sexta-feira, 30 de agosto de 2024

E a conversa continua: sobre educação... e humanidades

Pois a conversa entre pais, mães, avós e avôs, sobre educação e humanidades, continuou... dessa vez, além do "valor de perguntar" ou do "valor da dúvida", a conversa "virou" para, a partir das sabedorias de cada um e cada uma, nos arrogar ao direito de "dar conselhos"...

A partir do relato da avó sobre um presente que ela teria dado ao neto pré-adolescente: um KIT BELEZURA, como na foto acima. Todos riram do presente, e ela explicou: ele está na idade da "vaidade", está se preocupando com a aparência, cabelo, corpo, tudo mais... e reparei que ele estava usando meus cremes de cabelo, de corpo, de rosto, desodorante, meus e da mãe... então, na véspera do seu aniversário, convidei o mesmo a irmos a uma farmácia e "montarmos" o kit belezura. Ele adorou a ideia... e lá fomos nós... passamos cerca de uma hora na farmácia pesquisando e montando o kit. Chegando em casa, encontramos uma cestinha... e o tal kit ficou bastante interessante.

Fiquei muito feliz com a felicidade dele usando tudo do tal kit, depois de um bom banho, contou a avó... "e, a noite, no travesseiro, lá fui eu pensar como poderia "educar" a partir do kit... e fiquei pensando em vários "kits" que poderia passar, ou "ensinar", a ele... assim como também a minha neta".

E foi daí que a conversa continuou, animadíssima, todo mundo se envolveu com o tema: montar outros kits para @s jovens... a finalidade foi colocada: formar adultos mais humanizad@s, pessoas mais críticas, mais "inteiras", mais cidadãs... mais livres, construtoras de relações mais bonitas, mais simétricas, mais prazerosas.

E foi, realmente, muito envolvente, essa nossa conversa... numa certa altura não se sabia mais se estavam falando para os jovens OU para si mesm@s... concluíram que não seria OU e sim E/OU... na wibe (freiriana? ou rosiniana? os dois...)


                                                                                    


                                                                              

Não sabemos mais quem disse o quê... fizemos um resumo, ou seja, montamos os kits a partir do kit belezura... e ficou assim:


Kits para adolescentes... E pra nós também:

KIT BELEZURA: 

. primeiro tome um bom banho, use um bom sabonete, da cabeça aos pés;

. use um shampoo e um condicionador bem cheirosinho, pois o "cheirosinho" está incluído no kit belezura;

. enxague bem, enxugue com uma toalha limpinha;

. passe um creme no corpo todo; depois outro creme no rosto;

. use cotonetes com muito cuidado, não enfie muito o cotonete na orelha;

. vista uma roupa bem agradável, que você goste, e vá passear, encontrar com amigos e amigas... não sem, antes, passar um perfuminho...

. no frio use um protetor labial... ou um batom "nude", ficará muito bonito/bonita...

. e vá completando seu kit belezura: um brinquinho... um anel, uma correntinha...

. mas não se esqueça... o kit belezura serve para a auto-estima, não para a arrogância.  Você ficará, realmente, bonito/a, com a belezura interna... 

E, com isso, nossos car@s jovens, temos a "ousadia" de lhes passar alguns conselhos para os outros kits... na esperança de que eles lhes sejam produtivos... agora... ou mais tarde, na vida de cada um/a de vocês:

KIT INTERIOR:



. faça diariamente o exercício de "olhar para dentro de si mesmo/a", se reconhecer nos seus afetos, suas emoções... vá aprendendo a lidar com elas... MARTA (medo, alegria, raiva, tristeza, amor... só uma dica)... considere suas emoções... mas procure possui-las, não se deixar possuir por elas;

. não fuja das suas emoções. Suporte a dor, a tristeza, as frustrações. Você crescerá com elas;

. seja rebelde... isso significa não se submeter às ordens, conselhos, falas, dos mais velhos... mas sempre discutir, argumentar... se você se convence de alguma fala... aí sim... você estará fazendo por sua vontade, não por submissão;

. faça sempre o exercício: olhando para dentro de si mesma/o, se pergunte por seus DESEJOS...  está na hora de você começar a aprender a DESEJAR. Acredite: na nossa sociedade não somos educados/as para o desejar;

. DESEJAR, como é difícil! E articular o desejo com a ação, juntar que eu quero com o que eu faço, é ainda mais difícil... mas vale a pena o esforço... Vá transformando seus desejos em PROJETOS. Esses podem se transformar durante sua caminhada na vida, mas é importante que você os construa agora...

. procure, sempre, fazer o exercício de sair do raciocínio imediatista: "quero mas é pra agora, então não quero mais". Esse raciocínio faz a gente ir abandonando nossos desejos, o que é péssimo... no humano tudo é construção, é movimento, as coisas não estão prontas...

. RIA... procure rir sempre... de você mesmo, dos seus erros e acertos... da sua avó e avô... da sua mãe e do seu pai... ria junto com seus amigos e amigas, siga o conselho do grande Oscar Wilde;

. acredite, o riso desoxida talentos, vários deles, inclusive o talento para o próprio viver;

. seja bondoso consigo mesmo...  procure exercer a humildade, a primeira de todas as virtudes;

. faça esforço para criar BONS HÁBITOS... organize seus espaço... respeite o espaço das outras pessoas... a rua, por exemplo, é um espaço comum, quando você tirar a embalagem de um bombom, coloque-a no bolso e, quando encontrar um lixo, jogue essa embalagem no mesmo.

. o hábito de cuidar do seu corpo e da sua saúde é importantíssimo... mais tarde ele agradecerá por isso;

. forme hábitos ... para a vida e a convivência:  hábito de dar 'bom dia' ... hábito de ouvir o outro...  hábito de levantar a tampa do vaso pra fazer xixi... hábito de descer as duas tampas do vaso pra dar descarga... são bons hábitos de convivência e de respeito ao outro.

 e use filtro solar!!!



KIT RELAÇÕES HUMANAS:

. procure, sempre, sair do raciocínio maniqueísta: certo-errado, bom-mau, céu-inferno... o humano é muito mais do que isso... respeite as diferenças - mais ainda, procure entender as diferenças... você crescerá com isso;

. entenda que as trocas humanas são de maior valor na vida: "crescemos com o outro e oferecemos nossas experiências e reflexões para o outro também crescer comigo"... disso é feita a vida, de boas trocas, de crescimento mútuo;

. seja educado... comece por prestar atenção ao seu redor... respeite a natureza... respeite o outro, as pessoas ao seu redor;

. porém, acima de tudo, comece a ouvir seu coração sua alma seu espírito... seja rebelde; e,  com sabedoria, vá aprendendo a construir a partir da rebeldia;

. crie o hábito de duvidar das certezas que lhe são impostas... As verdades são provisórias... No entanto convicções são importante,  são orientações para a sua visão de si mesm@ e do mundo; 

. ao mesmo tempo, acredite na sabedoria dos mais velhos... E comece a construir o caminho das suas próprias convicções;

 . aprenda a dialogar - ouvir e argumentar, defender suas opiniões. Não hesite em terminar uma conversa sem se fechar em verdades... diga:  vou pensar no que você disse... e volte à conversa mais tarde... esse hábito só vai contribuir para seu amadurecimento;

. e valorize o nível de relação de amizades. Acredite... normalmente não nos ensinam a valorizar este nível de relação, um dos mais importantes para a vida, pois nos permite construir - e aprender - relações mais simétricas, que são mais prazerosas.

KIT AMOR:


. Duvide de tudo que nos é ensinado sobre o amor, as relações afetivo-sexuais, ou relações íntimas. Porque o modelo de amor da nossa sociedade, o que nos ensinam, vem a ser o modelo romântico, do qual faz parte a idealização do outro e a idealização da própria relação amorosa. E idealização vem a ser a impossibilidade da realização, da idealização caímos no desprezo, na frustração, e perdemos a possibilidade da construção humana.

. primeiro o amor próprio... a auto-estima.  Acredite, não se trata de egoísmo, e sim da condição para amar o outro enquanto sujeito, único, e respeitá-lo na sua individualidade... e estabelecer trocas para o crescimento mútuo... e para o prazer a dois, o encontro de desejos;

. busque, ferrenhamente, abandonar esse modelo tão impregnado no nosso espírito ... e construir relações afetivo-sexuais baseadas na simetria, na humanidade - de si mesm@ e do outr@

. Haa... busque, por extensão - ou aprendendo a partir dessa relação - abandonar toda idealização de mãe e pai... acredite, eles são humanos!

KIT TRABALHO:


Claro, você não está, ainda, nessa idade. No entanto, pensar sobre isso agora, vai te fazer se preparar para qualidade de vida durante cerca de 8 horas do seu dia, ou seja, um terço dele, um terço da sua vida. Então, aí vão as dicas:

. descubra - ou redescubra sua paixão profissional. Reflita em profundidade: por que escolhi  - ou vou escolher - esta profissão ?  Vocação é fundamental. Se as circunstâncias o obrigam a fazer um trabalho que pouco ou nada tem a ver com você e uma mudança imediata não é possível, paciência. Lembre-se de que na vida e no mundo toda moeda tem duas faces, uma escura, a outra luminosa. Descubra o lado luminoso daquilo que você faz e agarre-se nele;

. aprenda a examinar e a gostar do que você faz. Não permita que o cinismo tome conta da sua mente e do seu coração;

. encare o trabalho como um chamado. Transforme-o num caminho de busca espiritual e você se sentirá mais pleno/a.

. não leve as coisas tão a sério. O excesso de preocupação pode ser mais desgastante do que o próprio trabalho;

. procure manter a calma diante de qualquer crise. Dê um passo atrás, respire fundo e relaxe;

. confie na sua intuição. Perceba os sinais que vêm do seu coração e descubra aquilo que é realmente importante para você;

. quanto mais você aprende a respeito de si mesmo, mais centrado e equilibrado você estará;

. focalize o seu próprio caminho espiritual. Aprenda a distinguir entre religiosidade e espiritualidade. Para ser espiritual você não precisa, necessariamente, pertencer a uma religião específica ou seguir uma seita. Há um segredo na vida espiritual. Ele está condensado num verso do poeta espanhol Antônio Machado, que viveu do século XIX para o XX : “Caminhante, não há caminho. Faço o meu caminho ao caminhar”;


. encare de frente os seus medos. Escreva quais são eles. Confrontar os medos interiores ajuda na sua superação;

. busque saber com clareza qual é a sua missão na vida;

. seja excelente: procure dar o melhor de si. Quando você domina a sua atividade em nível máximo, isso lhe traz um sentimento de profunda realização;

. crie um grupo de ajuda mútua. Reúna amigos e colegas para discutir temas da vida em geral;

. preste atenção ao seu corpo. Estressado, respire profundamente e com calma, ou dê um passeio para aliviar a tensão;

. nunca perca uma chance de apreciar a beleza, não importa onde ela se apresente, nem de produzir coisas belas. Seja o escultor de si mesmo : transforme-se um ser belo;

. finalmente, não paute sua vida, nem sua carreira, pelo dinheiro. Ame seu trabalho com todo coração. Persiga fazer o melhor. Seja fascinado pelo realizar, que o dinheiro virá como consequência. 

. e lembre-se sempre: CONSCIÊNCIA DE CLASSE é fundamental! Você é TRABALHADOR, pertence a essa classe social. NÃO SE ILUDA, mesmo que você seja empresário, você, definitivamente, não pertence à elite, a classe das poucas pessoas que detém uma grande fortuna... aliás, enquanto classe trabalhadora, lutamos para uma melhor distribuição da riqueza que, principalmente nós, produzimos.

. e não deixe de assistir, quantas vezes necessário, a este filme:


A Partida, segue a história de um jovem que começa a trabalhar como "Nokanshi", uma espécie de agente funerário, responsável por preparar o corpo, colocá-lo no caixão e enviar a pessoa que morreu para o outro mundo, agindo como um guardião entre a vida e a morte. Porém seu trabalho é desprezado tanto por sua esposa quanto pelas pessoas a sua volta, mas através da morte é que começa a descobrir o verdadeiro sentindo da vida. O filme conta a história de um violoncelista que volta à cidade natal com a esposa, depois que a orquestra onde toca é dissolvida. Lá, começa a trabalhar como funcionário funerário e aprende a ficar orgulhoso de sua nova profissão, apesar das críticas dos que o rodeiam.

KIT CIDADANIA:

. busque construir uma visão de mundo compatível com a simetria nas relações, a solidariedade, a apreciação da diversidade, a busca da equidade... um mundo mais bonito e mais justo;

. e, da visão de mundo, parta para a ação construtora do mesmo: reúna  pessoas a fim de discutir o COMO construir esse mundo, como fazer fissuras no mundo em que vivemos, até a ruptura e a construção de novos modelos... tanto no nível micro como no nível macro;

. para tanto, busque conhecimento, faça o movimento de sair do nível da superficialidade e do imediatismo das redes, do tik tok e tudo mais;

. LEIA... crie o hábito de leitura diária... apenas meia hora por dia já seria suficiente para a criação desse hábito tão fundamental para a vida, para o desenvolvimento da visão crítica do mundo; 

. Procure construir hábitos  saudáveis... para a vida. Principalmente o hábito da leitura, pois você ficará mais inteligente, creia nisso... Leia O CAPITAL em quadrinhos e você entenderá um pouco mais o mundo;

. saiba o que significa consciência de classe... quanto mais cedo você souber disso, mais "inteiro" você se sentirá;


. O livro ANGÉLICA , de Lygia Bojunga Nunes,  conta a história de uma cegonha que cansou de viver uma mentira. Vai te ensinar muito sobre rebeldia, sobre preconceitos, como lidar com isso, enquanto objeto de preconceito e enquanto sujeito preconceituoso, que todos nós somos, pois faz parte da nossa cultura.

. Enfim, use a tecnologia a seu favor.  Crie o hábito da curiosidade, da pergunta... busque informações, pesquise nas redes e entre amigos e amigas... procure construir conversas interessantes e instrutivas com as pessoas;

. e cante, dance... veja filmes, leia poesias - use a arte como ferramenta para despertar a consciência de cidadania e ação transformadora do mundo.

Se ainda podemos acrescentar algo, é o seguinte: não acreditem que nós, que nos arrogamos a lhes dar conselhos para a vida, levamos a mesma de forma definitivamente sem esforço, em meio às palavras simples e tranquilas que podem lhes fazer bem. Pelo contrário, os mesmos conselhos que lhes damos são os que procuramos adotá-los às nossas vidas... pois temos a convicção de que são esses jeitos de pensar, sentir e agir que nos levam - e nos levarão - a uma vida mais bonita, assim como à construção de um mundo mais justo e mais fraterno. 


                

Enfim, nada pronto e acabado, a tarefa de vocês é a de continuar a construir os KITs... e compartilhá-los conosco... 

Abraços carinhosos ... 

 
































sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Conversas SBCenses: sobre educação... e humanidades

Conversa bastante proveitosa entre SBCenses - pais e mães e avós e avôs, que vale a pena registrar no nosso blog:

Estavam, os quatro, conversando sobre educação de filhos - e netos... dificuldades, conquistas, repetições de modelos que não servem mais... por aí. E a avó, uma mulher de 70 anos que se descreve assim: "eu me vejo como uma mulher atualizada, que busca uma visão de mundo e das relações de maneira aberta. E, principalmente em relação ao mim mesma, faço o esforço necessário no sentido da minha humanização... por consequência a humanização das pessoas ao meu redor...".

E ela disse:

Pois bem... há pouco tempo minha filha me chama a atenção em relação à minha relação com meu neto - sou uma pessoa exigente, comigo mesma e com as pessoas ao meu redor - e estava "reclamando", ou "brigando" diretamente com ele, sobre um vaso sanitário esparramado de xixi por todas as partes, até no chão. 

E a mãe disse pra avó: mãe, você não precisa se ocupar da educação do meu filho, deixa que isso é o meu papel, procure estabelecer com ele uma relação de avó com neto!

E a avó: Confesso que, num primeiro momento, me opus completamente a ela. Pois penso que educar seja um movimento que perpassa por todas as relações, ou seja, mãe e pai educa, avô e avó educa, amigos educam uns aos outros... educar, no meu conceito, passa pelo crescimento mútuo.

E ela convida: Vamos ao nosso grande filósofo Paulo Freire: a educação é o processo constante de criação de conhecimento e de busca de transformação-reinvenção da realidade pela ação-reflexão humana. Além dessa definição, ele fala da educação dominadora - a educação bancária, onde o educador apenas deposita conhecimento no aluno (sem luz, etimologicamente); e a educação libertadora, no meu entendimento a educação que possibilita o crescimento mútuo, a busca de simetria nas relações... diferente da relação senhor-escravo - essa que a gente aprende e internaliza - que "apenas ensina"  a mudança de posição. Disse nosso mestre Paulo Freire: "Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor".

E cita grande filósofo SBCense: Superando, no movimento dialético, aquela minha oposição, como também  no movimento de me humanizar, não me fechando em "verdades", continuei me questionando... aprendi um pouco disso com o grande filósofo Nietzsche, "permanecer com a pergunta...", como dizia ele...  às vezes isso causa angústia, mas quando a suportamos, isso significa caminhar para nossa humanização, sair do maniqueísmo certo-errado, "concordar" - suportar, receber, tolerar -  com o diferente, mesmo que lhe pareça o mais antípoda... e por aí vai...

E a avó continua:  me movimentei para pensar essa coisa de certo-errado na história: me lembrei da educação dos meus filhos. Família tradicional dos anos 80, um casal de filhos, dona de casa e profissional, dupla, tripla jornada, reclamações constantes da participação do marido no trabalho de casa e com os filhos... e ele, no papel de pai, se comportava de maneira ... eu diria condescendente, protetora, afetuosa, incondicional... enfim, o paizão... e quanto mais ele se comportava dessa forma, mais eu "puxava" pro outro lado, ou seja, mais exigente, chata, limitadora, reclamadora  -  e por aí vai -  eu me tornava. Nesse movimento eu corria o risco de quase perder a afetuosidade, eu me impunha sempre o papel de "equilibrar" pelo oposto... o que, definitivamente, não dá certo!!!

E ela continua: Pois não é que me vejo, agora, repetindo esse modelo que já sei que é falho! falho, principalmente, no sentido de me gerar muito sofrimento muita angústia! e gerar o distanciamento do outro, no caso, do neto... 

Uma angustia que vivo, e coloquei a mesma outro dia para meu ex marido, o avô: "pensando sobre esse papel de educadora, ou melhor, nas dúvidas a respeito desse papel, vi você, outro dia, dizendo: "meu neto pode tudo".. fiquei "horrorizada" com essa fala! Pensei: será esse o papel de avó e avô? - a condescendência total! isso não cria delinquentes?  

E, nessa, wibe, foi que me vi repetindo o modelo de exagerar pro outro lado pra ver se equilibra... triste repetição... continuo com o papel de durona com o meu neto... não consigo mudar o modelo, virar a chave...

E ele, o avô, responde: meu modelo com meu neto é o da reciprocidade: "faço tudo pra ele e ele faz tudo que eu peço"... e explicou bastante esse modelo,  às vezes numa atitude defensiva, negacionista... às vezes retratando a repetição do modelo senhor-escravo...  e, às vezes,  com a coerência suficiente para a avó  invejá-lo - e aprender com ele...

No entanto ela voltou a perguntá-lo: "Você  concorda com "meu neto pode tudo" criar delinquentes... 

Sim, o avô responde... 

A conversa foi até aí... com a proposta da avó sobre o movimento de pensarmos, cada um pro seu lado, sobre esse diálogo entre pais e avós ... quem sabe... 

E assim continuo - ou continuamos - mais perguntas do que respostas. Como é difícil!!! Paulo Freire!!! Nietzsche!!! e todos os santos e santas, todos os orixás, todo mundo, me ajudem!!!

Certa vez ouvi que a sabedoria do oriental é perguntar... no entanto, uma cabeça que só pergunta pode virar uma cabeça vazia; e a sabedoria do ocidental é responder... mas uma cabeça cheia de respostas, muitas vezes respostas prontas, vem a ser uma cabeça fechada, pequena e, pior, autoritária, impositiva. No nosso caso, o ocidental, precisamos aprender a perguntar mais ... permanecer com as perguntas

A propósito, cantamos a música do Beto Guedes, Sol de Primavera: 

"A lição sabemos de cor, só nos resta aprender..."

Obrigada Beto Guedes... grande artista mineiro - do Vale, Montes Claros, músico e compositor nos álbuns I e II do Clube da Esquina, com Milton Nascimento e Lô Borges... Gratidão pela arte - que educa.


Até a próxima, abraços carinhosos aos SBCenses e a todas as pessoas que nos leem, comentam e compartilham.


quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Um dia no FESTIVALE

 


Couto de Magalhães de Minas é um município do estado de Minas Gerais, da nossa região do VALE do Jequitinhonha, onde aconteceu o 39o FESTIVALE - Festival de Arte e Cultura do Vale do Jequitinhonha, no período de 21 a 27 de julho 2024.

Conhecida, antes de sua emancipação, pelo nome de Rio Manso; surgiu entre os pioneiros núcleos de povoamentos ligados às lavras diamantíferas, nos primeiros anos do século XVIII. 

José Vieira Couto de Magalhães (1837-1898), nasceu em Diamantina. Foi um político, militar, etnólogo, escritor e folclorista brasileiro. Deu o nome à cidade.

No entanto, faz parte das nossas conversas, das pessoas que amam o vale, nos nossos encontros nos Festivales e em outros, a manifestação do desejo de várias cidade do nosso vale retomarem seus nomes originais, os mesmos fazem, muito mais, parte das nossas histórias e da nossa identidade. Por exemplo, Itaobim, pedra verde, terra do nosso querido Tadeu, não mudou de nome.

E, com tristeza,  já tínhamos desistido de ir ao Festivale nesse ano.  Quando acontece o convite do nosso amigo, grande poeta Aníbal, classificado para a Noite Literária que acontece na quarta feira, o que nos trouxe grande alegria.



Não sem antes passarmos por sua casa, adoro as janelas dessa casa... chegamos a Couto de Magalhães na quarta. Foi somente um dia, mas um dia esplêndido... de aprendizagens, de reflexões,  de bons encontros, de arte e poesia, enfim... Um dia pleno... Uma sorte na vida...

À tarde,  Aníbal envolvido com a apresentação do seu poema, combinamos nos encontrar as 16h... e pude participar da Roda de conversa, IV ENCONTRO DE MULHERES NO FESTIVALE. Surpreendente, potente... 

Começa com o poema da Dea Trancoso:

"Não.

Eu não sou a princesa de cândido olhar. Adama que cruza as pernas em longa elegância. A sinhazinha que concorda sem urgências. Sou uma velha mulher selvagem capaz de ver e de suportar o que vê. Quanto mais vejo minhas trevas e minhas horrendas carnificinas, mais a luz se aglutina em torno de mim me dizendo que o trabalho profundo é, com certeza, o mais sombrio.

Não.

Eu não sou a que bate cílios nos salões pomposos e sensuais. Sou a que enxerga no escuro. Não tenho medo de sangue. Não tenho medo de vísceras. Não tenho medo de podridão, fedor, dejetos. Não tenho meda da vida. Não tenho medo da morte. A verdade é um corte. A verdade é um corte na artéria. A recordação do que se viu e se sabe é dolorosa. Saber é uma dor porque a dor é uma porta de acesso ao mistério.

Sim.

Eu sou uma velha mulher selvagem... Venho de linhagens antigas que caminham sobre a planeta lembrando; procurando as chaves escondidas debaixo da língua, assim como Elêusis: fazendo as perguntas, buscando a pista, o indício; as palavras capazes de abrir a porta.

Sim.

De vez em quando, meus mestres, os corvos marinhos, almas devoradas de pecados, vêm comer os meus, me preparando para ser redimida e purificada, como rezam os livros sagrados. E, com a imensa compaixão desses pássaros do mar, eu incubo e libero os lados mais abjetos do meu ser para que a luz da face da terra, um dia, me faça desaparecer como fumaça. E, de mim, só restem memórias da mulher selvagem que fui.

Sim.

A que amou, intuiu, resistiu, criou e cuidou. A que cantou sobre os vivos. A que cantou sobre os mortos, O núcleo do átomo de clara luz.

Sim.

Eu sou uma velha mulher selvagem que se tornou."

Monja Lib, a mulher que vomitava desertos...

Dea Trancoso

Depois, alguns poemas falados por mulheres que se inscreveram para a noite literária e não ficaram entre @s dez colocad@s... lindos poemas...

Fala potente de autoridade local, mulher, sobre as estatísticas de 2023 que constam da 18a edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os mesmos dados que publicamos no nosso post de 22 de julho, vejam o mesmo...

E um depoimento muito forte da poeta Deyse Magalhães, de Minas Novas, sobre microviolências do Festivale, aquelas "quase imperceptíveis" que podem passar como brincadeira, preocupação ou até mesmo "cuidado" conosco... porém, quando a gente percebe, toma consciência, é que a gente vê que a "micro violência  naturalizada" é do tamanho da patada de um elefante ou, segundo amiga SBCense, do tamanho de uma manada de elefante. 

O relato é mais ou menos o seguinte: ... pois os homens que participam do Festivale desde o começo  - este é o 39o... e o IV encontro de mulheres do Festivale - quase sempre vão sozinhos, embora a maioria sejam casados. No entanto, quando uma mulher casada aparece no Festivale sozinha, imediatamente sente olhares, ou de "está disponível", ou de pena ("brigou com o marido"); e, além dos olhares, comentários e, muitas vezes,  perguntas direto com a mulher, geralmente em tom cínico, "por que você está sozinha, querida?". Alguém pergunta isso para os homens que estão sozinhos no Festivale?  Enfim, eles não tem ideia do incômodo, até mesmo da dor, ou revolta, que causam com esse tipo de comportamento?

E por aí foi a conversa... sobre a necessidade de se fazer algo a respeito disso, de articularmos ações coletivas que possam "corrigir" esses eventos tristes...

E foi aí que eu tive que sair, pois tinha horário combinado... e deixei, com muito pesar, de participar do debate sobre ações possíveis...

E lá fomos nós nos preparar para a noite... surpreendente... maravilhosa... eu diria, uma noite literária feminista por excelência.












Começando pela homenagem a essa mulher porreta demais, de Itinga, membra da ALVA - ACADEMIA DE LETRAS DO VALE DO JEQUITINHONHA, uma das poucas mulheres dessa academia... Alegre, descontraída, no seu discurso parece que ela estava conversando com a plateia, uma delícia...e nos abraçamos e lembramos do nosso encontro no ano passado em Itaobim, quando fizemos espontaneamente uma roda de samba e cantorias, antes da sua posse na ALVA...

Em seguida, as apresentações dos poemas selecionados... e os vencedores:

O primeiro lugar, um poeta de Araçuaí, declamado por uma artista com sua filha, comovente:

1o lugar: Luciano Silveira, da cidade de Araçuaí, pseudônimo JARBAS MONTENEGRO

Uma rosa preta foi plantada na rua de baixo

Regada por desejos e orvalhos de orgasmos

Rosa aprendeu a se abrir no largo dos canoeiros

Porto de aventureiros

Prazer pago como se fosse uma dada esmola

Saindo na Rua Salinas e entrando no Beco de Sola.


Vestida de noite e sem rosas

Casa sem eira e nem beira

Rosa dançava no bar Paratodos

Muitos diziam: Esta é uma rosa que não se cheira.


De lasciva e malícia Rosa, se vestia no negrume da própria noite

Seios fartos como montanhas

Embaixo das pernas a mina valiosa

Por ela se desbrava madrugadas

Rosa era cria da dona Maria Cheirosa


Na guerra da cama seu beijo relampeava

Seus gemidos eram trovões.

E como uma chuva que caía

Rosa toda molhada satisfazia multidões.


No final, Rosa pega a bacia

Agacha-se e se lava

Fazendo pouca força

Jogava para fora o leite ruim que nela deixavam.


O caule da rosa era verde

O corpo de Rosa era negro

Preta mulher atravessada da vida

Marginalizada da costela dos homens.


Na rua de baixo Rosa preta foi jardim

Mas também foi muralha

Contra a bíblia e a

Com seus louvores e noitadas


A Rosa do amor barato

Hoje é lembrança

Assim como a história de tantas rosas nos jardins do desencanto


Rosa era puta, prostituta, biscate, piranha e rapariga

Rosa vendia seu corpo

E cobrava juros pelas pedradas que levava da vida.


Numa manhã acharam uma Rosa no Beco do Cochicho

A Rosa Preta estava caída de bruços no chão

Na mão, uma imagem do menino Deus.

E no meio das pernas

Um botão sem vida

Com pouco mais de quatro meses de gestação.


Rosa foi plantada com seu rebento

Na horizontalidade do fim.

E naquele dia brotou uma rosa preta em cada jardim

Na história que é negada na cidade de Araçuaí.

O 2o lugar uma linda interpretação de um rapaz, não guardei o nome...

2o lugar, da cidade de Jequitinhonha

Canto do filho que emigra, de Nala Soares

Eu peço licença, amado e retumbante solo

Para fértil novamente em ti pisar.

Desde que deixei minha casa, na Alvorada anunciada

Pedi a Santa Luzia que me desse proteção. Roguei que desse luz, que trouxesse

paz na guia

Rezei também a Santa Maria, pro caminho iluminar

Da caatinga fui cerrado

E em cerrado foi-se o canto, o colo, o leito e os caminhos

Ensinados pela velha avó

Ao agora neto retirante


Emigrado Vale a fora

Sem certeza, e em qual lugar

As histórias e memória, poderiam repousar

Nas históricas e já tão repetidas linhas

Desse destino colocado

Não há espaço e nem paradas

Para o passo atrás dado

Atrasado é o estigma, que em nome da miséria

Assombram nossa gente, assolam nossas terras

Mas que não tem parado o canto, que ecoa novas eras

Fazemos verde o verso Vale, sem lítio e suas falas promessas


Existindo da esperança

Dá pra enxergar descanso

Nos braços que nos acolhe

E no canto retirante

Sonho meu é ver a Vida, novamente florescer

Pra cantar das suas belezas

E ver aqui permanecer

A cultura rica nossa

De território ancestral


E fazer valer a pena o porquê do "ir embora"

Pra voltar em tempos de cheia

E celebrar cada vitória

Do filho canto que emigrou

|Na companhia da mãe Senhora

Na proteção do Pai Odé

Aparecidas, Marias, Glórias


Tantas Glórias

Longe de minha casa

No aço e na falta de ócio

No passo não retrocedido

No ideal nunca meu

Mas nosso


Quem dera, amado solo

Pisar descalço em seu terreiro

Cantar cantigas de roda

Lembrar seus canoeiros

Rimar com suas mulheres

Tecendo fios de algodão

A saudade que dói o peito

E aperta o coração


Fui menino e agora homem

"Tudo isso já andei"

Mesmo longe, te amando

Nunca me esquecerei

Do lugar, de sua gente

E toda beleza  daqui

Se sou é porque te fui

Por que te sou

Vale do Jequi

E o 3o lugar, da minha querida amiga de Campinas, Valéria, interpretado pela Cléo.

3o lugar, Valéria, de Campinas, SP

TODAS
Entre lutas, sinas, rebeldias
Porta aberta, prosa e poesia
Ventre Ancestral do tempo
Provocado entre sol e lua
Finjo que sou obra sua
Maria Quitéria, Pagu, Maria Bonita
Que a memória não apaga
Chica da Silva, Nísia, Dandara.

Dentro de mim, várias cicatrizes
Pele de cores despidas
Cifro acordes femininos
Chiquinha, Elza, Elis, Rita Lee
Na página vazia, traço tintas
Tarsilas, Anita, Fridas
Olhar sem filtro, singular sem fim
Mulheres que sabem dizer... não e sim.

Dentro de mim liberdade
Cativa de múltiplas Marias
Sagradas, profanas, malditas
Madalenas, Penhas, Severinas
Muralhas, mártires, rainhas
Joana D'Arc, irmã Dulce, Malala
Dentro de mim, a que chora e que ri
Ramos cortados que insistem em florir

Dentro de mim, habitam todas
Uma entre muitas repartidas
No adeus, sou a partida
Não sou única nem a primeira
Sou cantiga das lavadeiras
A embalar sonhos à beira-rio
Luto pelo que sempre quis
Destino desinibido de resistir

E não posso deixar de publicar o poema do meu amigo Aníbal, "candidato a poeta" como ele se diz... lindo poema em homenagem a Diamantina, classificado entre os 10, que não foi bem na apresentação, embora todo o esforço realizado para "arrumar", o que não deu certo na hora da apresentação. Mas "tudo vale a pena, quando a alma não é pequena..."  

OS POETAS ESTÃO SOLTOS

Os poetas estão soltos
como os passarinhos 
voando alto no céu da cidade
cantando leve "a vida é breve, a arte longa"
ferindo suas liras, quem não admira
tocando em bandos como a Banda Mirim
em Tom Maior
cantando mais pelos quintais
e pelos gerais de diamantina

os poetas estão soltos
como as pedras
rolando nos rios polindo as arestas
lapidando seus cristais em eras
geológico-musicais
mas quando uma luz (eterna) os atravessa
transmutam seus carbonos em diamantes
e iluminam como dia de festa
a noite escura da poesia

então anoitecem flores de estrelas
nos campos rupestres
diamantecem pássaros
na garganta da madrugada
poetas violam versos
na janela apaixonada
uma estrela cai
a lua sai serenada
e até as pedras cantam em Diamantina.

Aníbal Oliveira Freire


E assim foi nosso único dia no FESTIVALE. Voltamos pesarosos de não poder ficar mais tempo... e felizes de termos participado desse dia tão potente... e aguardando o final do Festival, as músicas vencedoras.



E até o próximo FESTIVALE... S B C presente!