sábado, 18 de janeiro de 2014

O SBC FAZ FISSURAS? OU É UMA FISSURA?






“Nossa força depende da capacidade de dizermos não”. 
Entendo como nossa força para dizermos “não” aos padrões que nos escravizam, a coragem para ser “saudável” numa sociedade doente, e mais, a coragem de se juntar e construir novas formas de ser e de relacionar nesse mundo mesmo, até que o transformemos para melhor...

Mas a frase em aspas é do nosso mais novo SBCense famoso: John Holloway , nasceu em 1947 na Irlanda, radicado no México desde 1994, é advogado, filósofo e economista de linha marxista. 


Seus principais trabalhos são associados ao movimento zapatista no México. Sua preocupação sempre esteve centrada no estabelecimento dos vínculos existentes entre o Estado e a opressão do capital, culminando na percepção de que todo Estado constitui uma forma de poder que não pode negar a si mesmo, incluindo-se nessa categoria os Estados revolucionários.

Em 2002 escreveu o livro "Mudar o Mundo sem tomar o Poder" em conjunto com Subcomandante Marcos. A filosofia prega a possibilidade de revolução, não pela tomada do poder do Estado, mas nos atos diários de recusa a sociedade capitalista. 
 

“A questão não é tomar o poder, mas romper com a lógica do capital.” Certamente é uma das obras que mais causou polêmica na esquerda mundial recentemente. Como o título aponta, sua proposição"incendiária" – fundamentada no marxismo – é a da construção de uma nova sociedade a partir da destruição do poder e não da tomada do Estado.

"É claro que não sabemos como mudar o mundo sem tomar o poder".  Não sabemos como fazer a revolução, se soubéssemos já a teríamos feito. O que sabemos é que as tentativas do século XX fracassaram, e desses fracassos podemos aprender que é necessário conceber a revolução de outra forma. Mas não temos respostas. Parte do repensar a questão da revolução é justamente partir do fato de que não sabemos como fazê-la, por isso precisamos pensar, discutir. Mas além disso, dizer que não sabemos, porque se eu digo que eu sei como fazer a revolução, parto do pressuposto que eu tenho que explicar a vocês como se faz, o que implica uma política de monólogo. Se dizemos que não sabemos, então a conversa se faz necessária, isso implica uma política de diálogo, horizontal e, suponho eu, mais honesta.

No seu novo livro "Crack Capitalism", em português “Fissurar o Capitalismo”  (Editora Publisher Brasil), ele constrói propostas de como caminhar em direção a uma mudança do mundo sem tomar o poder. 

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“É preciso construir outras formas de se viver cotidianamente”.
“Paremos de produzir o capitalismo!”

Somos apresentados todos os dias a um sistema preexistente que dita nosso agir e até nosso pensar e sentir, mas não se pode esquecer que o capitalismo fazemos nós, todos os dias. Podemos escolher não fazê-lo, e isso não é meramente utópico pelo simples fato de já estar em curso, defende Holloway. Criamos todos os dias a sociedade da qual queremos nos libertar: “A revolução não é a destruição do capitalismo, mas a recusa de criá-lo”

Fissurar o capitalismo contém 8 partes e 33 teses que explicam como criar rupturas no sistema para não continuar a reproduzi-lo. Do idoso que cultiva hortas verticais em sua sacada como forma de revolta contra o concreto e a poluição que o cerca. Do funcionário público que usa seu tempo livre para ajudar doentes com aids. Da professora que dedica sua vida contra a globalização capitalista. São diversos exemplos trazidos pelo autor, de pessoas comuns que recusam a lógica do dinheiro para dar forma a suas vidas. No entanto, após a rejeição, é preciso tentar fazer algo diferente. É aí que surge o problema. “As fissuras são sempre perguntas, não respostas.”

São também rádios comunitárias, centros sociais, comunidades ou municípios autônomos, revistas alternativas, enfim, uma série de rompimentos que não são necessariamente territoriais, podem também se referir a uma atividade, como os protestos do ano passado.

Ou pode se dar também na relação entre homem e mulher, mulher e mulher, homem e homem, amigos, irmãos, filhos... tratar o amor como uma tentativa de criar uma relação em que não se aceita a lógica gananciosa e mercantil do capital. A única forma de pensar na revolução é em termos desses espaços ou momentos que se podem conceber como fendas no tecido social da dominação capitalista.

Sinônimos de Fissura no Dicionário informal.com.br: tesão, fenda aberta, abertura, brecha, buraco, comissura, corte, falha, fresta, frincha, greta, racha, rima, rombo, sulco, incisura, crena, cissura, resquício, rachadura, fisga.  

A questão de ruptura é central,  romper com a lógica do capitalismo. E fazê-lo de milhares de formas diferentes. Vamos criar espaços onde não vamos reproduzir a lógica do capital, onde vamos fazer outra coisa, ter outros tipos de relações, desenvolver atividades que tenham sentido para nós.

Em entrevista para a Revista Fórum Holloway acrescenta: “Creio que seria importante uma confluência das fendas. Que as fendas se conectem”. Podemos entender a ideia das fendas imaginando um lago congelado: estamos tentando romper o gelo, jogando pedras no lago. Criam-se buracos e fendas, rachaduras, certo?  E do outro lado também estão jogando pedras e pelo outro lado também, que é um pouco o que se está passando hoje. Vão formando-se uma multiplicidade de fendas que por vezes expandem-se e por outras se regeneram, de modo que o buraco pode congelar-se outra vez. Mas se as fendas se juntam, elas se fazem maiores, mais potentes. Às vezes se juntam, se separam outra vez. Eu penso no movimento das fendas como um processo que inclui junções, mas que não devem ser impostas a partir de uma perspectiva particular. Se eu estou aqui desse lado do lago jogando pedras e vejo que você está fazendo o mesmo do seu lado, não tem nenhum sentido que eu te diga que você deveria estar aqui comigo. É necessário reconhecer que as pessoas estão tentando romper o gelo do capitalismo de muitas formas diferentes, tenho que respeitar que você esteja aí. E respeitar implica criticar, uma confluência é importantíssima, o diálogo.

Segundo ele, a ideia tradicional de unidade da esquerda é equivocada e acaba sendo muito destrutiva. ... “É impossível e também não é desejável. Porque queremos criar uma sociedade onde podemos fazer o que gostamos, queremos, o que nos faz sentido, uma sociedade heterogênea. O argumento das fendas é que não temos outra opção a não ser começarmos pelo particular. Estamos aqui, cada qual em seu lugar e temos que nos mover a partir daí. Vocês poderiam me dizer “não, o que necessitamos é a união da esquerda. Temos que nos mover a partir de um centro, e pensar na totalidade, a partir de um programa nacional, global”, o que seja. Isso me parece que em primeiro lugar não é realista. Em segundo lugar, abre as portas para a burocratização do movimento, e em terceiro implica uma repressão a muitos movimentos reais que existem por todos os lados. Acredito que seja justamente o contrário: ao invés de pensarmos a partir da totalidade, temos que começar do nosso particular e nos confluirmos. Não juntando-nos de uma forma que uma linha política unitária seja imposta”.

É esse o desafio proposto pelo livro: uma convocação para sair de toda esfera do poder, para pensar e fazer juntos, sem verdades e ideias prefixadas, em busca da esperança e do impossível. Então, não estamos numa ótima hora para fissurar o capitalismo? lutemos a partir do particular, lutemos onde estamos, aqui e agora, assim podemos criar micro poderes que se ampliarão.

E, para Holloway, as fissuras seriam exatamente “a insubordinação do aqui e agora”, uma mudança de temporalidade da rebelião, afirmações da subjetividade negada. São a “abertura de categorias que em sua superfície negam o poder do fazer humano, para descobrir em seu núcleo o fazer negado e encarcerado”.

Façamos aberturas na nossa própria repetição do capitalismo. Criemos fissuras e deixemos que se expandam, deixemos que se multipliquem, deixemos que ressoem, que fluam juntas. Ao final, fica o que gerou a obra: perguntas. Mas o perguntar como sabedoria, abertura para o novo.

Prá mim, o sentido do belo, a arte, a música, desenvolvidos a aplicados à vida e às relações possibilitarão rupturas dos padrões, fissuras, aberturas de brechas, que poderão nos conduzir à construção de novas formas de poder. O belo, a música, a dança, a alegria, são revolucionários!!!

ArquivoPara falar sobre Holloway colhi alguns trechos de artigo de Júlio Delmanto, jornalista e mestre em História Social pela USP. E me lembrei também de um ótimo livro de um brasileiro, Ladislau Dowbor, “Democracia Econômica”. Ele tem um site onde disponibiliza para download todos os seus livros e outros autores, assim como artigos sobre este tema, são ótimos para uma reflexão/discussão/ação no mundo em que vivemos. Entrem no google e digitem Ladislau Dowbor que vão encontrar...

E então, me digam agora: O SBC faz fissuras? É uma fissura? Ou as duas coisas? Acabo de pensar de são as duas coisas: faz fissuras pois busca construir relações mais bonitas, mais livres, entre as pessoas, em todos os níveis: nas relações afetivo/sexuais, nas relações de amizade, no trabalho, enquanto cidadãos.  E é uma fissura, um tesão, pois essas relações, elas próprias, somente podem ser construídas com fissura, com tesão, com alegria. Como diz nossa outra SBCense famosa: “Se não há dança/música/alegria não é a revolução que queremos!!!”.



Abraços de oxitocina a todxs...

Santuza TU


2 comentários:

  1. Já li do livro!!! Concordo com você, não construímos outro mundo, entramos nesse mesmo e o modificamos obrigada pelo texto. abraços Luisa

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