Tenho a alegria de fazer parte do MARIAS Coletivas. Através do Marias acolhemos mulheres em situação de vulnerabilidade e as encaminhamos para o atendimento necessário.
Mas o Marias é, também, uma oportunidade de nos encontrar e conversar sobre temas pertinentes à visão de mundo, à política em todos os níveis de relação. E, nesse sentido, o Marias "combina" com o SBC e com nosso lema: "amor e política, fazemos na cama e no mundo". Outra "combinação" do SBC com o Marias é a ARTE como ferramenta, ou "pretexto" (o texto nós fazemos), para o debate e a construção de conceitos orientadores para o ser sujeitos (e "sujeitas") transformadores do mundo (no micro e no macro).
Então, nosso último encontro foi no sábado dia 9.11, na Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil - CTB. E foi sobre o filme BARBIE.
E nossa grande convidada para comentar sobre o filme foi a querida Débora Junqueira, jornalista com atuação no movimento sindical há 30 anos e diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais. Débora nos trouxe preciosas reflexões sobre A INFLUÊNCIA DA BARBIE NO DEBATE SOBRE FEMINISMO:
A evolução da boneca Barbie, criada em 1959, pela Mattel, reflete mudanças significativas no comportamento feminino e na sociedade em geral. Ao longo do tempo, a Barbie tentou se adaptar às transformações nos papéis de gênero, aspirações profissionais, diversidade e representações culturais. Também, sempre exerceu influência na construção social do comportamento feminino.
Uma das críticas feitas a marca Barbie é que, historicamente, ela perpetuou certos estereótipos femininos, principalmente relacionados aos padrões de beleza e comportamento. Símbolo de alienação para a ala progressista, ao mesmo tempo, a Barbie é rechaçada pelos conservadores que fizeram críticas ao filme Barbie, dizendo que ele era “ideologizado e feminista demais”.
Em resumo, ponderou Débora, a Mattel quer passar a mensagem de que, ao longo das décadas, a evolução da Barbie reflete a transformação dos papéis das mulheres na sociedade. “Desde uma ênfase inicial em moda e glamour, passando por profissões tradicionais e modernidade, até uma representação mais diversificada e inclusiva, a Barbie acompanhou as mudanças no comportamento feminino, promovendo uma visão de mundo onde as meninas podem ser qualquer coisa que quiserem.”
E o ponto alto do filme, segundo Débora:
“É literalmente impossível ser uma mulher. Você é tão linda, tão inteligente, e me mata ver que não se acha boa o suficiente. Tipo, temos que sempre ser extraordinárias, mas de alguma forma estamos sempre agindo errado. Você tem que ser magra, mas não muito. E você nunca pode dizer que quer ser magra. Tem que dizer que quer ser saudável, mas também tem que ser magra. Você tem que ter dinheiro, mas não pode pedir dinheiro porque é mal-educado. Você tem que ser uma chefe, mas não pode ser má. Você tem que comandar, mas não pode arrasar as ideias dos outros. Você deve adorar ser mãe, mas não fale sobre seus filhos o tempo todo. Você deve ser uma mulher de carreira, mas também estar sempre cuidando dos outros. Você tem que responder pelo mau comportamento dos homens, o que é uma loucura, mas se apontar isso é acusada de reclamar. Você deve estar sempre bonita para os homens, mas não tão bonita a ponto de tentá-los demais ou ameaçar outras mulheres, porque deve fazer parte da sororidade. Mas sempre se destaque e sempre seja grata. Nunca se esqueça de que o sistema é manipulado. Portanto, encontre uma maneira de reconhecer isso, mas também seja sempre grata. Você nunca deve envelhecer, ou ser grosseira, se exibir, ser egoísta, cair, falhar, demonstrar medo, sair da linha.
É tão difícil! É muito contraditório e ninguém lhe dá uma medalha ou agradece! E acontece que, na verdade, você não apenas está fazendo tudo errado, como também é tudo sua culpa. Estou tão cansada de ver a mim mesma e a todas as outras mulheres se esforçando para que as pessoas gostem de nós. E se isso tudo também vale para uma boneca que apenas representa as mulheres, então nem sei".
E o espaço foi aberto para falas:
. E eu falei primeiro: "confesso que me recusei a ver o filme quando foi lançado. Fui resistente, muito resistente... Pra mim devia ser um filme que reproduzia nosso sistema opressor, pior, devia encobrir, invisibilizar essa opressão, ... e continuo com essa crítica. No entanto, um dia antes desse debate, tive a "paciência" que Nietzsche me ensinou ("a paciência com o que me é mais antípoda", do seu livro "A Genealogia da Moral"). E, ao mesmo tempo que confirmei meu pressuposto, o filme também me surpreendeu. Exatamente no ponto que a fala aponta, ou seja, a necessidade absoluta do nosso processo de humanização, de nós, mulheres (não sei - ou não me cabe dizer - sobre o processo de humanização dos homens). É tão terrivelmente gravado a ferro e fogo na nossa "alma", nos nosso espíritos, que "temos que ser perfeitas para sermos amadas"!!! E isso nos causa tanto sofrimento! E esse sistema em que vivemos é tão cruel que, de alguma forma (sutil do tamanho de uma patada de elefante, como costumamos dizer) ainda captura isso e nos devolve na forma de mercadoria a ser consumida, em vez de na forma de reflexão transformadora..."
. E a querida Antonieta lembra da potente Marilena Chaui: "A pauta identitária, como demonstra Marilena Chauí, é uma tática que, sozinha, não resolve nenhum dos problemas estruturais do nosso país. Esses problemas são, sinteticamente: as desigualdades sociais o analfabetismo, a fome e os problemas ecológicos vigentes. Apenas a luta identitária, não consegue solucionar os grandes problemas dos países periféricos, como é o caso do Brasil . O sistema capitalista que é o nosso grande inimigo, tem que ser questionado e superado. O identitarismo nessa luta, tende a nos dividir e consequentemente nos enfraquecer. Para alcançarmos o socialismo, temos que nos unir para além das falas identitárias, pois, se não, ficaremos em "guetos" e bastante limitados na nossa estratégia máxima que é a luta por um mundo mais justo, mais equânime, mais distributivo, mais bonito, enfim."
. A Bebela corrobora com nossos posicionamentos. E acrescenta que, ainda, não podemos "abandonar" as lutas identitárias, como Gênero, Raça e Classe Social, e a interseccionalidade entre todas elas; pois, será assim que encontraremos caminhos e soluções para chegarmos a uma convivência mais humana e respeitosa entre as pessoas. E, como o filme trata o feminismo com bastante superficialidade, nossa estrada ainda é longa! Sigamos juntas!
. E a querida Genoveva aprofundou nas considerações sobre o filme:
Primeiro, a forma como se dá a aparição da Barbie: Segundo a propaganda que o filme faz ele - o filme - veio para salvar as meninas de só brincarem de ser mães. E a Genô nos trouxe o dado: De acordo com a Famivita - Associação da união familiar e pais felizes (2023), 1 em cada 5 homens abandona as mulheres em caso de gravidez, 36% dos homens pedem a parceira para remover o feto e mais de 20 milhões de mulheres criam os filhos sozinhas. No ano de 2023 foram registrados 172,2 crianças sem o nome do pai.
As cenas iniciais das meninas destruindo as bonecas/bebês, não são os bebês que elas querem destruir, mas a ideia romantizada de serem mães. Seus mundos minúsculos dentro do patriarcado. Então o filme já começa com a intenção de desconstruir essa formação social romantizada de maternidade.
Um segundo aspecto levantado pela Genô: Para capturar a realidade é necessário sair da bolha da ilusão ( da Barbilândia) e buscar com afinco compreender como o mundo funciona, como ele foi construído e como as mulheres sustentam essa forma patriarcal que está dada. Essa captura da realidade é difícil, em face a solidificação do modelo capitalista que cria essa ilusão da felicidade, de um mundo sempre feliz com oportunidades para todas as pessoas, sem considerar as limitações, as condições históricas. Assim, percebe-se no decorrer do filme os desafios que Barbie vai passando. Choro, primeiro uma lágrima, depois muitas.....
A Barbie estereotipada tem pensamento de morte, ansiedade e celulite. Percebe a exigência do modelo de perfeição inatingível que é exigido para uma mulher.
Ao passar pelo mundo real a Barbie sente que os homens estão lhe tratando com violência e relata isso ao Ken, mas o Ken, que representa a autoestima do homem branco hétero, nega a violência como nossa sociedade a nega também. Ken diz que não percebe nada e se sente incrível. Esse fato retrata que a violência sexual é direcionada às mulheres, que é negada pelos homens e pelas Barbie estereotipadas.
Por último, Genô nos aponta os defeitos femininos que Barbie vai apresentando: medo da morte, celulite, ansiedade... Um pé que não se ajusta aos saltos altos... Trata-se de uma metáfora consistente da perfeição exigida para as mulheres. Ao capturar a realidade a Barbie se torna estranha e passa a atuar na luta para auxiliar as outras Barbies estereotipadas a saírem da ilusão, da bolha e também perceberem a realidade. Genô conclui: Tarefa difícil... arregacemos as mangas...
E a fala voltou à nossa querida Débora, que apresentou questionamentos 1- Ser feminina seria a principal competência da Barbie? O quanto essa competência é suficiente para contrapor o patriarcado e a desigualdade de gênero? 2- Como a Barbie estereotipada impacta nos transtornos de imagens das mulheres e até que ponto as novas versões da boneca e a repercussão do filme alteram isso? 3- A Barbie contribui para o avanço do feminismo ou ainda reforça os clichês sexistas?
Ela ainda nos ofereceu dicas de aprofundamento:
E terminamos com a brincadeira de SUGESTÕES À MATTEL de novas Barbies :
O SBC agradece à Débora, Antonieta, Genoveva, Bebela... e a todas as Marias presentes nesse nosso encontro... desejando outros mais...
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