domingo, 23 de setembro de 2012

Musica forma ou deforma...





(em 07.agosto.2012)

70 anos de um SBCence famoso: Caetano.
É, o Veloso! Uai, eu posso incluir no SBC quem eu quizer! Mesmo que a pessoa não saiba! De perto ninguém é normal! Obrigada Cae... essa frase sua é muito boa...

Trabalhando em casa, liguei o radinho (rsrsrs, atualizando: radinho para Ipod, mas no caso era rádio mesmo...). Só ouço a brasileiríssima, o melhor que tá tendo... só música brasileira da melhor qualidade. Bem, nesse dia só homenagem ao Cae. Seu repertório é vastíssimo, músicas dele mesmo e outros compositores maravilhosos, além do resgate de músicas antigonas, músicas bregas, tudo! Ele consegue pegar uma música da década de 50 e dar uma repaginada, imprimir a sua marca, e fica tudo muito bacana.

E assim ouvi a famosa do Peninha: porque você me deixa tão solto, porque você não cola em mim? ... Quando a gente gosta é claro que a gente cuida...
Aí me lembrei de uma dica de amiga SBCence: observe como a música forma e deforma. Como, através da arte, os valores culturais vão sendo assimilados, introjetados, e reproduzidos. Valores conservadores ou avançados, a arte ao mesmo tempo reproduz e constrói ou antecipa idéias, valores, formas de vida.
Daí a necessidade da postura crítica, de sairmos do “espírito de manada” e pensar: “pensar é transgredir”, pensando a gente cria a possibilidade de incorporar valores que tem mais a ver com qualidade de vida e qualidade relacional.

Então, convido a pensarem comigo o que ouvi: primeiro, o Peninha: o nome da música é Sozinho, acho que ela foi composta no tempo da Jovem Guarda, anos 60. Gente essa música é muito ambígua! Me diga quem, homem ou mulher, gostaria de uma pessoa na sua cola? Agora, claro, todo mundo gosta de cuidado, cuidar e ser cuidado, mas que tipo de cuidado? Ficar na cola é cuidado? Credo, vou querer não!!! E depois o cara faz a maior ameaça! “Porque você me esquece e some? E se eu me interessar por alguém? E se ela de repente me ganha?”
Beleza! Ele está se rifando! Sai dessa cara! Sai de ser objeto e vira pessoa!
É isso, fico danada com essa música, ela passa a concepção de amor das mais horríveis da nossa cultura, como tantas outras músicas. E a gente, sem pensar, vai internalizando esse modelo furado de amor sofrimento, remoeção, carência de amor próprio.


                                                    


Ainda bem que logo depois o Cae (ou o Tutti Maravilha?) com: “mora, na filosofia, prá que rimar amor e dor?” essa música é de 1955, interpretada pela Marlene, uma cantora do rádio, composição de Monsueto Menezes e Arnaldo Passos. Pesquisei. Olha só, gente! Década de 50, já tínhamos concepções de amor bacanas!


                                                      


Não é toda música de amor triste que mostra esse amor obsessão, sofrimento, o Chico (Buarque, também SBCence) diz que não gosta de música de lama, de dor de cotovelo. Eu gosto. Acho até que a gente precisa de cantar música lama, até rir da gente mesmo e partir prá outra. Maísa, intérprete dos anos 50 e 60, era ótima nisso: “Ouça, vá viver a sua vida com outro bem, pois eu já cansei de pra você não ser ninguém! O passado não foi o bastante pra lhe convencer, que o futuro seria bem grande só eu e você. Quando a lembrança com você for morar,
E bem baixinho, de saudade você chorar, vai lembrar que um dia existiu um alguém que só carinho pediu, e você fez questão de não dar, fez questão de negar...” Canalha!!! (o canalha é de minha autoria...) Não é diferente da do Peninha? Ela está se livrando! Não remoendo, essa é música de lama...


                                                                       

Reparem a diferença entre duas músicas lindíssimas: Drão, Gilberto Gil : “... o amor da gente é como um grão, uma semente de ilusão, tem que morrer prá germinar, plantar nalgum lugar, ressuscitar no chão, nossa semeadura. Quem poderá fazer, aquele amor morrer, nossa caminhadura, dura caminhada, pela noite escura... Não despedace o coração, o verdadeiro amor é vão, estende-se infinito, imenso monólito, nossa arquitetura...Não há o que perdoar, por isso é que há de haver mais compaixão...Se o amor é como um grão, morre nasce trigo, Vive morre pão... Drão!” Que linda concepção de amor construção, processo, responsabilidade compartilhada. Bem diferente de Chico, Retrato em Branco e Preto: “Lá vou eu de novo como um tolo, procurar o desconsolo, que cansei de conhecer. Novos dias tristes noites claras, versos, cartas, minha cara, ainda volto a te escrever, prá lhe dizer que isso é pecado, eu trago o peito tão marcado, de lembranças do passado e você sabe a razão! Vou colecionar mais um soneto, outro retrato em branco e preto a maltratar meu coração...” Um dos textos mais bacanas de Freud fala sobre luto e melancolia. Melancolia vem a ser o medo do sofrimento, a evitação, aí ficamos na remoeção, estilo Retrato em Branco e Preto, “o que muito se evita se convive”;  enquanto que luto é a vivência da perda, e a renovação, o crescimento, estilo Drão. É isso: temos que aprender muito sobre o amor...

 


 Falando em Chico Buarque, outro tema de músicas que formam ou deformam é o tema feminino... Vixe Maria, a mulher é cantada de toda forma, como objeto de desejo, como objeto de mitificação, como objeto vil, repararam que como “objeto”, não como sujeito? Amélia é o hino da mulher objeto, submissa e feliz...


                                                                



O Chico já disse que foi super criticado por Mulheres de Atenas: “Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas. Vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas. Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas. Sofrem pros seus maridos, poder e força de Atenas.” A letra foi escrita por Augusto Boal, um dos maiores teatrólogos do Brasil, fundador do Teatro do Oprimido. Mulheres de Atenas é uma adaptação de Lisístrata, de Aristófanes, com música do Chico. Esta obra prima da música/teatro/literatura brasileira vale-se da alusão aos famosos poemas épicos Ilíada e Odisséia (ambos atribuídos a Homero) para chamar a atenção das mulheres que ainda “vivem” e “secam” por seus maridos. Atual, né? Super atual ainda sim! Entra no Google e pesquisa: opressão contra a mulher...



                                                       
Enfim, me lembrei de uma música Mulher Sujeito, querido Milton (Nascimento), obrigada:   “Maria, Maria é um dom, uma certa magia, uma força que nos alerta, uma mulher que merece viver e amar como outra qualquer do planeta...
Mas é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana, sempre... quem traz no corpo a marca, ... mistura a dor e a alegria...
Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça, é preciso ter sonho, sempre... quem traz na pela essa marca, possui a estranha mania de ter fé na vida”.
                                                                  

                                           

                                                              


                                                                         Texto: Santuza Tu

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