quarta-feira, 25 de setembro de 2013

SBCense famosa: Hannah Arendt



Hannah Arendt, nascida como Johanna Arendt, na Alemanha 1906  morreu em Nova Iorque em 1975, com 68 anos, foi uma filósofa política alemã, de origem judaica, uma das mais influentes do século XX.

Discípula de Heiddegger e de Jaspers, doutorou-se em filosofia em 1928. Forçada a abandonar a Alemanha após a instauração do regime nazi, vive na França até 1941, data em que consegue refugiar-se nos Estados Unidos, escapando assim à ocupação da França pelos Alemães.

Vive a partir de então nos Estados Unidos, onde fixa residência, escreve os seus trabalhos fundamentais e leciona nas principais universidades do país.

Assim como aconteceu a minha relação com outro SBCence famoso, Nietzsche, conheci a Hanna há uns 20 anos atrás e tive o prazer de  re-conhecê-la e trazê-la para minhas reflexões agora há pouco. Pois bem, vou contar para vocês, nessa sequência:

  • Há uns 20 anos li “O Sistema Totalitário”, seu primeiro livro e um dos  mais famosos, escrito em 1951 já nos EUA. É um livro grandão, de leitura difícil porém importantíssimo para compreendermos nossa história.

Totalitarismo (ou regime totalitário) é um sistema político no qual o Estado, normalmente sob o controle de uma única pessoa, político, facção ou classe, não reconhece limites à sua autoridade e se esforça para regulamentar todos os aspectos da vida pública e privada, sempre que possível. Foi no decorrer da Primeira Guerra Mundial que começou a nascer o Totalitarismo, fenômeno político que marcou o século XX. Com a necessidade de direcionar a produção industrial para as necessidades geradas pela guerra, os governos das frágeis  democracias liberais européias tiveram de se fortalecer, acumulando poderes e funções de Estado, em detrimento do poder parlamentar, para agilizar as decisões importantes em tempos de guerra. Quando voltasse a paz, dizia-se, esses poderes voltariam à distribuição democrática usual. Mas não foi isso que aconteceu.
Arendt assemelha de forma polêmica o nazismo e o stalinismo, como ideologias totalitárias, isto é, com uma explicação compreensiva da sociedade mas também da vida individual, e mostra como a via totalitária depende da banalização do terror, da manipulação das massas, do acriticismo face à mensagem do poder. Hitler e Stalin seriam duas faces da mesma moeda tendo alcançado o poder por terem explorado a solidão organizada das massas.
Desse livro, além da compreensão acima, guardo também a frase a seguir, que pode se colocar à reflexão em diversas situações de vida:

“Compreender não significa negar o revoltante, deduzir o inaudito dos precedentes, ou explicar fenômenos por meio de analogias e generalidades tais que se deixe de sentir o impacto da realidade e o choque da experiência. Significa, antes, examinar e suportar conscientemente o fardo que os acontecimentos colocaram sobre nós – sem negar a sua existência nem vergar humildemente com o seu peso, como se tudo o que de fato aconteceu não pudesse ter acontecido de outra forma. Compreender significa, em suma, encarar a realidade, espontânea e atentamente, e resistir a ela – qualquer que ela seja ou possa ter sido”.

o      Sete anos depois se publica "A Condição Humana",  li também, naquela época, livro gostoso de ler. Nele Hannah enfatiza a importância da política como ação e como processo, dirigida à conquista da liberdade:
«Com a expressão 'vita activa', pretendo designar três atividades humanas fundamentais: labor, trabalho e ação. (...) O labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano (...). A condição humana do labor é a própria vida. O trabalho é a atividade correspondente ao artificialismo da existência humana (...). O trabalho produz um mundo "artificial" de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural. A condição humana do trabalho é a mundanidade. A ação, única atividade que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. Todos os aspectos da condição humana têm alguma relação com a política; mas esta pluralidade é especificamente 'a' condição (...) de toda a vida política.»


  • Uns cinco anos depois li “Da Violência”, do qual extraí essa idéia: Foto



  • Em 1963, Hannah escreve "Eichmann em Jerusalém" a partir da cobertura jornalística que fez do julgamento do exterminador dos judeus para  a revista The New Yorker. O filme recente da cineasta Margareth Von Trotta nos mostra este episódio da sua vida. E foi então que reencontrei com essa grande figura que nos instiga, que nos faz ... pensar ... e, pensando, compreender melhor (a nós mesmxs e ao mundo).

Hannah revela que o grande exterminador dos judeus não era um demônio e um poço de maldade (como o criam os ativistas judeus) mas alguém terrível e horrivelmente normal. Um típico burocrata que se limitara a cumprir ordens, com zelo, sem capacidade de separar o bem do mal. Esta perspectiva valer-lhe-ia a crítica violenta das organizações judaicas.

Porém, ela apenas estava apontando para a complexidade da natureza humana, para uma certa "Banalidade do Mal" que surge quando se abdica do pensar, quando se compadece com o sofrimento, a tortura e a própria prática do mal. Daí conclui que é fundamental manter uma permanente vigilância para garantir a defesa e preservação da liberdade.

Hannah concluiu que Eichmann dizia a verdade: não se tratava de um malvado ou de um paranóico, mas de um homem comum, incapaz de pensar por si próprio, como a maior parte das pessoas. Essa afirmação é um eco da frase do filósofo e matemático francês Pascal, do século XVII: "Nada é mais difícil que pensar".

Reflexão estarrecedora? Prá mim, foi. E não é a mais pura verdade que pensamos pouquíssimo? E, ao não pensarmos, reproduzimos ideologias que nos condenam à má qualidade de relações, à redução das nossas liberdades, enfim, a uma vida empobrecida?

Já mencionei outros exemplos, vou contar agora somente sobre a “banalidade do mal” no trabalho: pois não é que há cerca de cem anos o “grande cientista” Taylor, que estudava àquela época sobre o que se chamou “trabalho inteligente”, no seu livro “Administração Científica” (ainda “livro de cabeceira” de empresários, administradores e gerentes), dizia... “do trabalhador não se espera a cabeça maior do que a ponta de um alfinete”... bela metáfora: o trabalhador não precisava pensar!!! Deixem isso para os pensadores, os cientistas, você precisa só... obedecer!!! O chefe torna-se aquela figura que, também não pensando, reproduz e perpetua a dominação, o “poder sobre”.

Assim, ao longo desses cem anos, essa idéia tão “embasada cientificamente” repercutiu em terríveis danos psíquicos a todos nós. A fragmentação mente/corpo, ou melhor, a fragmentação pensar/sentir/agir repercute de maneira trágica em todas as nossas relações, na nossa visão de nós mesmxs e do mundo.

Lá pela metade do século passado é que começa a ser incorporado ao estudo das organizações a dimensão humana, com a introdução de disciplinas tais como antropologia, sociologia, história, psicologia. A mudança de paradigma,  ocorre basicamente quando se inverte os passos para o trabalho inteligente, colocando o quarto passo - a parceria - em primeiro lugar, ou seja, antes das técnicas para padronização do trabalho (definir a tarefa, concentrar a atenção nesta tarefa e definir o desempenho).  Atualmente, a idéia - a parceria com o funcionário como ponto de partida para incrementar a produtividade, a qualidade e o desempenho - já é aceita incontestavelmente, embora apresente grandes dificuldades de aplicação na empresa, em função da nossa cultura autoritária e conservadora, assim como do ser humano (forjado historicamente) fragmentado e “não pensante”.



Ela tem outros livros, são muito importantes para a compreensão do nosso mundo. Suas idéias sobre educação são extremamente atuais:

Foto



Depois que ela morreu foi publicado “A Vida do Espírito”, em parte reconstituído após a sua morte a partir de notas dos alunos às suas lições, e que contém a essência das suas observações filosóficas.




Hannah Arendt, a teórica do inconformismo, também defendeu os direitos dos trabalhadores, a desobediência civil e atuou contra a Guerra do Vietnã (1961-1975). Grande SBCense!!! Nossa homenagem...

SantuzaTU




2 comentários:

  1. Tú, adorei a contribuição, acrescentou muita coisa no meu ser. A frase que compartilharei é uma das minhas preferidas dela.

    “Uma vida sem pensamento é totalmente possível, mas ela fracassa em fazer desabrochar sua própria essência – ela não é apenas sem sentido; ela não é totalmente viva. Homens que não pensam são como sonâmbulos.”
    Hannah Arendt

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    1. Obrigada querida, o SBC agradece sua participação... beijos

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