terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O amor romântico e as relações de amizade


O que tem a ver o amor romântico com as relações de amizade? Muitíssimo! Leiam de novo nosso artigo sobre o amor romântico postado em 8/julho/2014. Muita gente acha que essas ideias românticas somente ocorrem nas relações a dois (homem\mulher, mulher\mulher, homem\homem... verdade! relações homo afetivas reproduzem o amor romântico também, as vezes de formas mais cruéis!)... mas não são somente nessas relações que o "amor romântico" é reproduzido, ou seja, aquelas ideias de fidelidade, obediência, submissão que fazem reproduzir a crueldade da assimetria, da "vassalagem" (senhor\escravo) na relação... em todos os níveis de relação essas ideias são reproduzidas, nos conduzindo a um sofrimento desnecessário e à má qualidade relacional (e de vida). E, a pedidos, estamos aqui para explorar as ideias românticas reproduzidas nas relações de amizade e, melhor, aprender um pouco mais sobre melhores encontros nesse nível de relação.

Então, quem ainda não sofreu com "traição" de amigxs? quem não se decepcionou com uma grande amizade? sabe aquela ideia de "amigxs para sempre", "amigxs de infância"? Tudo isso faz parte da mesma idealização romântica da relação intima. Ora, pessoas são pra gente crescer e vice versa! não prá gente ficar prá sempre, prá sempre elas fazem parte da nossa vida como boas memórias, como crescimento... gostei de uma pessoa me dizendo: "... aprendi que de toda relação a gente deve se perguntar: o que cresço\cresci com tal pessoa? o que realizo\realizei com (ou através) dela? que sentido ela tem prá mim, como a incluo na minha vida?" aí a vida fica muito bacana, e levamos essa pessoa "para sempre" em nossas vidas, mesmo ela não esteja mais concretamente, mesmo que você responda a alguma dessas perguntas com uma pessoa que você tenha passado um tempo bastante pequeno.

Outra pessoa me disse do sofrimento enorme quando romanticamente esperava "a presença fiel" de "amigx de infância" e x amigx faltou, não pode, não quis, enfim, não estava presente quando elx mais precisava... e da rica experiência de, pouco depois desse acontecimento, foi com uma pessoa que tinha conhecido naquela noite que elx compartilhou experiências, encontrou um "ombro", empatia e carinho... e, claro, ficaram amigxs "a distância" pois elx já ia embora daquela cidade no outro dia... prá isso serve a tecnologia, para aproximar as pessoas. E elx aprendeu o tanto de auto referencia que existe nessa expectativa em relação ao outro, e o tanto de autoritarismo embutido nesse ideal romântico, como é terrível para as relações "querer que o outro seja do jeito que EU quero...". Ao contrário, permitir que o outro SEJA amplia a minha liberdade de SER.

Enamoramento e Amor
Pois é, entre inúmeras coisa o SBC existe para "aprendermos com a diferença", eu digo que o SBC surgiu prá mim numa época em que eu precisava muito redefinir meus valores nos vários níveis de relação, assim como precisava muito de amigxs... de todos os tipos... e é nisso que o SBC me atende e me acrescenta muitíssimo.


Tem um filósofo italiano, Francesco Alberoni, ele escreveu uma trilogia: Enamoramento e amor, A amizade e O erotismo... todos ótimos, reveladores. O enamoramento, segundo Alberoni, vem a ser um rápido processo de desestruturação-reestruturação chamado estado nascente. É, por definição, transitório. Nele, no estado nascente, procuramos  dar e receber "provas de amor" e é aí que mora o perigo: o ponto de não retorno que, se ultrapassado (e, por estarmos apaixonados, ultrapassamos e damos a "prova de amor" que, sempre, significa a própria submissão ao outro), em vez de caminhar para a construção do amor, caminha para a petrificação, que tragicamente aprendemos a chamar de amor (a submissão "romântica" ao outro). Porque outro amor (o amor entre sujeitos), não ultrapassa o ponto de não retorno,  seria o que sempre está por ser construído e se construindo. Então, do enamoramento podemos "caminhar" para três possibilidades: o "desenamoramento" (que não ocorre ao mesmo tempo com as duas pessoas, então um dos dois sofre... mas passa e a pessoa fica livre para outros enamoramentos, para a vida); a petrificação, que é o que a gente chama de amor, o "modelo pronto" namorar, casar.... e o amor, essa "nova forma de amor", ... e aí, o que faremos com o que estamos sentindo um pelo outro, como queremos construir isso?

Já na amizade, ele reflete sobre uma característica fundamental nesse nível de relação: já repararam como um amigx some, muda, desaparece e, tempos depois, reaparece, e é como se tivéssemos nos encontrado ontem! Não há cobrança, já começamos a conversar sobre a vida, a trocar e a crescermos um com x outrx. No "amor" isso não é possível, já começam as cobranças, os ressentimentos. Isso no amor romântico da amizade e/ou nas relações íntimas... É trágico, mas essa concepção é enraizada... e provoca muita tristeza, muita infelicidade... precisamos rever essa concepção, e trata-se de uma revisão que dá trabalho, mas valerá a pena...
 
 
Mas, voltando a nossa pergunta, o que tem a ver o amor romântico com as relações de amizade? Outra pessoa que nos responde sabiamente:  Valentin Louis Georges Eugene Marcel Proust, mais um ilustríssimo SBCense. foi um escritor francês, mais conhecido pela sua obra À la recherche du temps perdu(Em Busca do Tempo Perdido), que foi publicada em sete partes entre 1913 e 1927.  Longe de ser um livro de memórias, trata-se de uma história cheia de idéias práticas e universalmente aplicáveis sobre como parar de desperdiçar a vida e começar a apreciá-la.

 
Proust nasceu numa família em que era levada muito a sério a arte de fazer as pessoas se sentirem melhor. Seu pai era médico e publicou livros sobre cuidados com a saúde para adolescentes (dor nas costas, postura, exercícios, etc), entre outros.

Proust argumentava que são os livros, e não as vidas, que interessam. As obras não apresentam nenhum defeito de seus criadores. A vida de Prost decerto se presta a um julgamento dessa tese. Os problemas psicológicos do escritor eram suficientemente exaustivos: o problema de uma mãe judia (‘é triste não poder ter ao mesmo tempo saúde e afeto’); desejos estranhos (ninguém pode dizer de imediato se ele é um invertido, um poeta, um esnobe ou um canalha); pessimismo romântico (‘aqueles que amam e os que são felizes não são os mesmos, o amor é uma doença incurável’); a falta de uma carreira no teatro; a incompreensão dos amigos; aflições físicas (asma, digestão, pele sensível, tosse, frio, sensibilidade à altitude, barulho dos vizinhos, etc) – sua hipocondria aumentou sua sensibilidade, diferente da do irmão, médico como o pai, um touro.

Uma pessoa na atualidade escreveu lindamente sobre Proust. trata-se de Alain de Botton, filósofo francês que, em seu livro "Como Prost pode mudar sua vida" faz uma síntese das "lições" daquele grande escritor. A seguir algumas deles, com ênfase naquela sobre amizade: 
Capa
 
COMO AMAR A VIDA HOJE - O que você faria se fosse anunciado o fim do mundo? Na vida normal a negligência supera o desejo. E, no entanto, a verdade é que não precisamos do cataclisma para amar a vida hoje. Deveria ser suficiente pensarmos que somos humanos, e que a morte pode chegar nesta tarde.

 COMO APROVEITAR SEU TEMPO - Este poderia ser um slogan proustiano: “N’allez pas trop vite”. E uma vantagem de não ter muita pressa é que o mundo tem uma oportunidade de se tornar mais interessante no processo. A lição? Prender-se à performance, ler o jornal como se fosse apenas uma sugestão para um romance trágico ou cômico e gastar trinta páginas para descrever o processo de adormecer, se for necessário.

 COMO SOFRER COM SUCESSO - O personagem Elstir, o pintor, expõe ao narrador de Em busca do tempo perdido: “Afinal, ninguém pode nos ensinar sabedoria, nós temos que descobri-la por nós mesmos, numa viagem que devemos fazer necessariamente desacompanhados, num esforço que ninguém pode fazer por nós”.

Embora, tradicionalmente, os filósofos tenham de preocupado com a busca da felicidade, uma sabedoria muito maior parece estar na busca de caminhos para ser infeliz de uma maneira produtiva e adequada. A recorrência teimosa da desventura significa que o desenvolvimento de uma abordagem prática dessa condição deve com certeza superar o valor de qualquer procura utópica pela felicidade. Proust, um veterano ator, sabia disso: “toda a arte de viver reside em tirar proveito dos indivíduos pelos quais sofremos”.

 Em que consistiria tal arte de viver? Para um proustiano a tarefa é alcançar uma compreensão maior da realidade. “No momento em que a dor se transforma em ideias, ela perde parte de seu poder de ferir nossos corações”. O romance de Proust está repleto do que podemos chamar de maus sofredores, que sofrem com algum tipo de complexo de inferioridade intelectual ou social – mas que não aprenderam nada com esses males. Pelo contrário: reagiram criando diversos e desastrosos mecanismos de defesa que acarretam arrogância e desilusão, crueldade e dureza, rancor e raiva.

O importante, portanto: reconhecer que nossa maior chance de felicidade está em aceitar a sabedoria que nos é oferecida sob uma forma disfarçada, por meio de nossas tosses, alergias, gafes sociais e desilusões amorosas, e evitar a ingratidão daqueles que culpam as ervilhas, os chatos, o tempo e o clima.

COMO EXPRESSAR SUAS EMOÇÕES - O que mais incomodava Prost era o uso indiscriminado de clichês.  Nós sentimos algo e nos agarramos à primeira frase ou murmúrio com que podemos nos expressar, mas que fracassa e não faz justiça àquilo que experimentamos. Nós ouvimos a Nona sinfonia de Beethoven e murmuramos “pum-pum-pum”, vemos as pirâmides de Gizé e dizemos: "Elas são lindas". Estes sons deveriam dar conta da nossa experiência, mas a sua pobreza nos impede, e aos nossos interlocutores, de compreender de fato aquilo que vivemos. Ficamos do lado de fora das nossas impressões, como se as olhássemos através de uma janela embaçada: o que vemos está apenas superficialmente relacionado a elas, e muito distante de uma definição satisfatória.

Agora sim: COMO SER UM BOM AMIGO - “nenhuma amizade suporta uma dose exagerada de franqueza” (não é dele a frase, mas tem tudo a ver com suas ideias.

 Proust tinha um grande círculo de amizades, que o descreviam como um modelo de companheirismo, a encarnação de todas as virtudes da amizade: que ele era gentil, generoso, gostava de dar altas gorjetas, não era excêntrico, não falava apenas de si mesmo; era curioso; não esquecia o que era importante, era modesto, um grande prosador, entre outras qualidades. Enquanto isso é surpreendente notar que o mesmo sustentava opiniões extremamente cáusticas sobre a amizade. Apesar das conversas brilhantes e dos jantares, ele acreditava: que poderia se tornar amigo de um sofá; que conversar era uma atitude fútil;  que a amizade é um esforço tolo; e que, no fim das contas, a amizade não é mais que “... uma mentira que nos faz acreditar que não estamos irremediavelmente sós.”

Um amigo disse: criamos para nosso uso o verbo proustificar, para expressar uma atitude um tanto consciente demais de genialidade, ao lado daquilo que vulgarmente poderia ser chamado de uma interminável e deliciosa afetação. Proust parecia um extraordinário hipócrita. Sua prioridade absoluta em qualquer encontro era assegurar-se de que gostariam dele, se lembrariam dele e pensariam nele mais tarde.

Como devemos reagir ao grau de insinceridade aparente necessária em toda amizade? Como devemos reagir aos dois projetos  em geral conflitantes conduzidos sob um único guarda-chuva da amizade, o projeto de assegurar afeto e o projeto de nos expressarmos com honestidade?  Proust vivia esse dilema até o limite, daí resultando sua abordagem original da amizade. Isso significou adotar um conceito muito mais estreito das funções da amizade: ela servia para trocar gentilezas, mas não para dizer a um amigo que ele era chato ou para outro que ele era incapaz de escrever uma poesia. Pode-se imaginar que isso fez de Proust um amigo muito inferior, mas paradoxalmente essa separação radical tinha o poder de torná-lo um amigo ainda melhor, mais leal, mais encantador, e também um pensador mais honesto, profundo e nada sentimental.

Enfim, a mim Proust ensina: Ai, quanto sofrimento desnecessário vivemos em função de idealizações... e por não sabermos rir de nós mesmxs e prá nós mesmxs e prá vida. O riso (o humor) desoxida talentos, quebra padrões e abre a cabeça (e a alma). E Proust, me parece, tinha um humor finíssimo.

 E, entre outras lições de Proust, esta a seguir considero riquíssima:

COMO DEIXAR OS LIVROS DE LADO - é preciso considerar sempre, tanto os benefícios quanto as limitações da leitura:
Os benefícios: todos os livros podem fazer pelos seus leitores: trazer de volta à vida, separando-os da morte causada pelo hábito e pela desatenção;
As limitações: Nós deveríamos ler os livros de outros autores para aprendermos o que NÓS sentimos, isto é, são os nossos próprios pensamentos que devemos desenvolver, mesmo que com a ajuda dos pensamentos de um outro escritor. 

Uma das grandes e maravilhosas características dos bons livros (que nos permite enxergar o papel, tanto essencial quanto limitado, que a leitura pode desempenhar em nossa vida) é que para o autor eles poderiam se chamar Conclusões, mas para o leitor seriam Estímulos. Nós sentimos muito fortemente que nossa própria sabedoria começa onde a do autor nos abandona, e gostaríamos que ele nos fornecesse respostas, quando tudo o que pode nos oferecer são desejos.

 Proust identificou uma variedade de sintomas no leitor hiper reverente e hiper confiante:
  • confundir escritores com oráculos
  • sentir-se incapaz de escrever após ter lido um bom livro
  • tornar-se um idólatra artístico (supervalorizar o escritor  e se subestimar)
  • cair na tentação de escrever uma cópia de La cuisine retrouvée: a beleza de um quadro não depende das coisas nele retratadas; uma receita seguida não é o autor da receita quem fez e sim a pessoa que pôs na mistura dos ingredientes o seu espírito.
  • olharmos para o NOSSO próprio mundo com os olhos DELE (o escritor); e não olhar para o mundo DELE com os NOSSOS olhos.

 A moral? Transformar a leitura numa disciplina é atribuir um papel grande demais a algo que é apenas um estímulo. A leitura está no limiar da vida espiritual; ela pode nos apresentar a esta vida, mas não a constitui.

Até mesmo os melhores livros precisam ser deixados de lado. Pois nós é que somos os sujeitos do conhecimento.

Abraços SBCenses a todxs xs amigxs...

SantuzaTU

 

 

 

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