Eu sou queer, você é
queer, somos queer, o SBC é queer... todo mundo deveria ser queer, o mundo
seria muito mais bonito.
Vou explicar, ou
melhor, compartilhar com vocês minhas pesquisas e reflexões sobre o assunto.
Há mais ou menos um
mês fui convidada para um debate sobre a questão do gênero. Fui. Minha
expectativa era ouvir mais uma vez sobre o gênero feminino, nossas conquistas e
nossas dificuldades ainda nesta época, como por exemplo essa lei absurda sobre
o nascituro, que, na nossa opinião, transforma a mulher num mero depósito de
feto, uma lei que nos tira qualquer direito a escolher, que obriga a mulher
estuprada a gestar e parir um filho, que retrocesso meu deus!... ai, tira deus
disso, isso é dos seres humanos, o que se faz em nome dele, atrocidades,
injustiças...
Voltando ao debate,
cada um tinha 15 minutos para falar, e aí a primeira era a que ia falar sobre a
questão da mulher, não falou nem cinco minutos, não ocupou o espaço pertinente.
Pena... não, meu sentimento foi de indignação... continuando vocês vão saber
porque... outras pessoas ocuparam o espaço e colocaram muito bem a questão de
gênero... nem masculino, nem feminino, LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e
travestis). Enquanto isso eu pensando numa idéia de uma feminista francesa, não
me lembro o nome, que dizia, talvez final do século passado ou início deste,
que nós, mulheres, no que diz respeito à luta feminina para ocupar espaços dignos
nesse mundo, estamos mais atrasadas do que os deficientes que, em vez de
tentarem construir outro mundo, estão reivindicando (e conseguindo) espaços
neste mundo, como rampas, melhores acessos, e por aí vai.
E, numa certa altura
do debate, uma pessoa diz esta palavra: queer... o que será isso? Nunca tinha
ouvido!!! Perguntei às minha amigas super politizadas, elas também não sabiam. Ignorar
não pecado, ficar na ignorância por vergonha de perguntar é pecado. Perguntar é
sabedoria... eu não sabia o que é nascituro! Não é uma palavra usual... todo
SBCense sabe?
O que fiz, então...
Comecei uma pesquisa. Ai, que bom o Google, todas as informações, a formação
(de opinião) é de responsabilidade (e trabalho, reflexão) nossa. Digitei
Queer... aí só aparece um seriado inglês da década de 90 que depois foi copiado
pelos EUA, o inglês é muito melhor... recomendo... trata-se de seriado sobre a
cultura LGBT, sobre as dificuldades e gostosuras em ser anômalo, esta é a tradução de queer. Anômalo quer dizer diferente, que foge as
regras normais. Que apresenta anomalia, irregular, anormal, disforme. Sinônimos: anormal, diferente,
abnormal, aberrativo, irregular, abnorme, extravagante, aberrante, aberratório. Antônimos: normal, regular. Affff, nem
quero ser normal, regular, é chato, sem graça, quando não é pouco saudável, “não
é sinal de saúde estar ajustado a uma sociedade profundamente doente” como diz
Krishnamurti.
Mas não fiquei
satisfeita com a pesquisa. Então me lembrei que alguém disse no debate ...
teoria queer, aí fui no Google de novo e digitei “teoria queer” ... aí foi o
céu... encontrei o que procurava.
A seguir a “sequência
da minha pesquisa”, já respondendo às minhas perplexidades e interrogações.Façam também as suas e mandem pro nosso blog, tá?
Foi na década de 1960
que a sociologia e a antropologia passaram a explorar a sexualidade sob uma perspectiva
que colocava em xeque a moral vigente. Margaret Mead publicou o célebre ensaio
Sex and Temperament in Three Primitive Societies (título em inglês, pode ser
traduzido como Sexo e temperamento em três sociedades primitivas), nas quais a
divisão sexual do trabalho e as estruturas de parentesco eram analisadas para
explicar os diferentes papéis do gênero nas etnias arapesh, mundugumor e
tchambouli. Pasmem, Margaret Mead era minha leitura da época de faculdade, eu
entendia pouco mas lia, e ficou um pouco no subconsciente, talvez, prá servir
de base na minha formação (ou tomada de consciência). Este estudo proporcionou importante material
empírico para questionar a rígida diferenciação entre personagens
"femininos" e "masculinos", documentando culturas em que
homens e mulheres dividiam entre si práticas consideradas exclusivamente
masculinas no Ocidente (como a guerra) ou outras em que a distribuição das
tarefas domésticas eram exatamente opostas às ocidentais. As suas descrições
dos varões tchambouli, excluídos das tarefas práticas e administrativas e a
quem eram reservados os costumes da maquiagem e do embelezamento pessoal, foram
recebidos com escândalo pela sociedade da época, da mesma forma que a
desmistificação da pureza feminina através do estudo das práticas sexuais
infantis e adolescentes dos arapesh.
Viram esse
“resumo”!!! e, acreditem, ela foi uma das inspiradoras do movimento feminista,
assim como também uma base para a teoria queer. Oficialmente queer theory (em inglês),
é uma teoria sobre o gênero que afirma que a orientação sexual e a identidade
sexual ou de gênero dos indivíduos são o resultado de um constructo social e
que, portanto, não existem papéis sexuais essencial ou biologicamente inscritos
na natureza humana, antes formas socialmente variáveis de desempenhar um ou
vários papéis sexuais. Durante muito tempo, queer funcionou como xingamento
para sujeitos homossexuais. Entretanto, num movimento de pegar as armas do
inimigo para atacá-lo, o movimento gay e lésbico assumiu esta palavra para se
definir ainda como esquisito, estranho, excêntrico, mas, principalmente, para
representar “a diferença que não quer ser assimilada ou tolerada”. A firme
determinação de perturbar e transgredir está no cerne da política queer, surgida
na década de 90 do século passado, meio que apropriando do movimento já
realizado desde anos 60 pelas mulheres.
A ação subversiva e a
transgressão das fronteiras de gênero e de sexualidade são alguns dos
principais elementos que permeiam a Teoria Queer. No artigo Uma política
pós-identitária para a Educação, Guacira Lopes Louro apresenta os pontos
centrais dessa teoria, estabelecendo conexões com a Educação, seu campo de
atuação. Por meio de breve historicização da homossexualidade, do sujeito
homossexual e dos movimentos sociais voltados para os interesses desses grupos,
a autora narra o processo de construção das políticas de identidade e nos
conduz aos fundamentos da Teoria Queer. A teoria queer recusa a classificação
dos indivíduos em categorias universais como "homossexual",
"heterossexual", "homem" ou "mulher", sustentando
que estas escondem um número enorme de variações culturais, nenhuma das quais
seria mais "fundamental" ou "natural" que as outras. Contra
o conceito clássico de gênero, que distinguia o "heterossexual"
socialmente aceito (em inglês straight) do "anômalo" (queer), a
teoria queer afirma que todas as identidades sociais são igualmente anômalas.
Outros autores são
importantes para a fundamentação da teoria queer. Mas a grande influência neste
campo foi a monumental História da Sexualidade, que Michel Foucault deixou
inacabada quando morreu (em 1984, aos 57 anos, de AIDS), na qual se tratam
criticamente hipóteses muito extensas sobre os impulsos sexuais, como a
distinção entre a suposta liberdade concedida ao desejo no estado natural e a
opressão sexual exercida nas civilizações avançadas. Eu conhecia Foucault pela
História da Loucura (“A psicologia nunca poderá dizer a verdade sobre a
loucura, pois é a loucura que detém a verdade da psicologia”, “De homem a homem
verdadeiro, o caminho passa pelo homem louco”), mas dá prá entender como todo
seu pensamento passa pelo entendimento de como somos “formados” (ou
“deformados”), e como podemos (devemos...) ser sujeitos (de nós mesmos e de um
mundo mais bonito).
Quando ele fala sobre
educação... (“Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de
modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles
trazem consigo”); do nosso olhar sobre as relações de poder, sobre a
história... “é preciso cavar para mostrar como as coisas foram historicamente
contingentes, por tal ou qual razão inteligíveis, mas não necessárias. É
preciso fazer aparecer o inteligível sob o fundo da vacuidade e negar uma
necessidade; e pensar o que existe está longe de preencher todos os espaços possíveis.
Fazer um verdadeiro desafio inevitável da questão: o que se pode jogar e como
inventar um jogo?”..."Não há relação de poder sem constituição correlativa
de um campo de conhecimento, ou que não pressupõe e constitui, ao mesmo tempo
relações de poder … Estes relatórios de "poder-saber" não estão a ser
analisados a partir de um conhecimento sobre o que seria livre ou não do
sistema de poder, mas em vez disso, devemos considerar que o sujeito sabe, os
objetos são como os efeitos dessas implicações fundamentais do poder-saber…
"; E sobre nós mesmos... “Precisamos
resolver nossos monstros secretos, nossas feridas clandestinas, nossa
insanidade oculta. Não podemos nunca esquecer que os sonhos, a motivação, o
desejo de ser livre nos ajudam a superar esses monstros, vencê-los e
utilizá-los como servos da nossa inteligência. Não tenha medo da dor, tenha
medo de não enfrentá-la, criticá-la, usá-la”. ..."Existem momentos na vida
onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e
perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou
a refletir."
E agora, entenderam
profundamente que "ser diferente é o que nos torna todos iguais." Que
diferente não é desigual, a diferença não pode ser patologizada, mesmo porque é
a diversidade que é a nossa riqueza, de sermos humanos. Então, não existe uma
forma “normal” de ser, de relacionar, que se contraponha a outras consideradas
anormais, e nem as consideradas “anormais” poderiam ser inadequadas ou
prejudiciais, como sugerem os moralistas de plantão... é queer a pessoa (homem,
mulher, homo,...) que grita contra qualquer forma de submissão a todo modelo
pronto, nos vários níveis de relação (íntimo, pessoal, social, público). Afinal, ... “porque há o direito ao
grito, então eu grito”, como diz nossa SBCense famosa C. Lispector; é queer toda pessoa que deseja ,
e trabalha, para ser cada vez um pouco
mais livre para, apenas, ser... é queer a pessoa que é capaz de se ver
repetindo modelos prontos, que já não servem para a vida, e consegue rir de si
mesma e, rindo, se libera para retomar seu rumo, pois o riso é libertador... é
queer o homem que se permite chorar... é queer a mulher que se permite ter
prazer... é queer a amizade, os bons encontros... é queer a luta pelo
empoderamento.
E, por fim, amar é
super queer!!!
Beijos e queijos...
SantuzaTU
Quando acabei de ler, dois ou três dias atrás, esse trabalho da Tu, na emoção de ver a beleza do conteúdo, fiz um longo comentário. A porr* do blog me fez o favor de, além de não publicar, sumir com o texto. Agora vou tentar de novo mas certamente não será como aquele encontrado no impacto de ver pela primeira vez.
ResponderExcluirAinda me lembro da prazerosa sensação de perceber como é bom ter uma amiga como a Tu, que ao encontrar um tema que é importante para todos, deu-se ao trabalho (e acho que muitas horas dele) de buscar aprofundamento, conferir informações e por fim tentar compilar esse novo conhecimento e nos presentear com o excelente texto que produziu. Valeu querida!
O título descoberto entre lembranças foi esclarecedor, é a essência do ser, somos todos "muitas", tem hora que medrosos tem hora que os mais destemidos. Tem hora que quase assexuado, tem hora que um vulcão. Tem hora depressivos, tem hora explosões contínuas de amor. Todos convivendo mais ou menos harmonicamente, todos eles convivendo com nossos amigos, que vão se afeiçoando mais a uns menos a outros. O que não podemos ser é ninguém. O que não podemos ser é o outro. O que não podemos ser é mera peça reproduzindo determinações alheias à nossa vontade. Se somos aquilo que nos determinam, na verdade não somos, ser é fazer, criar, acontecer como algo livre autodeterminado. Qualquer coisa diferente de espalhar pelo mundo nossos vários eus, é uma espécie de morte antecipada. É agonizar sem viver. Quando cada um de nós nasce e o seu anjo torto lhe fala, não é sem muita razão "vamos gente, ser queer na vida" ou seja, "viver e não ter a vergonha de ser feliz"
Obrigado Tu, gosto de quase todas você.
Loh
obrigada LOH, tb adoro todos vocês (ou quase rsrs) seu comentário dá outro texto, vou aproveitar rsrsrs. beijos, beijos
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