Minha amada
TUTUzinha,
Li mais de cinco
vezes seu texto sobre o amor romântico, até os comentários e também o seu,
sobre como te impressiona o “eu” fora das pessoas em seus comentários, o se
ausentarem como você disse, como se não fizessem parte desse tempo (ainda) em
que vivemos impregnados pelo modelo de relação vassalo/senhor (ou
senhor/escravo ou autoritário/submisso, como queira... acabo de ouvir uma
palestra sobre competências do líder e o palestrante disse de uma que ele
considera importantíssima: o temor, o líder impor temor!!!), relações
assimétricas, isso não somente na relação intima mas em todos os níveis de
relação, como acabo de ouvir! Tutu, você falou da necessidade de humildade, tão
confundida na nossa cultura com humilhação, daí nossa dificuldade em
desenvolver essa tão imprescindível virtude. Me lembro de conversas nossas: é a
humildade que nos traz a noção de tamanho... que não é estática, e sim de onde
começamos a construir para chegar onde queremos... é a humildade que nos dá a
noção de tamanho e nos ajuda na auto estima (que também é construída) e que
gera o amor (próprio e ao outro)... boas conversas...
E não pude também deixar de lembrar outras
maravilhosas conversas sobre nosso grande inspirador, entre outros, Friedrich W.
Nietzsche. Sim, também reli seu post de 23/abril/2013, quando você o coloca na
galeria de SBCences famosos com o belíssimo post: Quem não for louco que atire
a primeira pedra. E fui ler de novo a segunda “Consideração Extemporânea”, escrita
em 1874, intitulada “Sobre a utilidade e
os inconvenientes da história para a vida”, e tão atual...penso que essa
alienação do “eu fora” tem tudo a ver com uma cultura que não deseja o sentido
histórico, pois para a reprodução de tal modelo (aquele do senhor/escravo) é
necessário a “naturalização” de vários conceitos, idéias... formas de ver (e
reproduzir) o mundo.
Como, por exemplo, o machismo estrutural,
não é TU? Sei que você tem pronto uma pesquisa sobre a história do feminismo no
mundo e no Brasil, e quero conhecê-la, não sem antes oferecer minha
contribuição com alguns comentários e recortes sobre esta obra do nosso ídolo,
pois acredito que ajudará todxs a se colocarem nessa história feminina, que é a
de todxs nós, tanto no sentido de nos avaliarmos como cúmplices na reprodução de
machismos que nos fazem sofrer (assim como fazemos sofrer os outros), como
também nos colocarmos como sujeitos ativos na construção de relações mais
livres e bonitas. E que aconteça cada vez menos, por exemplo, aquele caso que
você me contou que te fez sentir tão mal: o da pessoa dizendo que todas as
feministas são chatas, aí você disse que não e que você era feminista... aí a
pessoa te coloca como exceção, você está “acima” das feministas... é muito
inteligente... aí, parece até um elogio!!! porque machuca tanto? Por que, ao me
colocar num lugar de diferente do que ocupo, reforça todo o seu preconceito e
fere exatamente a categoria a qual pertenço... isso você me dizendo e eu
percebendo o quanto fazemos isso, daquela maneira “sutil do tamanho de uma
patada de elefante” como você diz... veja como a ausência de história nos faz
repetir pré-conceitos.
Mas este é somente um exemplo ausência de
história... para a vida. Vamos a ele: Nietzsche
começa citando um seu interlocutor, Goethe: “de resto, abomino tudo aquilo que
me instrui sem aumentar e estimular imediatamente a minha atividade”... que
serve como inspiração introdutória para a discussão polêmica, porém fecunda,
sobre o valor e o não valor da história para a vida. Para Nietzsche, a
instrução que não serve à vida não deve ser alimentada porque se trata de um
saber infecundo, portanto paralisador da atividade humana. A crítica de
Nietzsche é direcionada ao método histórico dos historiadores modernos (da
época – Alemanha de mais ou menos cem anos atrás, e ainda atuais), os quais disseminam na
sociedade alemã um saber histórico estritamente supérfluo, que toma como
valioso o desnecessário e esquece assim de privilegiar as virtudes necessárias
para o desenvolvimento da vida. Ele, então, nos incita a refletir sobre como
podemos utilizar do passado sem esquecer-se do presente que nos liga à vida.
Tu, Nietzsche lembra nosso outro grande
inspirador, Guimarães Rosa, quando diz que viver é muito perigoso, pois a mesma
coisa que me salva pode me matar. Ele, de outra maneira, diz que, com nossas
virtudes também cultivamos, ao mesmo tempo, nossos erros, e se uma virtude
hipertrofiada – tal como o sentido histórico de nosso tempo – pode se tornar
tão boa para a degradação de um povo quanto um vício hipertrofiado. Assim, o homem
que vive a-historicamente, como o animal, vive apenas o presente. Já o homem
supra histórico é determinista, atolado na história. Precisamos da história, na
justa medida, para a saúde de um indivíduo, de um povo e de uma cultura. Olhar
para trás, na consideração do processo, mas tendo como referência balizadora o
presente. Isto implica desenvolver uma atitude de lembrança e, ao mesmo tempo,
de esquecimento, para que a vida não seja arruinada pelos excessos de
memórias. Para Nietzsche, nossa memória
deve funcionar como nosso intestino, ou seja, retendo o que serve para a vida e
jogando fora o que não está ligado a ela, sabendo lembrar e esquecer...
Esta capacidade ele
chama de “força plástica”, o que permite a cultura desenvolver-se,
transformar-se, produzir o novo, o belo, e o que torna possível reverter o
estado caótico do indivíduo, do povo, da cultura, contaminados pela “febre
historicista” (do homem supra histórico, aquele da história monumental, que desenvolve
uma fixação pelo passado, mumifica-o, fazendo-o esquecer-se do presente, um
conhecimento histórico nocivo, vicioso, hipertrofiado). Para evitar que o
passado se torne o coveiro do presente, segundo Nietzsche, é necessário
desenvolver na cultura a força plástica, que é o lembrar e o esquecer necessários
para o desenvolvimento da vida. Sem essa força plástica é impossível que o
homem não seja soterrado pelo passado.
Pensando nisso,
Nietzsche faz uma distinção conceitual, baseada em três formas de se olhar para
o passado, a saber: história monumental, história tradicional e história
crítica. Esta última é a solução, se aplicada em justa medida, para que a pessoa
comprometida com a vida e com o presente, não incorra nos erros das duas
primeiras (história monumental e história tradicional), as quais mumificam o
homem no passado, ao retirar-lhe o sentido da vida, o qual se encontra no
presente.
À história, para
Nietzsche, cabe a tarefa de desenvolver o novo, a partir do olhar para o
passado. Suas três formas de se olhar o passado vale a pena ser vista:
a)
História monumental: Para Nietzsche,
enquanto a historiografia se basear na história monumental, fechando-se somente
na análise dos feitos dos grandes homens, a história será uma deformação do
real. Segundo ele, o homem que quer fazer grandes coisas tem sim necessidade do
passado, mas não pode deixar que os mortos enterrem os vivos.
b)
História
tradicionalista: Segundo ele, os historiadores conservacionistas seriam
aqueles que cultivariam, se possível, todos os objetos do passado, como um
“ferro-velho ancestral”, onde tudo o que fosse bolorento, velho, seria digno de
ser guardado como patrimônio para a sociedade vindoura. Esta forma de avaliar o
passado atribui às coisas um valor semelhante, nisto estaria o seu erro. É um
problema avaliar tudo a partir da mesma escala de valores porque faz com que as
coisas minúsculas tenham a mesma importância dada às coisas mais excelentes.
Essa paixão pelo antigo e, conseqüentemente, veneração do pretérito,
desencadeia no historiador um espírito colecionador, de forma que o novo, o que
estaria em vias de florescer, é rejeitado e esquecido em detrimento do velho,
do bolorento. Quando a história deixa de servir ao presente para mumificar-se
no passado, esta perde o seu fôlego, o que a degenera e a faz sucumbir. É
contra esse tipo de história que Nietzsche insurgir-se-á com mais força.
c) História crítica: Além da forma monumental e tradicional de
olhar para o passado, tem-se um terceiro modo, o crítico. Para Nietzsche, a
história crítica tem a função de interrogar o passado, colocando-o frente ao
tribunal da história, para julgá-lo de acordo com as inquietações propostas
pelo presente. O problema desta forma de se olhar o passado estaria no
exacerbado senso de justiça que o historiador desencadearia, o qual o faria
condenar todo o passado, porque o sentimento de justiça não pode ser
considerado imparcial. Desta forma, o seu veredicto sempre seria a favor de uma
determinada época em detrimento de outra. A busca pela justiça levaria o
historiador a condenar toda injustiça, isto é, todas as formas de representação
do passado.
E aqui, de novo,
ele fala sobre a capacidade de lembrar e de esquecer: ... a solução para não
condenar todo o passado é exercitar o esquecimento. Desta forma, abrindo mão de
um determinado recorte do passado, a vida ganha seu fôlego e se desenvolve. No
entanto, assim como a vida exige o esquecimento para poder se desenvolver, ela
também exige que se rasgue o véu nebuloso que envolve todos os fatos. Para
isto, é necessário o uso da justiça, que é sempre injusta em suas formas de
examinar o passado. Na opinião de Nietzsche, este é um processo perigoso para
vida, porque um julgamento incoerente com determinada época pode desencadear no
presente e no futuro algo perigoso para a saúde de um homem, de um povo, de uma
cultura.
Dá trabalho...
Viver é perigoso... Por que ainda não se sabe... "Por que aprender a viver é que é o viver mesmo"... E é isso é que é bonito... Vale a pena, “quando a alma não é pequena”...
Tutu, minha
querida, espero ter te ( e/ou nos, a todxs nós...) oferecido uma introdução à
História do Feminismo, que estou ansioso por ler. Recorte e cole o que você
achar pertinente.
No mais, minha
eterna admiração e amor...
Raphael
meu querido Rafa... não consegui recortar e colar... tá tão bom!!! fiquei tão feliz!!! aó publiquei na íntegra... estou revendo a História do Feminismo e mando, tá? beijos carinhosos... obrigada pela sua amizade. TU
ResponderExcluirMuito bom, seria tão agradável se conseguíssemos fazer uma "conversa dirigida" com esse texto como base e cervejinhas pra acompanhar e destravar as línguas.
ResponderExcluirLoh.
ótima idéia LOH!!! consultarei o Raphael e marcamos... beijos... TU
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