Deu tudo mais ou menos
certo: ou seja, uma aprendizagem fundamental pra vida, pra quem é SBCense, é a
“convivência com o imperfeito”... pois não é essencialmente humano¿ A questão
humana fundamental não é buscar a perfeição... é buscar a alegria! A liberdade!
Começamos com o pré
carnaval. Relato da nossa diretoria de eventos na sua busca dos adesivos “SBC...FORA TEMER!!!” para o carnaval... isso
foi no sábado. Na volta pra casa, o ônibus lotado, parecia que tinha
um bloco de carnaval dentro do mesmo. E todo mundo cantando e gritando,
inclusive a trocadora. Daí um grupo de mulheres do “bloco” começa a cantar : “Eu
não espero o carnaval chegar pra ser vadia... sou todo dia... sou todo dia!”.
Isso arrepiou nossa diretoria. E começaram a trocar ideias: - lembra daquele
post sobre queer¿ - Isso! Uma redefinição da palavra, a palavra queer era usada
super pejorativamente, na Inglaterra, para designar gay... aí o que eles
fizeram¿ apropriaram da expressão e a resignificaram!!! Queer passou a ser uma
expressão que significa “a liberdade para sair dos padrões e ser quem você
queira” (livre interpretação do significado). – Daí a associação: a expressão
VADIA está sendo ressignificada! VADIA: MULHERES LIVRES!!! MULHERES QUE BUSCAM
“SER” PARA ALÉM DOS PADRÕES, MULHERES QUE SE PERMITEM DESEJAR... (sim, porque
na farsa histórica dos papeis internalizados a qual nos submetemos, nossa
aprendizagem é a de sermos objetos de
desejos... e para isso nos preparamos durante a vida... quase nunca sujeitos desejantes).
Nessa conversa ficamos sabendo que o refrão é
de uma música de Pablo Vittar, cantora, compositora, performer e drag queen
brasileira... SUPER SBCense!!! Ah... e tinha também o adesivo: “Me beija que eu
não sou golpista”... muito solicitado... Amar Sem Temer também...
Outra de pré carnaval, agora
na quinta anterior, em Ouro Preto, no desfile do bloco Vermelho e Branco.
Conversa na porta dos banheiros químicos (vocês não acreditam que tinha três
banheiros masculinos e um feminino!). As mulheres começaram a ocupar os
banheiros masculinos. Ai um homem (aproximadamente 30 anos, branco, classe
média aparentemente) se dignou a fazer o seguinte comentário: - eu não acho que esta
atitude seja empoderamento... mininx!!! As mulheres na fila não quiseram nem
saber... viraram pro homem e, delicadamente, disseram a ele, entre outras
coisas, ou melhor, várias coisas em torno da simples ideia: - e quem deve (ou
pode) dizer pra nós o que deve ou não ser empoderamento¿¿¿ você!!! Ora, ora,
meu caro... não estamos mais “pedindo” a vocês, homens, para definirem pra nós
o que seja (ou não) empoderamento... quem define isso somos nós!!! Palmas,
palmas, palmas... saímos empoderadas da fila...
Bloquinho de criança pré
carnaval: o pai ia levando o filho de mais ou menos 7 anos, fantasiado de homem
aranha... a fantasia devia ser de quando a criança tinha uns 3 ou quatro
anos... imaginem o tanto que estava incomodando o menino, era um macacão e a roupa
estava entrando no rego da criança, que não conseguia nem andar, dava dó... e a
pessoa (SBCense) atrás vendo isso já criou uma imagem mental do que seria aquela
situação: sabe aqueles pais ausentes, que ficam com a criança de tempos em
tempos¿ aí ele só tinha aquela fantasia
e a criança implicou de usar... aí foi... tava risível e de dar pena... e de
refletir...
O desfile do SBC: primeiro
na pizzaria do Leo... choveu de cachoeira e a rua ficou limpinha... então foi
chegando gente... Ai... é uma delícia abraçar pessoas, já conhecidas e ainda
não... dar abraços apertados, oxitocinados... dizem que abraço do lado esquerdo
com o lado esquerdo dx outrx passa mais energia, é mais oxitocinado... aí a
pessoa só lembra depois do automático pelo lado direito... aí ela fica que nem
uma mãe de santo... passa pro outro lado, volta pro lado esquerdo pra sentir a
diferença, vai de novo pro lado direito pra confirmar... e vai abraçando... aí
vão chegando as pessoas fantasiadas... lindas... de todas as idades, cores,
sabores...
Chegam os músicos... e vai
marchinha, marcha rancho, samba... até umas 16:30 horas... aí começa o desfile...
como combinado, cada ano nosso desfile é menor, vamos só “rudiar” o quarteirão
e paramos no bar do Marquinhos, antigo Cartolinha...
E o SBC praticando a
inclusividade... e a reciprocidade... só quem também pratica também a
inclusividade se inclui e se sente incluidx... três lindxs amigos, super
SBCenses, meio que comandaram o desfile, ela fotografando e filmando, o outro
soltando confete e serpentina... e por aí vai...
E já na rua Henrique Gorceix nossa grande mestra na
bateria, com sua visão e sensibilidade, viu uma
senhorinha lá em cima na varanda da casa. Aí comandou a bateria, parou, virou
todo mundo pro lado da casa e começou a cantar uma marcha rancho... sabem a
diferença da marchinha de carnaval para a marcha rancho¿ a marchinha é agitada,
geralmente com letras preconceituosas e machistas, temos que situá-las
historicamente e inclusive isso serve para compararmos com os dias de hoje e
como o machismo é naturalizado (ainda...); já a marcha rancho é mais lenta no
ritmo e na melodia, as letras são mais românticas... as pessoas maiores de 40
adoram... eu... ADORO!!!
Voltando ao desfile e a parada na varanda, foi ao som da marcha rancho (acho que
“A estrela Dalva, no céu desponta...!”) ... a senhorinha ficou emocionada... e saiu
da varanda... e todo mundo gritou: Volta! Volta!!! E ela voltou...
emocionadíssima... e todo mundo ficou também... e dá-lhe mais marcha rancho...
seguimos um tiquinho e outra senhorinha em outra varanda... a mesma cena... lindíssima...
seguimos e viramos a rua Apolo... e aí, vocês nem acreditam!!! Entramos no
asilo!!! E todo mundo adorou!!! Marcha rancho de novo... combinando com as
marchinhas para seguir o cortejo... aí começou outro chuvão!!! Chegamos no
buteco... o que o SBCense adora... duração do desfile:1 hora em ponto.
Continuamos dentro do buteco com nosso famoso Sr. Marcelo e seus sambas
históricos... e aí, alguma chuva depois, São Pedro nos contemplou um arco íris
ma – ra – vi – lho – so !!! meu cel
já estava cheio, não tirava mais fotos... outras pessoas fizeram isso mas ainda
não nos encaminharam... aguardamos. E
foi assim... lindo, como sempre... não! ...como diz o Mestre, “melhor ainda”!!!
Tristezas de carnaval:
claro, gente!!! Não vamos idealizar... tudo no humano tem pelo menos dois
lados, o alegre, prazeroso, e o triste, ruim... o importante é saber reconhecer
os lados e nos posicionar em relação ao ruim (preconceituoso, machista,
desumano, sujo... e tudo mais) nos posicionar combatendo...
E valorizando (e
nos apropriando do mesmo...) o lado
bonito, alegre, prazeroso... e por ai vai... pois é: tem gente que não sabe
valorizar o carnaval como uma autêntica manifestação dx brasileirx. Nós sabemos
fazer política assim! Política aqui no sentido mais amplo da palavra, política
combina com dança, com alegria, com humor, pois não é política a música citada
no começo deste post, a ressignificação da palavra VADIA¿ política é pra fazer
na cama e no mundo (e vice versa)...
Na parte Tristezas de
carnaval, fora os banheiros impraticáveis, os homens mijando na rua, as brigas
de casal...ficamos sabendo de vários casos de truculência da polícia... e,
entre eles, a publicação da nossa querida SBCense Luciana Cezário (sim... você
já é SBCense!) é a melhor denúncia, escrita de uma forma corajosa e leve,
bonita. Segue trechos em que ficamos emocionadxs ao ler:
“Nos
últimos anos em BH vivi coisas muito bonitas na comunhão da festa na rua. Mas
nesse sábado de carnaval, “eu chorei, na avenida eu chorei”. O dia estava
bonito. Céu azul, bombas de amor e de papel, balões coloridos e ato contra a
LGBTfobia. A rua nos brindava com a possibilidade de viver as diferenças,
aprender a convivialidade, tão difícil, em festa.
Mas
ficou o desgosto... Meninos de rua que brincavam o carnaval foram segregados da
festa. Entraram no meio do cordão e dançavam, se divertiam! Crianças pobres
pretas que contrastavam com as crianças brancas que, protegidas por um cordão
reservado a elas, brincavam o carnaval com suas mães. Crianças pobres pretas
que “brilham mais do que milhões de sóis e que a escuridão conhecem também”.
Traziam em seus corpos toda a carga da rua. Não tinham fantasia, tinham o olhar
de quem já tinha vivido muitas coisas – coisas de adultos (mas não quaisquer
adultos). Tinham a corporalidade de quem decide sobre si, sobrevive. Suas
presenças eram dor e alegria ali, na vida da cidade. Agradeci, intimamente,
àqueles meninos por me permitirem conviver com eles em festa. Mas então, tudo
ficou opaco...
Um
senhor branco que trabalhava na organização do bloco aproximou-se e expulsou –
sim, ele EXPULSOU VIOLENTAMENTE – os meninos. Tentei reagir, junto com minha
irmã. Foi pior. Sua cara era de desprezo – “pobres são como podres e todos
sabem como se tratam os pretos”. Ele ficou com mais raiva: retirou os meninos à
força de dentro do cordão, os empurrou, como quem dissesse: “sai cachorro!”. Um
deles tropeçou, caiu. Os filhos de Gandhi foram excluídos do carnaval que canta
o afoxé.
Não
precisava de força. Os meninos não reagiram. Não resistiram. Estão acostumados
a ser expulsos. Eles se foram, desapareceram no asfalto. Não puderam brilhar,
não participaram do carnaval de luta e resistência, não foram bem-vindos na
festa, não puderam celebrar a ocupação do espaço público. Não puderam dançar o
axé que canta a dor do povo negro e sublima em alegria e resistência. Não
puderam ouvir sobre “o Olodum, a onda que virá”, no bloco que canta as seqüelas
racistas. Não puderam. Quiseram, mas não puderam... Poucas pessoas do bloco
parecem ter percebido o acontecimento. Ninguém fez nada para impedir. O senhor
branco continuou com ar prepotente como se fosse o dono do bloco...
Optei
por não tirar foto ou tentar descobrir seu nome, porque não é minha intenção
expor o problema como uma questão individual. É coletiva. E, portanto, precisa
ser pensada coletivamente. O carnaval cresceu, a rua impõe questões
importantes, há que se pautar posicionamentos. Espero que o senhor branco (cujo
comportamento não representa uma atitude isolada) se reveja e que os blocos nos
quais ele participa revejam sua presença ou seu modo de participação.”
Obrigada,
Lu, pela bela e profunda reflexão... sim, o carnaval é (deve ser...) uma festa
inclusiva, de luta, pois não há revolução sem dança... e devemos, sim, aprender
a fazer carnaval, a fazer política, a lutar e a conviver. Tudo isso nos
orientando pelo sentido estético, o sentido do bom, do bonito pra vida.
Aprendamos a fazer da sua frase um “mantra”: “Que o carnaval seja momento de cura social e não nova ferida aberta
na cidade”... Amém... Assim seja...
Ultimo assunto carnavalesco (ou carnavalístico...):
APROPRIAÇÃO CULTURAL. Nossa... este assunto merece outro post... São aquelas
conversas SBCenses super enriquecedoras, que valem a pela ser compartilhadas
pois, imaginamos, devem enriquecer outras pessoas. Fazer refletir...
Só uma introdução ao tema: a pessoa queria, dentro
do nosso tema MULHERES DO BRASIL, se fantasiar de india... nada demais...
SIM!!! Tudo demais!!! Trata-se de uma apropriação cultural!!! A mulher é branca
e quer se fantasiar de india, quer fazer uma “homenagem” às indias (ou às
indigenistas¿) Vixi gente!!! Isso gerou uma polêmica daquelas... O que é e o
que não é “apropriação cultural”¿ Tomar saquê é uma apropriação cultural¿
apreciar a arte de outras culturas vem a ser uma apropriação cultural¿ Apropriação cultural não faz parte da globalização? Não fazemos uma certa
confusão entre “a cultura é de todos” e a “indústria cultural($$$)”¿
Oficialmente, o conceito de apropriação cultural: “a adoção indevida de elementos específicos
de uma determinada cultura por membros pertencentes a outra”. Não oficialmente podemos explicar da seguinte forma: quando indivíduos, geralmente brancos, privilegiadxs, acostumados a ter "tudo", se apossam de elementos de uma cultura
que desconhecem ou até mesmo ignoram. Ou seja, a apropriação cultural tem a ver com a cultura dominante (europeia no nosso caso) se ver no direito de usar elementos de outras culturas, sem nem saber o que significam e, as vezes (como já aconteceu na história), destruindo o significado e a própria cultura e identidade do outro.
O samba, hoje reverenciado e todos enchem a boca para dizer que é um marco
nacional, foi uma apropriação cultural, pois é um ritmo negro, Quando ele surgiu
foi visto como coisa de “malandro”, como perseguido e reprimido, inclusive pela
polícia. E agora ele é de todos? Quando se tornou de todos? Ou melhor, quando
ele virou interessante? A capoeira também...
Algumas pessoas se viram, na maioria das suas
argumentações, na posição de “branquelas”, europeizadas... aquela posição do colonizador
que “se acha” e acha que pode tudo... outras se viram na posição radical (de ir
na raiz e, as vezes, abrir conflitos desnecessários, que impedem a comparação
por semelhanças, já que a comparação implica em buscar semelhanças e
diferenças). E, por fim, as que só souberam e praticaram o “abrir perguntas” e
da “arte” de permanecer com as mesmas, sustenta-las, suportar a ansiedade da
“não resposta pronta” (o que pode ser escravizador... ou submetedor...).
São lindas, interessantíssimas, as pessoas que tem incertezas, dúvidas... e não sentem necessidade de dar opiniões cheias de "verdades" em tudo... melhor, procuram saber mais... são SBCenses...
Só uma coisa ficou certo entre todxs: a arte,
a necessidade imperiosa... de se praticar o
R E S P E I T O ao que é
diferente de você...
ÔCHI... e terminamos por aqui...
Abraços oxitocinados a todxs...
Santuza TU