terça-feira, 18 de julho de 2023

Conversas SBCenses: sobre DON JUAN

 


Nossa conversa começa com pesquisa sobre a origem do personagem acima, todas e todos e todes nós pesquisamos e fizemos a seguinte síntese:

"Don Juan é um personagem arquetípico da literatura espanhola. Possui ampla descendência literária na Europa e no mundo ocidental.  Ele foi criado por Tirso de Molina, pseudônimo de Fray Gabriel Téllez (1579 - 1648), que foi um religioso espanhol que se destacou como dramaturgo, poeta e narrador do Barroco. Foi o primeiro autor a dar profundidade psicológica aos personagens femininos, que se tornaram protagonistas das suas obras".

Arquétipo: arché: "princípio", "posição superior"; τύπος - tipós: "marca", "tipo":  é um conceito que representa o primeiro modelo de algo, protótipo, ou antigas impressões sobre algo. É explorado em diversos campos, como a filosofia, psicologia e a arte.

A maioria dos estudiosos afirma que o primeiro conto a registrar a história de Don Juan foi El Burlador de Sevilla e Convidado e Piedra [o Trapaceio de Sevilha e o convidado de pedra]. As datas para esta publicação, entretanto, variam de 1620 até 1635, dependendo da fonte - embora haja outros registros de que seja conhecida em Espanha desde 1615. Segundo este conto, Don Juan é um mulherengo inveterado, que seduzia as mulheres disfarçando-se de seus amantes ou lhes prometendo o matrimônio. Atrás de si, deixa um rasto de corações partidos até que, finalmente, acaba matando um certo Don Gonzalo. Quando depois é convidado pelo fantasma deste para um jantar numa catedral, acaba por aceitar, por não querer parecer um covarde.

Trata-se, portanto, de personagem fictício, originado no folclore, geralmente tido como símbolo da libertinagem. Posteriormente, tornou-se o herói-vilão de romances, peças teatrais e poemas; a sua lenda adquiriu popularidade permanente através da ópera de Mozart Don Giovanni (1787). 

A lenda diz que Don Juan seduzira uma jovem moça de família nobre da Espanha: libertino e impetuoso, assassinou seu pai. Depois, tendo encontrado num cemitério uma estátua deste, jocosamente a convidara para um jantar, o convite foi aceito alegremente pela estátua. O fantasma do pai ali também chegara, como precursor da morte de Don Juan. A estátua pedira para apertar-lhe a mão e, quando este lhe estendeu o braço, foi por ela arrastado até o Inferno.

As visões acerca da lenda variam de acordo com as opiniões sobre o caráter de Don Juan, apresentado dentro de duas perspectivas básicas. De acordo com uns, era um mulherengo barato, concupiscente, cruel sedutor que buscava apenas a conquista e o sexo. Outros pretendem, porém, que ele efetivamente amava as mulheres que conquistava, e que era verdadeiramente capaz de encontrar a beleza interior da mulher. As versões primitivas da lenda sempre o retratam como no primeiro caso.

Continuamos nossa pesquisa sobre Don Juan, na literatura e no teatro:

Uma mais recente versão, na literatura,  da lenda de Don Juan é apresentada na obra de José Zorilla, Don Juan Tenório,  de 1844.  Esta versão apresenta um Don Juan totalmente envelhecido. A ação principia com Don Juan e seu amigo Don Luís, ambos contando as suas seduções um para o outro, procuram saber qual o mais conquistador. Don Juan, então,  lança ao amigo o desafio de conquistar uma mulher com a alma pura. Então, este propõe-se a seduzir Dona Inês, noiva de Don Luís - o que efetivamente consegue, ao tempo em que encontra o verdadeiro amor. Enraivecidos, o pai de Dona Inês junto a Don Luís procuram vingar-se. A história termina com uma disputa entre as almas de Dona Inês e do seu pai pela alma de Don Juan: enquanto este tenta levá-lo para o Inferno, aquela consegue trazê-lo para o Céu.

Em La gitanilla [A ciganinha], novela de Miguel de Cervantes, a personagem que se apaixona pela cigana chama-se Don Juan de Cárcamo - provavelmente uma referência com a lenda popular.

Uma peça chamada Don Juan Tenório [Don Giovanni Tenorio, ossia Il Disoluto] foi escrita em 1736 por Carlo Goldoni, famoso dramaturgo italiano de comédias.

No romance O Fantasma da Ópera, a ópera que está sendo escrita pelo fantasma é Don Juan Triunfante.

No conto O Elixir da Longa Vida, de Honoré de Balzac, a personagem principal chama-se Don Juan e inicia o conto sendo uma figura sedutora, bígama e boêmia. Além disso, tem uma intriga com o pai, como sugere a lenda inicial.

O famoso poeta romântico Lord Byron escreveu uma versão épica para o mito,  que é considerada a sua obra-prima. Entretanto, esta obra restou inacabada, com sua morte, mas retrata um Don Juan vitimado por uma educação católica repressiva, sendo fruto inocente desta visão distorcida. Neste poema Don Juan é iniciado no verdadeiro amor pela bela filha de um pirata, que o vende depois como escravo para a esposa de um sultão, a fim de satisfazer-lhe os desejos carnais. O Don Juan de Byron é menos sedutor e mais uma vítima dos desejos femininos e de seus infortúnios. O primeiro envolvimento amoroso do Don Juan byroniano foi com Donna Júlia, moça casada, de vinte e três anos, enquanto ele tinha apenas dezesseis. 

Também José Saramago (que faleceu em 2010, aos 87 anos de idade), deu a sua versão moderna para o mito, seguindo a trilha aberta pelo também escritor português Almeida Faria, na obra O conquistador. Saramago, que intitulou sua obra como Mozart (Don Giovanni), ao contrário de Faria, devolveu à história o seu tom dramático original.

Nesta peça de teatro, José Saramago reconta a história do conquistador Don Juan. Baseado na versão de Mozart, o Don Giovanni do escritor português não tem medo de seus atos, pois, para ele, o ser humano é acima de tudo livre, mesmo que seja para pecar.

Partindo da ópera de Mozart Don Giovanni ou O Dissoluto Punido em que Don Giovanni é condenado aos infernos por ter seduzido 2065 mulheres, José Saramago, em Don Giovanni ou O dissoluto absolvido reanaliza o mito: será Don Giovanni culpado? E o Comendador, e Dona Ana, e Dona Elvira, e Don Octávio? Serão um modelo de virtudes? Onde está a culpa? Onde está a virtude? Onde está a hipocrisia?"



Ainda mais recentemente, Don Juan foi utilizado em romance de fantasia brasileiro : 

Em Dragões de Éter - Círculos da Chuva o personagem compete com Casanova na conquista da bela Maria Hanson.

Na TV, nosso amigo SBCense trouxe nada mais nada menos do que Chapolin:

Don Juan  foi também apresentado em várias paródias do comediante mexicano Chespirito. Roberto Mario Gómez y Bolaños (que faleceu em 2014) também conhecido como Chespirito, foi um célebre, consagrado e aclamado ator, escritor, roteirista, diretor, produtor, comediante, dramaturgo, cantor, compositor, filantropo e pintor mexicano, que se tornou mundialmente famoso por ter sido o criador e protagonista dos seriado Chaves, Chapolin e muitos outros.


E no cinema Don Juan foi retratado algumas vezes, encontramos na nossa pesquisa dois filmes mais antigos e um mais recente:




Don Juan deMarco, FILME DE 1995: 

Um homem de 21 anos (Johnny Depp) dizendo ser o famoso amante Don Juan vai até Nova York para encontrar seu amor perdido, mas, sentindo que não alcançará seu objetivo, tenta se matar. Porém, um psiquiatra (Marlon Brando) consegue convencê-lo a mudar de ideia e começa a tratá-lo. Entretanto, o paciente possui um romantismo irrecuperável e contagioso, que começa a influenciar o comportamento do médico.
Toda essa pesquisa ensejou nossa conversa sobre o controvertido personagem, sob o ponto de vista psicológico e relacional, assim como sob o ponto de vista social, de caráter e valores alimentados na nossa cultura:

- A síndrome de dom-juanismo é um transtorno caracterizado por necessidade compulsiva por sedução, envolvimento sexual fácil mas fracasso no envolvimento emocional, sendo, assim, determinada por relacionamentos íntimos pouco duradouros ou até mesmo inexistentes.

O estereótipo do dom-juanismo é aquela pessoa sedutora, que parece ter em vista sempre pessoas difíceis de serem conquistadas, fazem de tudo para consegui-la, mas basta perceberem que a outra pessoa "está a seus pés" que a motivação para continuar o relacionamento desaparece. 

- Podem, por exemplo, se envolver 3 ou 4 vezes, depois largam-na, justamente quando a outra pessoa começa a sentir-se conquistada.  Em alguns casos se trata de um romântico incurável, que nunca encontra o par perfeito por seu nível de exigência se tornar cada vez mais alto.  Nesse caso, sofre com seu amor interno, platônico. Muitos compositores, escritores e poetas parecem se encaixar nesse estereótipo e, talvez, sem eles muitas histórias e canções de amor jamais teriam existido. Daí a existência -  reforçada pela nossa cultura -  na música, na poesia, no cinema, na literatura, do amor platônico, assim como do amor romântico, da idealização da pessoa amada, do amor impossível de se realizar... a, assim, reforçando em nós este modelo relacional.

- Porém, o que realmente diferencia e diagnostica o dom-juanismo é que este tem a principal marca definida por uma insensibilidade e menosprezo ao sentimento do outro. Eles próprios fizeram de tudo para conquistar o objeto da sua idealização naquele momento, entretanto, quando abandonam o parceiro, pouco se importam com os sentimentos deste último. 

O Don Juan exibe relacionamentos superficiais e inconstantes, o que os leva a um fracasso no estabelecimento de relações duradouras. chegam normalmente à meia idade solitários ou sem um parceiro fixo, porque se dão conta que, além da energia que se desvanece ao passar da idade, eles percebem que não têm mais o charme e a capacidade de sedução de antes. Embora alguns melhoram com a idade, porque seus artifícios de sedução não dependem só da beleza e sim das técnicas de sedução que não se baseiam em beleza.

- Refletindo sobre essas primeiras considerações sobre o caráter do Don Juan, já reparamos componentes do "amor romântico", tanto a idealização do amor quanto da pessoa amada... conceito tão enraizado na nossa cultura que, ao fim e a cabo, inviabiliza relações simétricas - de sujeito com sujeito. O movimento em relação à  pessoa  desejada é da idealização para o desprezo, o que "nos desumaniza". E como essa ideologia - ou esse "jeito de ser",  de pensar, sentir e agir - se deu historicamente... e para que serve esse "enraizamento de ser e relacionar", tão naturalizado, como se fosse o único conceito de amor? 

Já sabemos da origem histórica do "amor romântico", lá pelo século XII, sul da França, tempo do feudalismo, o cavalheiro idolatrando a dama, modelo relacional de servidão - sentimento do servo pelo senhor ... e como foi "interessante" à burguesia, classe em ascensão, incorporar esse modelo à instituição casamento e à relação a dois - ou relação íntima. A consolidação do capitalismo,  a mulher como "propriedade privada", o catolicismo corroborando a posição da mulher, Eva e Maria (Nossa Senhora), o maniqueísmo mulher pura-mulher desprezível (puta)...

Ou seja, não podemos separar a subjetividade, forjada em nós, mulheres e homens (e outros gêneros...) a partir dessas questões históricas, antropológicas,  econômicas, sociais. 

- Voltando à subjetividade e à psicologia (ou  psicopatologia, visto aqui sobre o ponto de vista fenomenológico): 

Os transtornos de personalidade mais comuns associados à síndrome de don juan são:

- narcisismo exacerbado:  o amor próprio é inflado, o egocentrismo, egoísmo, arrogância e preocupação apenas consigo mesmo são as principais características;

- o transtorno de personalidade histriônica, pensando aqui como a pessoa "performática", o "eu" está fora da própria pessoa, seria uma representação, no caso de uma pessoa sedutora, agradável, amável, gentil... valendo tanto para homens quanto para mulheres, pois também às mulheres ocorre a síndrome de don juan;

. porém, o  que mais ocorre na síndrome do donjuanismo vem a ser, em especial, o transtorno de personalidade antissocial, ou psicopatia. pelo fato do antissocial ser imune à empatia, remorso, culpa e, principalmente, indiferente ou menosprezo pelo sentimento alheio. Essas pessoas são insensíveis e egoístas, com tendência colocar os outros aos seus pés e não sentirem culpa nem remorso por isso.

- Uma visão psicanalítica abre a hipótese de, no homem don juan, haver uma fixação da mãe assim como uma vertente de um complexo de Édipo, onde o homem don juan teria tido uma visão muito perfeita da mãe enquanto criança, e por tal razão tem dificuldade em desligar da mesma, então, recorre às outras mulheres na tentativa de achar uma mulher perfeita igual à mãe, mas quando percebe seus defeitos, as abandona. Apesar dessa hipótese parecer vaga, por excluir outros fatores de influência, vem a corroborar a ideia da idealização, a princípio da mãe e reproduzida nas relações a seguir na vida do indivíduo, como se pudesse ocorrer um demoronamento do seu "jeito de ser" se a idealização não ocorresse; como se a pessoa "desejasse" continuar com o pressuposto da idealização como base para as suas relações. Nos parece verdadeira nossa primeira idealização - da figura materna - porém, poderíamos aprender a caminhar da idealização para a humanização - dessa figura - e, assim, poderíamos fazer a transposição desse modelo para as nossas demais relações. No entanto, ocorre justamente o contrario desse movimento para a humanização... ocorre o reforço da idealização e a transposição desse modelo para as demais relações.

- Voltando ao principal transtorno associado à síndrome de don juan, a psicopatia, refletimos que, à primeira vista, nos parece algo muito longe de nós... "não somos psicopatas!"... 

No entanto, vendo mais de perto e nos despindo do receio da "psicopatologia", verificamos que essas características fazem bastante parte das nossas vidas, da nossa aprendizagem. Na verdade, a psicopatia, definida como "inadequação de meios a fins", oscila desde a simples "inadequação de meios a fins - juntar o que quero com o que eu faço", até os mais altos graus de "desvios de conduta". O imediatismo, por exemplo, um componente dessa "psicopatologia", querer os fins e não querer os meios, pensamos que seja um "jeito de ser" aprendido, característico da nossa cultura, da nossa sociedade do consumo. A "lei de Gerson" (quem se lembra dela?), o levar vantagem em tudo, são condutas "desejáveis" numa sociedade que alimenta a competitividade. E isso tudo vamos aprendemos, essas características vão forjando a personalidade do sujeito contemporâneo.

- A "mulher don juan" reúne as características definidas na psicopatologia "histérica"... o "eu fora", a aprendizagem da "performance" para a "conquista" do outro, a sedução indiscriminada, o "ser escolhida"... junto, a aprendizagem da submissão ao desejo do outro, se colocar (ou concordar, ou "fingir" que concorda) com a posição subalterna... enfim, mais uma vez a impossibilidade da relação simétrica, sujeito-sujeito. 

No entanto, na medida histórica do crescimento da mulher no sentido da autonomia (de pensar, sentir e agir - que passa pelo bolso), passamos a ser assertivas, a escolher - não sem sofrermos as consequências dessa atitude: vulgar, puta... 

E uma tragédia possível é, em vez dessa autonomia contribuir para a construção de relações simétricas, contribuir para a mudança de papéis. Nesse sentido o Don Juan moderno se coloca na posição de "ser escolhido", muitos homens contemporâneos dizem isso... 

- O homem Don Juan contemporâneo pode, também, se confundir com o "machista em desconstrução" , aquele a quem falta a humildade de se ver (histórica e culturalmente enraizado, portanto, para o processo de mudança torna-se necessária essa humildade); aquele em que a fala "machista em desconstrução" vem a ser uma performance, uma fala histérica, do "eu" fora... ou seja, não existe o desejo genuíno - e o esforço decorrente disso - para a transformação, para abrir mão do poder historicamente atribuído ao macho na nossa cultura, para a busca da simetria. Trata-se de uma performance contemporânea... ao primeiro sinal de ameaça ao "status quo" de macho ele rapidamente afirma seu machismo (de maneira sutil, claro...) e  quase sempre se "despede" da relação.

Uma definição simples e certeira do "desvio de conduta" (ou psicopatia) é : "aquele que sofre e/ou faz sofrer o outro com o seu jeito de ser". Claro que o sofrimento não aparece, os conflitos são "fagocitados", escondidos em bolsões do inconsciente, a vida é vivida superficialmente... e, para isso, todo um arsenal moderno de alienação: drogas (lícitas e ilícitas), ou seja, álcool, fármacos, entre outros tipos de alienação. Tudo isso junto com o movimento para "agradar" às mulheres, ser amigo de todas... e por aí vai...

... ou o sofrimento é valorizado... e se transforma em música, no caso, música para os jovens, e assim vai se "perpetuando" esse circulo vicioso ... e vai se perpetuando a assimetria (e a alienação) nos vários níveis de relação, "na cama e no mundo", nas relação afetivas e na visão (passiva e alienada) de mundo.

... como nos mostra nosso jovem SBCense, ao compartilhar o Mc Don Juan... parece que seu repertório é recheado do amor mitificado, do amor sofrimento, da vingança, da mulher objeto, do conflito na  busca  de liberdade - a oscilação entre o "livre de" e "com"... enfim, uma distorção sofrida. 

  O SBC conclama todas, todos e todes a refletirmos sobre essa síndrome tão terrível para as nossas vidas, em todos os níveis de relação, a fim de criarmos a possibilidade de caminharmos na construção de um mundo mais bonito, de relações mais prazerosas, mais humanas...
  


Um adendo: toda a nossa pesquisa aconteceu através do Bing, site GPT. Ou seja, IA (inteligência artificial), que reúne grande parte do conhecimento produzido por nós, seres humanos, e nos devolve este conhecimento, para que a gente possa refletir, discutir e produzir novos conhecimentos, que sirvam para ensejar um mundo mais justo e mais bonito, humanizado, e relações mais simétricas e gratificantes, de crescimento - e prazer - mútuo. Assim o SBC pensamos a IA.


Até nosso próximo encontro, abraços carinhosos...

Santuza TU

2 comentários:

  1. Santuza, excelente seu texto! conhecimento que vem me recordar os tempos de faculdade. Absorvi deliciosamente suas colocações. bjussss

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  2. Ju! Agradeçemos sua apreciação do texto. Grande abraço

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