o NÃO, pois a letra original diz ..."e compreender que o ciume é o perfume do amor"... achamos que ele quis dizer ..."não compreender que o ciume é o perfume do amor", interpretamos assim pela primeira estrofe: O ciume é um mal de raiz!!!.

Vamos a outra da categoria libertadores, agora Chico Buarque:
IVETE SANGALO

Quando você me deixou meu bem
Me disse pra ser feliz e passar bem
Quis morrer de ciúme quase enlouqueci
Mas depois como era de costume obedeci
Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita pode crer
Olhos nos olhos quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais

E  venho até remoçando
Me pego cantando
Sem mais nem porque
Tantas águas rolaram
Tantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você

Quando talvez precisar de mim
Cê sabe que a casa é sempre sua venha sim

Lindíssima na interpretação da Ivete... e, reparem... esta letra mostra bem que ela está saindo para a libertação, embora ainda esteja com um pé na lama, ou seja, na referência do outro... o trecho ... como era de costume, obedeci... é revelador do ponto de vista de cultura feminina e do conceito de amor romântico internalizado, fazendo a gente querer ser do jeito que o outro quer que sejamos. E acreditamos que isso é AMOR! e desejamos ardentemente viver isso!!!

Estamos certxs de que este conceito de amor romântico impregnado, repetido (na arte, na educação, na cultura) e internalizado que nem chiclete, se torna responsável pela idealização (do outro, de mim mesmx e da própria relação) - e é, sem dúvida, um dos fatores que geram violência nas relações (do ponto de vista de quem pratica a violência e de quem se submete a ela) - das mais sutis... até a morte (o feminicídio).

Vamos a outra "libertadora" :


IRMÃOS CAYMMI


Se um dia você for embora
Não pense em mim que eu não te quero meu
Eu te quero seu...

Se um dia você for embora
Vá lentamente como a noite que amanhece
Sem que a gente saiba exatamente
Como aconteceu...

Se um dia você for embora
Ria se seu coração pedir
Chore se teu coração mandar
Mas não esconda nada que nada se esconde
Se por acaso um dia você for embora
Leve o menino que você é...

Composição de Ana Terra e Danilo Caymmi, magistralmente interpretada tanto pela Nana Caymmi quanto pelo Milton Nascimento, vejam se não canta um amor libertador..."não te quero meu... te quero seu..."

Agora, na opinião de todos os SBCenses, a maior representante dos sambas libertadores é Elza Soares, antiga e atual... desde Lupicínio, anos 60:


ELZA SOARES


 ..."se acaso você chegasse, no meu chatô encontrasse, aquela mulher..."  

foi seu grande sucesso à época... 

até a parceria com Pitty, baiana arretada do rock: Nome da música: NA PELE:


PITTY


Olhe dentro dos meus olhos
Olhe bem pra minha cara
Você vê que eu vivi muito
Você pensa que eu nem vi nada

E a música MARIA DA VILA MATILDE, de Douglas Germano:
DOUGLAS GERMANO

Cadê meu celular?
Eu vou ligar pro 180
Vou entregar teu nome
E explicar meu endereço
Aqui você não entra mais
Eu digo que não te conheço
E jogo água fervendo
Se você se aventurar
Eu solto o cachorro
E, apontando pra você
Eu grito: péguix guix guix guix
Eu quero ver
Você pular, você correr
Na frente dos vizim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

E quando o samango chegar
Eu mostro o roxo no meu braço
Entrego teu baralho
Teu bloco de pule
Teu dado chumbado
Ponho água no bule
Passo e ainda ofereço um cafezim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

E quando tua mãe ligar
Eu capricho no esculacho
Digo que é mimado
Que é cheio de dengo
Mal acostumado
Tem nada no quengo
Deita, vira e dorme rapidinho
Você vai se arrepender de levantar a mão pra mim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

Mão, cheia de dedo
Dedo, cheio de unha suja
E pra cima de mim? Pra cima de moi? Jamé, mané!
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

Traduz a situação vivenciada por inúmeras mulheres brasileiras, de todas as classes sociais. E não deixa de ser a consequência de tudo que falamos antes, a cultura do "amor romântico" impregnada. 

Pra quem não entendeu ainda ou acha que é exagero, entre outras coisas é do quadro abaixo que estamos falando:




E é por isso que temos a responsabilidade de combater tudo isso... sabendo o que estamos cantando... e procurando cantar as LIBERTADORAS, além de cantar, falar, conversar, escrever... sobre um novo amor possível... 

E foi daí que surgiu nossa nova composição:

O QUE O AMOR SERÁ... (MEDIDA CERTA)
Música: Ronaldo Leon
Letra: Santuza TU

















Desafio aceito     Bora pesquisar
O que o amor não é      E o que o amor será...
                                                                                                         
É nessa roda de samba    Que vamos prosear
O que o amor não é    E o que o amor será...

Amor não é posse     Não é submissão
Mas é dar e receber     Na medida certa do coração

Amor não é sofrer      Não é bater nem machucar
A violência está noutro lugar

Amor não rima com dor     E sim com liberdade
Respeito e admiração       Mesmo que não rime na canção

Antes de tudo o amor próprio     Pra rimar com alegrias
Do encontro com o outro     Pra passar ótimos dias

É nessa roda de samba       Que vamos prosear
o que o amor não é       E o  que o amor será...

Desafio cumprido
Vamos construir e multiplicar Um novo conceito de amor
E é nessa roda de bamba que todos vão sambar
Cantando o que o amor não é
cantando o que o amor será...

E terminamos pedindo licença ao poetinha Vinicius para pedir a benção a grandes mulheres:
Clementina
Elza Soares
Elis Regina
Maria Betânia
Dolores Duran
Nana
Adriana
...

- A benção grande poetas:
Adélia, Cora, Tarsila, Pagu, Elisa Lucinda ...

- A benção tantas outras mulheres do Brasil... na ciência, na educação, na política, mães, donas de casa... tantas ... que contribuem para um mundo melhor...

E a benção grandes homens... grandes pessoas... que estão se desconstruindo dos machismos e se permitindo novos amores...

TAMO JUNTOS na construção de relações mais simétricas, mais livres, mais bonitas...

AMÉM... SARAVÁ




5 comentários:

  1. TU, este a seguir é um samba que caminha para os libertadores né:

    Acreditar, eu não
    Recomeçar, jamais
    A vida foi em frente
    E você simplesmente
    Não viu que ficou pra trás
    Não sei se você me enganou
    Pois quando você tropeçou
    Não viu o tempo que passou
    Não viu que ele me carregava
    E a saudade lhe entregava
    O aval da imensa dor
    E eu que agora moro nos braços da paz
    Ignoro o passado que hoje você me traz
    E eu que agora moro nos braços da paz
    Ignoro o passado que hoje você me traz

    Composição: Délcio Carvalho / Dona Ivone Lara

    Beijos

    Luana

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  2. Sim Luana!!! obrigada...

    Todo mundo que lembrar de "libertadores" mandem aí pra gente ir compondo o repertório SBCense dessa categoria.

    O SBC agradeçe

    TU Santuza

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  3. Parabéns pela iniciativa do SBC, nasceu, creceu, brilhou e encantou! Blog e pesquisa espetaculares, resgatou grandes talentos da composição e interpretação do nosso lindo samba brasileiro!

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  4. Faz bem saber Quem São as Raízes Verdadeiras da Nossa Música,Muito Bom "Samba de Lama",,,, Realmente Libertador,,Parabéns Pela Iniciativa, valeu "Tu".

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