Vale: entre a carência social e a riqueza cultural.... "Rio largo cheio de peixes" é o significado da palavra Jequitinhonha, de origem indígena.
Conversas sobre o Vale do Jequitinhonha sempre me remetem à infância. E, lembrando da infância no Vale, começo a conversar com tia querida, e ela lembra de doidos e doidas da sua cidade. Parece que em toda cidade do interior, "no século passado" (não sei como é agora...), tinha uma doida e/ou um doido... as crianças, não sei bem porque, adoravam brincar com eles e elas. Talvez agora isso fosse considerado um bulling, ou não politicamente correto, mas o fato é que, "naquela época", nós tínhamos um misto de pilhéria e carinho por essas pessoas.
A tia lembra de muitas doidas e doidos... e conta e ainda morre de rir:
. Tinha o Colete Preto (ele odiava ser chamado assim, embora só andasse com o colete preto): muito religioso, acompanhava todas as procissões cantando Ave, Ave, Ave Maria! La La La La La La La La La La La La (são 12 Las, formando a melodia)... e, no final do Ave Maria, ele ouve de um garoto: Colete Preto!... continuando a canção, no mesmo tom, ele responde: Co Le Te Pre To É A Pu Ta Que Pa Riu...
Nossa querida SBCense Antonieta se encanta com o tema e manda o texto:
É mentira da Maria ela tem é uma só. "
Este é um pedaço de uma música que a meninada sempre cantava correndo atrás de uma moça que andava pelo bairro onde eu morava quando criança.
Maria estava sempre suja, maltrapilha, faminta, entretanto, sempre cantando. Sobre Maria, ninguém sabia nada. De onde vinha ou para onde iria. Quem eram seus pais, se tinha irmãos ou parentes. Sabíamos apenas que ela estava sempre por ali. Para nos amedrontar, nossas mães sempre falavam: "A Maria vai te pegar e vai colocar você debaixo das saias dela." Era uma ameaça que sempre escutei enquanto era criança. Por isso, talvez, como uma forma de nos proteger, sempre que a víamos, cantávamos a musiquinha . Ela então ficava irritada e fugia para bem longe.
Passávamos dias sem ver Maria. Até que, sem mais nem menos, ela aparecia.
Me lembro sempre a música que Maria cantava:
"Se você pensa que meu coração é de papel, não vai pensando pois não é. Ele é igualzinho ao seu e sofre como eu, para que fazer chorar ao léu, meu coração que não é de papel."
São lembranças de uma infância feliz. Entretanto algumas interrogações até hoje ficaram como interrogações. Quem era Maria? Por que ela vivia cantando sempre a mesma música?
Por que as pessoas adultas não ajudavam aquela pessoa sair daquela situação? O que foi feito de Maria?
Nunca soube. E por muito tempo esta lembrança ficou guardada no fundo da minha memória. Até que um dia, no nosso sarau as quartas feiras no ASA DE PAPEL, a amiga Santuza, lê o poema do MASCATE DE METÁFORAS (como ele mesmo se intitula) Caio Duarte, adivinha de onde ? Claro, do Jequitinhonha, nasceu em Almenara mas viveu, desde a infância, na cidade de Jequitinhonha:
Se eu tivesse, hoje, passado tantos anos, a oportunidade de encontrar com aquela Maria da minha infância, eu talvez cantasse outra música. Talvez a música do Milton Nascimento:
Entretanto, eu gostaria que, onde Maria estiver, ela saiba que ela fez parte da minha história.
E continuamos nossa conversa sobre loucos e loucas das nossas infâncias, agora de toda Minas Gerais:
A outra tia me conta: na minha terra, Itambé, tinha um doido que quando a gente dizia OI ele respondia: OI DO CU... e a gente "rachava os bico" de tanto rir...
E a outra me conta de uma lembrança de tempos de internato em Montes Claros: fazíamos uma fila para sair da igreja, e lá estava ela na porta. As freiras recomendavam: não cumprimentem a Edith!!!Acha que obedecíamos? claro que não! já estava tudo combinado: passávamos pela Edith caladinhas, mas a última da fila ... Bom dia Edith! aí a Edith começava: BOM DIA... BOM JOUR... COMENT PASSÉ VOUS... TRES BIEN... MERCI BEAUCOUP... TEM BOI NA LINHA TEM TEM TEM... TEM BOI NA LINHA CATARINA VAI E VEM... e Edith ficava repetindo essa fala até a tarde, quando voltávamos à igreja. Algumas de nós achava graça, outras ficavam com pena da Edith, coitada...
Pois foi com ela que me interessei por aprender francês, pois não sabia o que ela falava. Além disso, virei super fã da Edith Piaf, e aprendi que "a vida é rosa".
Aprendi com Judith, também, um pouco sobre o Nordeste, o forró pesado; o significado de 'boi' (marido traído, chifrudo); e 'boi na linha', que é quando alguém é intrometido, enxerido, curioso e fofoqueiro. E tem até uma música do Djavan que fala sobre 'boi na linha'! Do álbum ALUMBRAMENTO, lançado em 1980:
Não podíamos deixar de fazer uma homenagem à nossa "madrinha" do primeiro desfile do Carnaval do SBC, em 2023 nosso bloco fará 10 anos! Inspirados no nosso "patrono" Caetano": "De perto ninguém é normal, homenageamos Dona Olímpia: "catadora de reciclo nas ruas de Ouro Preto, precursora dos hippies, perambulava pelas ruas daquela cidade contando histórias do tempo do império, histórias da sua vida, da sua família, diz que ela ficou meio pancada depois de uma desilusão amorosa (o pai não a deixou se casar com o homem da sua vida, acho que porque ele não era nobre), aí ela resolveu sair de casa e mais tarde se nomeou uma espécie de recepcionista do turista que chegava a Ouro Preto, ela ficava na Praça Tiradentes recebendo as pessoas até a sua morte lá pro final da década de 70, SBCense com um pouquinho mais de história se lembra dela, os que não se lembram entrem o Google e pesquisem, é muito bacana" (nosso post de 22.outubro.2012, nos preparando para nosso primeiro desfile , que seria em 2013.
Ela andava com um cajado e se vestia com muitas sobreposições, uma roupa por cima da outra:
E um dos comentários nesse post, uma 'quase poesia', que adoramos: "Perca a razão, perca a piada, perca até o fio da meada... Mas não perca a PIROPA!", não sabemos de quem é, está unknown... pena... e também dizia: "meu lema para 2013"... tomara que tenha sido bem sucedido(a)!
Enfim, projeto para Carnaval 2213 é misturar o TÁ CAINDO FLOR com ARTE, POESIA E LOUCURA... além de POLÍTICA e DEMOCRACIA...
"DE POETAS E DE LOUCOS, TOMOS NÓS TEMOS UM POUCO", como dizem a Angel e a Rochelle, duas loucas SBCenses da melhor qualidade...
Até a próxima, abraços carinhosos aos loucos e loucas...
Muitos dos doidivanas da minha terra chegaram via linha férrea, não necessariamente em trens, mas seguindo os trilhos em paralelas vindo de outros lugares e acabavam se estabelecendo na cidade!
ResponderExcluirAbs.
Tadeu Oliveira Romão
interessante... bom saber...
ExcluirExcelente!
ResponderExcluirEm BH também tínhamos o doidinho e a doidinha do bairro e quando víamos um deles subindo a rua saíamos correndo cada um por um canto.... pois nossos pais e avós criavam medo na gente e isso deixou marca na infância... por onde andam??? Não sei... nunca parei para relembrar essas pessoas... essa narrativa que me levou às lembranças
ResponderExcluirNúuuu....lembrei dos doidinhos da minha infância que eu morrria de medo e uma não era doida, coitada! Hj sinto saudades e se pudesse voltar ao tempo, com certeza me sentaria com eles num banco de praça e ficaríamos horas a prosear uns causos!
Eu sou a Rosária, Rosa, Rô!
ResponderExcluirObrigada Rosa... sua doida!!! Rsrs
ResponderExcluirAbordagens excelentes! Parabéns Santuza! Lembranças, fatos e inspiração. Grande abraço.
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