sexta-feira, 28 de junho de 2024

Novas Mulheres Maravilhosas



LÉLIA GONZALEZ nasceu no dia 1o de fevereiro de 1935 na capital de Minas Gerais, Belo Horizonte. e faleceu em 10 de julho de 1994, na cidade do Rio de Janeiro. Tradutora, professora, antropóloga, filósofa, feminista e militante antirracista, ela teve formação acadêmica diversa. Diplomou-se em geografia, história e filosofia, estudou psicanálise e realizou seus estudos pós-graduados em antropologia. Na vida profissional lecionou em escolas do ensino básico e médio e, posteriormente, tornou-se professora universitária em instituições públicas e privadas na capital fluminense, como a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e a Pontifícia Universidade Católica (PUC -Rio). Lélia Gonzalez foi intelectual paradigmática no Brasil no contexto das lutas contra a ditadura militar e pela democratização do Brasil. Fundou o Movimento Negro Unificado (MNU ) e esteve na formação de partidos de oposição ao regime militar. Atuou nas mobilizações civis brasileiras contra o apartheid na África do Sul e fundou a organização Nzinga — Coletivo de Mulheres Negras. Ela também colaborou com deputados negros durante o processo constituinte (1986-8), além de ter integrado o primeiro Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Participou ainda de inúmeros encontros feministas e de mulheres negras no Brasil e em outras partes do mundo, muitos deles promovidos pelas Nações Unidas durante a Década da Mulher, na América do Sul, Caribe, Europa e África. Na cultura, Gonzalez incentivou a produção literária prefaciando livros, deu assistência teórica e historiográfica para a dramaturgia negra carioca e assessorou o cineasta Cacá Diegues em seu filme Quilombo . Em meados dos anos 1970, colaborou com o Grêmio Recreativo de Arte Negra e com a escola de samba Quilombo ao lado do mestre Candeia. Tornou-se adepta do candomblé e grande incentivadora de artistas e de blocos afro, como o Ilê Aiyê e o Olodum, sendo figura central quando havia dúvidas, polêmicas e questionamento sobre o papel das expressões culturais no combate ao racismo. A autora escreveu artigos para diversas revistas acadêmicas, colaborou na imprensa alternativa e em jornais de grande circulação nacional. Como pesquisadora, apresentou seus trabalhos em várias universidades norte americanas e em congressos internacionais sobre a América Latina. Lélia Gonzalez participou da organização de três livros: Lugar de negro , escrito com o sociólogo argentino Carlos Hasenbalg, em 1982; O lugar da mulher , trabalho que partilhou com várias autoras feministas, também publicado em 1982; e, por fim, Festas populares no Brasil , lançado em 1987 e premiado na Alemanha. Seus artigos foram traduzidos para o inglês, francês e espanhol.
Lélia faleceu em 10 de julho de 1994, na cidade do Rio de Janeiro.

Em 2019, em passagem pelo Brasil, a filósofa americana Angela Davis fez uma provocação: "Leiam Lélia Gonzalez!"

"Eu sinto que estou sendo escolhida para representar o feminismo negro. E por que aqui no Brasil vocês precisam buscar essa referência nos Estados Unidos? Acho que aprendi mais com LÉLIA GONZALEZ do que vocês aprenderão comigo".


Com organização de Flavia Rios e Márcia Lima, Por um feminismo afro-latino-americano reúne em um só volume um panorama amplo da obra desta pensadora tão múltipla quanto engajada. São textos produzidos durante um período efervescente que compreende quase duas décadas de história — de 1979 a 1994 — e que marca os anseios democráticos do Brasil e de outros países da América Latina e do Caribe. Além dos ensaios já consagrados, fazem parte desse legado artigos de Lélia que saíram na imprensa, entrevistas antológicas, traduções inéditas e escritos dispersos, como a carta endereçada a Chacrinha, o Velho Guerreiro. O livro traz ainda uma introdução crítica e cronologia de vida e obra da autora.
Irreverente, interseccional, decolonial, polifônica, erudita e ao mesmo tempo popular, Lélia Gonzalez transitava da filosofia às ciências sociais, da psicanálise ao samba e aos terreiros de candomblé. 

Deu voz ao pretuguês, termo criado para pensar a formação da identidade cultural brasileira por meio das palavras provenientes de idiomas africanos. O pretuguês reforça a beleza da fala cotidiana das pessoas simples. "Essa fala tem suas origens. Não parte do nada. Não parte apenas de uma alteração do termo. É uma alteração que tem referências. Tem origens na construção cultural do Brasil, que são os idiomas africanos, que vieram também, assim como foram mecanismos de resistência. Uma forma de resistência é por meio da linguagem, do idioma". "Q"eu isse" significa "que eu fosse". Costuma-se dizer que esse jeito de falar é uma mineiridade, mas essa mineiridade é mais, é o pretuguês em si.

Também cunhou a categoria de amefricanidade. A 'amefricanidade' é descrita por Lélia como uma categoria político cultural que busca um novo olhar sobre a formação do Brasil e da América Latina, considerando as contribuições dos povos negros e indígenas na construção cultural do continente.

Lélia destaca também a entonação e o ritmo das falas. "A cultura brasileira é uma cultura negra por excelência, até o português que falamos aqui é diferente do português de Portugal. Nosso português não é português, é pretuguês com todo um acento de quimbundo, de ambundo, enfim, das línguas africanas", disse Lélia em entrevista a Patrulhas ideológicas, conforme citação no livro "Por um feminismo Latino Americano".

E nesse livro encontramos uma linda homenagem da Lélia a outra mulher maravilhosa: CLEMENTINA DE JESUS



Taí Clementina, eterna menina,  publicado originalmente em Folha de S.Paulo , São Paulo, 21 fev. 1982. Folhetim, p. 5.

Aquariana (pois nasceu num 7 de fevereiro), ela não poderia deixar de ter alguma ligação com os ardores do Carnaval brasileiro. Mas para além dos baratos astrológicos, Clementina de Jesus é uma negra especialíssima, cuja participação nos carnavais cariocas provém de longuíssima data. Basta dizer que, já aos doze anos, desfilava no bloco Moreninhas das Campinas, de Oswaldo Cruz, subúrbio que se constituiu como verdadeiro centro irradiador de cultura negra no Rio de Janeiro (não esqueçamos que foi a partir dali que o Paulo da Portela iria se lançar no mundo do samba). Clementina, cujo apelido era Quelé, apesar de cantar no coro da igreja não deixava de frequentar as rodas de samba da Maria Neném. E, quando surgiu a Portela, lá estava Quelé, mandando ver, sapateando e cantando junto com Paulo e seus companheiros. Foi aí que conheceu o Albino “Pé Grande” da Mangueira: casou e mudou. Daí em diante, só desfilava na verde-e-rosa. Em 1975, deu-se a fundação da Quilombo e, a convite de Candeia, ela se tornou a figura principal, a grande dama dos carnavais quilombolas. Neste Carnaval de 1982 a escola de samba Lins Imperial vai pra Marquês de Sapucaí com o enredo “Clementina, uma Rainha Negra”, inspirado em sua vida.

Formação negra 

Mas Clementina não é carioca. E esse dado é fundamental pra gente poder sacar alguns aspectos da sua formação cultural e musical. Ela nasceu na cidade de Valença, no interior do estado do Rio de Janeiro, região de grandes plantações de café no século passado. E falar de plantação é falar de grande concentração de mão de obra negra. Filha de pai violeiro e de mãe jongueira, aprendeu a falar cantando jongos, modas de viola, lundus, calangos, cantos de trabalho, curimãs, benditos etc. Tudo isso num “pretuguês” maravilhoso, permeado de expressões africanas, originárias talvez do quimbundo. Portanto, a cultura negra de Clementina é essencialmente banto, como, de resto, a de todo o estado do Rio de Janeiro. Ainda criança, veio para a capital, para Oswaldo Cruz, onde passaria toda a sua adolescência. Certamente, foi a partir daí que se revelaram as suas incríveis qualidades de parideira

Em termos de “prendas domésticas”, ela também se destacaria como grande doceira. E isso lhe valeu muito, sobretudo após seu casamento em 1940, quando, a fim de dar uma força na economia familiar, passou a trabalhar como empregada doméstica. E, apesar das críticas das patroas, que achavam sua voz “horrível” (eta, alienação braba!), ela amenizava a dureza do trabalho com seu canto de rainha. Na Glória Além das rodas de samba, dos desfiles carnavalescos, Clementina e Albino, como todo o crioléu, curtiam participar de festas populares, tipo festa da Penha, N. S. da Glória etc. Preparado o farnel, lá iam os dois ao encontro dos amigos para as comemorações a que tinham direito. E tome samba, de partido-alto, de jongo, de sapateado, de birita e de muita alegria. Foi num lance desses, em 1964, que Hermínio Bello de Carvalho a descobriu. Após terem ido prestar suas homenagens à Virgem do Outeiro, Clementina e Pé Grande foram pra famosa Taberna da Glória, a fim de refrescar a garganta. E como sempre acontecia, ela começou a cantar, enquanto Albino a acompanhava batucando em cima da mesa. Hermínio, que morava por ali, ia passando quando ouviu aquela voz, que lhe tirou a respiração… Taí uma figura cujo trabalho sério e consequente em termos de música neste país ainda não mereceu, a nosso ver, todo o reconhecimento que lhe é devido. Na época, Hermínio organizara o grupo Menestrel, que realizava concertos extremamente originais: a primeira parte com música erudita e a segunda com música folclórica e popular. E foi assim que ele apresentou Clementina de Jesus ao grande público, no Teatro Jovem: a primeira parte do concerto coube a Turíbio Santos. Acompanhada por César Faria (violão), Elton Medeiros e Paulinho da Viola (percussão), ela simplesmente estarreceu a plateia. Em 1965, Hermínio produziria um dos melhores espetáculos de música popular de que já ouvimos falar: Rosa de Ouro . Aracy Cortes e Clementina de Jesus eram as duas grandes estrelas. Uma, famosa por suas glórias passadas; outra, se lançando para glórias futuras. Só que aquela estrela nascente já completara 63 anos de idade.

Na África 

Daí em diante, sucedem-se as viagens pelo país e pelo exterior. No Festival de Arte e Cultura Negra, realizado em Dacar, sua presença forte, seu canto negro (ainda aí com acompanhamento de atabaques de Elton e Paulinho), sua espontaneidade fizeram dela o maior sucesso da delegação brasileira junto aos africanos. Mal retornados da África, os três partem para o Festival de Cannes, onde, mais uma vez, ela impressiona as multidões. E tudo isso em 1966. Valera a pena esperar. Nos anos seguintes, ela faz numerosos espetáculos, grava um disco antológico com Pixinguinha e João da Baiana (Gente da antiga), participa do segundo LP do Rosa de Ouro etc. Todavia, seu primeiro disco individual só pintaria em 1970, produzido pelo Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro: Clementina, cadê você? , título do famoso partido-alto que Elton Medeiros lhe dedicara. Voz que arrepia Conversando com Paulinho da Viola, este me disse que a considera uma das cinco maiores cantoras brasileiras de todos os tempos. Claro que pela extraordinária extensão de sua voz (graves e agudos incríveis), mas não só por isso. Que dizer do timbre, das síncopes, da maldade no dizer, do suingue? Negócio de arrepiar, de levantar defunto e, ao mesmo tempo, de acalentar criança. Voz negra que, quando bate na gente, nos remete para além do dizível, transformando tudo em vibração, emoção, paixão. Apesar de todo o seu valor, Clementina é uma injustiçada (como o povo e a cultura de onde ela provém). Sua discografia não ultrapassa o número cinco, seus cachês são baixos (enquanto tantas mediocridades estão aí, faturando milhões), quando não meramente simbólicos. Nesses quase vinte anos de vida artística, só conseguiu comprar uma casa num subúrbio e, assim mesmo, graças à atenção constante e amiga de Hermínio. Ela mesma não se esquenta muito com isso não. Sempre bem-humorada e lutadora, encara a vida com um sorriso no olhar. Apesar dos infartos, da morte de Albino e das ingratidões de muita gente, ela taí, nos seus oitenta anos bem vividos e muito bem cantados. 

A grande dama

Mas o seu povo, o seu povão, a reconhece como grande dama, como sua rainha. Consequentemente, não é por acaso que uma escola de samba modesta, de segundo grupo, lhe rende homenagem. Foi justamente numa passagem do samba-enredo da Lins Imperial que colhemos o título desta matéria (enquanto seu conteúdo resultou muito do papo com Elton Medeiros e Paulinho da Viola, companheiros de primeira hora da nossa Clementina). Desnecessário dizer que estaremos na Marquês de Sapucaí para ver Clementina reinando sobre seus súditos, nessa festa única em que negros, pobres, explorados e oprimidos podem sair às ruas e cantar seus sonhos, suas dores e suas alegrias (embora a polícia esteja sempre por perto). “Lá vem Clementina/ que a todos fascina/ que canta e encanta os momentos felizes/ Lá vem Clementina/ que mostra, que ensina/ a cultura negra e suas raízes/ Taí Clementina/ eterna menina/ que hoje é rainha pra gente exaltar/ A rainha negra de todos os tempos/ que até o próprio tempo/ a quer conservar” (Tibúrcio, Antero e João Banana).

E, ouvindo Angela Davis, refletimos sobre a nossa - ainda hoje -  carência de identidade autônoma - quem somos, nossos objetivos, ideais, valores - a identidade construída por nós mesm@as. Nossa identidade ainda é a reflexa, a imposta pelos nossos colonizadores. 

E essa discussão diz respeito tanto a todas e todos nós, brasileiros... quanto também a nós, mulheres brasileiras. Pois, para a construção da identidade autônoma, precisamos nos conhecer, nos admirar... para construirmos nossas referências. 


E é por isso que essas duas mulheres maravilhosas estão aqui conosco. Agora três! Maravilhosa Clara Nunes!!!

Axé, Lélia Gonzalez!

Axé, Clementina!

Axé Clara!



Viva o samba e viva o Brasil!!!

Até a próxima...

Santuza TU


E vejam que maravilhosa coincidência: 
Recebemos o convite logo após a publicação do post no blog...

 Bora lá!!!






quinta-feira, 20 de junho de 2024

Mulheres Maravilhosas 2

 


Maria da Conceição de Almeida Tavares  nasceu na freguesia de São Lourenço do Bairro, concelho (município) de Anadia, no distrito de Aveiro... mas cresceu em Lisboa foi  economista, matemática e escritora luso-brasileira

Trabalhou na elaboração do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek e foi professora titular da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro  (UFRJ).

Filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT), ela também foi deputada Federal pelo estado do Rio de Janeiro entre 1995 e 1999, e é autora de diversos livros sobre desenvolvimento econômico.

Após iniciar o curso de Engenharia na Universidade de Lisboa,  Maria transferiu-se para Ciências Matemáticas, licenciando-se em 1953. Para fugir da ditadura salazarista em Portugal, transferiu-se para o Brasil em fevereiro de 1954, já casada com seu primeiro marido, o engenheiro Pedro José Serra Soares, e grávida de sua filha Laura. Ela se estabeleceu com a família no Rio de Janeiro.

Quando chegou ao Brasil, ela começou a participar das atividades e debates promovidos pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência(SBPC). Por não conseguir a equivalência de diplomas que lhe permitiria dar aulas em universidade, em 1955 começou a trabalhar como estatística no Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC), atual Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

Em 1957, adotou a cidadania brasileira. Nessa época, depois de ter percebido que o conhecimento da matemática não era suficiente para o caminho profissional que pretendia seguir, matriculou-se, ainda em 1957, no curso de Economia da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro. No ano seguinte, tornou-se Analista Matemática do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), onde trabalhou até 1960. Entre 1958 e 1960 ela foi também membro do Grupo Executivo de Indústria Mecânica Pesada (Geimape), um dos grupos executivos surgidos durante o governo do presidente JK. Seu trabalho era ligado ao Conselho do Desenvolvimento, organismo central de planejamento subordinado diretamente à presidência da República, encarregado de elaborar e coordenar os programas setoriais definidos pela política econômica do governo.

Seu trabalho sofreu influência de três grandes  economistas brasileiros: Celso Furtado, Caio Prado Jr. e Ignácio Rangel, que a despertou para as questões relacionadas ao capital financeiro.








 

Maria da Conceição escreveu centenas de artigos e vários livros, destacando-se Auge e Declínio do Processo de Substituição de Importações no Brasil – Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro, de 1972. Dentre os textos que compõem esse livro o ensaio Além da estagnação, constatava que era possível atingir elevado crescimento econômico, como demonstrara o Milagre Econômico brasileiro, dos tempos da ditadura militar,  embora com aumento ainda maior da concentração de renda.


Contrariamente aos que se entregaram de "consumo e ideologia" à globalização, este outro livro da Conceição retoma o tema esquecido do desenvolvimento nacional e se propõe o estudo das relações entre os Estados, as moedas e o processo de desenvolvimento das nações. Propõe também algumas perspectivas frente às atuais políticas neoliberais que estão desintegrando o espaço econômico e desmantelando o Estado nacional brasileiro. 


Destruição Não Criadora, lançamento da Editora Record, é mais do que uma compilação dos textos mais representativos de Maria da Conceição Tavares: é a representação por escrito da extensão política alcançada pela autora. "Em tempos de incertezas e de ameaças à economia e à soberania brasileira, poucos têm tanta autoridade para apontar os equívocos e as malícias dos responsáveis pelas escolhas políticas do que Maria da Conceição. Dona de uma cultura notável e de forte sensibilidade social, ela mantém-se coerente na defesa de uma nova ordem: uma reforma no pensamento político e nos conceitos de trabalhismo, democracia e socialismo". A autora defende o fim do pacto que, segundo ela, é o mais 'esperto' mecanismo de perpetuação do conservadorismo já criado em nossa história republicana. "Este [o Executivo] vem se impondo sobre as demais instituições políticas e sociais da nação a ponto de retirar-lhe grande parte da autonomia requerida para uma luta democrática eficaz. O Congresso foi submetido a um rolo compressor, o Executivo legislou sem parar por meio de medidas provisórias, os sindicatos foram submetidos a pressões intoleráveis", afirma já na apresentação de Destruição Não Criadora. Em seus artigos, publicados principalmente na Folha de São Paulo, a professora de economia política denuncia sistematicamente as rachaduras e incoerências das atuais estruturas sócio-econômicas. Mesmo os que discordam de suas posições reconhecem a força dos comentários, das análises e das 'profecias' de Maria da Conceição Tavares, contraponto fundamental dos discursos oficiais.

"Polêmica, combativa, sagaz, emotiva, mas sempre lúcida. A argúcia e a coragem de Maria da Conceição Tavares são marcas tão indeléveis de seu temperamento quanto a paixão com a qual defende seus pontos de vista. Crítica ferrenha das "inconseqüências" do neoliberalismo, denunciadora da catástrofe do capitalismo globalizado e seus desmandos, ela se tornou uma das vozes mais representativas da oposição brasileira."

Destruição Não Criadora reúne artigos publicados entre os anos de 1995 e 1998, agrupados em sete grandes temas: "As ilusões da globalização"; "O Plano Real, a destruição não criadora"; "Os caminhos da privatização"; "A crise do sistema financeiro"; "Uma agenda de reformas negativas", "Concentração fundiária e desemprego: eixos da exclusão social" e "A transição democrática fraudada".

Celso Furtado escreveu sobre ela:

"Maria da Conceição Tavares reúne uma poderosa mente analítica, nutrida em sua formação matemática, a uma profunda sensibilidade social. A primeira geração de economistas brasileiros possuía formação jurídica ou de engenharia civil. Viam a sociedade como um quadro institucional cristalizado ou como um conjunto de mecanismos. Maria da Conceição pertence à geração seguinte, primeira formada nas recém-criadas escolas de economia de nível universitário. Sua formação matemática não a levou para um cientificismo positivista, isso graças a uma forte dose de historicismo que lhe veio da leitura precoce de Marx.

Esse rico equipamento intelectual foi posto a serviço de um forte senso de solidariedade social. Sua vida tem sido um combate sem quartel para injetar racionalidade e sentido ético na política deste país que se notabiliza pelas desigualdades sociais. Creio que existe um consenso entre nós no reconhecimento de que, no Brasil, ninguém pôs mais inteligência e vontade na luta pelas causas sociais do que esta brasileira por opção que é Maria da Conceição Tavares." 



Em outubro de 1968, foi designada para o escritório da Cepal no Chile, onde também foi convidada a lecionar na Escolatina, ligada à Universidade do Chile. Sua presença no Chile nessa época evitou que fosse presa ou punida pelo AI-5 lançado em dezembro de 1968. Em outubro de 1971 licencia-se da Cepal para iniciar uma pós-graduação na Sorbonne em Paris. Com a piora da situação econômica, voltou ao Chile e passou a trabalhar, entre maio de 1972 e março de 1973, como assessora econômica voluntária  no governo da Unidade Popular  do Presidente Salvador Allende. Em fins de 1973, foi para a Universidade Autônoma do México como professora visitante, e trabalhou no escritório da Cepal daquele país durante o ano de 1974. Em novembro de 1974, quando se preparava para embarcar do  para uma reunião em Santiago, foi detida e ficou alguns dias sequestrada pelos órgãos da repressão da Ditadura Militar Ela foi liberada por intervenção direta do ministros Severo Gomes, da Indústria e Comércio, e Mário Henrique Simonsen, da Fazenda, junto ao Presidente Ernesto Geisel.

Nos anos 1980, Maria da Conceição Tavares era um dos principais nomes da assessoria econômica PMDB e lecionava no Instituto de Economia da Unicamp, onde ela ajudara a implantar os cursos de mestrado e doutorado do departamento. Trabalhou  no assessoramento da elaboração do Plano Cruzado, programa do governo Sarney destinado a combater a hiperinflação da época. A imagem de Conceição Tavares e a do seu departamento de economia que ficaram associados ao Plano Cruzado, por causa da emoção demonstrada por ela quando ocorreu o lançamento do plano, em março de 1986. Conceição Tavares emocionou-se e chorou em rede nacional por considerar que de partida o Plano Cruzado não era prejudicial aos assalariados e desfavorecidos da sociedade brasileira. Em entrevista de 2015, ela disse que se comoveu por ser o primeiro plano anti-inflacionário que não prejudicava o trabalhador; que "foi uma experiência amarga, depois, capotou tudo de maneira estrondosa". Pela presença pública conquistada na época, ganhou uma imitação no programa humorístico Escolinha do Professor Raimundo, interpretada por Nádia Maria.


Em artigo para a Folha de S. Paulo
 de 4 de setembro de 1994, criticou o Plano Real, ressaltando as perdas salariais ocasionadas pelos índices adotados para os reajustes dos salários e sobrevalorização cambial. 

Tendo sido eleita deputada federal pelo PT do Rio de Janeiro em 1994, se tornaria uma das críticas mais contundentes da orientação econômica do governo Fernando Henrique Cardoso.  No ano de 1998, venceu o Prêmio Jabuti na categoria 'Economia'.

Em setembro de 2018, foi lançado um documentário sobre sua vida, dirigido por José Mariani, com a duração de 75 minutos. Em 2021, ficou subitamente popular nas redes sociais, quando usuários começaram a compartilhar trechos de entrevistas e aulas gravadas suas, particularmente uma disciplina de economia política ministrada na Unicamp, em 1992.

Maria da Conceição Tavares nos deixa em 8 de junho de 2024, aos 94 anos. Morreu dormindo, durante a madrugada.



Hildegard Angel, jornalista, ex-atriz, filha da estilista Zuzu Angel e irmã do militante político Stuart Angel Jones.


"Perder Maria da Conceição foi perder uma inspiração, um motor, uma alavanca transformadora", escreve Hildegard Angel no Brasil 247...

Quando envolve tantos sentimentos de admiração e perda falar a respeito é difícil demais. Maria da Conceição Tavares, uma força da natureza humana, um furacão branco, preto, marrom, uma apoteose fumegante de conhecimento, emoção, garra e compromisso com a justiça social. Mulher linda, que as lutas e a idade tornaram ainda mais formosa. 

Eu me aproximei dela por ocasião da primeira campanha de Dilma à Presidência, em disputa contra Serra. Então, a convidei, e ela aceitou o convite, para almoço pró-Dilma que organizei em casa de Lily, a viúva de Roberto Marinho. Eram 50 mulheres, várias lideranças femininas. Na mesa principal, com a homenageada e as anfitriãs, Maria da Conceição Tavares, Benedita da Silva, Lucy Barreto, enfim, éramos 10 à mesa. 

A repercussão do almoço levou a equipe responsável pela campanha de Dilma na internet, que ainda engatinhava, a me procurar, pedindo que reunisse em minha casa um grupo de mulheres para gravar vídeos com declarações de apoio ao site da campanha. 

Convidei, é claro, Maria da Conceição. Ainda tateando na seara política, perguntei a Conceição, que fora professora, tanto de José Serra quanto de Dilma, em que eles diferiam. Ela respondeu com a voz da sinceridade: "No conhecimento da economia, os dois sabem igual. O que os diferencia é que Dilma tem sensibilidade social". E tocou no coração. Ah, que bom ouvir isso! 

Naquele ano 2010, Conceição celebrava seus 80 anos. Houve várias homenagens, inclusive no grande auditório lotado do Clube de Engenharia, então presidido por meu marido, Francis Bogossian. No palco, a mesa com a economista e outros ilustres, mas eu só lembro dela, prestava atenção, tentando não esquecer sequer uma palavra sua. Claro que esqueci. Mas ficou aquele rasgão de luz e consciência na minha incipiente formação. 

Por tudo isso, hoje sinto mais, e mais me comovo, do que por tantas perdas recentes sofridas, e sem subestima-las. Perder Maria da Conceição foi perder uma inspiração, um motor, uma alavanca transformadora. Não foi uma perda solitária minha. Foi uma perda da Nação brasileira. Uma perda do povo, que certamente não vai sofrer por isso, pois o povo é, foi e sempre será o último a saber.

Um trecho tirado de uma entrevista no programa Roda Viva da TV Cultura em 1995, repetido na segunda feira dia 10.junho, viralizou: "Se você não se preocupa com justiça social, com quem paga a conta, você não é um economista sério. Você é um tecnocrata".

“Na produção a pessoa se objetiva, na pessoa subjetiva-se a coisa; na distribuição a sociedade assume a mediação entre a produção e o consumo sob a forma de determinações gerais e dominantes".

“A distribuição determina a proporção (o quanto) de produtos que cabem ao indivíduo; a troca determina os produtos que o indivíduo exige através da sua parte na distribuição".

“Produção, distribuição, troca, consumo formam então um silogismo correto; a produção é a generalidade, distribuição e troca são a particularidade, o consumo é a individualidade, no qual o todo se funde” .

Impossível não chamarmos Marx, nessas três citações, para lembrarmos do óbvio, a fim de homenagear a grande mulher Maria da Conceição Tavares. Uma das críticas que ouvi sobre ela, inclusive de discípulos e admiradores, eles diziam que ela não era uma pessoa dialógica, ela dizia monólogos. 

Pensamos: Ora, para coisas óbvias não é necessário o diálogo. Ela, Conceição, uma mulher auto afirmativa, dizia coisas óbvias! Como a questão da distribuição, que antecede e determina a produção e o consumo. 

Na relação dialética entre distribuição, produção e consumo temos:

A distribuição da riqueza afeta o consumo e a produção. Se a riqueza estiver concentrada em poucas mãos, isso pode afetar negativamente o consumo, pois a maioria das pessoas terá menos recursos para gastar.

Por outro lado, uma distribuição mais equitativa da riqueza pode estimular o consumo, pois mais pessoas terão poder de compra.

Além disso, a produção também é influenciada pela distribuição da riqueza. Empresas e empreendedores precisam de capital para investir na produção de bens e serviços. Se a riqueza estiver concentrada, pode haver menos investimento produtivo.

Porém, existem obviedades que o nosso mundo, a ideologia capitalista, não deseja que enxerguemos... pois "enxergar" pode gerar ação. Já dizia Hegel, antes de Marx: "A informação gera a ação e a desinformação gera a conformação"


Terminamos com essa ideia: "O conhecimento é o motor para a ação transformadora". E viva Maria da Conceição... eternamente presente... nossa gratidão...

Santuza TU



terça-feira, 11 de junho de 2024

Sobre nosso projeto MERCADO DAS PULGAS




Boas histórias são pra se contar... e se orgulhar...

Mercado das Pulgas é um projeto SBCense que foi se construindo - como são os nossos projetos, partem de uma ideia inicial mas não está pronto, vai se construindo, se enriquecendo - dessa maneira: 
. As pessoas SBCenses e simpatizantes me ligam: TU, tenho uma doação de roupas, sapatos, de mulher, homem, criança, cama, mesa, banho... posso levar?
. Claro querida! venha trazer sua doação e tomar um vinho comigo, ou um chá, ou um café com pão de queijo! - tudo como pretexto para um bom encontro, uma boa conversa, abraços ... também buscamos na sua casa, se você achar melhor...
. As doações são separadas: temos as roupas usadas, em bom estado, que doamos para instituições carentes: abrigos, ocupações, creches, entre outras... fazemos, também, kits de mudas de roupas e saímos distribuindo às pessoas que moram nas ruas, na savassi, no centro e em bairros conhecidos...
. Recebemos, também, roupas novinhas, até com etiquetas... separamos essas roupas e, de tempos em tempos, fazemos um bazar, ou nas nossas casas mesmo ou em  eventos... vendemos essas roupas e a grana arrecadada serve para investimentos em outros projetos SBCenses, para doação também à instituições carentes... e por aí vai nosso projeto super bacana: O Mercado das Pulgas.
. Haaa... recebemos, também, livros usados, que são vendidos e/ou doados para bibliotecas dessas mesmas instituições.
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No dia 7 de novembro de 2015 publicamos o convite para o nosso primeiro Mercado das Pulgas (vejam no nosso post dessa data):

 O  S B C (Samba Bobagem Cerveja) promove

PRIMEIRO MERCADO DAS PULGAS

DIA 7 DE NOVEMBRO 2015 DAS 10 AS 17 HORAS

Quarteirão fechado da Rua Francisco da Veiga - Bairro Caiçara - entre Vila Rica e Henrique Gorceix

Teremos várias apresentações artísticas e musicais...

Receberemos na entrada do evento brinquedos e alimentos não perecíveis que serão doados...

Apoio cultural: Gilson Reis

Estarão no evento:

Artes Jylce Melo Willig
Cláudia Souza - Artes
Hila Melo - Acessórios
Célia Pereira Pereira - Penteados Afro
Churrasco Tempero Meu
Simone Salgados
Flora Requinte
Clicks Photos
Fisiofitness
Vip Barracas
Doçuras da Olga de Fátima Oliveira
Food Bike Gelados Detox da Lucilia
Drogapam - Rede Farma
Rosalina Santos Temperos
Via Vinil Eventos
Tropeirão do Helvécio
Alpha Fit Academia
Dandara Elias
Mara Culinária Artesanal
Acarajé Pedacinho da Bahia

Além do BRECHÓ DO  S B C: roupas, sapatos, acessórios, bijoux, CDs, livros... e muito mais...

BARATIM... BARATIM !!!


ATRAÇÕES JÁ CONFIRMADAS:

13 horas: DIZA FRANCO E SOLANGE CARTOLA-
puro samba e MPB

14 horas: CARLA MEIRELES E CÉLIO SANTOS -
puro samba e mpb.

15 horas: TENDA DAS DEUSAS DANÇA DO VENTRE
Profªs. Miriam Celestino e Lanna Patricia e alunas.

15:30 : MARCELO ABREU E BANDA
Puro Rock and Roll


E, no fechamento do nosso evento:
GRANDE ENCONTRO DOS BLOCOS DO PADRECO, DO SAUDADE E  S B C Samba Bobagem Cerveja

Foi um lindo evento. saudoso, principalmente pela perda de grande amiga SBCense organizadora do mesmo, Cibele, fica na nossa memória como grande exemplo de vida. 
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De 2015 a 2020 fizemos vários eventos do projeto Mercado das Pulgas. 

E veio a pandemia... quem não ficou meio que desesperado(a) que atire a primeira pedra... Nós do SBC nos ocupamos com nossos projetos, arrumamos um jeito de realizá-los virtualmente... a fim de cuidarmos de nós mesmxs...  cuidar das nossas depressões, angustias, que todos e todas estavam passando nessa época.

E aconteceu mais um grande evento do Mercado das Pulgas, relatado no nosso post de 9 de junho de 2020:

Projeto SBCense MERCADO DAS PULGAS:

Este projeto já existe há uns 5 anos. Ele partiu de uma visita da nossa coordenadora Santuza TU a Ouro Preto, quando uma rua central dessa cidade foi fechada para um conserto na canalização. Os próprios moradores então começaram a fazer um evento todos os sábados: expunham suas artes e seus produtos nas portas das suas casas: livros, discos, quadros, bijouterias, roupas, muitas coisas novas e usadas (vejam post 18.agosto.2016).
Então tivemos a ideia de fazer o mesmo em Belo Horizonte.  Nosso primeiro mercado das pulgas foi uma grande festa no caiçara, organizada pela saudosa Cibele, com renda revertida para casas de velhinhas naquele bairro.
Depois disso continuamos a receber em doação roupas, sapatos e bijouterias... e vender a um valor simbólico, doação da pessoa para nossos projetos.
Com a pandemia surgiu a demanda de roupas de cama e banho para abrigos e moradores de rua e começamos a ampliar o projeto. Recolhemos muitas doações e fizemos muitas entregas. A seguir nossa lista de recebimentos e de doações durante os meses de março, abril e maio, além do nosso carinhoso agradecimento a todas e todos (doadores e recebedores, pois "o dom de receber tem o mesmo peso do dom de dar" - filosofias sbcenses... rsrs).

RECEBEMOS:
. nossas queridas vizinhas Júlia, Lilian,  Márcia e Mércia;
. Rosa (Rosário) Grande sbcense;
. Nelly, mamis poderosa;
. Querida amiga Marriinha, vizinha mamis;
. Queridas cunhadas (para sempre) Coló e Vera;
. Grande amiga Edna;
. Ellen e Jane, grandes amigas do CMDM - Conselho Municipal dos Direitos da Mulher;
. Diniz, amigo e indicação da Ellen;
. Casal de primos Ângela e Marcos;
. Fil e Du... grandes amigos;
. Saudosos ex vizinhos Regina e Toninho;
. e muitos outros amigos que já tinham doado antes: Cléo, Gracinha, Ritoca...

... além do nosso amigo voluntário UBER, Breno, que pegava e levava, e continua fazendo isso...

DOAÇÕES:
. através da amiga Sandra Munhoz, colega da Rede de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher e do Coletivo Indômitas, doamos para o Coletivo das Lobas, em Sabará;
. Para a Casa dos Sonhos, na Cachoeirinha, entregue à nossa amiga Malu;
. Para Comunidade Nova Cachoeirinha, entregue ao nosso camarada Rógeris;
. Para a ADRA - Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais, casa que acolhe mulheres em situação de risco social/violência e mulheres que estão em processo de saída da vida nas ruas;
. Através do nosso vizinho Eduardo Nunes Campos, doamos para a colega psicóloga Dalcira Ferrão, que distribui a moradores de rua;
. Além dessa coordenadora do projeto, por três vezes, distribuir kits a mulheres a homens nas ruas da região da Savassi;
. Através da nossa companheira Julia, parceira do Comitê de Solidariedade, uma iniciativa do PC do B,  encaminhamos sacola de retalhos para nossa amiga Heloisa, que fez máscaras que foram encaminhadas à Associação das Prostitutas; e sacola de roupas e  sacolas de roupas e sapatos infantis para a companheira Patricia distribuir em comunidade no Alto Vera Cruz;
. E nossa doação mais recente: através da amiga Giane, do CMDM, encaminhamos roupas, sapatos, cobertores para duas ocupações em BH: Vila Nova & Beira Linha e Vila Cemig.

Estamos felizes com o desempenho do Mercado das Pulgas nestes três meses. E continuamos com o projeto: recebendo doações e distribuindo... nosso muito obrigada a todas e todos...
A seguir algumas fotos de recebimentos e doações.
Abraços carinhosos.
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Acreditem, esses projetos SBCenses nos salvaram na pandemia... O Breno agora está trabalhando nos EUA e manda notícias de vez em quando...

E agora, recentemente, recebemos muitas doações, inclusive uma mala cheinha de roupas novíssimas, com etiqueta, da grife Marcia Morais:

E, rearrumando o que já tínhamos, separamos uma doação bacana para a nossa querida Ivone, do Instituto Mulheres Amadas, fotos do IMA no início deste post, no Novo Araão Reis. Nosso querido Cláudio levou as doações, gratidão...


e ela, ao receber, fez o vídeo acima, em agradecimento... e ficamos muito orgulhosas... 

Verdade... "o que a gente faz a gente recebe", disse uma das nossas.


E continuamos a receber doações... é só entrar em contato conosco... e fazendo reuniões de "vendas" do nosso sarau... Todas e todos convidadíssimos... só marcar...

Abraços carinhosos a todas as pessoas que compartilham sonhos...

SantuzaTU



quinta-feira, 6 de junho de 2024

Mulheres maravilhosas



    Valse - Camille Claudel                                           Le matrimoine - Françoise Gilot 

Para um homem, ser auto afirmativo é quase que natural, ou melhor, os homens nem pensam sobre isso, ou melhor,  nem precisam pensar sobre isso numa sociedade feita para eles; para uma mulher, por outro lado, o movimento de auto afirmação é constante na vida... para todas as mulheres e em todos os níveis de relação, das relações intimas até as mais amplas, o exercício de cidadania. E, quase sempre, quando uma mulher se comporta de maneira auto afirmativa, seja em que ambiente for, em qualquer nível de relação, ela é chamada de autoritária, impositiva, dona da verdade, ... ou seja, quase sempre ela é massacrada, diminuída, rejeitada, ... e por aí vai... apenas pela sua atitude auto afirmativa, pois esta atitude "não combina com o feminino", "não é própria da mulher", "não é seu papel"..."

Nossa reunião começou assim... e daí extraímos nossa PAUTA  - como diz aquela SBCense: "não posso deixar de ir nas reuniões, pois, não indo, viro a PAUTA!!!

Começamos por corroborar as ideias da PAUTA, lembrando duas mulheres maravilhosas na história, que sofreram essa tentativa de "arrasamento" (psicológico, moral, econômico, e por aí vai - como na Lei Maria da Penha, os 5 tipos de violência contra a mulher):



Camille Claudel, filme francês de 1988, do gênero drama biográfico, dirigido   por Bruno Nuytten, com roteiro dele e Marilyn Goldin baseado na biografia de Camille, escrita  por sua  sobrinha-neta Reine-Marie Paris. Camille Claudel (Isabelle Adjani) é uma jovem escultora que entra em conflito com sua família ao tornar-se aprendiz, e mais tarde, assistente do famoso Auguste Rodin (Gérard Depardieu). Quando ela e o escultor viram amantes, Camille cai em desgraça perante a sociedade francesa. Após quinze anos de um relacionamento conturbado, ela põe fim na relação, e cai em uma profunda depressão. Diante das circunstâncias, seu irmão mais novo a interna em um hospital psiquiátrico, com o triste diagnóstico de esquizofrenia.




Nossa primeira personagem, Camille Claudelnome artístico de Camille Athanaïse Cécile Cerveaux Prosper (1864-1943) foi uma escultora francesa. Faleceu na obscuridade, mas sua obra ganhou reconhecimento por sua originalidade décadas após a morte.

Camille transcendia os padrões convencionais para esculturas em sua época e até nas décadas seguintes. Alguns classificavam seus trabalhos como sendo ainda mais viris que obras feitas por artistas homens e que sua escultura possuía a assinatura que apenas os gênios em suas áreas possuem. Enquanto Rodin tinha linhas mais suaves e delicadas, Camille sugeria vigorosos contrastes e linhas poderosas em suas obras, razão essa que pode ter levado ao rompimento artístico e a rivalidade que se seguiu.

Shakuntala é descrita como a expressão do desejo de Camille de alcançar o sagrado, fruto de sua longa busca pela identidade artística, livre dos mandos de Rodin. Camille teria percebido após algum tempo de envolvimento com o escultor que ele a explorava e que ela nunca seria obediente como Rodin queria, reconhecendo em seguida como a sociedade explorava as mulheres. A escultura Shakuntala seria uma expressão de sua solitária existência, de uma busca pessoal.


Quando Rodin viu a escultura The Age of Maturity pela primeira vez em 1899, sua reação foi de choque e fúria. Imediatamente ele cessou seu suporte a Camille e pressionou o ministro de belas artes que cancelasse pagamentos para obras em bronze. 

Em função do machismo e preconceito pelo fato de ser mulher, Camille não conseguia financiar muitas de suas ideias e por vezes dependeu de Rodin para realizar algumas delas em colaboração ou deixando-o levar o crédito pela obra. Ela também era dependente financeiramente da família e depois da morte de seu  pai, que tanto a auxiliou, sua mãe e seu irmão tomaram o controle das finanças, deixando-a na miséria, usando roupas esfarrapadas e vivendo de favores.

Camille era odiada pela família. Seu irmão e sua mãe conspiraram para mantê-la sem dinheiro e depois para mantê-la no hospital psiquiátrico, onde viveu por 30 anos até sua morte. Teorias sugerem que seu irmão invejava o sucesso e o talento da irmã, tendo afirmado que ele era o único gênio da famíliaSua irmã mais nova, Louise, desejava o acervo da irmã e comemorou o declínio de Camille. É de concordância entre os críticos de arte que Camille era um gênio incompreendido, com uma arte suprema e infinitamente bela, forte e brilhante, que porém nunca recebeu o devido reconhecimento em vida.

Somente parte do acervo de Camille, cerca de 90 estátuas de sobreviveram. A força e a grandiosidade de seu talento estavam na verdade em um lugar muito incômodo: entre a figura legendária de Rodin e a de seu irmão que se tornou um expoentes da literatura de sua geração. E não é difícil ler que as questões de gênero permeiam esse lugar menor dedicado a Camille.

Seu gênio sufocado por dois homens, sua vida sufocada por um abandono, suas forças e sua lucidez esgotadas por uma relação umbilical com seu mestre e amante, pelo amor romântico, pela idealização do amor e do amado.  Uma relação da qual não conseguiu desvencilhar-se, consumindo sua vitalidade na vã tentativa de desembaraçar-se desse destino perverso. Camille Claudel, sua forte personalidade, seu gênio criativo que ultrapassou a compreensão de sua época.

Talento ofuscado pelo machismo estrutural, Camille Claudel faleceu em 1943, após viver 30 anos no hospício de Montfavet (hoje conhecido como Asilo de Montdevergues, um moderno centro hospitalar e psiquiátrico).

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Nossa segunda personagem, Françoise Gaime Gilot (1921-2023) pintora francesa, artista super talentosa, notadamente em aquarelas e cerâmicas. Porém, quando conheceu Pablo Picasso, sua carreira profissional foi eclipsada por sua celebridade social. 
Depois que  se separou de Picasso, ele desencorajou as galerias de comprar seu trabalho e tentou, sem sucesso, impedir que seu livro de memórias de 1964, Life with Picasso, fosse publicado. 
Morreu em 6 de junho de 2023, aos 101 anos.

Enquanto estudava para ser advogada, Gilot era conhecida por faltar às aulas matinais de direito para seguir sua verdadeira paixão: a arte. Ela se formou em filosofia na Sorbonne em 1938 e bacharela em inglês na Universidade de Cambridge em 1939. Gilot teve sua primeira exposição de pinturas em Paris em 1943.

Aos seis anos, a mãe de Françoise começou a ensinar-lhe arte, com exceção do desenho. Sua mãe acreditava que os artistas se tornavam muito dependentes de borrachas e, em vez disso, ensinou sua filha as técnicas de aquarela e nanquim. Se ela cometesse um erro, teria que torná-lo intencional para seu trabalho. Aos 14 anos conheceu a cerâmica e, um ano depois, estudou com o pintor pós-impressionista Jacques Beurdeley.

Embora Picasso tenha influenciado o trabalho de Gilot como pintora cubista, ela desenvolveu seu próprio estilo. Ela evitou as arestas vivas e as formas angulares que Picasso às vezes usava. Em vez disso, ela usou figuras orgânicas. Durante   2a Guerra Mundial, o pai de Gilot tentou salvar os pertences domésticos mais valiosos movendo-os, mas o caminhão foi bombardeado pelos nazistas, levando à perda dos desenhos e aquarelas de Gilot.

Aos 21 anos Gilot conheceu Picasso, então com 61. Picasso viu Gilot pela primeira vez em um restaurante na primavera de 1943. Dora Maar, fotógrafa que era sua musa e amante na época, ficou arrasada ao saber que Picasso a estava substituindo por uma artista muito mais jovem. Após o encontro de Picasso e Gilot, ela foi morar com ele em 1946. Eles passaram quase 10 anos juntos. 

]Alguns historiadores da arte acreditam que o relacionamento de Gilot com Picasso interrompeu a carreira artística dela. Quando ela deixou Picasso, ele disse a todos os negociantes de arte que conhecia que não comprassem sua arte, enquanto a própria Gilot observou que continuar a identificá-la em relação a Picasso "prestava-lhe um grande desserviço como artista".  

"Eu sabia que se não deixasse Picasso ele me devoraria"

Picasso e Gilot nunca se casaram, mas tiveram dois filhos: Claude e Paloma. Durante seus 10 anos juntos, Gilot foi frequentemente assediada nas ruas de Paris pela esposa legal de Picasso, uma ex-bailarina russa, e Picasso também a abusou fisicamente. O biógrafo de Gilot, Sacha Llewelyn, escreve:

Picasso, enfurecido, destruiu seus pertences, incluindo obras de arte, livros e suas preciosas cartas de Matisse. Dizendo a ela que ela estava "indo direto para o deserto", ele então partiu para destruir sua carreira. Mobilizando todas as suas redes, exigiu que a Galeria Louise Leiris  deixasse de representar Gilot e que ela não fosse mais convidada a expor no Salon de Mai. Explicada como o comportamento infeliz de um gênio mal-humorado, hoje essa intervenção agressiva está finalmente sendo vista pelo que era: as ações devastadoras de um valentão.

Em 1964, 11 anos após a separação, Gilot escreveu Life with Picasso (com o crítico de arte Carlton Lake ), um livro que vendeu mais de um milhão de cópias em dezenas de idiomas, apesar de uma contestação legal malsucedida de Picasso tentando interromper sua publicação. A partir de então, Picasso recusou-se a ver Claude ou Paloma. Todos os lucros do livro foram usados para ajudar Claude e Paloma a montar um caso para se tornarem os herdeiros legais de Picasso.

Gilot dividiu seu tempo entre Nova York e Paris, trabalhando em nome do Instituto Salk. Pintava diariamente até os 90 anos.  Morreu em um hospital da cidade de Nova York em 6 de junho de 2023, aos 101 anos, após sofrer de doenças cardíacas e pulmonares.

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Duas mulheres maravilhosas... que nos fazem pensar em quanto de talento feminino é reprimido, ofuscado, obscurecido, exterminado, em função da manutenção do status quo masculino... 

E que nos encorajam a não nos submetermos, não nos deixar sermos "apagadas"... 

E que nos mobilizam para a sororidade, para o apoio umas às outras, para estarmos sempre nos encontrando, conversando, nos empoderando, compartilhando sempre a dor e o prazer de se ser o que somos... e sermos mais... e mais... e construirmos um mundo mais simétrico... mais justo...  e mais bonito.



Terminamos com arte:


Abraços carinhosos a todas as pessoas maravilhosas... metidas... nem supermetidas (arrogantes), nem submetidas (passivas, subservientes)... metidas é auto-estima na medida certa...