terça-feira, 1 de março de 2016

CONVERSAS SBCences: o machismo nosso de cada dia...

Cenário: reunião  de final de ano, convocada pelo presidente da empresa. Objetivo: analisar realizações do ano de 2015 e propostas para 2016. São 12 Departamentos, dentre eles o Departamento de Relações Humanas, ocupado por uma mulher. Todos os outros departamentos são ocupados por homens.



Ela ainda sente um frio no estômago quando vai participar dessas reuniões, mas respira fundo e diz a ela mesma: tenho competência, estou aqui pela minha experiência de trabalho e conhecimento... e tenho um bom conteúdo a apresentar...  e se empodera... e vai...

E aí começam as exposições: Departamento de Engenharia, Departamento de Obras... e por aí vai... aí chega a sua vez...

E quando ela se levanta para começar a sua fala é interrompida pelo Diretor de Vendas: Fulana, você está linda! acrescentado pelo Diretor de Obras: Está não... Ela é linda!!!

Nesta hora ao friozinho no estômago se acrescenta as pernas bambas, ela coloca a mão na mesa para não cair... quantas vezes ela já teve esse sentimento... de fragilidade, de intimidação... e respirava fundo e continuava o que estava fazendo dizendo a si mesma: Não vou me submeter...

Mas nesse dia ela respirou fundo e se encheu de coragem (se eu me calar, por mais que responda em ações,  estarei sempre favorecendo a continuidade dessa coisa sutil que arrasa com todas nós...) e... em vez de dizer Obrigada... e centrar na sua fala... pediu ao Presidente licença para expressar seus sentimentos. Todos se assustaram, o Presidente disse: Por favor!!! ... e ela:

- Senhores, me permitam,  antes de apresentar meu relatório de 2015, expressar o que sinto e penso neste momento. Gostaria de contar com a empatia possível dos senhores nesta hora, todos convivem com mulheres (mães, irmãs, namoradas, esposas, filhas) e todos também sabem que vivemos numa sociedade ainda bastante machista, que se manifesta das formas mais sutis, nos detalhes.
Primeiro, imaginem se já não é um tanto intimidador eu aqui rodeada por homens, única mulher. Pensem na situação contrária.
Pois é, temos que fazer um esforço para isso, somos minoria. Então... ser chamada de linda me envaidece, claro, quem não gosta? imagino que os homens também gostem disso, não? sim, nós mulheres temos muito mais dificuldade em expressar tal elogio aos homens, trata-se de uma aprendizagem cultural, conseguem perceber isso?
Então, voltando à questão de recebermos o elogio... trata-se de um elogio... porém, o mesmo, que seria  super bem recebido num outro contexto, aqui só nos causa constrangimento, irritação, raiva... que a maioria das vezes não podemos nem manifestar... a possibilidade de manifestação de tal irritação vem acompanhada de medo de ser interpretada de maneira invertida, ou seja, você está maluca, só estamos fazendo um elogio, você é tratada igualmente!!!
Ora, sabemos que isso não é verdade na prática. Nosso salários são os mesmos por funções idênticas???
Outra coisa bastante obvia no meu entendimento é que entre iguais a pessoa ofendida que se manifesta merece a atenção de reconhecimento dos outros pelos seus sentimentos, merece ser considerada nos seus afetos... e não o contrário, ou seja, ela não merece ser ridicularizada pelo que sentiu...
Para concluir, o que é um elogio num contexto, em outro pode ser para nos intimidar, constranger, submeter... a assim que nos sentimos... com a convicção e esperança de que refletirão sobre o que acabo de dizer, passo agora à apresentação do nosso relatório.
Temos muito a aprender sobre isso. Encontrei um site que traz uma explicação sobre
quatro tipos de "machismos invisíveis"... para nos ajudar a combatê-los no nosso
dia-a-dia:

manterruptingbropriating, mansplaining egaslighting.

São comportamentos batizados em inglês sem tradução oficial.  Precisamos pensar
nas versões em português...

frase-manterrupting
A palavra é uma junção de man (homem) e interrupting (e interrupção) Em tradução livre, manterrupting significa “homens que interrompem”. .Este é um comportamento muito comum em reuniões de trabalho e reuniões sociais... quando uma mulher não consegue concluir sua frase porque é constantemente interrompida pelos homens ao redor (colegas, chefe, marido, namorado, amigo, filhos...).

Isso ocorre de forma sutil, não é mesmo? Reunião da síndica com a comissão de obras do prédio (4 mulheres e um homem)... e a síndica: eu gostaria de mostrar a vocês a conveniência de fazermos um corrimão em tal material... interrompida bruscamente pelo único homem: mas é porque a Fulana, que é inexperiente em obras... o material melhor é outro... e vai discorrendo sobre essa tal material... e nenhuma das outras mulheres fala sobre isso, nem se sabe se elas perceberam...

E de repente nos vemos amuadas, caladas, chateadas, reprimidas, roubadas...

Denuncie!!! não deixe isso acontecer!!!

frase-bropriating-1500
O termo é uma junção de bro (curto para brother, irmão, mano) e appropriating (apropriação)
e se refere a quando um homem se apropria da ideia de uma mulher e leva o crédito por ela em reuniões. Quando colocamos uma ideia, muitas vezes não somos ouvidas. E então, um homem assume a palavra, repete exatamente o que você disse e é aplaudido por isso. Quem já não se viu nesta situação?
Então, uma tentativa de entendimento desse evento: "somos criadas (ainda...) como delicadas, suaves e gentis, jamais como assertivas, enfáticas (quem tem filhos ou netos crianças sabe bem disso quanto entram numa loja de brinquedos... ). Quando nos impomos somos vistas como masculinizadas. Não há dúvidas de que isso atrapalha nossa vida profissional.

O convite: vamos nos manifestar!!! Sejamos conscientes de nossos lugares e de nossa importância na sala de reuniões (e no mundo).
O bropriating ajuda a explicar porque existem tão poucas mulheres nas lideranças das empresas. Além das supostas desvantagens mercadológicas e o preconceito de gênero,
ainda servimos de plataforma para o crescimento de colegas homens, pelo simples fato de sermos menos ouvidas e levadas a sério.

Sejamos as donas das nossas ideias!!! Temos que lutar por isto!!!

frase-mansplaining


O termo é uma junção de man (homem) e explaining (explicar). É quando um homem
dedica seu tempo para explicar a uma mulher como o mundo é redondo, o céu é azul,
e 2+2=4. E fala didaticamente como se ela não fosse capaz de compreender, afinal é
mulher.

Mas o mansplaining também pode servir para um cara explicar como você está
errada a respeito de algo sobre o qual você de fato está certa, ou apresentar ‘fatos’ variados
e incorretos sobre algo que você conhece muito melhor que ele, só para
demonstrar conhecimento. Acontece muito em conversa sobre feminismo!

“Não há nada que uma mulher goste mais do que ouvir o quanto ela é bonita.” (sim...
mas depende da hora, do contexto e da intenção - que muitas vezes o homem nem
percebe!!!)

“Se ela não gosta de cantadas, ela que não saia na rua.” (ow... mesmo!!!)

“E por que as mulheres simplesmente não respondem pros caras, já que elas não
gostam? (já imaginou a dificuldade dessa resposta? mas... SIM!!! é isso que precisamos
fazer!!!)


A verdadeira intenção do mansplaining é desmerecer o conhecimento de uma mulher. É
tirar dela a confiança, autoridade e o respeito sobre o que ela está falando. É tratá-la
como inferior e menos capaz intelectualmente. Talvez você não tenha percebido isso de
forma tão explícita no seu cotidiano, mas com certeza agora irá prestar atenção na
maneira como seu chefe ou seu marido falam com você, com os elogios desnecessários
ou idiotas que você recebe, nas mensagens bobas de parabéns pelo dia das mulheres.


Atenção!!! O mundo está lotado de mansplaining!!!

O caso do aluno de ensino médio dizendo à professora que ela estava errada numa carta
aos alunos... quando ela escreveu "axs mesmxs" no tratamento de gênero para se referir
a homens e mulheres, como agora neste exemplo... é risível!!! algumas vezes o riso faz a
gente liberar energias negativas e enfrentar melhor esse tipo de coisa...

Outras vezes não existe riso possível: o caso do marido, num domingo pela manhã,
foi procurar queijo na geladeira e não encontrou... e, irritado: "ela não presta prá nada..."
na presença do filho de 5 anos... ela ouviu do quarto... e foi o princípio da separação...

E o caso do homem, médico, mulher formada em psicologia, nunca trabalhou...rsrs... sempre
administrou o consultório do marido, além dos empreendimentos do mesmo... família reunida
e ele sai para o plantão: "alguém tem que trabalhar nesta casa"... risos... foi uma brincadeira,
claro!!! e ela suporta isso por 30 anos...


frase-gaslighting
Gaslighting é a violência emocional por meio de manipulação psicológica, que leva a mulher e todos ao seu redor acharem que ela enlouqueceu ou que é incapaz. É uma forma de fazer a mulher duvidar de seu senso de realidade, de suas próprias memórias, percepção, raciocínio e sanidade. 

No dia a dia, aposto que vocês já ouviram alguma vez – ou várias:
“Você está exagerando”
“Nossa, você é sensível demais”
“Para de surtar!”
“Você está delirando”
“Cadê seu senso de humor?”
“Não aceita nem uma brincadeira?”
E o mais clássico: “você está louca”.
O termo gaslighting (gaslight: à meia luz) surgiu por causa de um filme com esse nome, de 1944, em que um homem descobre que pode tomar a fortuna de sua mulher se ela for internada como doente mental. Por isso, ele começa a desenvolver uma série de artimanhas – como piscar a luz de casa, por exemplo – para que ela acredite que enlouqueceu.
Uma curiosidade sobre o filme: Para interpretar Paula Alquist, a mulher do filme, Ingrid Bergman, que recebeu o Oscar de melhor atriz, passou algum tempo numa instituição mental estudando uma mulher que tinha sofrido um colapso nervoso.
Ingrid Bergman em cena de Gaslight
gaslighting vem a ser uma forma de manipulação que desencadeia um total esvaziamento da autonomia da vítima. Uma ferramenta presente em muitos relacionamentos, que levam as mulheres a abrir mão de suas escolhas, de suas opiniões e até de cuidar da sua própria vida. É desempoderamento, opressão e controle. E isso ainda ocorre muitíssimo... disfarçado de "proteção" que na nossa cultura ainda se chama de AMOR!!!

Sim!!! todxs nós precisamos ser protegidxs... porém, quando eu precisar eu peço ok? quando
o homem protege a mulher "por amor", acreditando que ela "precisa" de proteção, sem ao menos perguntar à mesma, a este tipo de "amor" corresponde subestima, não acreditar que ela seja capaz.


Saber que estes problemas existem já é parte importante da solução. Estarmxs atentxs a cenas cotidianas semelhantes às descritas aqui e denunciá-las e transformá-las pouco a pouco farão nossas vidas muitíssimo melhores...
Saudações SBCenses.
TU Santuza





 

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