segunda-feira, 18 de maio de 2020

Sobre "piscar no claro"

“Não adianta piscar no escuro” ... uma frase que já ouvi há bastante tempo, numa conversa entre pessoas da área de marketing e publicidade. As pessoas se referiam a frase no sentido de “não adianta você ter um bom produto ou uma boa ideia e não falar dela, não publicizá-la, não divulgá-la... ninguém vai ficar sabendo. Óbvio, piscando no escuro ninguém vê a sua piscada... rsrs”... portanto, devemos “piscar no claro”, falar dos nossos produtos (e|ou ideias), compartilhar, trocar, aperfeiçoar... enfim... que nossos produtos e ideias se efetivem em função de um mundo melhor.

Mas esta frase, desde que a ouvi, tomou um sentido maior pra mim. E eu pensei sobre ela mais amplamente, na vida. “Piscar no claro” veio a significar assumir meus desejos, transformá-los em projetos, compartilhar, crescer com eles, juntar pessoas a fim de potencializar os mesmos... e, enfim, correr riscos... de dar certo (ou não...) do sucesso (ou não...) como diria Caetano... rsrs

Miguel de Unamuno, filosofo espanhol pré-existencialista, viveu até 1936 e é conhecido principalmente por sua obra O sentimento trágico da vida, onde ele cria o termo “refinado egoísmo”, que quer dizer, numa livre interpretação: no medo do não se fica no não, não se cria a chance do sim... não é isso o que fazemos muito¿ e, ao praticarmos o refinado egoísmo, vamos tornando as nossas vidas mais pobres...

Este assunto tem também a ver com Freud, que dizia em seu melhor livro (eu acho) O mal-estar na civilização (também em livre interpretação): todxs nós somos educadxs para a evitação do sofrimento e não para a busca do prazer. Poucas pessoas, especiais, conseguem fazer uma reviravolta na vida e orientá-la para a busca de prazer. Porém, nesse nosso conceito de busca de prazer, o sofrimento, de jeito nenhum, deixa de fazer parte da vida!!! Só que ele não é mais a referência, portanto, como uma linha numa agulha, o sofrimento entra e sai pelos poros, e se continua a orientação da busca do prazer, sim, na busca do prazer os poros estão abertos... ao contrário, na evitação do sofrimento, fecha-se os poros e não entra também o prazer... a vida fica pela metade...



Não têm, Freud e Miguel, tudo a ver com “piscar no claro” ¿¿¿

Meu depoimento pessoal a respeito: como muitas mulheres da segunda metade do século passado, branca, classe média, fui educada para esses padrões: a esposa e mãe, bela recatada e do lar. E pra cumprir “bem” esses papéis a alienação era necessária, a alienação política, econômica, e principalmente a alienação dos próprios afetos, a alienação histérica, que contribui para a “assimilação perfeita dos papéis”. Mas como, por sorte nossa, nada no humano é perfeito, fui cometendo algumas “piscadas no claro” que me fizeram o que sou hoje: entrar pra faculdade de psicologia talvez tenha sido uma das primeiras delas; disvirginar foi outra, acreditem, naquela época era um ato revolucionário; casar pra sair de casa foi uma “meia piscada no claro”, pouco tempo depois de separei; ai, pelas deusas!!! Casei de novo e cai de quatro na armadilha do “destino de toda mulher”... filhos, dona de casa, alienação... 20 anos... e foi, lá pelos anos 80, a sensibilidade às micro violências diárias sofridas, junto com reflexões e busca de conhecimento, que foi me fazendo ser feminista e, necessariamente, política... primeiro política num sentido amplo (como disse uma amiga, “política a gente faz na cama e no mundo”); depois política no sentido partidário, claro, me identificando com a “esquerda” enquanto “projeto de um mundo melhor”.
E aqui estou... com toda disposição pra luta pelo SIM, embora sabendo do NÃO... disposta aos riscos... às frustações... aos sofrimentos... mas trabalhando com as alegrias, com a construção, com o processo... e para o resultado positivo, que é de mais trabalho, mais construções...

Aí eu me sinto, assim, um tanto quanto tendo construído uma autenticidade, para além do que fui “criada para...”, no sendo da definição de Almodóvar com a personagem Agrado no filme Tudo sobre minha mãe: “autenticidade é quanto mais você se aproxima daquilo que sonhou pra si mesmx”... e me sinto mitida, desse jeito mesmo: MITIDA, não supermitida (arrogante...) nem submetida (submissa ao meu “destino”)... Orgulhosa de mim mesmas e das pessoas que estão comigo nesta caminhada

É isso... convido a todxs para a construção, juntxs,  de um projeto bacana para uma Belo Horizonte melhor, cada um com a sua PISCADA NO CLARO...

Abraços carinhosos...

Santuza TU
Santuza Rodrigues

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