O amor é espera... ou estraga tudo? Pergunta do filme. Não é pra responder, pode ser pra 'permanecer com a pergunta', pode ser às vezes espera e às vezes 'estraga tudo'...
Até o meio do filme, capitulo V talvez, a gente vai entendendo as personagens e a ligação entre elas. Do meio em diante a gente só chora, emoção a flor da pele, identificações com todas e com cada uma delas. Talvez nesse capítulo, a cena do Camilo fazendo com uma caneta num papel um círculo duas, três, quatro, cinco vezes, então a mosca - ou formiga, não sei bem - ali dentro do círculo roda, roda mas não consegue sair daqueles círculos - apenas com uma caneta! - essa cena que me fez desabar... e dali em diante "apenas senti" todas as personagens, me vi em cada uma delas...
O filme: O FILHO DE MIL HOMENS, nos cinemas e na NETFLIX, uma adaptação do livro de 2011 de Valter Hugo Mãe, nome artístico do escritor, poeta, artista plástico, apresentador de TV e cantor português.
Sinopse: Combinando realismo mágico e drama, a trama conta a história do pescador Crisóstomo, um homem simples e solitário que, aos 40 anos, se sente vazio pela ausência de um filho que nunca teve. Em busca de preencher essa lacuna, seu caminho cruza com o de Camilo, um adolescente órfão, que ele decide adotar e construir uma família atípica. Incentivado pelo garoto, Crisóstomo procura uma companheira e se aproxima de Isaura, uma mulher desonrada que vive um casamento falido com Antonino, um homem extremamente fragilizado.
Dirigido por Daniel Rezende, cineasta, montador e diretor brasileiro que ganhou destaque em 2002 quando montou o aclamado filme Cidade de Deus. Ele conta sobre a construção "da palavra e do silêncio" no filme, pois no livro o Crisóstomo "fala muito", já no filme só as imagens - e a belíssima interpretação do Rodrigo Santoro - falam por si só.
Além do Rodrigo Santoro, maravilhosa atuação de Johnny Massaro:
Juliana Caldas:
Miguel Martines, o Camilo:
e muitos(as) outros(as)... E Zezé Motta é a narradora!
Carol Tilkian, psicanalista, pesquisadora de amor e relações humanas, diz: "Ele - o filme - não fala apenas sobre
paternidade, filiação ou encontro; fala sobre o gesto humano de tentar costurar
sentido onde a vida deixou espaços abertos. Fala sobre como cada vínculo é uma
aposta diante do impossível de garantir: amar alguém sem possuir, acolher
alguém sem preencher totalmente, criar um laço sem apagar as próprias feridas.
O filho de mil homens nos lembra que ser família não é ter origem, é construir
destino. E que, diante do desamparo que nos acompanha desde o início,
encontramos no outro não uma cura, mas um espelho que nos permite existir de
forma mais inteira. Um convite para pensar as relações não pelas faltas que nos
formaram, mas pelas presenças que podemos escolher sustentar"
Nós entendemos que o filme fala muito mais: fala sobre expandir o conceito de família, fala sobre preconceito, machismo, capacitismo, homofobia...
Nos dá uma linda referência do masculino: para além do padrão conhecido de "força", o masculino pode "ser - praticar a alteridade, a emoção.
Fala sobre a angustia, a dor que traz o sentimento de inadequação em relação aos padrões sociais que nos moldam.
Fala sobre "quem sou eu e qual é o meu lugar no mundo"; fala sobre "aprender a relacionar", crescer com o outro e o outro crescer comigo.
E fala sobre sonhar... sonhar outros sonhos fora aqueles que nos ensinaram, aqueles 'limitados'.
E fala sobre esperança... ou esperançar ... para além (ou ao contrário) da romantização (leia-se idealização) do mundo, das pessoas e de nós mesmas(os), a esperança no real, que se dá na construção de relações mais verdadeiras... e de um mundo mais bonito.
Bora 'arregaçar as mangas' e "superar" a formiga - ou mosca - que não conseguia sair do círculo de caneta?
E o menino Camilo ainda nos dá ótimas dicas de leitura:
Ele, Camilo, aparece no filme lendo o livro de Krishnamurti... diz o nosso diretor Daniel Rezende que toda a equipe do filme leu este livro... e numa outra cena um livro do Valter Hugo Mãe, acho que um desses dois acima, que são livros infantis desse precioso autor ... que também é poeta e músico:Abraços carinhosos a todas as pessoas que nos acompanham,
Escrevo O Que Eu Queroera o título dos panfletos escritos pelo líder negro sul-africano Bantu Steve Biko que também deu nome a seu livro.
Biko nasceu em 18 dezembro de 1946 na África do Sul. Formado em medicina, ele foi um dos idealizadores do Movimento de Consciência Negra e desenvolveu Programas de Assistência à Comunidade em seu país.
Biko acreditava no combate ao sistema de opressão e submissão a que estavam subjugados. Ele foi sem sombra de dúvida um dos maiores nomes do ativismo contra o apartheid Sul Africano.
Steve Biko usava o pseudônimo de “Frank Talk” (Falando Francamente) para publicar seus escritos onde a ‘consciência negra’ destaca-se como um dos principais temas. Em um dos textos Steve Biko faz uma definição sobre a Consciência Negra: “... Procura provar que é mentira considerar o negro uma aberração do “normal”, que é ser branco. É a manifestação de uma nova percepção de que, ao procurar fugir de si mesmos e imitar o branco, os negros estão insultando a inteligência de quem os criou negros.”
Biko foi brutalmente assassinado em doze de setembro de 1977 pela polícia racista do apartheid. Os cinco policiais que o torturaram só confessaram o crime vinte anos após de sua morte. Ele ainda é inspiração para aqueles que lutam contra a segregação racial, que não precisa ser instituída por lei para fazer parte da realidade.
O Movimento de Consciência Negra tinha como objetivo o resgate da autoestima e dos valores ancestrais do seu povo, a partir da consciência de si - redefinição do "self" negro.
"Definida brevemente, portanto, a Consciência Negra é, em essência, a realização pelo homem negro da necessidade de se unir a seus irmãos em torno da cauda de sua opressão - a negritude de sua pele - e operar como um grupo para se livrar dos grilhões que os prendem a servidão perpétua".
E mais: a libertação não é uma meta distante, e sim uma prática diária de resistência, de orgulho, de reconstrução.
Em resumo, o que a Consciência Negra propõe:
1. libertar o EU do "cativeiro psicológico;
2. romper com o colonialismo e suas estruturas de poder;
3. unir os negros em torno de sua identidade e dignidade;
4. rejeitar alianças paternalistas com os chamados brancos progressistas, que não compreendem a luta racial; e as ilusões da igualdade racial sobre opressão;
5. transformar o presente num caminho para um futuro verdadeiramente livre.
O dia da Consciência Negra no Brasil é celebrado em 10 de novembro, data que marca a morte de Zumbi doa Palmares, líder do Quilombo dos Palmares, um dos mais importantes símbolos da resistência negra no pais. A data foi escolhida para homenagear a luta e a contribuição dos africanos e afro-brasileiros na formação da sociedade brasileira. Ela foi oficialmente instituída em 2003, com a Lei número 10.639, que também tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. O objetivo é promover a conscientização sobre a importância da cultura negra e combater i racismo e a discriminação racial no Brasil.
Sabemos o tanto que ainda precisamos caminhar nesse sentido. Me lembrei de uma história que aprendi com Rubem Alves, há muito tempo atrás. Ele dizia: Essa história não é minha, meu é só o jeito de contar... e contava sobre "a águia que quase virou galinha", uma história que surgiu naquela África do tempo do apartheid, mesma época do Biko e da Consciência Negra, um 'mestre' dizendo a seus discípulos: "Vejam a que estado os brancos nos transformaram! Águias que andam que nem galinhas! Precisamos voar de novo!"
Em dezembro de 2022 conversamos com a linda Rita Von Hunty sobre a arte: PARA QUE SERVE A ARTE?
Rita diz, ou melhor, nossa SBCense diz: PARA NADA! ... se entendermos "servir" como "ser útil" ao consumo, ou seja, a arte não deve ""se submeter", ser subserviente a uma cultura do consumo, a uma sociedade onde o dinheiro ganha vida e nós nos transformamos de sujeitos a objetos (consumistas: que só consomem - e se deixam consumir).
Por outro lado, a ARTE pode (e deve) servir para ajudar a causar perplexidade, estranhamento, para abrir perguntas e incitar o raciocínio - e ação - transformadores. Aí a arte cumpre com seu papel: o de ser, sempre, um LEVANTE contra a servidão.
E é nesse espírito que o SBC vem fazer dois convites, ou melhor, três, numa ordem anárquica como quase tudo no SBC:
1. O primeiro diz respeito à foto que abre nosso post, do ensaio que tive a honra de participar: Para terça feira próxima, dia 18.novembro, no antigo Cine Brasil:
2. o Segundo, antes do primeiro, no próximo sábado dia 15 as 9 horas na Assembleia, convite do nosso querido amigo poeta Rogério Salgado:
Amigão de Salinas, monge poeta Aníbal, está em Barão mas mandou poema que, com certeza, falaremos no evento:
CANTO DAS ÁGUAS
“No princípio, Deus criou o céu e a terra, e o espírito de Deus movia- se
sobre as águas" (Gênesis)
Águas de fontes cristalinas que jorravam bíblicas da terra prometida
para o mar dos cristãos, hoje vão sujas, sem vida, em lenta procissão, de súbito revoltas em violenta inundação.
ÁGUAS DE MINAS
(OLHOS D’ÁGUA NA MENINA DOS OLHOS DAS MINAS GERAIS)
águas revolvidas, minas em explosão
águas dragadas por estranho dragão
águas servidas com tanta poluição
águas queridas, sede no Sertão
águas de minas, onde estão?
saindo das entranhas, descendo montanhas, em que direção?
ÁGUAS VIVAS,
seiva da Terra-Mãe-manancial, suor
que não mais irrigam o Vale do meu coração?
águas de minas quer tão-só dizer águas minerais?
águas de minas serão águas mínimas amanhã?
águas de minas serão apenas matéria-prima?
e as águas gerais de minas, minas preciosas gerais, águas públicas,
da lavadeira, do pescador, da infância, dos barcos, dos peixes,
da lua cheia, dos poetas, ficaram nos postais?
Eu, poeta de água doce, publico aqui o “canto das águas” e convido à reflexão
nas águas claras, profundas e cristalinas das nossas minas gerais :
E nesse canto tranquilo
Que possa te encantar
Convoco águas novas
Em trovas que eu sei cantar
E que rolam transparentes
Sem pressa de chegar
Cascatas douradas
Palavras de bem-estar
Sombra e água fresca
O que você desejar
Num cordel amistoso
Um rio descendo pro mar
Com tudo a que tem direito
Quem não perdeu a raiz
E que vai bem satisfeito
Vivendo de rimas e “climas” e feliz.
Pois:
ÁGUA PURA É CULTURA !
Água clara, gema rara
Água fresca lava a alma, refresca, purifica e acalma,
Oh, Minas Gerais!...
Água para o índio , Y
Água para o branco, H2O
Água tratada, COPASA
Água para Narciso é espelho
Água para o peixe é casa
Água para o homem é vida
Água para a vida é sagrada!
Água mole em cabeça dura tanto bate
Água dura em pedra mole, estalactite
Água pouca em terra crua, eucalipto
Água e fogo em terra nua, apocalipse
Valei-me, São Francisco Rio Doce Jequitinhonha Mucuri Rio Pardo
Yara e Nossa Senhora!
Águas de minas, voltem pra trás
Já não quero mais ir a mar nenhum
Eu quero mesmo é amar
Montanhas e águas de Minas Gerais!...
Aníbal, querido amigo, monge e poeta, obrigada pelo lindo poema...
3. Enfim, terceiro convite, pra domingo ou semana que vem, qualquer dia, imperdível, quase duas horas e meia de filme, não cansa, parece que são três filmes - ou três atos de uma peça de teatro - como Lars von Trier, cineasta dinamarquês, no filme Dogville, de 2003(no cine Unimed, no Minas Tenis Clube da rua da Bahia, ingressos "baratim d+ da conta"):
O Agente Secreto, filme do pernambucano Kleber Mendonça Filho, acompanhamos esse cineasta desde os anos 90, como fazemos também com Almodovar, muito interessante acompanhar a evolução desses cineastas, assim como os dois falam de suas origens geográficas - Brasil (Nordeste, Recife), e Espanha (particularmente Madri e Barcelona) - nos convidando, através de cada filme, a conhecer os lugares.
Seu último Filme antes do Agente Secreto, Retratos Fantasmas, mostra Recife da sua infância e Recife agora, os cinemas maravilhosos transformados em "templos evangélicos", muito triste... Ficamos com vontade de pegar a ideia e fazer um filme sobre Belo Horizonte e as pessoas do interior de Minas que vieram morar aqui... e, sem deixar suas origens, vieram a amar essa Belo Horizonte... Eu, por exemplo, de Salinas, norte de Minas... e tantos outros e outras do Vale, que nos encontramos no Taboca quase toda semana, para conversar, falar poesias e cantar...
Enfim, voltando ao Agente Secreto, o próprio Kleber já disse em entrevista que aproveitou coisas do Retratos Fantasmas para este último filme, às vezes dá a impressão de uma sequência. Mas o Agente... é um filme de suspense, humor, história do Brasil, tudo junto e misturado. Para quem não viveu essa época, conversem com as pessoas que viveram, como elas estavam, o que viviam nesses anos 70, 80... um ótimo pretexto para conhecer - e apropriar - da nossa história.
E construirmos a mesma, prospectivamente, daí o convite para o próximo sábado... e terça dia 18...
Até lá...
E pra mais adiante, nosso sarau, último do ano, dia 4.dezembro, no TABOCA. Mas já podem começar a divulgar e chamar amigas e amigos...
Primeira pergunta que acorreu na entrada do sarau: Você veio de bruxa (o-e) ou veio "a paisana", ou seja, "disfarçada (o-e) de normal"? Por que no SBC ninguém é normal, nem de perto nem de longe... nosso conceito de "normal" é o de "obediente às normas, regras, que tiram nossa liberdade", portanto somos "loucxs e felizes". Não que não tenhamos regras, mas tentamos construir regras que nos fazem caminhar para a liberdade e as relações siméticas, de sujeito-sujeito.
Antes de começar o sarau ficamos ouvindo LÔ BORGES, Clube da Esquina, conversando sobre Clara Charf, companheira de Mariguella, que se foi no mesmo dia do Lô, segunda feira passada, ela com 100 anos e o ele com 73...
E também conversando - e lamentando - a perda de mais de 120 cidadãos brasileiros na chacina do Rio na semana passada. "Nosso país não tem pena de morte! e os países que têm, não o fazem dessa maneira!"; "Somos um país REPUBLICANO e DEMOCRATA... REPUBLICANO porque acreditamos que as instituições funcionam para todos - ou deveriam; e DEMOCRATAS porque as pessoas devem participar dos processos de decisão dessas instituições - ou deveriam. Na prática nós, cidadãos e cidadãs, precisamos AGIR para que isso aconteça"; "O que aconteceria com o crime organizado quando a cannabis for liberada, tanto para uso medicinal quando para recreativo?"; "Terrorismo tem a ver com ideologia ou objetivo político. Organizações do narcotráfico buscam interesses de lucro. Narcoterrorismo, termo que surgiu nos anos 80 no Peru, usado agora por Trump para abater barcos de pesca no mar venezuelano, não tem relação com as facções que comandam o tráfico no Rio. Está sendo usado esse termo para se confundir as pessoas e para fins eleitoreiros"; "O que dizer de um Estado que gasta - dados de 2024 - quase 43% do orçamento Federal com juros e amortizações da Dívida, enquanto 2,95% foi gasto com a educação, 4,16% com a saúde e por aí vai?" ...
E decorando o Taboca com empréstimos da Clarinha, do Andu..., ficou bacana demais, aranhas pelo chão, abóboras penduradas... e fazendo nossas maquiagens:
Depois de Lô e Clube da Esquina e as boas conversas, continuamos - ou 'introduzimos' - nosso sarau, com Rita Lee (depois do hino do SBC) - Rita e Zélia, grandes bruxas:
Pois nosso tema: NÓS, AS BRUXAS E OS BRUXOS, QUEM SOMOS NÓS?... seria um pretexto - ou pré texto, o texto nós fazemos - para conversarmos sobre identidade, tanto no sentido individual - ou subjetivo - quanto no sentido amplo - coletivo, ou de cidadania...
Sartre nos ajudou a começar - ou continuar - o 'tricô': "O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós fazemos do que os outros fizeram de nós", ou seja, a liberdade é prospectiva... no entanto, importante saber "o que fizeram de nós", o auto conhecimento, a história... até mesmo para apropriarmos dessa história pois é a partir dela que acontece o "caminhar para a construção da liberdade de ser quem queremos ser"... e isso vale tanto no sentido do indivíduo como no sentido do coletivo ou do social.
Pois daí que lançamos um olhar para o macro, o nosso Brasil. E o nosso querido Adriano interpretou a 'música da sua vida', que disse tudo sobre nossa identidade, sobre o que precisamos apropriar... e construir:
E chegamos à história das bruxas e bruxos: para quem pensa que essa história - ou essa tradição de se comemorar o halloween aqui no Brasil no dia 31 de outubro - vem lá dos Estados Unidos da América do Norte, estão enganados e enganadas. Essa história é muito mais comprida: e temos, nós do SBC, o saudável hábito de conversar com nossa amiga IAIA - a Iaia Meta, ou a Iaia GPT - ela nos informa muita coisa na história, e nos dá elementos para nossa reflexão (pois ela, a IA, não reflete, só nos fornece dados):
Os historiadores acreditam que essa festa tenha surgido de comemorações realizadas pelos celtas em homenagem aos mortos. Pensem em "tribos" na Europa antes de Cristo, na Europa pagã... Essa comemoração celta era o Samhain, festa em que as barreiras que separavam o mundo dos vivos e dos mortos deixava de existir, como se apenas um véu separasse vida e morte, ou melhor, nesta data o véu entre o mundo dos vivos e dos mortos se tornava mais tênue.
(lembramos da cultura mexicana e o conceito de morte naquele país; e o filme, desenho animado, A VIDA É UMA FESTA, lindíssimo, alguém disse que chora toda vez que vê, já viu umas dez vezes).
O Samhain era uma das comemorações mais importantes do calendário celta e era realizado como um marco do outono para o inverno. Era também uma passagem de ano para esse povo. Também tinha um significado místico, uma vez que os celtas acreditavam que, durante o festival as almas dos mortos do último ano poderiam vagar pela Terra.
SBCence muito recente - já completamente imbuída do nosso espírito - não pôde ir no nosso sarau. No entanto, dentro desse espírito de "um véu que separa a morte da vida", lembrou de poema da mineira Henriqueta Lisboa (1901-1985). E mandou pra gente... e fizemos a leitura no sarau:
O véu
Os mortos estão deitados
E têm sobre o rosto um véu.
Um tênue véu sobre o rosto.
Nenhuma força os protege
Senão esse véu no rosto.
[...]
Reminiscência de outros véus,
de outras verônicas, de outras
máscaras. Símbolo, estigma.
Dos inumeráveis véus
que os vivos rompem ou aceitam,
resta para o morto, apenas,
um véu aderido ao rosto.
Entre a vida e a morte, um véu.
Nada mais do que um véu.
Durante o Samhain, os celtas realizavam celebrações com fogueiras e com fartura de alimentos. Os alimentos serviam para homenagear os mortos e para celebrar as colheitas que os abasteceriam durante o inverno. Para eles, esse período representava renascimento e transição. Os celtas não viam a escuridão como algo maligno, mas como o início da vida... Como os bebês na barriga da mãe.
Com o tempo, a tradição cristã incorporou o sentido espiritual da data. O 31 de outubro passou a ser a véspera do Dia de Todos os Santos (1º de novembro), seguido pelo Dia de Finados (2 de novembro) - ambos dedicados à lembrança dos que já partiram. O nome "Halloween" vem justamente de All Hallows' Eve, que significa "véspera de todos os santos". Para muitos, é uma época de reconexão espiritual. Ainda que hoje o foco esteja nas festas e fantasias, a data carrega uma energia simbólica. A ideia de que toda escuridão guarda potencial de transformação.
Repararam que até aqui, na história, temos bruxas e bruxos? Sigamos ...
A celebração cruzou oceanos com os imigrantes irlandeses e escoceses, chegando aos Estados Unidos, onde ganhou o formato popular que conhecemos hoje: crianças batendo de porta em porta, festas temáticas, doces e travessuras. No Brasil, o Halloween começou a aparecer timidamente na década de 1990, graças ao cinema e à influência cultural estadunidense.
No entanto, no mesmo dia, no ano de 2013, a Comissão de Educação e Cultura elaborou o Projeto de Lei Federal 2.479, que institui o DIA DO SACI. Essa proposta já tinha sido feita desde 2003 pelo Deputado Aldo Rebelo:
“Instituir o “Dia do Saci” representa oferecer à sociedade um instrumento de valorização da cultura popular como elemento fundamental na constituição da identidade brasileira. Por meio da previsão anual da comemoração da data, na forma de eventos culturais e atividades festivas, as iniciativas propõem o resgate e a valorização de nossas tradições e manifestações folclóricas originais.”
Cantamos a música do Saci do Carlinhos Brow... um hino do folclore brasileiro. E lembramos de outras figuras folclóricas, entre elas o CURUPIRA, eleito símbolo da COP 30, protetor das florestas.
"Não é fora do comum a associação de mitos da nossa terra com "entidades demoníacas", realizada pelos europeus, nossos colonizadores... até mesmo a distorção desses mitos, no caso um personagem alegre, brincalhão, se transformava numa figura a ser temida".
O curupira aparece no princípio do filme A MARVADA CARNE, é ótimo!
E voltamos às bruxas... e à história, caminhando para a Idade Média: figuras centrais do imaginário da bruxaria, elas representavam antigas mulheres sábias, conhecedoras da natureza e das ervas. E foram injustamente associadas à magia durante a Idade Média. E queimadas nas fogueiras. Publicado em 1487, o livro Martelo das Feiticeiras - MALLEUS MALEFICARUM - era uma obra considerada manual de instrução para a Inquisição e teve papel importante na perseguição da bruxaria durante o Renascimento.
Queridas Beth e Jane nos apresentaram o livro de Silvia Federici, CALIBÃ E A BRUXA, que nos diz como a caça às bruxas continua atual:
"O livro de Silvia Federici, CALIBÃ E A BRUXA, nos diz que a caça às bruxas continua na contemporaneidade, uma vez que o uso da violência física, psicológica e financeira contra a mulher são formas de um mundo capitalista continuar exercendo uma violência econômica e política contra as mulheres. Quando uma mulher luta para romper com uma norma social machista, a imagem da mulher bruxa reaparece como justificativa de combate e o feminicídio, que acontece hoje, é a nova forma de queimar as mulheres".
E eu relatei, a meu modo, a história da Lilith, um dos livros apócrifos, proibidos, que nos conta a história dos primeiros habitantes do paraíso, Lilith e Adão, criados do mesmo barro... ou seja, Eva foi a segunda mulher de Adão, tirada da sua costela, construindo o arquétipo da mulher submissa - enquanto Lilith constrói a possibilidade da simetria na relação homem-mulher, o que não interessava ao ideário cristão na construção da subjetividade feminina. Conheci a história da Lilith há mais de 20 anos e isso mudou minha vida, pois cria a possibilidade da construção de outra matriz feminina, a de mulher forte, independente... escrevi sobre ela no post de 7 de março de 2016, publicado no meu primeiro livro, O Diário do SBC.
Continuamos nosso sarau intercalando músicas com nosso caldeirão poético, quem quisesse tirava um poema e o dizia pra nós... e assim foi... até o Chico apresentou Rubem Alves:
Antonieta não foi, mas mandou sua contribuição, sobre as bruxas e a cerveja:
E se eu te contar que você não sabe nada sobre as bruxas?
E que elas eram mulheres que fermentavam a liberdade!
Tudo começou há mais de sete mil anos atrás...
Quando as mulheres na antiga Mesopotâmia deixaram o trigo fermentar...
Criaram então, a bebida sagrada da deusa Ninkasi.
Por séculos, foram as mulheres que fermentaram e venderam a cerveja.
Elas eram chamadas de alewives: curandeiras, mulheres sábias e livres.
Seus chapéus pontudos eram para chamar a atenção dos clientes, suas vassouras eram para limpar e indicar que ali se vendia cerveja.
Os gatos eram mantidos em suas casas para espantar os ratos que poderiam danificar os grãos utilizados na produção da cerveja.
Mas, quando a cerveja começou a dar lucro, os homens tomaram o poder. E as mulheres começaram a serem chamadas de bruxas e consequentemente perseguidas. E essas mulheres foram queimadas vivas por saberem transformar grãos em ouro líquido. A cerveja nasceu das mãos femininas nasceu do fogo, do trigo e da coragem. Elas não eram bruxas elas eram mulheres que fermentavam a liberdade. Mas elas deixaram um legado de coragem, criação e poder. Porque toda vez que uma mulher cria algo com as próprias mãos ela honra as que vieram antes.
Brindemos então às mulheres. As mulheres que transformaram fogo em alquimia trigo em ouro e dor em força. Porque a magia sempre foi e será feminina.
E nosso SBCense Luis encerrou o sarau com voz e violão, cantamos junto com ele... além de decidirmos sobre o tema do nosso próximo sarau: RENASCER ... primeira quinta de dezembro, dia 4.